quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Reflexão do dia - Luiz Weneck Vianna

“A política é capturada pelo Estado; de outra parte, o presidencialismo de coalizão em vigência converte os partidos políticos em partidos de Estado e sem representação significativa na sociedade civil. Tal configuração veio a ser reforçada pela crise de 2008, levando a uma revalorização acrítica do Estado Novo e até mesmo de governos do regime militar”


(Luiz Werneck Vianna, no 33º Encontro Anual da ANPOCS, Caxambu/MG, de 26 à 30/10/2009).

Merval Pereira:: Decepções

DEU EM O GLOBO

A “decepção” que o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, está sentindo em relação a Lula, aquele que ele definiu como “o cara” para o mundo, dandolhe um upgrade internacional, parece ser a mesma que o assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia, detectou recentemente em relação a Obama. “Lula ainda tem grandes expectativas, mas o fato é que hoje há um certo sabor de decepção”, disse Garcia.

A crescente influência na América Latina do Brasil, líder regional inconteste, que tem dado demonstrações de ser pelo menos condescendente com líderes de países claramente antiamericanos como o Irã e a Venezuela, decepciona Obama. Certamente ele esperava que o presidente Lula levasse o Brasil a ser um parceiro mais próximo dos Estados Unidos, e está se mostrando mais próximo do Chávez do que se poderia supor.

O governo americano ficou muito preocupado com a passagem do Mahmoud Ahmadinejad pelo Brasil, Bolívia e Venezuela, onde consideram que o presidente do Irã teve apoio a seu programa nuclear que, dias depois, foi condenado pela Agência Internacional de Energia Atômica, ligada à ONU.

Também a crise política de Honduras anda afastando os Estados Unidos do Brasil, que estiveram próximos no início dela. Honduras é um país sem importância alguma para a geopolítica brasileira, e está sob a esfera de influência do México e dos Estados Unidos.

A crise de destituição do presidente eleito Manuel Zelaya só entrou no radar da diplomacia brasileira por instância da Venezuela, já que Zelaya havia levado seu país para dentro da Alba (Aliança Bolivariana para as Américas).

Seguindo os passos de seu líder Hugo Chávez, tentou utilizar em Honduras uma “tecnologia institucional” exportada pelo bolivarismo: a alteração da Constituição por meio de um plebiscito para a permanência no poder.

Reconhecer o novo presidente eleito de maneira legítima no último domingo foi a opção dos Estados Unidos e começa a ser uma alternativa de diversos países europeus, enquanto o Brasil vai ficando isolado na sua posição.

Outra situação delicada para a nossa política externa é a extradição do terrorista italiano Cesare Battisti, condenado na Itália à prisão perpétua. Lula parece disposto a confirmar o asilo, mesmo com o governo italiano pressionando, e o Supremo Tribunal Federal tendo aprovado a extradição.

Esses percalços externos se contrapõem à imagem internacional que o presidente Lula vem cultivando. Fidel Castro, o ditador de estimação dos petistas no poder, dividiu os governantes de esquerda da região em “revolucionários” e “tradicionais”.

A esquerda “tradicional”, que seria representada por políticos como Lula ou Michelle Bachelet, do Chile, ou Tabaré Vázquez, do Uruguai, já não responderia às necessidades dos povos latinoamericanos.

Os “revolucionários” Chávez, da Venezuela; Evo Morales, da Bolívia; Rafael Correa, do Equador; ou Daniel Ortega, da Nicarágua, refletiriam as reais aspirações das populações latino-americanas.

É por isso que Lula, desde a primeira aparição para os “donos do mundo” em Davos, no Fórum Econômico Mundial, em 2003, é tratado como “o cara”, mesmo antes de o presidente Barack Obama identificá-lo como tal.

Mas foi sem dúvida depois da crise internacional que abalou o mundo e a crença na autorregulação do mercado financeiro que a figura de Lula ganhou destaque na mídia internacional, não apenas por suas posições audaciosas, como quando culpou os “louros de olhos azuis” pela crise, mas também pela performance da economia brasileira.

O governo Lula saiu-se bem da primeira grande crise internacional que enfrentou, e os “louros de olhos azuis”, cheios de culpa, o escolheram como exemplo do novo mundo que precisa ser construído dos escombros do antigo.

Lula tem o perfil necessário para se transformar no novo líder mundial: presidente de um país emergente, ele mesmo um emergente em seu país, vindo da pobreza extrema, cuida de tirar da pobreza extrema seus conterrâneos.

Ao mesmo tempo, mantém as regras fundamentais da economia, garantindo o pagamento da dívida e abrindo para o investimento estrangeiro um mercado ávido em obras de infraestrutura, além de garantir juros altos para os investidores nacionais e internacionais.

A esquerda que Lula representa dá tranquilidade à comunidade internacional, que ainda conta com sua interferência para conter os ímpetos revolucionários dos demais líderes latinoamericanos.

Mas aí entra em campo um paradoxo de difícil entendimento para estrangeiros: faz muito tempo que o governo Lula usa a política externa como um contraponto à política econômica ortodoxa que manteve do governo anterior.

Uns consideram que seria uma espécie de compensação para a militância, enquanto não há espaço internamente para uma guinada à esquerda. Outros acham que é apenas isso, uma compensação em troca de tocar a economia nos padrões internacionais.

Mas à medida que vai aprofundando seu esquerdismo na política externa, vai se aproximando mais e mais de Chávez, e se afastando da comunidade internacional, embora precise do apoio dela para se manter como interlocutor importante e, no limite, continuar sonhando com uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU.

Mas votando na contramão do mundo ocidental, ou no máximo se abstendo, como no caso do Irã, ao mesmo tempo em que pode garantir eventuais votos desses “parceiros” terceiromundistas, vai conseguindo se tornar não confiável aos olhos das grandes potências internacionais, que, no fim, têm os votos decisivos.

Lula pode vir a ter um problema de equilíbrio entre seu prestígio interno e o externo. A importância que o Brasil ganhou nos fóruns internacionais tem mais a ver com o êxito na economia e com sua fama de ser o representante de uma esquerda civilizada do que o contrário.

Dora Kramer:: Responsável de plantão

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Quando o primeiro escândalo de corrupção do governo Luiz Inácio da Silva emergiu das imagens de Waldomiro Diniz, então braço direito do então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, extorquindo o dito empresário Carlos Augusto Ramos, também conhecido como o bicheiro Carlinhos Cachoeira, de imediato todas as vozes se levantaram em defesa de uma reforma política "profunda".

A tese por trás da proposta era a de que a culpa é do sistema político, eleitoral e partidário daninho.

De lá para cá, repete-se a mesma cantilena a cada novo caso escabroso de corrupção, conferindo-se à reforma política o status de solução de plantão para todos os males.

Por esse raciocínio, o "sistema" é que seria o grande corruptor de pessoas inocentes, cujo desejo de governar para fazer o bem só se realiza ao custo da adesão à realidade nefasta fazendo política com as mãos sujas, não obstante o coração permaneça imaculado. Seria o preço a pagar.

Essa lógica sustentou o discurso de quem queria uma justificativa para apoiar a reeleição de Lula, mas não tinha coragem de dizer que estava pouco ligando para a ética. Esta servira como bandeira de oposição, mas atrapalhava a execução do projeto de poder.

Isso no caso do PT. Nos partidos que não haviam feito nenhum trato explícito com a ética na política, nem se apresentam justificativas.

Muito embora também se agarrem com veemência na defesa da reforma política na hora em que a assombração transita por seus terreiros.

Depois da manifestação espontânea ao modo de Pôncio Pilatos - "as imagens não falam por si"-, orientado por sua assessoria sobre a ultrapassagem do limite do aceitável, o presidente Lula passou a considerar "deplorável" o que todo mundo viu sobre as atividades da quadrilha que atuava no governo de Brasília.

E, claro, atribuiu tudo à ausência da reforma política, acrescentando desconhecer as razões pelas quais ela não é aprovada. Levantou, porém uma suspeita: "Provavelmente porque os parlamentares seriam afetados pelas mudanças."

Para um gênio da política, Lula se mostra um tanto ingênuo. E esquecido. O primeiro enterro da reforma, ainda no primeiro mandato, ocorreu porque os partidos de sua base trocaram o arquivamento por votos a favor do projeto - fracassado - da reeleição do então presidente da Câmara, o petista João Paulo Cunha.

O funeral seguinte deu-se agora em 2009 pela conjugação de interesses dos partidos do governo e da oposição que, no lugar da reforma, aprovaram uns remendos que facilitaram sobremaneira o uso do caixa 2 e encurtaram os prazos para punições, na prática impedindo cassações de eleitos, inclusive os deputados de Brasília agora pegos com as mãos imundas na botija.

Isso quer dizer que o defeito primordial não é das regras - de fato defeituosas - é da deformação das pessoas, da permissividade geral e da impunidade de que desfrutam.

Vice versa

Se mesmo antes do escândalo de Brasília a composição da chapa presidencial do PSDB com o DEM na vice já era uma possibilidade para lá de remota, agora virou algo fora de cogitação.

No mês passado mesmo o tucano presidente do partido, senador Sérgio Guerra, dizia pública e textualmente que a dupla do governo Fernando Henrique "já deu o que tinha de dar".

Nem a ala do DEM, liberada pelo presidente, o deputado Rodrigo Maia, que ressuscitou a proposta recentemente a levava muito a sério. Apenas achou que não devia "entregar os pontos" e usar a exigência da vice para se valorizar.

A fatura do DEM para o apoio em 2010 já fora cobrada e paga anteriormente: a eleição de Gilberto Kassab para a Prefeitura de São Paulo.

Sabem de tudo

Em relação a José Roberto Arruda, nem o DEM nem eleitorado de Brasília nem os partidos que faziam parte do governo podem alegar que a cigana os enganou.

O DEM aceitou a filiação, o eleitor votou e o PSDB se juntou a um reincidente. No caso dos tucanos é ainda mais grave, porque Arruda havia sido convidado a sair do partido no episódio da violação do painel do Senado.

Sempre estiveram todos cientes de que grande quantidade de políticos, já eleitos ou candidatos, processados são potenciais criadores de casos e crises.

Não só eles, claro. Os de boa reputação também podem vir a prevaricar, mas seria um grande avanço se a Nação aderisse ao lema de que é melhor prevenir do que remediar.

Começando por pressionar o Congresso a aprovar a emenda constitucional de iniciativa popular que proíbe o registro de candidaturas de gente condenada em pelo menos uma instância judicial.

Aliás, Parlamento que continua ignorando a emenda que está nas mãos dos líderes dos partidos na Câmara não pode se espantar com nada nem tem moral para censurar ninguém.

Notadamente se o presidente da Casa figura em lista secreta de empreiteira.

Clóvis Rossi:: Memória da falência da UDN

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O leitor é incapaz de imaginar o alívio de não ser mais obrigado a me indignar neste espaço seis dias por semana. Agora são só dois. O pior era ler que as críticas à corrupção no Brasil eram "udenismo". Não duvido que haja "udenismo" por aí, mas, no meu caso, é indignação mesmo -e tenho a leve sensação de que esteja super-híper-blaster justificada.

Por falar em "udenismo", meu colega de página Marcos Nobre, excelente analista por sinal, afirmou na sua coluna de terça que a política brasileira se "peemedebizou".

Não acho não, caro Marcos. A corrupção política no Brasil antecede de muito o PMDB e até o MDB, a versão supostamente mais autêntica que o precedeu.

"Udenismo" é um elogio ou acusação, dependendo de quem o usa, derivado do ataque frontal da União Democrática Nacional ao governo Getúlio Vargas a partir de 1950. "Mar de lama" era a expressão que mais se usava. Nem importa se a expressão correspondia aos fatos ou não. A percepção era tão forte que o presidente se suicidou.

Pouco depois, veio o golpe de 1964, que usou como pretexto não apenas o combate "à subversão" mas também à corrupção -sinal óbvio de que a percepção de corrupção era suficientemente forte para ser usada como uma espécie de habeas corpus para o golpe.

A ditadura pareceu ter sido menos afetada pela corrupção apenas porque a censura bania boa parte do noticiário a respeito. Volta a democracia e o PT, o partido que posava de vestal, uma espécie de UDN supostamente de esquerda, "fez o que todo mundo faz", segundo seu presidente de honra, um certo Luiz Inácio Lula da Silva.

Fez "caixa dois", coisa de bandido, como ensinou o então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos.

Tudo somado, cabe à perfeição o grito "se gritar pega ladrão, não sobra um, meu irmão". Nem as UDNs de hoje ou de ontem. Que país.

Eliane Cantanhêde:: E nós com isso?

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O golpe do panetone na capital da República atinge a candidatura tucana à Presidência por motivos óbvios: enfraquece a imagem, o discurso e os palanques da oposição e aquece a brigalhada infernal entre PSDB, DEM e PPS. Mas a maior vítima é outra.

No resto do país, a sensação é de "mais um", mas, no DF, o escândalo bate direto em 2,6 milhões de pessoas que vivem aqui e, na grande maioria, estudam, trabalham, produzem e pagam impostos.

Caíram na rede o governador José Roberto Arruda, o vice Paulo Octávio e o presidente da tal Câmara Legislativa (tão cara quanto inútil) -e há integrantes do Tribunal de Justiça na fila.

Quem sobra para administrar a cidade, cuidar de saúde, educação e segurança, tocar obras em andamento, projetar o futuro, atender o telefone? Ninguém.

Essa realidade cruel de hoje remete para a falta de perspectiva. Arruda já vai tarde, Roriz não perde por esperar. Com Cristovam Buarque desmobilizado, o PDT sem estrutura e o PSDB sem nomes, sobra para 2010 a opção Agnelo Queiroz, recém-chegado do PC do B ao PT.

Mais uma aposta, ou mais uma aventura.

Quem chega de avião a Brasília dá de cara, já no "balão do aeroporto", com uma placa colorida de contagem regressiva para o aniversário de 50 anos da cidade, em 21 de abril de 2010. Quatro anos depois, vem aí a exuberante Copa do Mundo.

Engenheiro, ex-secretário de Obras na primeira gestão Joaquim Roriz (a história vem de longe...), Arruda, no seu próprio governo, esburacou a cidade toda e iniciou projetos, contratos, empregos e obras grandiosas para os dois eventos que, evidentemente, se embolam com a eleição do ano que vem. Até Madonna está, ou estava, nos arranjos da programação.

Com tanta chuva, o risco é a buraqueira e as obras virarem um mar de lama. Como todo mundo sabe, menos Lula, "uma imagem vale por mil palavras". Pobres brasilienses.

Maria Inês Nassif :: O juiz da moral e a moral do juiz

DEU NO VALOR ECONÔMICO

A oposição brasileira não se livrou do fantasma udenista nem mesmo quando a ditadura extinguiu o quadro partidário e instituiu o bipartidarismo, em 1966. O pluripartidarismo foi restabelecido no início da década de 80, a União Democrática Nacional (UDN) jamais voltou à luz do dia, mas o partido de Carlos Lacerda sempre foi o grande modelo de oposição no Brasil.

O udenismo pode ser definido como uma ação política firmada num discurso de muita agressividade, em que a retórica moral e moralista é tornada pública, reiterada e repetida de modo a tornar-se impositiva, um padrão que deve ser aceito como uma verdade para todos.

O discurso é construído com base em interpretações sobre fatos que são refratados sob a ótica do moralismo e quase nunca os expressa com o seu exato tamanho, mas de forma muito amplificada, de acordo com a necessidade de propaganda política. A construção do discurso é, assim, emocionalizada - é pela raiva que tenta a adesão ao discurso. No passado - e no limite -, a emocionalização do discurso moral encontrou abrigo não apenas nos setores médios da sociedade, mais vulneráveis a ele, mas também nos setores militares. A UDN foi o braço civil do golpe de 64; o propagandista do movimento político e militar; o partido que mobilizou os setores médios e conservadores. O udenismo fez propaganda política para tentar a conquista o poder pelas urnas, mas não só isso: também para cooptar os aparelhos de coação do Estado, se a estratégia eleitoral fracassasse. O udenismo, portanto, trafegou tanto pelas vias democráticas como por instâncias não democráticas de ascensão ao poder.

Na retórica udenista, os julgamentos morais são reiterados e repetidos como verdade, mesmo que exagerados ou injustos, porque se trata também de fixar, perante um segmento da opinião pública, aquela parte como a legítima julgadora moral dos demais atores que se movem no cenário político. É aquele que domina a retórica agressiva, o depositário da verdade, o juiz da moral nacional, o fiscalizador - e todos os contrários à retórica são os objetos da desconfiança nacional, os desonestos e impatriotas.

O PT adotou um discurso com alta dose de moralismo e agressividade no período em que se manteve na oposição, embora tenha sido um partido de massas pelo menos até 1994, quando a opção pela "institucionalização" o transformou em algo mais parecido com um "partido de quadros". Ainda assim, o discurso de oposição petista foi seduzido pelo udenismo. A mística da "moralidade" - entre aspas, sim, já que ela não passa de um discurso - levou o PT oposicionista a reduzir a sua prática política a uma oposição "moral". Na verdade, tratava-se, no caso, de romper uma barreira de resistência eleitoral que o mantinha no segundo turno em todas as disputas presidenciais, mas o derrotava pela falta de adesão de classes médias mais conservadoras. Ainda assim, esse é um discurso tão fácil que contaminou e marcou a oposição parlamentar petista nos governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002)

Guindado ao poder federal pelo voto, o PT abandonou o discurso udenista. Em 2005, com o escândalo do mensalão, foi descaracterizado como a parte política que dominava o discurso moral - aquele que definia padrões de moralidade para os demais do cenário político.

Ascenderam à posição os dois principais partidos oposicionistas, o PSDB e o então PFL, hoje DEM. O partido do governador José Roberto Arruda (DEM-DF) assumiu o papel udenista com mais agressividade e trazia no bolso enorme similaridade com a velha UDN: é um partido conservador, de quadros, com facilidade de penetração tanto nas classes médias como em setores militares.

Não existiam muitas alternativas para um partido sem lideranças e em declínio do que aproveitar essas características e tentar assumir o lugar de guardião da moralidade. Todo o embate do DEM feito contra o governo do presidente Lula foi moral e moralista. Esse mesmo padrão foi seguido pelos partidos oposicionistas aliados no Congresso, que coincidentemente eram quase os mesmos que davam sustentação ao único governador eleito pelo PFL. O discurso de alta dose de agressividade e moralismo foi o adotado também pelo PSDB e pelo PPS. O chamado Escândalo do Mensalão, de 2005, nunca deixou de ser usado por esses partidos contra o PT e Lula como um pecado coletivo, a ser purgado por todos os petistas e todos os integrantes de partidos aliados; o recurso às CPIs fazia parte da agressividade que os credenciaria, pelo menos junto a parte da opinião pública, como os fiscais morais da política. Toda a estratégia política da oposição foi montada com essa perspectiva, e a partir do episódio moral que subtraiu de vez do PT as credenciais de juiz moral da política brasileira.

O escândalo do Distrito Federal, que está sendo chamado de Mensalão do DEM, tende a forçar a mesma situação do chamado Mensalão de 2005: o esvaziamento de um discurso moral udenista. Isso acontece de forma mais precoce, já que não precisou o partido voltar ao poder para que isso acontecesse. O DEM tende a perder a agressividade nesse discurso - e é difícil imaginar que o PSDB e o PPS não sigam o mesmo caminho. É um dado importante da campanha eleitoral que se avizinha: os dois lados da disputa passam a ter as mesmas armas para um discurso moral agressivo.

Existe uma diferença fundamental entre o moralismo udenista e a ética. O moralismo udenista aumenta, exagera, cria situações-limite - e relativiza a ética, ao distorcer fatos e forçar julgamentos coletivos pautados por fortes ondas de comoção. Por esses critérios moralistas, é feita uma confusão intencional entre moral e ideologia - passam a ser taxados como imorais opções político-ideológicas justificáveis numa democracia. Essas situações são facilitadas quando o partido - ou o espectro político - que se coloca como juiz da moralidade consegue bom trânsito em setores conservadores. Essa confusão produziu muitos danos políticos nos últimos governos. Que o escândalo do DF permita a retomada da racionalidade do debate político.

Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras

Congresso derruba última chance de Zelaya

DEU EM O GLOBO

Presidente deposto de Honduras é derrotado em votação em que não teve apoio sequer de seu próprio partido

Flávio Freire Enviado especial

TEGUCIGALPA. O Congresso Nacional de Honduras enterrou ontem a última chance de Manuel Zelaya voltar à Presidência do país para terminar o seu mandato, em 27 de janeiro, quando assume o novo governo.

Numa sessão marcada por marcha fúnebre, oração e até um vídeo em que o presidente deposto foi chamado até de mentiroso, a maioria dos 128 deputados ratificou o golpe comandado pelo governo de fato.

Com nove horas de sessão, o Congresso somava às 22h44m (em Brasília) 65 votos, a maioria da Casa, o que encerrava as chances de Zelaya ser reconduzido ao poder. Apenas sete parlamentares haviam votado a favor do presidente deposto.

O governo interino argumenta que o ex-presidente tentara, com um referendo para reformar a Constituição, instituir a reeleição, proibido no país. Para evitar o processo, os militares o tiraram de casa em 28 de junho, ainda de pijamas, e o levaram para a Costa Rica.

Sem acordo com o governo deposto, o Partido Nacional de Honduras — ao qual pertence o futuro mandatário, Porfírio Lobo — decidiu votar ontem em bloco contra a restituição de Zelaya, eliminando as chances de o presidente deposto voltar ao poder, ainda no começo da sessão.

Com a decisão da bancada nacionalista, a votação começava, tecnicamente, com 55 votos contra Zelaya, mas cada deputado teve de informar o voto individualmente.

O próprio partido do presidente deposto não chegou a um consenso. A maior parte dos liberais votou a favor do presidente interino, Roberto Micheletti.

— Ao não reconstituirmos Zelaya, afastamos também Hugo Chávez do nosso país — disse o deputado Juan De La Cruz Avelar. Zelaya se aproximou do presidente venezuelano, criando no país uma massa crítica em relação ao seu governo.

“Levando em conta as declarações do ex-presidente Manuel Zelaya, que tem se manifestado publicamente contra o acordo São José-Tegucigalpa, e que nos brindou com declarações claras contra as eleições limpas e transparentes disputadas no país (...) nos manifestamos a favor da ratificação do decreto 141-2009, aprovado em 28 de junho de 2009”, informava o documento do PN.

A avaliação no Congresso é a de que o próprio Zelaya afastou as possibilidades de um acordo para retomar a Presidência. Terçafeira, Carlos Reina, um de seus principais assessores, deixou a embaixada brasileira para informar que o presidente deposto pretendia permanecer no comando do país além de 27 de janeiro, como forma de compensar o período em que esteve fora.

Teria sido a pá de cal.

Ruas em torno do Congresso foram fechadas Confirmada a decisão parlamentar em não reconhecer o governo deposto, o futuro presidente do país terá de criar uma política específica para convencer parte da comunidade internacional, que não pretende reconhecer seu governo como legítimo.

Zelaya, por sua vez, teria endurecido o discurso justamente porque tem como principal interesse a constituição de um tribunal ligado a ONU para julgar os seus delitos.

Do lado de fora do Congresso, 500 homens da Polícia Nacional e do Exército fecharam as ruas de acesso ao Congresso. O comércio também foi obrigado dispensar os funcionários. Usando fuzis, os soldados evitavam qualquer aproximação do grupo de militantes que protestava na praça central de Tegucigalpa.

Ao som de reggaetom, o estilo musical mais apreciado no país, os oposicionistas ao governo interino gritavam palavras de ordem, mas não arriscavam atravessar a rua que os separavam dos militares.

Argentina aprova nova lei eleitoral

DEU EM O GLOBO

Medida que cria primárias 2 meses antes de eleições beneficia Casal Kirchner

Janaína Figueiredo
Correspondente

BUENOS AIRES. Um dia antes da posse do ex-presidente Néstor Kirchner (2003-2007) como deputado, o Senado argentino aprovou ontem, por 42 votos a 24, a lei de reforma política enviada pela Casa Rosada após a derrota nas eleições legislativas de junho e duramente questionada pela oposição. Para o governo era fundamental obter sinal verde do Parlamento antes do dia 10 de dezembro, quando tomarão posse todos os deputados e senadores eleitos em junho e o casal K perderá a maioria parlamentar pela primeira vez desde que chegou ao poder, em 2003.

A nova lei prevê uma série de modificações no sistema político e eleitoral do país que, na visão de partidos opositores e de alguns analistas locais, beneficiará o governo Kirchner em futuras eleições, sobretudo nas presidenciais de 2011, quando o ex-presidente poderia buscar a reeleição. O texto aprovado ontem estabelece, por exemplo, a obrigatoriedade de realizar eleições primárias em todos os partidos dois meses antes da eleição nacional.


Com esta medida, a Casa Rosada conseguiu adiar a campanha para 2011 e garantir um ano de 2010 um pouco mais tranqüilo para a presidente Cristina Kirchner.

Reforma prejudica os partidos menores Com uma profunda divisão dentro do Partido Justicialista (PJ) e vários dirigentes já acenando com a possibilidade de disputar a Presidência, entre eles o ex-presidente Eduardo Duhalde (2002-2003), inimigo do casal K, a reforma é considerada uma estratégia da Casa Rosada para concentrar ainda mais o poder (o governo será o encarregado de administrar o novo sistema) e tentar boicotar candidaturas opositoras, sobretudo no PJ.

— Todos coincidimos na necessidade de realizar uma reforma política, mas o correto seria que as novas regras só entrassem em vigência após o fim do atual mandato — argumentou o analista Silvio Santamarina, editor do jornal “Crítica”.

— Este governo não se caracterizou por atuar corretamente em temas políticos e eleitorais e não tem credibilidade suficiente para implementar uma reforma tão importante que, além disso, necessitaria um tempo muito maior de debate. Mais uma vez, o casal K aprova uma lei às pressas e impede uma discussão profunda e democrática”.

A reforma prejudicará os partidos menores, já que a partir de agora será necessário obter nas eleições primárias, no mínimo, os votos equivalente sa 1,5% do total do eleitorado para poder disputar uma eleição. Paralelamente, para pode existir, um partido terá de ter quatro filiados a cada mil eleitores. As regras foram questionadas, entre outros, pelo cineasta Fernando “Pino” Solanas, líder do partido Proyecto Sur e uma das grandes surpresas das eleições legislativas passadas.


— Esta reforma fortalece os grandes partidos, sobretudo o PJ, e torna muito complicada a sobrevivência dos partidos minoritários, que têm sido fundamentais em votações no Congresso — disse Santamarina.

Para Rosendo Fraga, diretor do Centro de Estudos Nova Maioria, “a reforma complica os partidos menores e as novas forças ao estabelecer pisos mínimos para que possam apresentar candidatos.

Por ess emotivo, partidos de esquerda que em recentes votações respaldaram o governo agora estão distanciados”.

A nova lei também proíbe que em presas privadas financiem campanhas eleitorais (som entepessoas físicas e o Estado poderão fazê-lo) e deixa em mãos do Estado o controle da propaganda eleitoral.

— Estas iniciativas prejudicarão a oposição, que não terá muitas maneiras de chegar aos eleitores. Já o governo tem mil maneiras, por exemplo, os programas sociais — disse o editor do “Crítica

No PSDB, aumenta pressão por ''chapa puro-sangue''

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Em jantar, 36 deputados cogitam dobradinha para 2010

Julia Duailibi

O escândalo envolvendo o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (DEM), deflagrou no PSDB uma corrida para fortalecer a tese da chamada chapa puro-sangue. Com o DEM no centro da crise, engrossou o coro dos defensores da tese de o PSDB blindar a chapa que disputará a eleição presidencial de 2010, formatando-a apenas com nomes tucanos.

Em jantar com 36 deputados anteontem, na casa do deputado Rômulo Gouveia (PB), em Brasília, cresceu o discurso favorável ao desenho que traz o governador de São Paulo, José Serra, como candidato a presidente, e o governador de Minas, Aécio Neves, na vice. A Operação Caixa de Pandora, da Polícia Federal, que investigou pagamento de propinas para deputados e integrantes do governo Arruda, enfraqueceu o poder do DEM nas negociações e deslegitimou a pressão de parte da cúpula do partido para que os tucanos definam logo o candidato. "A única vantagem do episódio é enfraquecer o argumento de dois partidos. O que era uma realidade eleitoral passa a ser uma realidade política", disse um cacique tucano.

Mais do que votos, a aliança com o DEM engorda o tempo de TV nas eleições de 2010. Fato que se torna ainda mais relevante diante da possibilidade de o PMDB apoiar o projeto nacional do PT, formando a coligação com maior tempo de TV. "O PSDB vê no DEM um aliado, mas deve se preocupar com sua agenda e deve respeitar o espaço do DEM para discutir suas questões internas", disse o deputado Eduardo Gomes (TO).

Hoje vai ao ar o programa partidário do PSDB. Serra e Aécio dividirão os dez minutos falando sobre suas gestões. O programa foi montado com os marqueteiros dos dois lados, de modo a passar uma sintonia entre os dois governadores.

Setores pró-chapa puro-sangue levarão a Aécio o argumento de que o discurso da ética ganha sobrevida na dobradinha tucana. Além de integrantes do DEM, políticos do PPS, outro aliado nacional dos tucanos, também apareceram nas investigações da PF. O presidente do PSDB-DF, Márcio Machado, também foi acusado de envolvimento nas irregularidades.

Levantamento feito pelo PSDB mostra que o partido detinha mais de cem cargos no segundo escalão do governo Arruda, além de nove administrações regionais, três secretarias de Estado e três cargos de direção em empresas do governo.SIMPATIA

A chapa pura conta com a simpatia de setores ligados a Serra e do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. O governador de Minas, no entanto, é contra. "Não vejo essa relação direta. Poderia ter uma outra análise também, dizer que, talvez, esse episódio fortaleça a ala tucana que quer ampliar a aliança, que quer trazer outros parceiros para a aliança", disse ontem Aécio, negando que a crise no DEM fortaleça a chapa pura.

De acordo com o secretário-geral do partido, Rodrigo de Castro (MG), "o episódio do DEM é ruim para a política como um todo, mas não afeta o projeto do PSDB". Questionado se o DEM poderia compor aliança com os tucanos na vice, disse: "Sem dúvida." Para o deputado Arnaldo Madeira (SP), a questão da chapa deve ser discutida apenas em abril. "O episódio mostrou como Serra estava certo em não querer antecipar a discussão eleitoral", disse.

A crise com o DEM também trouxe outra dor de cabeça para o PSDB. O palanque do Distrito Federal, que estava articulado em torno da reeleição de Arruda, precisará ser revisto.

Aliança: Em 2010, oposição terá de contabilizar desgaste, diz Aécio

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

"Acredito que essa aliança entre PSDB, DEM e PPS, no que depender de mim, ocorrerá nas eleições. Agora, os desgastes existem, são claros", disse o governador de Minas e um dos pré-candidatos do PSDB à Presidência, sobre os danos causados pelo caso Arruda. Ele classificou os vídeos de distribuição de dinheiro entre Arruda, políticos e empresários de "chocantes", "tristes" e "extremamente fortes".

Mensalão do DEM: agora PT pede impeachment

DEU EM O GLOBO

Leitura de seis pedidos, feita no plenário da Câmara Legislativa, é o primeiro passo para iniciar o processo

Demétrio Weber

BRASÍLIA. Seis pedidos de impeachment já foram protocolados na Câmara Legislativa do Distrito Federal contra o governador José Roberto Arruda (DEM) e o vice Paulo Octávio (DEM). Após a leitura em plenário ontem, o presidente em exercício, deputado distrital Cabo Patrício (PT), deu prazo de 24 horas para que a Procuradoria Geral da Casa emita parecer técnico sobre as solicitações. Desta vez, o PT, que no seu próprio mensalão, em 2005, fez de tudo para evitar as investigações no Congresso, é um dos autores dos pedidos de impeachment.

A leitura dos pedidos é o primeiro passo para dar início ao processo que, em tese, pode levar ao impeachment de Arruda. O problema, do ponto de vista da oposição, é que a bancada governista tem folgada maioria. Até a semana passada, os oposicionistas somavam apenas seis deputados, os mesmos que compareceram ontem para dar quórum e permitir a leitura dos pedidos de impeachment.

A abertura de processo em plenário contra o governador requer 16 votos. Antes disso, porém, o pedido deve ser apreciado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O presidente da CCJ, deputado Rogério Ulysses (PSB), no entanto, é um dos oito parlamentares citados no inquérito do mensalão do DEM. Ele pediu licença do cargo anteontem e um novo presidente deverá ser escolhido.

Composta por cinco parlamentares, cabe à CCJ aprovar a admissibilidade de um pedido de impeachment por, no mínimo, três votos. O único deputado de oposição na CCJ é Chico Leite (PT). O passo seguinte à CCJ é o plenário.

Processo é novidade para deputados distritais Ontem o deputado Paulo Tadeu (PT) disse que o trâmite legal de um pedido de impeachment é novidade na Câmara: — O processo de impeachment é novidade para nós. Estamos construindo a partir da experiência do Congresso.

O presidente em exercício, Cabo Patrício (PT), procurou demonstrar otimismo sobre eventual cassação de Arruda: — Com certeza, é possível.

O voto em plenário é aberto.

Na mesma linha, o deputado Leite aposta na pressão da sociedade e acha possível que a oposição a Arruda cresça: — A matemática da política não é a mesma da aritmética — disse Leite.

Os autores dos seis pedidos de impeachment são o PT, o PSOL, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Ordem dos Ministros Evangélicos do Gama — cidade-satélite de Brasília — e dois advogados da capital: Evilásio Viana Santos e Anderson de Melo Silva.

A oposição a Arruda conta com os quatro parlamentares do PT — Chico Leite, Cabo Patrício, Paulo Tadeu e Érika Kokay —, José Antônio Reguffe (PDT) e Jaqueline Roriz (PMN), filha do ex-governador e pré-candidato à sucessão de Arruda Joaquim Roriz (PMN).

Autor da proposta de criação de uma CPI, Reguffe disse que a Câmara Legislativa não pode titubear na investigação: — Do contrário, eu vou dar razão a uma parcela grande da população de Brasília que diz que a existência da Câmara não é necessária — declarou Reguffe.

— Há um claro desvio de dinheiro público. Isso não pode ficar sem punição rigorosa.

Arruda se reuniu ontem com deputados distritais da base governista. Hoje, a Câmara deve eleger novo corregedor, que substituirá provisoriamente o deputado Júnior Br unelli (PSC), que aparece em vídeo conduzindo oração para o então presidente da Codeplan, Durval Barbosa. Brunelli está de licença médica

Lula ''ressuscita'' Constituinte para reforma política

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Presidente repete a proposta, após caso do "mensalão do DEM", e agora diz que as imagens são "deploráveis"

Tânia Monteiro, KIEV


Três anos e quatro meses depois de ter lançado a ideia no Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou o escândalo do "mensalão do DEM", no Distrito Federal, para ressuscitar a proposta de convocar uma Constituinte só para fazer a reforma política e eleitoral.

Lula considerou "deploráveis" as imagens dos políticos embolsando maços de dinheiro no esquema montado na gestão de José Roberto Arruda (DEM-DF). Segundo ele, as siglas deveriam defender agora, para levar adiante após as eleições de 2010, "uma Constituinte específica para fazer uma legislação eleitoral para o Brasil".

Lula falou do tema em uma rápida entrevista, após encontro com o presidente da Ucrânia, Viktor Yushchenko. Nas cinco perguntas a que respondeu, tratou a reforma como instrumento para "moralizar o funcionamento dos partidos".

Depois de lembrar que somente no governo dele já foram enviadas duas propostas nesse sentido, o presidente arrematou: "Enquanto não fizermos a reforma política, a gente vai ser pego de sobressalto com notícias dessa magnitude."

Em agosto de 2006, depois de um encontro, no Planalto, com a direção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Lula concluiu que havia um "esgotamento do sistema político atual" e defendeu a convocação de uma Constituinte só para a reforma política, que funcionaria paralelamente à rotina do Congresso.

A ideia foi combatida por muitos juristas, sob o argumento de que isso jamais havia ocorrido no Brasil e poderia gerar um movimento social pedindo para ampliar os poderes da Constituinte, transformando a convocação em um "golpe constitucional" - nos moldes do que fez o venezuelano de Hugo Chávez.

Parafraseando o ex-presidente Jânio Quadros, Lula disse que há uma espécie de "força invisível" que barra a aprovação das mudanças necessárias. "Se fosse o Jânio Quadros, eu diria que tem um inimigo oculto que não deixa os projetos serem votados no Congresso. Não tem um ser vivo que não entenda que tem de ter reforma política, mas, quando chega no Congresso, não votam."

"COISINHA"

O presidente aproveitou a entrevista para dizer que não foi "condescendente" quando afirmara, no dia anterior, que as imagens do novo mensalão "não falam por si".

"Eu não fui condescendente, nem incriminei ninguém. Apenas disse que tem um fato em apuração, que é preciso que termine a apuração, que a Polícia Federal, o Ministério Público e a Justiça estão investigando. Eu não posso, como presidente da República, condenar alguém numa pergunta ou entrevista, com a mesma facilidade que vocês. Tenho de esperar o fim da investigação para falar", justificou-se.

No final, Lula se incomodou com a insistência dos repórteres em indagá-lo sobre um assunto interno, em meio à agenda diplomática. "Para mim é desagradável, acabando de assinar seis acordos, e, na nossa vez, a gente perguntar uma coisinha que o presidente da Ucrânia nem sabe o que é."

Ideia foi lançada há três anos

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Daniel Bramatti

Há mais de três anos o presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou pela primeira vez na possibilidade de convocar uma Assembleia Constituinte com o objetivo exclusivo de aprovar uma reforma política. Bombardeada pela oposição, que temia brechas para a aprovação de um eventual terceiro mandato para o presidente, a proposta nunca se concretizou.

"Tenho dúvidas de que Congresso Nacional consiga aprovar uma reforma política que possa contentar os anseios da sociedade, porque normalmente o Congresso pode votar uma legislação que atenda aos interesses do próprio Congresso", disse Lula, em entrevista ao telejornal SBT Brasil, em agosto de 2006, cerca de um ano após o estouro do escândalo do mensalão.

A discussão sobre a proposta começou em um encontro de Lula com um grupo de juristas, entre eles quatro ex-presidentes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), de quem partiu a iniciativa de propor a convocação de uma Constituinte.

Após a reunião, o ministro da Justiça, Tarso Genro, disse que Lula colocaria a ideia em prática se a sociedade se mobilizasse em defesa da medida.

A reação, porém, foi contrária à proposta, qualificada como "sem pé nem cabeça" pelo tucano Geraldo Alckmin, então candidato a presidente. A Academia Brasileira de Direito Constitucional chegou a preparar um documento no qual pedia que os candidatos à Presidência se comprometessem a não convocar a Constituinte. Alckmin, na presença da imprensa, assinou o manifesto, que via na proposta uma "forma velada de golpe constitucional".

Em dezembro de 2006, após a reeleição do presidente, Tarso afirmou que, apesar de ser vista com simpatia pelo governo, a convocação da Constituinte dificilmente se efetivaria, por não haver uma "demanda forte da sociedade".

A ideia voltou a ser aventada pelo PT e pelo vice-presidente José Alencar, no fim de 2007.

Mais uma vez, foi alvo de repúdio dos principais líderes do PSDB e do DEM.

Lula: caso é coisinha, mas é deplorável

DEU EM O GLOBO

Depois de dizer que as imagens da corrupção no DF não falam por si, o presidente Lula, na Ucrânia, reclamou de os jornalistas perguntarem sobre a "coisinha". Disse que não quis ser condescendente nem incriminar. E considerou o caso "deplorável".

"É deplorável para a classe política", diz Lula

Irritado, presidente reage com ironia a uma pergunta sobre escândalo; em seguida propõe constituinte para reforma política

Fernando Duarte
Enviado Especial

KIEV, Ucrânia. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tentou ontem contornar o mal-estar provocado pelas declarações a respeito do escândalo de corrupção envolvendo o governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (DEM). Durante visita à capital da Ucrânia, Lula afirmou não ter feito juízo de valor ao comentar que as imagens de pessoas ligadas ao governador recebendo propinas não falavam por si só. Em seguida, ao ser perguntado se as denúncias eram mais um golpe para a classe política, ele reagiu: — É deplorável para a classe política porque nós já mandamos duas propostas de reforma política para o Congresso Nacional e as pessoas não se importam em votar. Se fosse o Jânio Quadros, diria que tem um inimigo oculto que não deixa os projetos serem votados. Não tem um ser vivo no Brasil que não entenda que tem de ter reforma política — disse Lula, que defendeu a realização de uma Assembleia Constituinte exclusiva para a legislação eleitoral: — Eu penso que os partidos deveriam estar defendendo nesse momento, depois das eleições de 2010, uma Constituinte específica para uma legislação eleitoral para o Brasil.

“É desagradável vocês me perguntarem uma coisinha” O presidente afirmou que não foi condescendente com as denúncias: — Apenas disse que tem um fato que está em apuração e que é importante que termine a apuração.

Não posso, como presidente da República, condenar alguém com a mesma facilidade que você pode, numa pergunta, numa entrevista. Minha tese é que as pessoas que fizeram coisas erradas terão que pagar — explicou o presidente no final da tarde, após um encontro com a primeira-ministra da Ucrânia, Yulia Timoshenko.

Horas antes, durante uma entrevista coletiva ao lado do presidente do pais, Vitor Yushenko, Lula se irritou com uma pergunta cobrando explicações sobre as declarações. Dizendo que não comentaria o assunto ali por uma questão de respeito ao anúncio da assinatura de uma série de acordos bilaterais com a Ucrânia, ele referiu-se ao fato de ter feito uma longa viagem de Brasília a Kiev.

— Gostaria que alguém me perguntasse alguma coisa sobre os seis acordos que assinamos, pois afinal viajei 14 mil quilômetros até aqui. É desagradável vocês (os jornalistas brasileiros) perguntarem uma coisinha que o presidente Yushenko nem sabe o que é.

Em Brasília, o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDBSP), disse que a ideia de se aprovar a reforma política não é de exclusividade do presidente Lula. Segundo Temer, o que poderia ocorrer seria uma revisão constitucional para aprovar propostas como as reformas tributária e política.

A visita à Ucrânia, que teve como objetivo estreitar a ainda mais as relações entre os dois países, sobretudo no campo econômico também serviu para que tanto Lula quanto Yushenko reafirmassem o compromisso de até o final de 2010 lançar o foguete lançador de satélites Cyclone4, que está sendo desenvolvido em parceria com a Ucrânia.

Temer nega ter recebido dinheiro ilegal de empresa

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

O presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), chamou de "infâmia" a menção de seu nome em planilha da Camargo Corrêa, investigada por suposto pagamento de propina a políticos, o que a empreiteira nega. Temer diz que recebeu da empresa só em campanha e oficialmente.

Temer nega ter recebido doação ilegal

Presidente da Câmara classifica de "infâmia" informação de que teria sido beneficiado por propina da Camargo

Empreiteira, que também rejeita ter feito doação ilegal a políticos, reclama da falta de acesso à documentação da Operação Castelo de Areia

Da Sucursal de Brasília
Da Reportagem Local

O presidente da Câmara, deputado federal Michel Temer (PMDB-SP), classificou ontem de uma "infâmia sem tamanho, feita por gente vil, que se utiliza das pessoas para chamuscar o nome dos outros", a informação de que seu nome aparece em uma lista de políticos beneficiados por doações supostamente ilegais da empreiteira Camargo Corrêa.

A construtora está sendo investigada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal por supostos crimes financeiros e pagamento de propina a políticos. A empresa nega as acusações e reclama da falta de acesso à documentação.

A planilha, de 54 folhas, em que aparece o nome de Temer foi apreendida no dia 25 de março, quando foi desencadeada a Operação Castelo de Areia, na casa de um dos diretores da Camargo Corrêa.

Segundo informação publicada ontem no site iG, ao lado do nome de Temer foram registradas 22 cifras com valores em dólares, datas, taxas de câmbio e as devidas conversões para o real. As cifras são redondas (geralmente US$ 10 mil ou US$ 5.000) e em alguns anos têm periodicidade mensal. Os valores totalizam R$ 410 mil.

O deputado afirmou ontem que não recebeu nenhuma doação ilegal. "Quero dizer em letras garrafais que isso é uma infâmia. O papel [arquivo da empreiteira que sugere contabilidade paralela] é apócrifo, com meu nome grafado erradamente. Não há nexo causal. Tudo o que recebi [da Camargo Corrêa] foi oficialmente na última campanha", disse.

O presidente da Câmara afirmou ainda conhecer apenas um diretor da empresa, com quem não teria nenhum tipo de contato profissional.

Questionado se as acusações eram decorrentes do início antecipado da campanha, respondeu: "É uma pena que o Brasil se conduza por esses critérios. Não admito que jogue lama no meu nome impunemente. Daqui a pouco faço uma lista e saio espalhando por aí".

Temer, apontado como possível vice em uma chapa encabeçada pela ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) na disputa pela Presidência, disse que entrará hoje com uma petição na Justiça para pedir documentos relativos ao processo para punir quem o citou.

Afirmou ainda até cogita deixar a vida pública. "Está parecendo que não vale mais a pena."

Em nota divulgada ontem à noite, disse que viveu "o pior dia" de sua trajetória política".

O advogado de defesa da Camargo Corrêa, Celso Vilardi, afirmou que não teve acesso à planilha. Ressaltou, no entanto, que informações vazadas de maneira semelhante no início da investigação da Castelo de Areia se mostraram falsas.

Vilardi disse lamentar o fato de os executivos da empresa e a própria construtora não terem acesso aos documentos do caso e serem obrigados a assistir ao "vazamento criminoso" de informações para a imprensa.

O advogado informou que irá recorrer da decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que anteontem não considerou nulas as provas produzidas durante a investigação.

Vinicius Torres Freire:: Krugman vende ou compra Brasil?

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Nobel diz que há exageros eufóricos dos mercados com a economia do país, mas faz análise óbvia de problemas

Paul Krugman disse que vai reduzir suas aplicações em ativos brasileiros, que estariam supervalorizados. Afirmou que o mercado age como se o Brasil fosse se "tornar uma superpotência no ano que vem". Obviamente o mercado não acha que o Brasil será superpotência nem na década que vem.

Os investidores estão é com dinheiro barato de sobra, com alternativas rentáveis de menos para aplicar nos países centrais e se aproveitam dos últimos momentos da onda de recuperação de preços que sobreveio aos desastres e às grandes baixas de Bolsas, moedas e commodities de 2008.

Na verdade, Krugman disse ainda, de modo sumário, que o otimismo exagerado ("irreal", disse) provoca uma invasão de capitais e supervaloriza a moeda, o que prejudica o comércio exterior e, pois, diz ele, reduz a perspectiva de crescimento. Mas o Brasil pode continuar a crescer bem mesmo com deficit em conta corrente (a diferença entre exportação e importação de bens e serviços), o que Krugman reconhece. Pode ser que o crescimento acelerado do PIB e do deficit em conta corrente provoque desequilíbrios que, no médio prazo, prejudiquem o crescimento ou sua qualidade. Logo, qual o ponto mais relevante do seu alerta?

O economista disse que a euforia com o Brasil pode causar bolhas e o aumento da dívida externa. Bolhas, pode ser, mas é difícil saber. Aumento da dívida externa, talvez, a depender de como o país vai financiar seu excesso de despesas. Se o país consome e investe demais tem deficit em conta-corrente, que podem ser mais ou menos problemáticos a depender de como ele é financiado e da natureza do aumento da despesa, se em consumo ou em investimento.

Krugman então disse um monte de obviedades vagas e imprecisas?

Em termos. A opinião dos "mercados" é frequentemente alucinada e inepta. Um ano de euforia de investidores, felizes por ganhar tanto dinheiro como agora, não diz necessariamente nada sobre a saúde econômica de longo prazo do Brasil. Krugman deu os exemplos de praxe de euforia seguida de desastres: México, queridinho do final dos 80 a meados de 90; Argentina, queridinha dos 90 etc. Mas as condições econômicas do Brasil são muitíssimo melhores que as dos "hermanos" nos anos 90. Não temos dívida externa, na prática; a alta recente da dívida pública pode ser controlada, bastando o governo tomar juízo. Não há ameaça de explosão inflacionária.

Ainda temos infraestrutura precária, educação primitiva, burocracia demais e leis confusas.

Mas não são problemas que devem provocar danos maiores ou irreversíveis no curto prazo.

Quanto aos mercados, há risco de tombo, "correção forte", um pouco antes do início das altas de juros pelo mundo e aqui, a partir de meados do ano que vem.

O principal problema adiante é o consumo excessivo, do governo e privado. De aumento da dívida pública, de farra consumista auxiliada pelo real forte, fatores que podem levar os juros para cima por um período longo e impedir o aumento dos investimentos. Em outro contexto, já vimos esse filme. Por exemplo, no primeiro governo FHC. Foi quando se tornou moda falar de "populismo cambial" -de consumo insustentável, baseado em gasto excessivo do governo e em real forte demais.

Krugman já vê risco de bolha no Brasil

DEU EM O GLOBO

O Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman, em palestra em São Paulo, criticou o excesso de otimismo dos mercados globais com o Brasil. Ele disse que vai se desfazer de títulos que tem do país e afirmou:
"A história sugere que não é bom ser a cereja do bolo." A entrada maciça de investimentos estrangeiros pode gerar bolhas, alertou
.

Krugman: euforia com o Brasil pode criar bolhas

Prêmio Nobel alerta que real valorizado ameaça exportações e crescimento: "não é bom ser a cereja do bolo"

Ronaldo D’Ercole


SÃO PAULO. A preferência que o Brasil desfruta hoje entre investidores internacionais e a excessiva valorização do real resultante do fluxo de recursos externos para o país são um problema sério, que pode comprometer o crescimento da economia brasileira nos próximos anos. Seja pelo surgimento de “bolhas financeiras” que esse excesso de recursos pode gerar, ou pelo simples comprometimento da capacidade de exportar das empresas brasileiras com o dólar baixo. O alerta é do economista Paul Krugman, Prêmio Nobel de 2008, que participou ontem de evento em São Paulo.

— A história sugere que não é bom ser a cereja do bolo — disse Krugman, citando o México, que no início do anos 1990 era considerado o melhor lugar para se investir e foi à moratória em 1994.

Economista diz que vai se desfazer de títulos do Brasil Krugman reconheceu que, em razão de suas políticas macroeconômicas, pela primeira vez o Brasil teve meios para enfrentar uma crise, adotando medidas e se comportando “como um país mais avançado, como a Suécia e a Grã Bretanha”. A trajetória do país até aqui, disse, é “uma história com final feliz”, e é isso que tem atraído os investidores mundo afora. De uma forma perigosa, em sua avaliação.

— Em termos de taxa de câmbio efetiva, o Brasil está sendo levado a um território desconhecido.

Não existe nada que indique que o país poderá continuar exportando da forma como o real está cotado. Os mercados estão perdendo o contato com a realidade, novamente.

Diante de tanta euforia dos mercados em relação ao Brasil, Krugman disse que está considerando até a possibilidade de se desfazer dos investimentos que tem em títulos brasileiros.

— Não porque eu vejo uma crise vindo por aí, mas porque as pessoas parecem estar gostando demais desse tipo de investimento — disse o economista, que se definiu como um investidor “muito cauteloso” que, apesar dos “amigos da Suécia” (que lhe concederam o Nobel), não tem “tanto dinheiro assim”.


Segundo ele, os mercados internacionais têm se comportado como “se o Brasil fosse se tornar uma superpotência já em 2010”. Quando perguntado sobre como as autoridades brasileiras deveriam agir, o economista respondeu: — É difícil para o presidente do Banco Central (do Brasil) falar sobre a economia. Talvez seja a hora de ele informar os mercados: “Olha, estamos melhores do que éramos antes, mas ainda não somos tão bons assim. Não amem tanto a gente assim”.

Diante da insistência dos jornalistas em saber sua receita para o câmbio, Krugman concordou com as medidas tomadas pelo governo, como a taxação sobre aplicações externas.

Risco de década perdida para a economia global E sugeriu que o BC intensifique o ritmo de aquisição de reservas internacionais.

— Os impostos são medidas que, não sei se estão funcionando muito, mas parece ser o adequado. Diria que é o caso de haver mais intervenções, com o acúmulo de mais reservas, mesmos que vocês não queiram — disse o economista, que é professor da Universidade de Princeton, nos EUA.

Em relação è economia mundial, Krugman disse considerar que a “fase apocalíptica” da crise já foi superada. Ele acredita, contudo, que haverá novos choques, como a crise atual em Dubai, com moratórias e situações de inadimplência. Do ponto de vista do desemprego, entretanto, o pior pode estar por vir, especialmente nos Estados Unidos e na Europa.

— O maior temor não é que venha mais um grande choque, mas que nós nos encontremos num período de economia global deprimida durante muitos anos, que acabe sendo como a década perdida do Japão, só que no mundo todo. Nesse sentido, a crise certamente ainda não está para trás, ainda não passou — disse.