quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Reflexão do dia – José Serra

Taxa de juros no Brasil está mais alta do que precisaria", disse o insuspeito Thimothy Geitner, secretário do Tesouro dos EEUU. Os juros, herdados do governo Dilma-Lula e aumentados neste, são a causa da farra cambial e substituição da produção interna por mais importações.

José Serra, Twitter, 9 fevereiro 2011.

Oposição pra quê? :: José Serra

O principal risco que correm as oposições - e, portanto, também o PSDB - é perder tempo em embates menores, combates internos fantasmas ou antecipações irrealistas, como trazer 2014 para hoje, inventando bandas de adversários... internos! Atacar, constranger, prejudicar ou atrapalhar companheiros do próprio partido só faz ajudar os adversários reais, que incentivam esses confrontos.

Para o maior partido da oposição, perder-se em disputas internas seria apequenar-se. Saímos das urnas com quase 44 milhões de votos, vencendo a eleição presidencial em 11 estados. O PSDB fez oito governadores; o DEM, dois, e tivemos ainda o apoio do governador de Mato Grosso do Sul. Aqueles que votaram em nós queriam que ganhássemos, mas sabiam que podíamos perder. A oposição, portanto, é tão legítima quanto o governo; ela também expressa a vontade do eleitor e tem um mandato.

Não podemos deixar o eleitorado que nos apoiou sem representação. É ele, inicialmente, que precisa receber uma resposta e convencer-se de que não jogou seu voto fora. Até porque as ditaduras também têm governos, mas só as democracias contam com quem possa vigiá-los, fiscalizá-los, em nome do eleitor. Por isso a oposição tem de ter posições claras, ser ativa, sem se omitir nem se amedrontar. Uma eleição presidencial não é uma corrida de curta duração, de 45 dias, mas uma maratona de quatro anos. E ninguém corre parado.

Até quem votou no PT conta conosco para que ofereçamos alternativas, para que possamos aprimorar propostas do governo e denunciar, quando é (e como está sendo) o caso, a falta de rumo. Não se trata de fazer oposição sistemática ou não sistemática, bondosa ou exigente. Isso é bobagem! Essa questão não se coloca em nenhuma grande democracia do mundo. A oposição tem o direito e o dever de expressar seus pontos de vista e de batalhar por eles. É seu papel cobrar coerência, eficiência e honestidade.

A realidade está aí. O grave problema fiscal brasileiro veio à luz, herança do governo Lula-Dilma para o governo Dilma. A maquiagem nas contas não consegue escondê-lo. A Fundação Nacional de Saúde (Funasa) se transformou no retrato perverso do aparelhamento do Estado, que não se vexa nem diante da realidade dramática da saúde - ou falta dela - dos pobres. O mesmo acontece em Furnas, palco de escândalos há muitos anos, expressão do loteamento do setor elétrico, onde os blecautes têm sido a regra, não a exceção. Se a oposição não se fizer presente agora, então quando?

Fazer oposição por quê? Porque o país experimenta um óbvio desequilíbrio macroeconômico, que reúne inflação alta e em alta, juros estratosféricos, câmbio desajustado, vertiginoso déficit do balanço de pagamentos e infraestrutura em colapso. As trapalhadas do Enem mostram que o PT tripudia sobre a esperança e o futuro dos jovens. A imperícia do governo na prevenção de catástrofes e socorro às vítimas não requer comprovação. Por que fazer oposição? Porque os brasileiros merecem um governo melhor e pagam caro por isso - uma das maiores cargas tributárias do mundo, sem serviços públicos à altura. Temos o direito de nos apequenar com picuinhas? Foi para isso que recebemos um mandato das urnas?

O governo vem fazendo acenos à classe média e às oposições. Conta com o conhecido bom-mocismo dos adversários, tucanos à frente. Sua intenção é lhes tirar nitidez e personalidade, dividi-los e subtrair-lhes energia e disposição. Até a próxima disputa eleitoral, quando, então, voltaremos a enfrentar os métodos de sempre: vale-tudo, enganações, bravatas e calúnias. Cair nesse truque corresponde a trair a confiança dos que votaram em nós e os interesses do nosso povo e do país.

O PSDB não sabe fazer oposição! Tanto em 2006 como em 2010, pesquisas internas apontaram ser essa uma das críticas que o eleitorado nos faz. Ainda que fosse injusta, seria forçoso reconhecer que nos tem faltado nitidez. É razoável que o eleitor considere que não sabe governar quem não sabe se opor.

E nós temos os bons fundamentos! A quem pertence a bandeira da social-democracia no Brasil?

O PT, fundado como um partido classista, sob a inspiração de partidos leninistas, varreu estatuto e ideário para baixo do tapete ao chegar ao poder e adotou como suas a plataforma e as ideias do adversário. Mas, longe de estar resolvida, após seis eleições presidenciais, sendo três vitoriosas, e dois governos depois, a contradição entre os "pragmáticos do mercado" e os "puros-sangues de Lenin" ainda é um dos flancos do PT não devidamente explorados pela oposição, para prejuízo do país.

O PT adotou as bandeiras, mas perverteu sua prática. Privatizou as ações do Estado em benefício do partido e aliados. Banalizou o que a vida pública brasileira tinha de pior. Rebaixou a Saúde e a Educação. Transformou em instrumento eleitoral a rede de proteção social herdada do governo FHC.

Virou as costas para a Segurança e descuidou-se da Previdência. A falsa "social-democracia" petista preside um processo de desindustrialização do Brasil e mantém como principal despesa do orçamento o pagamento de R$180 bilhões anuais em serviço da dívida pública interna. Sem mencionar erros infantis, como o de reconhecer a China como economia de mercado, enfraquecendo nossos mecanismos de defesa comercial. Que social-democracia é essa, que pôs a perder o ativismo governamental nas coisas essenciais, que caracteriza o Estado do Bem-Estar Social e seus alicerces?

Essa retomada dos valores da social-democracia, com seu respeito ao jogo democrático e sua prioridade à garantia de condições dignas de vida à população, há de tirar do PSDB o falso carimbo de partido da elite e marcar diferença com o PT, com suas práticas sectárias e/ou ineptas.

Para tanto, é fundamental ao PSDB fortalecer a unidade interna, dando uma resposta àqueles que nos delegaram um mandato por meio das urnas.

Estou, como sempre, a serviço da população. Ajudei a definir as bandeiras históricas do meu partido e sua renovação. Por elas e pela unidade, batalhei sempre. Ninguém andará em má companhia seguindo os Dez Mandamentos. Para quem está na política, sugiro um 11º, este de inspiração humana, não divina: "Não ajudarás o adversário atacando teu colega de partido."

José Serra foi deputado, senador, prefeito e governador de São Paulo.

FONTE: O GLOBO

Desconfianças:: Merval Pereira

O grande problema para os Estados Unidos na concorrência que o Brasil abriu ainda no governo Fernando Henrique para a compra de caças para a Aeronáutica, e que já entra no terceiro governo sem uma definição, além de uma eventual posição antagônica da nossa política externa, sempre foi a transferência de tecnologia. Ou melhor, a crença entre os militares brasileiros de que os EUA não transferem tecnologia nos acordos comerciais e dificultam a relação do Brasil com terceiros países.

Houve problemas com os militares brasileiros nos últimos 30 anos, especialmente com a Aeronáutica, que teve projetos seus dificultados por embargos dos americanos a desenvolvimentos tecnológicos ligados a mísseis e satélites.

O veto americano à venda de aviões Super Tucanos, fabricados pela Embraer, à Venezuela, é exemplo da difícil relação com os EUA na área militar. Os americanos aplicaram o veto valendo-se de que o sistema de radar dos Super Tucanos é fabricado pelos EUA e, portanto, a venda a terceiros países depende de autorização de Washington.

Para levantar essas objeções, a Boeing ofereceu à Embraer, no início de 2010, fato relatado aqui na coluna na ocasião, a participação no programa de desenvolvimento do Global Super Hornet, o que significava uma mudança de atitude inédita no governo americano em matéria de transferência de tecnologia.

Também o Congresso americano, que tem que aprovar programas de transferência de tecnologia, já dera autorização em setembro de 2009, e essa é, segundo informações de Brasília, uma das questões pendentes. O governo brasileiro quer ter garantia de que, além do Departamento de Estado, o Congresso não colocará obstáculos à transferência de tecnologia.

Há um trecho em uma carta da secretária Hillary Clinton, enviada no ano passado, em que ela garante que o Departamento de Estado apoia integralmente "a transferência de toda informação relevante e a tecnologia necessária", o que é, no entanto, interpretado como uma limitação a essa transferência.

Os EUA definiriam, de acordo com seus interesses, o que seria tecnologia "relevante e necessária". Até a multa de 5% em caso de não cumprimento do acordo é vista por setores do governo não como demonstração de boa-fé, mas de dúvidas da Boeing sobre o cumprimento dos compromissos assumidos.

A proposta da Boeing, que o governo brasileiro na gestão Lula não havia aceitado, é transformar a indústria brasileira "no único fornecedor de peças críticas para a linha de produção do Super Hornet para o Brasil e todas as aeronaves da Marinha dos Estados Unidos".

A empresa se compromete também a entregar "os primeiros pacotes de dados de engenharia" junto com a assinatura do contrato. Seria criada uma estrutura de gerenciamento para a transferência de tecnologia da Boeing para o Brasil.

A Boeing se comprometeu a financiar cerca de 100 mil homens/hora para a Embraer participar do programa internacional de desenvolvimento do Global Super Hornet. Caberá ao presidente dos EUA, Barack Obama, que falara três vezes com Lula apoiando a proposta americana, convencer o governo Dilma da segurança da proposta, depois que novos sinais do Planalto indicam que, em vez dos Rafale da França, a nova administração pode optar pelos Super Hornet americanos.

O professor Expedito Carlos Stephani Bastos, coordenador dos estudos de defesa da Universidade Federal de Juiz de Fora, sempre foi a favor de uma parceria na área militar com os EUA, "até porque historicamente os aviões americanos foram os que duraram mais em termos de uso e operações ao longo de toda a nossa história desde a aviação militar (Exército e Marinha) que foram unificadas para formarem a Força Aérea Brasileira em 1941, em plena Segunda Guerra Mundial".

Ele considera o F-18 da Boeing o melhor dos três que disputam a licitação (junto com os Rafale da França e os Gripen suecos, que são os preferidos da Aeronáutica, mas são ainda projetos), o mais próximo de nossa realidade, "pois é um avião moderno, testado em combate, com mais de 450 unidades produzidas e exportadas para vários países".

Estando ainda em produção pelo menos até 2017, diz Expedito Bastos, sem dúvida é o que terá grande facilidade em peças de reposição, pois até mesmo quando estes forem desativados por seus operadores, poderemos, ao longo dos próximos 30 anos, o tempo de vida de um caça por aqui, ter facilidade em adquirir unidades de reposição para eventuais perdas que tivermos durante sua operação.

Segundo ele, nossa experiência com equipamentos franceses não foi das melhores, desde 1922, quando contratamos uma Missão Militar de Instrução. "Usamos aviões Mirage IIIC por 35 anos e não foi possível revitalizá-los, o mesmo ocorrerá em alguns anos com os 12 Mirage 2000C adquiridos em 2005".

Com equipamentos americanos, Bastos diz que basta constatar que os F-5E adquiridos na segunda metade dos anos 70 ainda se encontram em operação, sendo a espinha dorsal da FAB após a modernização feita pela Embraer a partir de 2005.

Caso o Super Hornet venha a ser escolhido, o especialista da Universidade de Juiz de Fora diz que a aviação naval brasileira poderia ser equipada com o F/A-18C, que pode operar a partir do porta-aviões São Paulo, "o que nos daria grande ganho estratégico regional a um custo acessível à nossa realidade, além de poder ter ganho logístico enorme". Com relação à transferência de tecnologia propriamente dita, Bastos considera que "nenhum país fará totalmente, porque nossa capacidade de absorção é limitada".

Nessa questão, a capacidade de negociação do comprador é muito importante, segundo ele. "Num país onde o orçamento de defesa ainda é uma obra de ficção, precisamos agir racionalmente e pragmaticamente, de nada nos adiantará comprar algo extremamente sofisticado, caro de se operar e manter, com grande limitação de seu uso em razão de custos, principalmente os relacionados à hora de voo, só para falar que temos e exibir em festas nacionais".

Ele cita como exemplo interessante a tecnologia de usinagem química, seus métodos, técnicas e processos, cujo controle permitiu à Embraer na década de 1980 fabricar o EMB-121 Xingu e o EMB-120 Brasília, líder mundial na sua categoria, e foi transferida pela companhia norte-americana Sikorsky Aircraft, por solicitação do Ministério da Aeronáutica, como contrapartida de uma compra.

Na coluna de ontem, por um engano, saiu que a moeda brasileira é "a mais desvalorizada do mundo", quando o correto é "a mais valorizada", como está dito em trecho anterior.

FONTE: O GLOBO

O ocaso da cigarra:: Dora Kramer

Pela primeira vez em anos o PMDB ocupa formalmente o poder, mas sente que não fez exatamente um negócio da China e, pela primeira vez em anos, se sente sem condições de usar seus truques de manobrista para pressionar o governo e reagir à situação adversa.

O governo Dilma Rousseff em que o PMDB ocupa a Vice-Presidência da República entra em seu segundo mês e até agora nada saiu como previsto pelo partido, que se imaginava sócio-fundador do mandato da presidente e, com isso, dono de direitos inalienáveis expressos na divisão mais ou menos igualitária dos espaços na Esplanada dos Ministérios e adjacências na administração federal.

O primeiro revés, diga-se, veio das urnas, que não deram aos pemedebistas as bancadas previstas na Câmara e no Senado. Eleito um número de deputados (78) aquém das expectativas, o partido precisou adiar seus planos de presidir a Câmara para daqui a dois anos.

E isso se as coisas melhorarem, porque do jeito que assa a batata do líder deputado Henrique Eduardo Alves no Palácio do Planalto e dentro da própria bancada do PMDB, é de se dar ouvidos ao ministro do PT que, ao se referir ao projeto dele de presidir a Câmara a partir de 2013, acrescenta: "Se estiver vivo até lá." Politicamente falando, evidente.

Cargos de segundo escalão, até agora nenhum que o PMDB considere à sua altura. Na Fundação Nacional de Saúde tudo caminha para o desmonte do feudo e em Furnas as exorbitâncias do deputado Eduardo Cunha provocaram outro dissabor.

A parceria de Henrique Eduardo com Eduardo Cunha, aliás é um fator de enfraquecimento dele, que também desagrada à bancada ao subordinar todos ao projeto presidência/2013. Um exemplo: o partido havia recebido o Ministério das Cidades, mas Henrique Eduardo cedeu ao PP em troca de votos adiante.

Os ministérios são capítulo especialmente desagradável ao PMDB. O partido ficou nas Minas e Energia, onde reina como sua majestade Elizabeth da Inglaterra. Na Agricultura, a Embrapa é do PT e a Conab do PTB. No Turismo, a Embratur é indicação de Antonio Palocci e a secretaria executiva é do PT. Na Previdência, onde a ordem ao ministro Garibaldi Alves é calar, a secretaria executiva é do PT.

A irrelevância da Secretaria de Assuntos Estratégicos, sem orçamento nem função, dispensa apresentações.

Do ponto de vista do que pretendia o PMDB ao se associar oficialmente ao PT, um acinte. Por ora assumidamente sem remédio, porque para todos os efeitos de opinião pública a presidente Dilma trava o bom combate.

É o que dá o olho-grande e nenhuma preocupação com o nome a zelar. Fica refém da má fama, prisioneiro de uma agonia construída com as próprias mãos, pagando o preço de não ter dado ouvidos aos poucos pemedebistas que ao longo dos últimos anos alertaram que os maus passos teriam cedo ou tarde sua consequência.

Agora, que parcela minoritária da bancada (12 em 78) se levanta publicamente contra a referência exclusiva no fisiologismo, a direção do mesmo modo ignora os reclamos.

Enquanto isso as principais lideranças vão se desgastando em escândalos, agindo de forma a corroborar a imagem negativa e o partido, ao perder espaços de governo, perde força eleitoral para 2012. No dizer de um dirigente, "acaba virando o DEM do PT".

Outro rumo. Se dependesse da vontade do PSDB, o destino do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, não seria o PMDB. Preferível, na visão tucana, o PSB ou até mesmo um novo partido.

A ida para o PMDB, nessa análise, teria dois inconvenientes: engrossaria as fileiras parlamentares governistas e, para Kassab, representaria o risco de amanhã ficar a ver navios internamente em matéria de poder.

Constatação. Na situação e na oposição, todo mundo em Brasília já percebeu: Antonio Palocci acumula as tarefas de ministro da Casa Civil e chefe de governo.

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Quem te ouviu, quem te ouve:: Eliane Cantanhêde

Lula voltou ontem a Brasília, pela primeira vez depois de descer a rampa do Palácio do Planalto, para a festa de hoje dos 31 anos do PT e para aproveitar o embalo e recuperar um pouco dos holofotes e microfones perdidos. Aliás, ele nem esperou chegar.

No Senegal, onde estava para o Fórum Social Mundial, ele descascou as centrais sindicais por estarem azucrinando Dilma por um salário mínimo maior do que os anunciados R$ 545. Segundo Lula, é "oportunismo" das centrais.

Vamos pensar juntos: depois de começar a carreira política como líder sindical, depois de ter passado boa parte da vida azucrinando governos e patrões por maiores salários, depois de ter feito todo o discurso pró-pobres e pró-assalariados e depois de ter virado presidente da República à custa de tudo isso, Lula tinha o direito de desautorizar e criticar sindicalistas pelo justo direito de reivindicação?

Ainda no Senegal, Lula apoiou os protestos contra o ditador Hosni Mubarak e acusou as "grandes potências" de terem sustentado o regime, quando, segundo ele, todo o mundo já sabia que era preciso instalar a democracia no Egito.

Vamos pensar juntos de novo: Lula tinha o direito de posar de humanista e de apontar o dedo contra quaisquer outros países, potências ou não, depois de dizer numa viagem oficial ao Egito, em dezembro de 2003, que "o presidente Mubarak é um homem preocupado com a paz no mundo, com o fim dos conflitos, com o desenvolvimento e com a justiça social?"

Lula deveria aproveitar melhor as férias, os estádios de futebol e a distância do poder. Não apenas porque vivia falando que ex-presidente tem de ficar calado, mas porque tudo o que fala se volta contra ele como um bumerangue.

Oportunismo por oportunismo, nada pode ser pior do que manifestar opiniões ao sabor do momento, da circunstância, dos interlocutores. É coisa típica de cara de pau.

FONTE: FOLHA DE S. PAULO

O jogo duro de Dilma:: Cláudio Gonçalves Couto

O pioneiro de todos os cientistas políticos, Nicolau Maquiavel, ensinava aos príncipes (com base no que fizeram outros príncipes, bem sucedidos), que o mal se faz de uma vez e o bem aos poucos. Transposto à vida democrática contemporânea, esse ensinamento sugere aos governantes que tomem as medidas mais duras e de difícil implantação no início de seus mandatos, quando ainda dispõem de uma considerável reserva política de paciência e expectativa. A paciência e a expectativa não se distribuem da mesma forma e nem significam a mesma coisa para os cidadãos e os políticos - ou, nos termos de Maquiavel, o povo e os poderosos.

Para os primeiros, a expectativa decorre da esperança de que um novo governante consiga atender aos anseios que tornaram possível a sua eleição. Mesmo aqueles que não votaram nesse governante costumam alimentar a esperança de que sua gestão contrarie a avaliação negativa feita por ocasião das eleições, revelando-se uma grata surpresa. Já os que votaram no candidato vitorioso alimentam uma esperança ainda maior, decorrente de sua natural simpatia prévia. Tanto num caso como no outro é de se esperar que os cidadãos deem ao novo governante um tempo para demonstrar que suas políticas surtirão efeito e que as expectativas positivas não eram em vão - é aí que se revela a paciência dos cidadãos em relação aos novos governantes. Até mesmo o presidente Fernando Collor, quando confiscou as poupanças dos cidadãos, contou com paciência e expectativas positivas de uma larga parcela da população. Os governados torciam para que aquela medida surtisse efeitos positivos, apesar de ser tão drástica. Por isto, pacientemente aguardaram. Ao fim e ao cabo, aquele mal de uma vez só plantado mostrou-se somente um mal, sem que fosse possível colher gradualmente os benefícios que pudesse ter gerado. A perda de popularidade do presidente foi inevitável.

Para os políticos, a expectativa e a paciência têm a ver com seus cálculos prospectivos de sobrevivência e ganho político durante todo o período de mandato do novo governante. A ninguém serve - sobretudo a quem não sabe o que fazer na oposição - inviabilizar um governo do qual fará parte, nem indispor-se precocemente com o novo mandatário mor. É preciso ter paciência para colher paulatinamente os frutos do sucesso de uma administração vitoriosa, assim como manter ativos os canais que permitem um bom relacionamento com a chefia do governo. Por isto, políticos matreiros evitam bater de frente com o novo chefe de governo logo de início, apostando em ganhos diferidos no tempo. Ou seja, é preciso ter paciência e não perder as esperanças. Tal situação mostra-se especialmente útil aos presidentes recém-eleitos no início de seu mandato - um período que não casualmente alguns chamam de "lua de mel". A presidente Dilma Rousseff parece ter atentado para isto, ao menos tendo em consideração duas estratégias de seu início de governo. A primeira delas diz respeito à montagem da equipe; a segunda à negociação do salário mínimo.

No atinente à montagem do novo governo, com as indicações de praxe para os cargos de livre provimento, a nova presidenta parece ter cometido um excesso e um acerto - ao menos estrategicamente. O excesso diz respeito à distribuição das pastas ministeriais para os partidos da coalizão: novamente o PT se viu sobrerrepresentado na alocação de ministros (como no primeiro governo Lula), relegando os aliados (principalmente o PMDB) a uma condição claramente subalterna. Se isto visa abrir espaço para, num segundo momento, de eventuais dificuldades ou desgaste, recompor o governo com os demais partidos, transferindo-lhes ministérios antes ocupados por petistas, pode-se entender que a estratégia é a de poupar munição para tempos difíceis. Se não for isto, está-se gerando um desgaste inicial desnecessário e se trata de um erro de cálculo.

Já o acerto evidente diz respeito às nomeações para postos no segundo e terceiro escalões. Mesmo arcando com um considerável desgaste junto aos partidos coligados - principalmente o PMDB - a presidente parece ter percebido que ou impõe certos limites à politização da máquina governamental agora, no início de seu mandato, ou não conseguirá jamais assegurar um mínimo de racionalidade à gestão de órgãos públicos que há tempos sofrem com desmandos políticos - como, notadamente, a Infraero, os Correios, a Funasa e empresas do setor elétrico. O problema é somar o custo desde necessário ajuste de órgãos de perfil nitidamente mais técnico com o desperdício de cacife político na alocação dos ministérios, onde o perfil eminentemente político do dirigente máximo faz sentido.

Já no que diz respeito à negociação do salário mínimo, a presidenta buscou o casamento da oportunidade com a necessidade. Todos sabem ser indispensável o ajuste das contas públicas neste momento, tendo em vista a aceleração inflacionária e a deterioração de nossa situação fiscal. Esta é a necessidade. Tal ajuste, contudo, dificilmente poderia ser feito a partir do ano que vem (quando ocorrem as eleições municipais) e menos ainda ao final do mandato, quando a "lua de mel" já terá passado. A oportunidade se apresentou agora e o reajuste do mínimo mostrou-se oportuno para que a nova chefe de governo apresentasse à sua base social de apoio os limites de sua flexibilidade. Tal negociação se reveste de ainda maior importância se considerarmos o quão significativo é sinalizar para a sociedade brasileira em geral, e para a classe política e a elite sindical, em particular, que acordos de longo prazo precisam ser cumpridos, sob a pena de ao não fazermos isto solaparmos o processo em curso, de aprimoramento institucional da nossa democracia. Isto, contudo, não foi levado em conta por algumas lideranças sindicais e partidárias, que veem na oportunidade de ganhos no curto prazo algo mais atraente que a construção de instituições - o que, necessariamente, leva mais tempo.

Cláudio Gonçalves Couto é cientista político, professor da FGV-SP. A titular da coluna, Maria Inês Nassif, está em férias

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Contenção do salário mínimo. Só um passo contra o descontrole das contas públicas::Jarbas de Holanda

Esvaziando a repercussão dos sinais indicativos do início de um distanciamento político em relação a Dilma Rousseff – em face das inflexões que se processam em posturas do Itamaraty, da forte contradição entre os estilos administrativos de ambos e do discurso dela atribuindo prioridade ao controle dos gastos públicos -, diluindo tais sinais o ex-presidente Lula acaba de prestar um bom serviço à sucessora ao bloquear ou enfraquecer bastante a ofensiva das centrais sindicais por um grande aumento real do salário mínimo. A qual, se vitoriosa, tornaria ainda mais graves os riscos inflacionários, o déficit da Previdência, o descontrole das contas públicas. Essa ofensiva ignorava o fato de que fixação do nosso mínimo em R$ 545 foi feita em mensagem encaminhada ao Congresso pelo governo Lula (com base num entendimento entre ele e as centrais formalizado em 2007 e desde então aplicado com sucessivos aumentos reais). Já incluía a acusação de que Dilma, ao insistir no limite dos R$ 545, estava assumindo “o neoliberalismo dos governos de FHC”, praticando uma “traição” ao legado lulista. E preparava, com ativo papel da CUT petista, uma derrota do governo no Legislativo por meio da divisão de sua base parlamentar e com votos da oposição a serem conseguidos em nome da promessa do oposicionista José Serra em sua campanha eleitoral de um mínimo de R$ 600 este ano.

A manifestação de Lula – anteontem em Dacar, no Senegal – em defesa da proposta do Palácio do Planalto, lembrando e legitimando o referido entendimento e qualificando os dirigentes sindicais como “oportunistas” que querem “mudar a regra do jogo”, debilitou decisivamente tal ofensiva. Seja em sua articulação no Congresso, motivo porque já ontem as lideranças governistas partiam para apressar a votação da matéria. Seja no plano de “pressão de massas” – com mobilização popular e paralisações trabalhistas. Que, mesmo assim, deverão ser tentadas, conforme o decidido em reunião das centrais realizada sob o choque inesperado das declarações de Lula. Na qual o presidente da Força, Paulo Pereira da Silva, afirmou: “O Lula está com perda de memória. Quando Serra propôs o mínimo de R$600 e mais 10% para os aposentados, ele e Dilma nos disseram que podíamos garantir para nossas bases que teríamos aumento real neste ano”. Ao que Wagner Gomes, presidente da CTBC vinculada ao PC do B, acrescentou: “É lamentável que a atitude da nova presidente seja contra os trabalhadores”. Na sequência, eles partiram para encontros com a cúpula do MST.

Com o isolamento, agora, da pressão das centrais sindicais e a provável aprovação da proposta oficial de um mínimo de R$545, ou com pequeno aumento para R$ 550, a presidente Dilma deverá vencer a primeira batalha política importante no Congresso. Mas isso apenas a protegerá de uma deterioração maior das contas públicas. Deterioração que resulta basicamente da explosão dos gastos governamentais, sobretudo os de custeio, nos últimos dois anos e em grande medida vinculados à sua campanha presidencial. E que se traduz no salto da inflação já para o limite superior da meta. No uso da política monetária como única arma disponível do esforço para a reversão desse salto, com efeitos inevitáveis na valorização cambial e na perda de competitividade de nossos produtos industriais e de serviços. Em acentuada queda do superávit primário, um dos pilares da estabilidade macroeconômica. Na necessidade de uma carga tributária abusiva para o conjunto da sociedade e inibidora das atividades e dos investimentos privados. E, em função do aumento de tais gastos, nas restrições aos investimentos públicos para a redução do enorme Custo Brasil, bem como para resposta aos agudos déficits de serviços essenciais à população – das áreas de saneamento, educação e saúde às de mobilidade urbana e segurança. Assim, a vitória na batalha do salário mínimo representará apenas um passo dos muitos que precisam ser dados para a recuperação da responsabilidade fiscal e o reequilíbrio das contas públicas.

Para o enfrentamento efetivo das causas e dos efeitos desses problemas no plano federal, a melhoria e a racionalidade dos padrões de gestão administrativa têm certamente utilidade, merecendo apoio a implementação delas. Mas os fatores decisivos para tal objetivo são um amplo corte nos gastos da máquina governamental, que a presidente vem prometendo mas por enquanto só ainda em seu discurso, e a retomada ou o desencadeamento de reformas estruturantes, com destaque para a fiscal e a das relações capital/trabalho. Reformas que Dilma Rousseff dificilmente terá condições de assumir por causa do forte peso do populismo e do esquerdismo em sua base político-partidária. E cuja cobrança – com exemplos e propostas alternativas – deve, ou deveria, constituir o centro da agenda da oposição no Congresso e nos governos estaduais por ela dirigidos.
Jabas de Holanda é jornalista

Depois da farra eleitoral: Governo corta R$ 50 bi e Mantega diz que 'vai doer'

Em sua primeira medida de impacto, o governo Dilma promete arrocho fiscal: um corte de R$ 50 bilhões no Orçamento deste ano, anunciado pelos ministros Guido Mantega (Fazenda) e Miriam Belchior (planejamento). O ajuste será principalmente em despesas de custeio e emendas parlamentares. "Não vai ser sem dor", avisou Mantega, dizendo que os cortes são necessários para garantir expansão de investimentos e queda de juros. Estão suspensos concursos e nomeações. Investimentos do PAC não serão afetados. Mantega disse que as negociações sobre o mínimo estão encerradas nos R$ 545. Em SP, Geraldo Alckmin (PSDB) anunciou mínimo regional de R$ 600 a R$ 630 - promessa da campanha tucana. Com o consumidor pagando juros mais altos, a inadimplência é a maior desde 2002.

Mantega: "Não vai ser sem dor"

A HORA DO ARROCHO

Governo promete corte de R$50 bilhões, entre emendas e custeio de ministérios

Regina Alvarez e Martha Beck

Preocupado em acalmar o mercado e reforçar o discurso de austeridade fiscal, o governo anunciou ontem um corte recorde de R$50 bilhões nas despesas do Orçamento e um pacote de medidas para aumentar a eficiência dos gastos públicos. Com os cortes, a equipe econômica promete um ajuste que garanta o cumprimento da meta cheia de superávit primário (economia para pagamento de juros da dívida) prevista para 2011, equivalente a 2,9% do Produto Interno Bruto (PIB), sem artifícios ou desconto das despesas com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Os cortes não foram detalhados, mas vão atingir todos os ministérios e, em especial, as emendas parlamentares. E, ao contrário de anos anteriores, serão definitivos, segundo garantiu o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Isso significa que o governo não vai liberar gastos caso a arrecadação suba. Se houver aumento das receitas, o governo vai poupar mais para enxugar sempre R$50 bilhões da economia este ano, que já começou marcado por uma forte alta da inflação e consequente aumento dos juros pelo Banco Central.

- O corte tende a ser definitivo. Nossa intenção é manter esse patamar até o fim do ano - explicou o ministro, acrescentando: - É claro que pode haver mudanças pontuais ou algum caso excepcional, mas o quadro será mais drástico este ano.

No anúncio das medidas de austeridade fiscal, Mantega e a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, deram ênfase à eficiência do gasto público, que será perseguida em todas as ações do governo, segundo os ministros.

- Vamos fazer da eficiência do gasto público um mantra em cada ministério e em todo o governo - disse a ministra.

- Não vai ser sem dor. Todos os ministérios terão que fazer sacrifício - acrescentou Mantega.

Entre as medidas de austeridade estão um corte de 50% nas despesas com diárias e viagens, a orientação para redução dos gastos com luz e telefone na esfera federal e a suspensão dos concursos e nomeações de aprovados para a administração direta até uma reavaliação de todos os processos em andamento.

A suspensão atingiu todas as nomeações de concursos promovidos e a realização dos que haviam sido programados na administração direta. A proposta orçamentária de 2011 autoriza o Executivo a preencher 24.605 vagas. Mas, segundo fontes, só deverão ser autorizados concursos previstos para gestores públicos e professores de escolas técnicas, e ainda assim para poucas centenas de vagas.

As determinações valem apenas para o Executivo, pois os demais Poderes têm autonomia orçamentária.

- Novas contratações serão analisadas com lupa - disse a ministra do Planejamento, Miriam Belchior.

Mantega justificou os cortes afirmando que eles são necessários para garantir a expansão dos investimentos e a queda das taxas de juros:

- Não é o velho ajuste fiscal que derruba a economia. É para garantir que o crescimento se mantenha. Queremos que se abra caminho para a queda das taxas de juros com inflação sob controle e solidez fiscal.

Mantega ressaltou que as pressões inflacionárias do momento têm sido provocadas pelos preços de commodities no mercado internacional, mas que o enxugamento do Orçamento tem o poder de reduzir a demanda do Estado sobre a economia e ajudar o BC na tarefa de controlar a inflação, que já começou 2011 muito acima da meta:

Com os cortes, as despesas primárias (não financeiras) do Orçamento, descontadas as transferências a estados e municípios, caem de R$769,9 bilhões para R$719,9 bilhões. A estimativa de receita também foi revista para baixo, passando de R$819,7 bilhões para R$801,7 bilhões. O superávit primário de responsabilidade do governo federal passou de R$49,8 bilhões para R$81,8 bilhões, ou 2,01% do PIB.

Programas sociais livres da tesoura

Mantega e Miriam garantiram que os programas sociais e o PAC não serão afetados pelos cortes e nem sofrerão adiamentos. Eles explicaram que o ajuste ficará concentrado nos gastos de custeio. No entanto, a magnitude do bloqueio de despesas indica que as emendas parlamentares, a maior parte dos investimentos, serão fortemente afetadas.

No Congresso, a informação que circulou à tarde apontava para um corte de R$18 bilhões nas emendas, de um total de R$21 bilhões reservados. As medidas também incluem a proibição de aquisição, reforma e aluguel de imóveis e de aquisição de veículos para uso administrativo em 2011. O governo também passará um pente fino nas despesas com folha de pagamento para identificar desvios ou irregularidades. Também serão investigados possíveis desvios no pagamento de abono e seguro-desemprego.

Na análise da folha, será contratada uma auditoria independente da Fundação Getulio Vargas (FGV) que possa detectar problemas. Além disso, será implantado um sistema que dispara um alerta sempre que algum parâmetro, como por exemplo de evolução dos diversos tipos de gastos, for descumprido.

Será feito ainda um cruzamento dos cadastros do funcionalismo federal com os da Previdência e dos estados para identificar acúmulos de cargos e aposentadorias. Auditorias especiais também serão realizadas para identificar possíveis irregularidades no pagamento de gratificações das universidades federais.

O Banco Central ficou satisfeito com o corte nos gastos do governo e entende que ajudará na condução da política monetária, reduzindo seus custos - leia-se juros mais elevados. Dentro da autoridade monetária há avaliações de que os efeitos da medida serão até maiores do que os das medidas anunciadas no início de dezembro pelo próprio BC. Naquele momento, colocou em prática diversas ações que restringiam o crédito de longo prazo usado para a compra de bens duráveis, como automóveis. Um dos principais objetivos era reduzir a demanda e, consequentemente, retirar parte da pressão inflacionária.

Colaboraram:Geralda Doca e Patrícia Duarte

FONTE: O GLOBO

Lista de intenções:: Míriam Leitão

Nos cortes de gastos anunciados ontem pelo governo há mais vento que caroço. Combater os desvios ou aumentar a eficiência do gasto não é corte, é apenas o normal a se fazer. Reestimar para baixo receitas que estavam infladas é voltar à realidade. Cortar emendas de parlamentares ocorre todo ano. Se quiser fazer um ajuste, o governo tem que ir além das palavras.

E em algumas palavras, eles se traem. O ministro Guido Mantega, por exemplo, disse na apresentação do corte de R$50 bilhões que vai perseguir "a meta cheia" de superávit. "Não será usado nenhum artifício", disse o ministro, para logo em seguida se corrigir: "Não que tenhamos usado artifício, essa palavra não é correta."

Foi a palavra mais correta que ele disse na entrevista. Como todos viram, o governo no ano passado lançou mão de inúmeros artifícios contábeis para inflar as receitas num ano em que elas cresceram fortemente por causa do PIB alto. Mesmo assim, não cumpriu a meta de superávit primário.

O economista Raul Velloso, especialista em contas públicas, alertou que o corte anunciado foi sobre a Lei Orçamentária, ou seja, o que estava previsto para gastar em 2011. Do ponto de vista fiscal e monetário, o que interessa é o corte sobre o que foi executado em 2010. A comparação não pode ser feita com a Lei Orçamentária porque ela pode ter sido inchada com uma previsão excessivamente otimista de receita.

Houve no mercado financeiro quem considerasse o corte um bom sinal. Antes do anúncio, o economista Roberto Padovani, do WestLB, avaliou que se o corte fosse de R$50 bilhões estaria dentro do esperado pelo mercado. Disse que o mais relevante seria interromper a trajetória de deterioração fiscal e assim chegar perto da meta estabelecida para este ano.

Depois do anúncio, Felipe Salto, da Tendências consultoria, considerou que se o corte for cumprido pode ser o fim da "contabilidade criativa" que foi usada no ano passado. Ele acha também que o governo deu um bom sinal quando resistiu à pressão das centrais por um salário mínimo maior; e aponta outro bom sinal no fato de R$25 bilhões dos cortes serem em gastos de custeio dos ministérios.

Outros economistas, no entanto, apontaram erros do anúncio, como Sérgio Vale, da MB Associados. Ele pondera que mesmo com o corte de R$50 bilhões haverá aumento sobre 2010 se for retirado da conta o efeito da capitalização da Petrobras. A receita, por essa conta, terá um crescimento de 14%, que é quase o mesmo que subiu em 2010, com diferenças fundamentais: no ano passado ela cresceu porque a base de comparação era baixa; este ano, o país não crescerá tanto quanto no passado.

Monica de Bolle, da Galanto consultoria, acha que o governo poderia ter feito mais. Para ela, contingenciamento não é exatamente corte, mas uma postergação dos gastos.

O que mais impressiona na comunicação dos cortes, que foram discutidos numa longa reunião noturna de véspera, é a mesmice de outros momentos em que o governo tentou impressionar: contratar uma consultoria da FGV para ver onde está havendo gastos excessivos, fazer uma proclamação de que se fará mais com menos, cortar em 50% gastos de viagens; proibir a compra ou aluguel de imóveis e a compra de novos carros. Tudo isso, no fundo, é muito pouco. Alguns ralos permanecerão, como as transferências para o BNDES. O ministro Guido Mantega prometeu apenas fazer um aporte menor. Esse aporte no BNDES não entra como despesa e é portanto um gasto até mais problemático, porque teoricamente é apenas um empréstimo.

Outro anúncio foi a suspensão dos benefícios concedidos em 2009/2010. Esses estímulos foram concedidos para tirar o país da crise, já deveriam ter sido suspensos no ano passado. Foi um erro terem sido mantidos até agora.

Gil Castelo Branco, do Contas Abertas, cujo trabalho é de esquadrinhar as contas públicas, acredita que tudo o que o governo fez foi anunciar uma lista de desejos. Ele acha que não ficou claro como serão cortados os R$50 bilhões. Aliás, essa é também a ponderação de Raul Velloso: a falta de detalhamento torna mais difícil o trabalho de avaliar a validade ou não dos cortes. Gil achou estranho que tenha levado tanto tempo para um anúncio tão vazio, sem nenhuma ação concreta:

- O corte nas emendas ainda será discutido com os ministérios, ninguém sabe que projetos serão afetados. Reduzir 50% o gasto com passagem é mínimo, não estamos falando de corte na casa dos bilhões. Há um conflito entre anunciar o corte, para mostrar austeridade, mas ao mesmo tempo não criar dificuldade política.

Uma das dificuldades é que se o governo anunciar diretamente onde vai cortar, ele pode ter mais conflitos com o Congresso, dividir ainda mais seus aliados, como as centrais sindicais. Isso aumenta a dificuldade de executar os cortes ao longo do ano.

Apesar de o governo ter dito que nada será mudado no PAC, a experiência mostra que é no investimento que se faz o ajuste. O PAC tem bons e maus projetos, portanto, o ideal é que se fizesse uma escolha dos melhores projetos para serem preservados.

Pior do que anunciar intenções e chamá-las de corte ou ajuste é a insistência com que o ministro da Fazenda subestima a inflação. Ontem, novamente, ele mostrou mais uma vez sua leniência com o problema quando disse que o problema é passageiro e que cumprir a meta não é cumprir o centro da meta. Autoridades perseguem o centro, mesmo sabendo que algum choque pode elevar o índice. Mas em fevereiro já avisar que o centro da meta está abandonado é convocar a inflação a subir mais.

FONTE: O GLOBO

Com medidas, Dilma aperta o cinto que Lula ajudou a afrouxar

A HORA DO ARROCHO

Crescimento de gastos se deu especialmente em 2010, ano eleitoral

Regina Alvarez

BRASÍLIA. A primeira medida de impacto do governo Dilma Rousseff - a promessa de reduzir gastos - acontece depois de dois anos em que as despesas do Orçamento cresceram fortemente. No governo Lula, o crescimento dos gastos se deu respaldado pelo argumento oficial de que era preciso combater a crise global com estímulos ao crescimento da economia. Entre 2003 e 2010, houve um crescimento de gastos equivalente a 3,3 % do Produto Interno Bruto (PIB). As despesas pularam de 15,1% para 18,4% do produto, sendo que nos dois últimos anos o aumento foi de 1,8% do PIB.

Esse crescimento de gastos se deu especialmente em 2010, ano em que o então presidente lançou Dilma como candidata. A crise já superada estimulou o aquecimento excessivo da economia em 2010 e o retorno da inflação, deixando como herança para o governo Dilma a premência de um esforço fiscal mais acentuado.

Embora o governo Lula tenha adotado medidas para estimular a economia em 2009 e 2010, com a desoneração de impostos em setores ligados ao consumo, por exemplo, as despesas de pessoal e custeio - que incluem benefícios previdenciários, outros benefícios vinculados ao salário mínimo e os gastos com a máquina pública - foram as que abocanharam a maior fatia do aumento de gastos no apagar das luzes de sua gestão.

Custeio e pessoal inflaram orçamento em 2010

O aumento dessas despesas está mais relacionado a compromissos assumidos pelo governo com entidades sindicais, como a política de valorização real do salário mínimo e de recomposição salarial dos funcionários públicos, do que com medidas para combater diretamente os efeitos da crise financeira global, embora o aumento de renda decorrente das ações do governo federal tenha contribuído para estimular o consumo e aquecer a economia.

- O governo aumentou seus gastos para fazer o país sair da crise e foi muito bem-sucedido. Os gastos públicos ajudaram a estimular a atividade - disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega, no anúncio dos cortes do Orçamento, justificando o comportamento do governo Lula, do qual também fazia parte.

Em 2010, os gastos do Orçamento aumentaram R$98,8 bilhões em relação a 2009, auge da crise econômica, segundo levantamento realizado pelo site Contas Abertas na primeira quinzena de janeiro. E a maior fatia desse bolo, R$86 bilhões (87%), refere-se a despesas de pessoal e custeio.

Os gastos com pessoal passaram de 4,4% para 4,7% do PIB entre 2008 e 2010, incorporando o crescimento robusto da economia no ano passado. Os acordos fechados com as lideranças do funcionalismo e com centrais sindicais nos últimos dois anos de mandato do presidente Lula turbinaram as despesas com pessoal e benefícios previdenciários, como também garantiram apoio entusiasmado à candidata do PT e de Lula, Dilma Rousseff, nas últimas eleições.

Os gastos com benefícios previdenciários e sociais no governo Lula passaram de 7,3% do PIB em 2003 para 9% do PIB em 2010. Os investimentos também cresceram substancialmente no período, passando de 0,3% do PIB em 2003 para 1,2% do PIB no ano passado, mas ainda ocupam uma parcela muito pequena das despesas do Orçamento.

Lula também cortou, só que bem menos: R$14 bi

Em seu primeiro ano de mandato, Lula anunciou o corte de R$14 bilhões no Orçamento Geral da União de 2003. Na época, o porta-voz da Presidência, André Singer, disse que R$8,9 bilhões teriam que ser cortados por conta de erro cometido pelo governo Fernando Henrique, que havia errado ao calcular os encargos previdenciários. No entanto, o restante do corte foi devido ao esforço fiscal para atingir o superávit primário de 4,25% do PIB.

No mesmo dia do anúncio, para compensar o efeito da contenção de gastos, o governo apresentou 14 medidas, em áreas como agricultura, reforma agrária, energia elétrica e disse que ampliaria o crédito para micro e pequenas empresas e desapropriaria 203 mil hectares de terras improdutivas.

FONTE: O GLOBO

Suspensão de concursos preocupa

Para especialistas, critério deve ser revisto; 40 mil vagas seriam abertas

Ione Luques e Paula Dias

A notícia de que o governo suspenderá as nomeações para o serviço público de aprovados em concursos federais e de que não permitirá novas seleções este ano foi recebida com preocupação pelo setor. A informação atinge em cheio quem se preparava para concursos como os da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, INSS, Banco Central e ministérios da Fazenda, da Educação, da Saúde e do Planejamento. Considerada a proposta orçamentária para este ano, a previsão era de que seriam abertas cerca de 40 mil vagas nos órgãos públicos federais.

Para a diretora-executiva da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursados (Anpac), Maria Thereza Sombra, há concursos previstos que ela considera de segurança nacional e que não podem deixar de acontecer:

- A ministra deveria rever sua posição, caso a contenção de gastos com concursos seja realmente certa.

Maria Thereza lembra que órgãos como a Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) só tem terceirizados e pretendia realizar concurso este ano para contratar de 300 a 400 funcionários, entre jornalistas, técnicos e profissionais de nível superior em diferentes áreas.

- O governo esqueceu que o custo dos terceirizados é muito maior do que o dos efetivos. Isto parece não estar sendo levado em conta.

Maria Thereza acredita que, caso seja mantida a decisão de suspender a nomeação dos já aprovados, vai haver um enxurrada de ações e mandados de segurança:

- A Justiça vai adorar - diz ela, ressaltando que, segundo os editais, os órgãos públicos são obrigados a repor as vagas abertas dentro do prazo de validade do concurso e aqueles que forem prejudicados podem entrar com ações.

Já Ricardo Ferreira, autor do livro "Manual dos concurseiros", acha que não há motivo para alarme. Durante sua trajetória na área de concursos, o especialista afirma já ter visto outros ministros, em início de governo, anunciando cortes no orçamento que acabaram por não afetar o calendário previsto de seleções públicas:

- O próprio Paulo Bernardo, em 2008, disse que suspenderia nomeações e seria criterioso com os processos seletivos. E no fim das contas foi um ano excelente para os concurseiros. A necessidade dos órgãos públicos de contratar pessoal para manter a qualidade dos seus serviços acaba sempre falando mais alto - diz Ferreira, para quem o maior problema desse tipo de anúncio é que as notícias acabam desanimando os candidatos. - A previsão é de 130 mil vagas, sendo que só 40 mil são de responsabilidade do governo federal. Ou seja, mesmo que as medidas causem algum impacto, não podemos parar - diz.

FONTE: O GLOBO

Mantega: debate sobre valor do mínimo acabou

A HORA DO ARROCHO

Ministro diz que governo discutirá apenas política de valorização do salário em troca da correção da tabela do IR

Martha Beck, Chico de Gois e Cristiane Jungblut

BRASÍLIA. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, subiu o tom ontem e foi duro ao declarar que o aumento do salário mínimo para um valor acima de R$545 não está mais em negociação. Ele deixou claro que, daqui para frente, o governo se dispõe a discutir com as centrais sindicais apenas uma política de valorização do mínimo em troca da correção da tabela do Imposto de Renda (IR) da Pessoa Física. O Planalto deve enviar hoje ou amanhã ao Congresso a nova proposta de mínimo em R$545 para ser votada até semana que vem.

Com atuação também do ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, o Planalto manteve o tom junto à base aliada e avisou que só negociará a correção da tabela do Imposto de Renda depois de aprovado o mínimo de R$545.

- O que está em negociação é uma política de valorização do salário mínimo. O valor não está. Ele é de R$545 - disse Mantega ao anunciar ao lado da ministra do Planejamento, Miriam Belchior, um corte de R$50 bilhões no Orçamento.

Mantega disse que o governo fez simulações sobre a renúncia provocada pela correção da tabela do IR em 4,5% este ano (percentual dos últimos quatro anos). Segundo o ministro, o governo abriria mão de R$2,2 bilhões. Ele disse que a renúncia não está contemplada no Orçamento, mas o governo poderia acomodá-la em caso de acordo.

- O reajuste da tabela não se consumou porque ainda não se chegou a um acordo em relação ao salário mínimo. Propusemos repetir o acordo feito a partir de 2007 (para a correção do salário mínimo) e corrigir a tabela do IR em 4,5% - disse Mantega, lembrando que os sindicatos teriam de concordar com a política de reajuste do mínimo até 2014.

Apesar do discurso de unidade, PDT, DEM e PSDB já articulam a apresentação de emendas ao projeto, com valores de R$560 a R$580. A ideia é tentar forçar o governo a chegar aos R$560. Em princípio, o valor de R$545 não deverá ser retroativo a janeiro.

O texto incluirá um artigo tratando de parcelamento de débitos junto ao Fisco, como forma de incluir uma matéria que permita passar na frente das medidas provisórias que trancam a pauta. A tática é aprovar a urgência urgentíssima, fazendo com que o projeto seja votado diretamente no Plenário, sem prazos. Eventuais emendas terão que ser apresentadas em Plenário. O Planalto está trabalhando para enquadrar os partidos aliados, começando pelo PT. Palocci consultou aliados sobre o impacto do anúncio dos cortes no humor dos deputados, mas avaliação do Planalto foi a de manter o aviso até para já sinalizar ao Congresso que a postura é de contenção.

FONTE: O GLOBO

PMDB garante apoio a novo valor do salário

Sindicalistas tentam ganhar tempo e defendem R$560

BRASÍLIA.O líder do PDMB, deputado Henrique Eduardo Alves (RN), reiterou que o partido está com o governo e vai votar os R$545 propostos para o mínimo. Já o líder do PT, deputado Paulo Teixeira (SP), disse que não haverá divergências dentro do PT, que o partido está "fechado".

Sindicalistas fizeram ontem uma reunião para decidir qual tática a ser adotada visando ganhar tempo no Plenário com manobras regimentais. A esperança, inclusive da CUT, é que um valor como R$560 sensibilize parlamentares até do PT.

De passagem ontem por Brasília, o candidato derrotado do PSDB à Presidência da República José Serra criticou a negociação do governo para o reajuste do mínimo:

- As duas coisas deveriam ser feitas: um salário de R$600 e a correção da tabela (do Imposto de Renda). Não é possível transformar os trabalhadores em amortecedores de uma crise fiscal que foi provocada nos oito anos anteriores.

O líder do DEM, deputado ACM Neto, reiterou que o partido não deve apoiar os R$600 defendidos pelo PSDB. A tendência do DEM é negociar um valor em torno de R$565. Pela Força Sindical, Paulo Pereira da Silva conversou com ACM Neto sobre haver uma união em torno de um valor, como R$560.

FONTE: O GLOBO

Centrais farão protesto no Congresso

SÃO PAULO. As seis centrais sindicais pretendem juntas realizar um protesto na próxima terça no Congresso para combater, no voto, a iniciativa do governo federal de fixar o salário mínimo em R$545, sem aumento real. Sindicalistas apostam em algum grau de traição dos parlamentares da base aliada que estão insatisfeitos. Para isso, esperam conquistar votos de deputados frustrados com o corte de emendas e aqueles que não esperam ser contemplados na distribuição de cargos do Executivo.

Ontem, trabalhadores filiados ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e Mogi (Força Sindical) foram às ruas para pedir o aumento do mínimo para R$580 e a correção da tabela de Imposto de Renda.

No principal local de concentração, na Rua Cadiriri da Mooca (zona leste da capital paulista), ocorreu uma curta paralisação nas fábricas locais, e cerca de 150 funcionários realizaram uma caminhada pela rua, com faixas e alto-faltantes.

No Congresso, oposição critica corte; para aliados, foi contingenciamento

A HORA DO ARROCHO

"É o tamanho da irresponsabilidade praticada na eleição", afirma ACM Neto
Isabel Braga, Cristiane Jungblut e Adriana Vasconcelos

BRASÍLIA. O pacote de enxugamento de gastos e o corte de R$50 bilhões no Orçamento da União deste ano, anunciados ontem pelo governo, provocaram reações diversas no Congresso. Para a oposição, o corte ocorre para conter a gastança desenfreada do governo Lula no ano eleitoral. Os governistas prefeririam chamar de contingenciamento e reforçar a esperança de que parte dos recursos seja liberada ao longo deste ano.

- É o tamanho da irresponsabilidade praticada na eleição. Houve uma gastança desmedida. Estamos diante de uma responsabilidade solidária, porque é um governo de continuidade. Agora, ela (Dilma) tem que puxar o Orçamento para a realidade - atacou ACM Neto.

Para o senador Aécio Neves (PSDB-MG), o anúncio de ontem mostra que o Brasil da expansão econômica absoluta vendido por Dilma em sua campanha eleitoral não era real:

- Esse corte desmente o discurso do PT na campanha e reforça o que já havíamos denunciado: o governo passado vinha gastando de forma descontrolada. Foi isso que construiu esse desfecho. Um corte como esse, inevitavelmente, deve comprometer investimentos importantes para garantir a continuidade do crescimento do país.

"Para a carreira de Estado, nada"

O líder do PPS na Câmara, Rubens Bueno (PR), condenou o fato de o governo não mexer nos 22 mil cargos de confiança, mas suspender a nomeação de cerca de 40 mil aprovados em concursos públicos para a administração federal:

- Mais uma vez, o governo do PT adota a seguinte prática: para a companheirada, tudo; para o servidor público, para a carreira de Estado, nada.

O presidente do PSDB, deputado Sérgio Guerra, criticou a decisão de cortar o Orçamento votado pelos parlamentares:

- Agir sobre as decisões do Congresso, por mais imperfeitas que sejam, é mau sinal. Já que tem maioria ampla, por que não discutir? Lula demorou um bom tempo para usar o rolo compressor. Ela (Dilma) está usando o rolo na véspera do governo.

Pelo menos no discurso, líderes dos partidos da base defenderam o corte de R$50 bilhões, inclusive nas emendas individuais. Para alguns, trata-se de contingenciamento, e não um corte definitivo.

- Contingenciamento não é corte. É responsabilidade com o país - insistiu o líder do PMDB, deputado Henrique Eduardo Alves (RN).

O líder do PT na Câmara, deputado Paulo Teixeira, frisou que o governo priorizou o equilíbrio fiscal e disse que a receita no Orçamento aprovado pelo Congresso estava superestimada:

- Houve um olhar para o equilíbrio fiscal - disse.

Mais realista, o deputado Luciano de Castro (PR-RR) admite que a medida, às vésperas de votações importantes na Casa, como o aumento do salário mínimo, é ruim:

- Dificulta a negociação dos líderes com a bancada, mas, pelo menos, não é um corte linear. É contingenciamento e gera a expectativa de que poderá, um dia, ser liberado.

O senador Delcídio Amaral (PT-MS) afirmou que os cortes no Orçamento reforçam o compromisso do governo Dilma com o equilíbrio fiscal:

- O governo entendeu que encarar a questão dos gastos públicos seria uma alternativa melhor que outras medidas que poderiam onerar ainda mais o cidadão, como optar apenas pelo aumento da taxa de juros.

FONTE: O GLOBO

Serra prega unidade do PSDB e empenho na oposição a Dilma

Raquel Ulhôa

Aos poucos voltando à cena política após a derrota na eleição presidencial, o ex-governador José Serra (PSDB) pregou unidade do partido e "organização e empenho" na oposição ao governo Dilma Rousseff. Em reunião com a bancada da Câmara dos Deputados, ontem, Serra lançou um 11º mandamento para o PSDB: "Não atacarás o companheiro de partido para não servir ao adversário."

Visitou aliados em gabinetes e participou também de almoço com a bancada do Senado, sentado quase em frente ao senador Aécio Neves (MG), com quem pode disputar novamente a candidatura a presidente da República em 2014. Essa disputa já divide o partido. Avisado de última hora, Aécio desmarcou um compromisso para não faltar ao almoço. Segundo participantes, a conversa, informal, serviu para conter as tensões na relação de Serra com Aécio e com o deputado Sérgio Guerra (PE), ex-senador e presidente do partido - cargo no qual aliados do ex-governador paulista querem vê-lo.

Serra assumiu postura afirmativa. Afirmou que estará 100% dedicado à política e pronto para ajudar, quando for acionado. Apresentou uma proposta concreta de reforma eleitoral para o partido encampar: a implantação do voto distrital para municípios de mais de 200 mil eleitores já para as eleições municipais de 2012. "Será o início do voto distrital no Brasil. Os vereadores disputarão no distritos e não mais no colégio eleitoral todo. A população da cidade vai vibrar", disse.

O ex-governador também estimulou deputados e senadores do seu partido a defender o salário mínimo de R$ 600, proposta de sua campanha eleitoral, e colocou-se à disposição para comparecer à Casa e explicar as razões pelas quais acredita que a economia suporta o aumento do mínimo para esse valor. Ao encontrar o senador Itamar Franco (PPS-MG) no corredor, Serra abraçou-o e agradeceu pela lembrança de propor que ele seja convidado a falar sobre o mínimo.

Tentando dar o tom da atuação da oposição, Serra defendeu que os deputados "fiscalizem e controlem" os atos do Executivo, como as obras de infraestrutura e as medidas na área de educação e saúde. Sugeriu que filmem e divulguem imagens de obras paradas. Estimulou também que os deputados acompanhem a área econômica, onde, segundo ele, "tem um nó fiscal tremendo" e o governo está "maquiando os números" para esconder os débitos. "Quem produziu isso não fomos nós. Eles tiveram oito anos de governo e, de repente, parece um problema da natureza. Tem uma crise fiscal e quem fez não fomos nós", disse. Citou ainda a operação de venda do banco Panamericano - "este Proer privado".

Por pouco não trombou com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que viajou ontem a Brasília para participar das comemorações do 31º aniversário do PT. Os dois ficaram hospedados no mesmo hotel, o Meliá.

Serra disse à bancada que o importante é que o partido esteja unido no enfrentamento ao governo. "Disputa por cargos de bancada é normal, disputa política é normal. O importante é que haja unidade. Deveríamos ter o 11 º mandamento: tucano não fala mal de tucano, porque isso é servir ao adversário."

O convite para Serra participar da reunião da bancada do PSDB na Câmara foi feito de última hora, por iniciativa de seus aliados. O almoço com os senadores também foi organizado na véspera pelo líder, Álvaro Dias (PR). Nos dois eventos, Serra esteve acompanhado do presidente do partido. Serra não quis falar sobre sua suposta candidatura ao cargo. "O assunto não está posto", disse. Guerra, por sua vez, assumiu a campanha pela reeleição. "Se ele vai ser candidato ou não, ele é que tem que responder. Eu sou", afirmou.

Na semana passada, a bancada assinou lista de apoio à recondução de Guerra no comando do PSDB. O gesto contrariou o grupo de Serra, que alimentava expectativa de elegê-lo para o cargo. O líder da bancada, deputado Duarte Nogueira (SP), reafirmou que está mantida a posição dos deputados em apoio à recondução de Guerra. Reconhecendo, no entanto, que a eleição só será decidida em maio e por outras instâncias (haverá convenções municipais em março, estaduais e abril e a nacional em maio).

(Com agências noticiosas)

FONTE: VALOR ECONÔMICO

Serra reaparece em defesa do mínimo de R$ 600

Derrotado na eleição presidencial do ano passado, José Serra reapareceu ontem em Brasília, na tentativa de unificar o partido na defesa de um salário mínimo de R$ 600 - o governo defende reajuste para R$ 545, o que tem motivado protestos das centrais sindicais. Empenhado em recuperar espaço no PSDB, Serra pregou que os tucanos adotem um mandamento: “Não atacarás o seu companheiro de partido para não servires ao adversário".

Mínimo de R$ 600 é ‘factível’, afirma Serra na Câmara

Entre afagos a Aécio, tucano prega o ‘11º mandamento do PSDB’: ‘Não atacarás o companheiro de partido para não servires ao adversário’

Eugênia Lopes

BRASÍLIA - Na tentativa de recuperar espaço dentro do PSDB, o candidato derrotado à Presidência da República, José Serra (SP), reuniu-se ontem com a bancada da Câmara e do Senado para pregar a unidade do partido e uma oposição consistente ao governo de Dilma Rousseff. Na opinião dele, o salário mínimo de R$ 600 é "factível" e não coloca em risco as contas públicas.

Sem revelar se é candidato ou não à presidência do PSDB, Serra defendeu a criação do 11.º mandamento para o partido: tucano não fala mal de tucano. "Não atacarás o seu companheiro de partido para não servires ao teu adversário", resumiu o ex-governador de São Paulo, durante palestra à bancada da Câmara.

Foi um recado aos deputados tucanos que, no início do mês, fizeram abaixo-assinado defendendo a recondução do deputado Sérgio Guerra (PE) à presidência do PSDB. "Esse mandamento não vale para o meu lado porque eu nunca disse uma palavra contra o Serra. Nunca fiz a menor critica ao nosso candidato", rebateu Guerra. "É preciso um bom convívio entre os tucanos para que eles não se biquem entre si", observou o líder do PSDB na Câmara, deputado Duarte Nogueira (SP).

Serra mostrou-se humilde diante da bancada tucana. "Depois da eleição, tem momentos em que me sinto bem e outros em que me sinto mal", admitiu. "Estou aqui para ajudar. Vou servir ao Brasil e ao partido."

Depois do desabafo com os deputados, Serra foi para o Senado almoçar com os senadores tucanos. Fez questão de abraçar e posar para fotos ao lado do senador Aécio Neves (MG). Os dois são adversários dentro do partido: ambos têm pretensões de ser o candidato tucano à Presidência da República, em 2014.

O abaixo-assinado dos deputados em apoio à reeleição de Sérgio Guerra no comando do partido, articulados por aliados de Aécio, acirrou a tensão entre serristas e aecistas. Serra não admite publicamente sua intenção de concorrer à presidência do PSDB, em eleição prevista para maio. Seus aliados defendem, no entanto, que o ex-governador assuma o comando do partido para se manter presente na cena política. Foi isso que Serra tentou fazer ontem ao visitar pela primeira vez o Congresso após sua derrota na corrida presidencial.

Como papel da oposição, Serra pregou uma fiscalização sem tréguas das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). "A bancada tem obrigação de controlar as obras desse falado PAC, que nunca foi o que se dizia. Não faz nada e não tem dinheiro no Orçamento", afirmou. Ao defender o mínimo de R$ 600, o ex-governador disse que vai ao Senado, como propôs o senador Itamar Franco (PPS-MG), para explicar como definiu esse valor durante a campanha para a Presidência da República. "Apresentei essa proposta e posso fundamentá-la. E apresentarei as principais questões que me levaram a fazer essa proposta que envolve, não só o financiamento direto de um mínimo menos indecente do que é hoje, como também as questões correlacionadas da nossa economia."

FONTE: O ESTADO DE S. PAULO

Jarbas reforça cruzada pelo fim das coligações

Em seu primeiro discurso do ano, senador cobrou votação de PEC de sua autoria que estabelece a extinção das coligações proporcionais. Jarbas elogiou posição de Dilma de priorizar a reforma política

Ed Ruas

Em seu primeiro pronunciamento no Senado este ano, o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB) cobrou ontem a votação da proposta de emenda constitucional (PEC), de sua autoria, que estabelece a extinção de coligações partidárias para eleições proporcionais. Na concepção do peemedebista, a Casa não necessita esperar um encaminhamento da reforma política pelo Poder Executivo e afirmou que os parlamentares têm culpa diante da instabilidade jurídica pós-eleitoral que se apresenta agora. “O Congresso Nacional é o principal responsável pela não aprovação da reforma política. A omissão do Congresso possibilitou que o envolvimento do Poder Judiciário com as questões partidárias e eleitorais complicassem ainda mais um quadro de distorções que só fazem se ampliar, ano após ano”, explicou.

Durante o discurso, Jarbas fez referência direta às últimas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre as suplências. Segundo ele, motivo que o levou a defender a votação da PEC apresentada e aprovada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, ainda em 2007. “Vale destacar que essa posição do STF é coerente com as decisões tomadas anteriormente sobre a fidelidade partidária, de que o mandato pertence ao partido e não ao parlamentar. Mas a verdade é que se criou uma insegurança política. Se o Congresso continuar abdicando de suas prerrogativas constitucionais, caberá sempre ao Judiciário a palavra final sobre aspectos importantes da reforma política, como ocorreu com a fidelidade partidária e ocorre agora com as coligações proporcionais”, argumentou o senador.

Integrante do bloco oposicionista, Jarbas afirmou que uma das melhores notícias do início da legislatura foi o anúncio da presidente Dilma Rousseff, de que é “uma prioridade do seu mandato” a reforma política. “Contrariando tudo o que se falava sobre o tema até o início deste mês. Espero que seja realmente um compromisso real e não apenas uma promessa”, alfinetou.

Ao final do discurso, o pernambucano reforçou a necessidade da aprovação rápida da PEC, para que seja válida já nas eleições do próximo ano. “É hora de o Senado reconquistar um pouco de sua dignidade perdida. Ao ouvir o apelo da sociedade que anseia por um sistema eleitoral mais justo e representativo, esta Casa tem a oportunidade de finalmente exercer seu papel constitucional aprovando o fim das coligações para as eleições proporcionais.”

A PEC número 29, de autoria de Jarbas Vasconcelos, foi apresentada no dia 11 de abril de 2007. Se for aprovada até outubro deste ano, ela poderá ser adotada nas eleições municipais em 2012. Com isso, apenas os candidatos a prefeito poderiam estabelecer alianças. Vereadores dependeriam exclusivamente dos votos dos seus respectivos partidos.

FONTE: JORNAL DO COMMERCIO (PE)

Projeto de Sader para a Casa de Rui Barbosa é criticado

Intelectuais questionam ênfase no contemporâneo e na esquerda.

Miguel Conde

Pesquisadores e intelectuais brasileiros questionaram ontem o projeto do novo presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa, o sociólogo Emir Sader, de promover na instituição debates e pesquisas com “uma reflexão mais contemporânea sobre o Brasil”, como ele disse em entrevista ao GLOBO publicada no ultimo sábado. A relação de autores que Sader pretende levar para debates e palestras no espaço também foi criticada, por incluir apenas nomes de esquerda.

- É um tanto irônico, se você pensar que Rui Barbosa é um dos íncones do liberalismo brasileiro – diz o historiador José Murilo de Carvalho, professor da URFJ que esteve por 12 anos vinculado à Casa – Propões-se ali a reunião de um grupo com um alinhamento ideológico muito claro e aliás perfeitamente legítimo, mas o estranho é que o liberalismo não apenas fique de fora, mas seja totalmente antagonizado. Esse desequilíbrio completo me causou estranheza, assim como a falta de qualquer mensão à obrigação legal da Casa, que é preservar e difundir a obra de Rui Barbosa.

Professor da UERJ, conhecido pelos artigos e livros de crítica ao capitalismo, Sader disse na entrevista que pretende levar à Casa “todas as vozes, mas sobretudo aquelas que não tem espaço hoje para expressar seu ponto de vista” na mídia tradicional. Ele defendeu ainda que o governo adote políticas culturais “que consolidem na cabeça das pessoas as razões pelas quais o Brasil está melhor”.

O historiador Jorge Luiz Ferreira, professor da UFF, diz que a intenção de fazer debates sobre temas mais contemporâneos na Casa pode desvirtuar a identidade da instituição.

- A Casa de Rui Barbosa tem a missão de trabalhar com o estudo e a preservação dos documentos da Primeira República, área em que seus pesquisadores têm produzido há décadas trabalhos originais que se tornaram obras de referência reconhecidas internacionalmente. Claro que temas atuais podem ser debatidos, mas acho temeroso alterar o perfil de uma instituição que vem dando certo.

Crítico literário defende ideia

Mas a preocupação com o presente é coerente com a atuação do próprio Rui Barbosa, afirma o crítico literário Eucanaã Ferraz, professor da UFRJ:

- Rui Barbosa foi um homem ligadíssimo às questões políticas de seu tempo. Então que a Casa honre esse nome sendo uma instituição do seu tempo, eu não acho mau. Agora, concordo que o que já existe consolidado não pode ficar desprestigiado diante de uma nova orientação.

Para o cientista político Renato Lessa, há “intelectuais notáveis” entre os nomes citados por Emir Sader, mas o pluralismo prometido por ele “é muito restrito” políticamente. Ele disse ainda que a Casa de Rui Barbosa jê vem promovendo debates sobre o Brasil atual:

- Um problema do que ele disse é a ideia de que agora se vai dar a verdadeira pertinência da instituição, como se ela estivesse fora do tempo. A Casa de Rui Barbosa sempre fez debates atuais.Acaba de publicar um livro em parceria com a Fundação Getúlio Vargas sobre a República Brasileira, do qual eu mesmo participei com um artigo sobre a Constituição de 1988.

A própria noção do que é um tema contemporâneo é problemática, lembra o crítico literário Luiz Costa Lima, professor da UERJ:

- Nada mais contemporâneo, por exemplo, do que a discussão entre o fundamentalismo e o regime democrático. É um tema atual, mas que ao mesmo tempo pode nos levar à Grécia antiga. Propor uma discussão do contemporâneo simplesmente como aquilo que se dá neste instante me parece pobre.

Para a historiadora Mônica Grin, da UERJ, o debate com o presente deve vir por meio das pesquisas com o acervo da instituição:

- Fiquei extremamente preocupada com a fala do Emir Sader. Claro que o contemporâneo pode ser um tema da Casa, mas isso deve passar pelas pesquisas que são desenvolvidas ali a partir do acervo da fundação. Esse é o diálogo que precisa ser estabelecido.

FONTE: O GLOBO – SEGUNDO CADERNO, 8/2/2011

Emir Sader quer discussões atuais na Casa de Rui Barbosa

Miguel Conde
Sentado na sala de seu apartamento no Leblon, descalço e de bermuda, Emir Sader explica seus planos como novo presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa num tom de voz tão sereno que obriga o repórter a aproximar o gravador. A tranquilidade da fala desse sociólogo de 67 anos, professor da Uerj que se notabilizou pelos artigos e livros de crítica ao capitalismo, contrasta com os projetos anunciados durante uma hora de conversa, que podem ser resumidos pela intenção de fazer da Casa um grande centro de discussão do Brasil atual. Sader diz que será um espaço pluralista, mas com ênfase em intelectuais que segundo ele estão fora da mídia tradicional.

O que o senhor pretende mudar na Fundação Casa de Rui Barbosa?

EMIR SADER: Queria começar com uma referência mais geral. Todo grande período histórico brasileiro teve um movimento cultural significativo. Foi assim por exemplo durante a Era Getúlio, com Caio Prado, Gilberto Freyre, Anísio Teixeira, Mário de Andrade. Na virada dos 1950 para o 1960, o CPC, a Bossa Nova, o teatro, o Iseb, Darcy Ribeiro... E acho que é um consenso que nesta década o Brasil passou por um período histórico tão importante quanto aquele em termos de transformação social. No entanto, não se vê uma reflexão sobre o país, sobre esse processo. Uma das coisas que a Casa vai fazer, então, é incentivar a intelectualidade a produzir uma reflexão mais contemporânea sobre o Brasil. Em segundo lugar, existe uma nova maioria política e social no país, que eu diria que é progressista, mas que ainda é sensível a temas obscurantistas, como se viu na campanha com a discussão sobre o aborto. É preciso consolidar essa maioria política e social com uma nova sociabilidade, novos valores, de solidariedade. É preciso tratar de ter políticas culturais que consolidem na cabeça das pessoas as razões pelas quais o Brasil está melhor. Ajudá-las a tomar consciência social.

Mas se essa reflexão, que em sua opinião ainda está por acontecer, for induzida pelo Estado já a partir da premissa de que há certos valores a serem difundidos, ela não acabará se reduzindo a uma divulgação de ideias do partido que está no governo, em vez de ser de fato um esforço de pensamento crítico sobre o país?

SADER: O Estado não faz cultura, ele incentiva. Precisamos promover os grandes debates nacionais. Aí estarão presentes todas as vozes, mas sobretudo aquelas que não têm espaço hoje para expressar seu ponto de vista. Pretendemos fazer ciclos mensais de grandes conferências. O Slavoj Zizek vai fazer o lançamento do livro dele lá. O Istvan Meszaros. Vamos trazer o Eduardo Galeano, a Maria Rita Kehl, a Marilena Chauí, o José Luís Fiori, o Carlos Nelson Coutinho. São vozes importantes da esfera pública, divergentes inclusive em relação ao governo, mas que não costumam estar falando para a massa da população. A mídia hoje claramente não é pluralista. O que nós queremos é que múltiplas vozes se manifestem. Umas já têm se manifestado diariamente. Podem até ir, mas não seria nenhuma novidade. A novidade seria trazer as vozes que se identificam, criticamente ou não, com esse processo e podem demonstrar inclusive suas contradições, potenciais, limites.

A presunção de que é legítimo, a partir de um diagnóstico de uma subrepresentação na opinião pública de certas correntes políticas, fazer com que uma instituição pública, numa espécie de compensação...

SADER: Não bota nesses termos. O que nós queremos é reflexão, pensamento crítico, pluralista. Esses nomes não são usuais. Não quero polarizar. Queremos pensamento pluralista e crítico.

De um grupo de esquerda.

SADER: O critério é trazer as pessoas que fazem as reflexões mais férteis sobre o Brasil de hoje. Queremos trazer intelectuais cuja voz não tem sido contemplada, o que não quer dizer que os que já falam não serão chamados também. O debates precisam ter pontos de vista diferentes. Vamos fazer seminários sobretudo sobre cultura e políticas culturais, teremos um convênio com o Ipea para que eles ofereçam um curso semanal, e transmitiremos tudo pela internet. A ideia é agitar o clima cultural. Acho que a Dilma disse isso num livro que eu organizei com o Marco Aurelio Garcia: nosso papel não é criar nada, mas onde houver um foguinho a gente vai jogar álcool para ter reflexão. Precisamos retomar as grandes discussões sobre o país, que sumiram diante da especialização da vida intelectual. Além disso, temos que ver a possibilidade de abrir concurso para trazer novas gerações de pesquisadores para a Casa, pessoas jovens que trabalhem com temas contemporâneos, que ajudem a pensar a política cultural no país. A Casa precisa estar mais integrada com a atuação do próprio Ministério da Cultura.

A especialização da atividade intelectual é uma consequência do desenvolvimento do meio acadêmico, não? Como isso poderia ser mudado?

SADER: Sim, mas você tem pessoas capazes de fazer uma reflexão mais ampla. Pessoas como Chauí, Fiori, Maria Rita Kehl. O que temos que fazer é interpelá-los, precisamos de um reencontro da produção intelectual com a prática política.

O Arquivo-Museu de Literatura Brasileira, da Casa de Rui Barbosa, é talvez o mais importante acervo de literatura nacional que existe. Quais são seus planos para essa área?

SADER: Temos um acervo extraordinário e um trabalho de preservação bem encaminhado. O BNDES aprovou a construção de um anexo que vai permitir a expansão do acervo e da programação cultural. Planejamos também com a Biblioteca Nacional um grande programa de publicação de autores brasileiros na Europa, como preparação para a homenagem ao Brasil na Feira de Frankfurt de 2013.

FONTE: O GLOBO – PROSA & VERSO, 5/2/2011

O Rio - IV:: João Cabral de Melo Neto

Ou relação da viagem
que faz o Capibaribe
de sua nascente
à cidade do Recife

Os rios


Os rios que eu encontro
vão seguindo comigo.
Rios são de água pouca,
em que a água sempre está por um fio.
Cortados no verão
que faz secar todos os rios.
Rios todos com nome
e que abraço como a amigos.
Uns com nome de gente,
outros com nome de bicho,
uns com nome de santo,
muitos só com apelido.
Mas todos como a gente
que por aqui tenho visto:
a gente cuja vida
se interrompe quando os rios.