domingo, 19 de junho de 2016

Opinião do dia – Dora Kramer

Sociedade ilimitada. Certas coisas só o tempo explica. No início do primeiro governo Lula, Marcelo Odebrecht estava para assumir a presidência da empresa. Durante um almoço, em São Paulo, falou do então presidente como quem se refere a uma divindade.

O homem perfeito, no lugar certo, na hora exata. Faria um governo irrepreensível. Na ocasião não ficou claro o motivo de amor tão incondicional. Hoje está explicado: era condicionado.

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Dora Kramer é jornalista. ‘Lavanderia de propina’, O Estado de S. Paulo, 19/6/2016

Lula fez tráfico de influência em favor da OAS no exterior

• Em acordo de delação, Léo Pinheiro disse que, em contrapartida às obras no sítio em Atibaia e no tríplex do Guarujá, Lula ajudou a empreiteira fora do País. Troca de favores começou quando o petista era presidente

Sérgio Pardellas, Débora Bergamasco - IstoÉ

A disposição do juiz Sérgio Moro desde a semana passada, o arsenal de provas preparado por agentes federais e investigadores contra o ex-presidente Lula será robustecido em breve pelo que os procuradores da Lava Jato classificam de a “bala de prata” capaz de aniquilar o petista. O tiro de misericórdia – a julgar pelo cardápio de revelações ofertado durante as tratativas para um acordo de delação premiada – será desferido pelo empresário Léo Pinheiro, um dos sócios do grupo OAS. Conforme apurou ISTOÉ junto a integrantes da força-tarefa da operação Lava Jato em Curitiba, ao se dispor a desfiar com profusão de detalhes a maneira como se desenvolveram as negociações para as obras e reformas no sítio em Atibaia e no tríplex do Guarujá, tocadas pela OAS, Pinheiro já forneceu antecipadamente algumas das peças restantes do quebra-cabeças montado desde o surgimento das primeiras digitais de Lula no esquema do Petrolão.

Diz respeito às contrapartidas aos favores prestados pela empreiteira ao ex-presidente. De acordo com o relato preliminar de Pinheiro, em troca das obras no sítio e no tríplex do Guarujá, o petista se ofereceu para praticar tráfico de influência em favor da OAS no exterior. A OAS acalentava o desejo de incrementar negócios com o Peru, Chile, Costa Rica, Bolívia, Uruguai e nações africanas. Desenvolto no trânsito com esses países, Lula se prontificou a ajudá-los. Negócio fechado, coube então ao petista escancarar-lhes as portas. Ou, para ser mais preciso, os canteiros de obras. Se até meados de 2008 a OAS engatinhava no mercado internacional, hoje a empresa possui 14 escritórios e toca 20 obras fora do País – boa parte delas conquistada graças às articulações do ex-presidente petista.

PT acha que delação de Machado pode forçar eleição, mas não ajuda Dilma

Catia Seabra – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Dirigentes do PT e do Instituto Lula não acreditam na hipótese de a presidente afastada, Dilma Rousseff, reassumir o cargo como consequência das acusações do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machadocontra líderes do PMDB –entre eles, o presidente interino, Michel Temer.

Para integrantes da cúpula do PT ouvidos pelaFolha, a delação de Machado não reverterá a tendência dos senadores de aprovação do impeachment no Congresso.

Vice-presidente do partido, o deputado Paulo Teixeira (PT-SP) é um dos poucos a afirmar que o "o impeachment subiu no telhado".

Para ex-ministro Edinho Silva, eleição de 2016 deve ser a pior vivida pelo PT

Bela Megale – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Ex-ministro da Comunicação Social do governo Dilma Rousseff, Edinho Silva prevê que as eleições de 2016 "serão as piores da história do PT", devido à falência dos modelos de funcionamento e financiamento partidário no Brasil.

Em entrevista à Folha, Edinho defendeu um "pacto político" para que o Brasil saia da crise e volte a crescer. Ele prega a continuidade da Lava Jato, mas diz que deve se estabelecer um prazo por meio do diálogo entre poderes para que o país retome o equilíbrio.

O petista, que será candidato à Prefeitura de Araraquara (SP), é investigadona operação. Ele disse que se sente "injustiçado" por ser acusado de pressionar empreiteiros por doações para a campanha de Dilma em 2014.

Afirma ainda que se arrependeu de ter atuado como coordenador financeiro.

• Folha - O PT sofreu muito com a crise política e a Lava Jato. Qual sua previsão para as campanhas deste ano?

Edinho Silva - Vivemos uma crise geral do modelo político-partidário e de financiamento partidário, por isso tenho certeza que todas as grandes siglas serão afetadas. A que mais sofrerá é o PT, por ser governo e estar no quarto mandato. Então nas eleições municipais desse ano é o partido que mais vai perder, sem dúvida. Será a pior eleição da nossa história.

Lava Jato quer delações de Odebrecht e Léo Pinheiro sobre aeroportos

• Nas negociações de acordos com presidentes da Odebrecht e da OAS, que integram concessionárias do Galeão (RJ) e de Cumbica (SP), força-tarefa busca fatos novos que transcendam a corrupção na Petrobrás; leilões dos terminais, obras para Copa e Olimpíada e recursos dos fundos de pensão e BNDES durante o governo Dilma são focos

Ricardo Brandt, Julia Affonso e Fausto Macedo – O Estado de S. Paulo

CURITIBA - A força-tarefa da Lava Jato elegeu temas de interesse para negociação nas delações já iniciadas de Marcelo Bahia Odebrecht e José Aldemário Pinheiro, o Léo Pinheiro, da OAS. A Procuradoria da República cobra dos empreiteiros informações sobre contratos de concessões de aeroportos e obras de infraestrutura nos terminais que foram aceleradas para a Copa de 2014 e para a Olimpíada deste ano.

Para vencer os leilões de exploração, as empreiteiras formaram concessionárias e contaram com aportes financeiros dos fundos de pensão e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Lava Jato não conseguirá transformar o Brasil sozinha, diz procurador

• Deltan Dallagnol participa do Brazil Forum 2016, evento organizado por alunos da Universidade de Oxford e da London School of Economics

Fernando Nakagawa - O Estado de S. Paulo

OXFORD - O procurador da República e coordenador da força-tarefa da operação Lava Jato Deltan Dallagnol não demonstra surpresa com as iniciativas para tentar atrapalhar os trabalhos de investigação . "Onde quer que exista atuação forte do sistema de Justiça contra o sistema falho e que beneficia pessoas, haverá reação", disse após palestra na Universidade de Oxford.

Ao ser questionado sobre a ação de "poderosos" contra a atuação dos procuradores que investigam a corrupção em Curitiba, Dallagnol disse que essa não é uma reação incomum. "Na Itália, foi assim", disse, ao comentar o desdobramento da operação Mãos Limpas. "A grande questão é saber da sociedade brasileira aonde queremos ir.

Vamos permitir que esse sistema seja mantido ou nós queremos combate à corrupção? Essa é a grande questão", afirmou após palestra no Brazil Forum 2016, evento organizado por alunos da Universidade de Oxford e da London School of Economics.

Sucessão de Cunha pode unir PSDB e PT

• Tucanos e petistas discutem apoiar nome contra candidato do Centrão para mandato-tampão até 2017

Letícia Fernandes, Isabel Braga - O Globo

A disputa pela presidência da Câmara, nas mãos de Waldir Maranhão (PP-MA) desde que Eduardo Cunha (PMDB-RJ) foi afastado do mandato, já situa em lados opostos a base aliada do governo interino de Michel Temer. O principal duelo de forças para escolher o novo presidente acontecerá entre a velha oposição (PSDB, DEM e PPS), que pode se aliar ao PT, contra partidos do Centrão (sobretudo PP, PR, PSD e PTB).

De olho na eleição de 2017, alas do PT e do PSDB, adversários históricos, admitem que poderão se unir a fim de eleger um candidato de consenso para um mandato-tampão, com a saída de Cunha. A ideia é dar normalidade aos trabalhos da Casa e apaziguar os ânimos.

— Em se confirmando a cassação do Cunha, temos que buscar um nome que restaure a dignidade do Parlamento — afirmou o líder da minoria, José Guimarães (PT-CE).

— Temos que ter cuidado para não termos um Eduardo Cunha 2 — afirma um tucano, sem querer se identificar.

PMDB descarta nome de Paes para Planalto em 2018

• Com reviravolta na política nacional, prefeito do Rio disputará governo do estado

Fernanda Krakovics - O Globo


Um ano depois de o prefeito do Rio, Eduardo Paes, ser apontado em seu partido como nome “natural” para disputar a Presidência da República em 2018, tendo como vitrine a realização da Olimpíada, em agosto, o PMDB não trabalha mais com essa possibilidade. O principal motivo é a mudança do cenário nacional após o afastamento da presidente Dilma Rousseff, mas também pesam as dificuldades enfrentadas pelo PMDB do Rio e o desgaste do próprio prefeito.

O projeto de Paes e dos peemedebistas cariocas é, agora, lançá-lo para governador. A chapa já está praticamente montada, com Leonardo Picciani (PMDB) e André Corrêa (DEM) como candidatos ao Senado. A vice ficará em aberto para atrair outros partidos.

Auxiliares de Paes afirmam que disputar a Presidência da República nunca esteve em seus planos. O nome do prefeito para o Palácio do Planalto surgiu ainda no governo Dilma, quando o processo de impeachment não estava no horizonte e o PMDB defendia candidatura própria nas próximas eleições presidenciais.

Decreto de calamidade pública do Rio complica renegociação com Estados

Marina Dias – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O decreto de calamidade pública do Rio de Janeiro em razão da crise econômica, anunciado nesta sexta (17), pode comprometer a negociação da dívida de outros Estados com o governo federal.

Segundo a Folha apurou, o presidente interino, Michel Temer (PMDB), pretendia conversar sobre os débitos com os governadores de todo o país em reunião marcada para esta segunda (20) no Palácio do Planalto.

Nas palavras de auxiliares do peemedebista, porém, o anúncio do Rio pode emperrar os acordos, já que não há recursos da União para socorrer todos os Estados.

A ideia inicial de Temer era anunciar uma "negociação genérica da dívida" entre governo federal e os Estados e avaliar os casos mais graves para que tivessem um tratamento especial, como Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro.

Temer reconhece que a situação financeira do Rio é uma das mais difíceis do país e que precisa ser tratada com cautela por conta dos Jogos Olímpicos, que começam no início de agosto.

Assessores de Temer afirmam ainda que ele estava estudando a melhor maneira de atender aos apelos do governador interino do Rio, Francisco Dornelles (PP), que havia pedido ajuda para contornar o bloqueio de repasses federais ao Estado, em vigor desde maio.

Além dele, porém, havia pedidos de diversos outros governadores e Temer pretendia fazer toda a negociação no encontro marcado para o início da semana, sem vazamentos de casos individuais.

A ideia, portanto, era que ninguém falasse publicamente sobre o assunto do Rio, que já havia feito reunião com Temer e com o ministro Henrique Meirelles (Fazenda), enquanto não fossem fechados os acordos com os demais Estados.

Os governadores em dívida com a União têm diversos pleitos, entre eles, a proposta de que o pagamento de seus débitos com o governo federal seja suspenso por um ano, em uma manobra conhecida como carência ou moratória. Além de Dornelles, outros três governadores defendiam a medida até o mês passado, como Renan Calheiros Filho (Alagoas), Raimundo Colombo (Santa Catarina) e José Ivo Sartori (Rio Grande do Sul).

O governo Temer, por sua vez, não havia deixado claro se cederia a esses apelos na reunião de segunda ou proporia outra saída para negociar as dívidas.

Ajuda federal é um terço das isenções fiscais do Rio

Bruno Villas Bôas, Italo Nogueira – Folha de S. Paulo

RIO - Obrigado a decretar estado de calamidade pública financeira para poder receber ajuda federal e honrar seus compromissos com os Jogos Olímpicos, o governo do Rio vai dar em isenções fiscais o triplo do que o que receberá em ajuda do governo federal.

O auxílio estimado em R$ 2,9 bilhões ao governo do Rio equivale a um terço das isenções fiscais a serem concedidas no Estado neste ano, estimadas em R$ 8,7 bilhões pela Secretaria de Planejamento e Gestão.

A renúncia fiscal é alvo de auditorias do TCE (Tribunal de Contas do Estado), que aponta descontrole na concessão do benefício. Segundo técnicos do órgão, a perda de receita pode ser até três vezes maior.

O Rio decretou na sexta (17) estado de calamidade pública em razão da crise financeira na administração. Uma das razões apontadas são os compromissos assumidos para a organização da Olimpíada.

A auditoria do TCE diz que há descontrole até na renúncia fiscal para o evento.

Segundo o tribunal, o sistema da Secretaria de Fazenda registra só uma empresa beneficiária da isenção concedida para fornecedores do evento entre 2010 e 2014, num total de R$ 60 mil.

Pressão de estados pode inviabilizar ajuda ao Rio

• União teme pedido similar de governadores após decreto de calamidade

Planalto recebeu com surpresa estratégia de Dornelles para obter repasse federal, garantir Olimpíada e pagar folha

A estratégia do governador em exercício do Rio, Francisco Dornelles, de decretar calamidade pública para obter recursos emergenciais poderá inviabilizar o repasse federal de R$ 2,9 bilhões ao estado, para pagamento de servidores e conclusão das obras do metrô. O Palácio do Planalto, surpreendido, considerou um erro dar publicidade ao acordo de ajuda antes de reunião para renegociação de dívidas estaduais, nesta segunda-feira. Isso porque RS e MG, também em grave crise, devem reivindicar o mesmo tratamento, mas não há verba para socorrê-los.

Estratégia sob risco

• Para União, decretar calamidade foi um erro que pode inviabilizar o repasse de R$ 2,9 bilhões

Eliane Oliveira, Bárbara Nascimento e Isabel Braga - O Globo

BRASÍLIA O Palácio do Planalto acredita que o governo do Rio errou ao decretar, na última sexta-feira, estado de calamidade pública e, mais ainda, ao tornar público que a União repassaria ao estado R$ 2,9 bilhões a áreas essenciais, como o metrô e a segurança, para o bom andamento da Olimpíada em agosto. A avaliação é que a estratégia de baixar o decreto, para pressionar a União a liberar verba emergencial, poderá acabar inviabilizando o repasse federal. Isso porque existe o risco de outros governadores reivindicarem o mesmo tratamento, mas a União tem recursos suficientes para atendê-los na mesma proporção.

Recursos não dão nem para dois meses de folha de pagamento

• Governo precisa ainda de R$ 1 bi para concluir obras da Linha 4 do metrô

Danielle Nogueira - O Globo

Os R$ 2,9 bilhões da União não dariam sequer para cobrir uma folha de pagamento e o que falta para concluir o metrô. Os R$ 2,9 bilhões que a União vai repassar para o Estado do Rio estão longe de solucionar a crise fiscal por que passa o estado. Os gastos com salários de funcionários ativos, bem como com pensões e aposentadorias de inativos do Poder Executivo, somam cerca de R$ 2 bilhões por mês, segundo dados da Secretaria estadual de Planejamento. Se adicionada a parcela que o estado tem de contratar com o BNDES para finalizar a Linha 4 do metrô, de R$ 989 milhões, não sobra um centavo sequer para o pagamento dos duodécimos que o governo repassa à Alerj, ao Tribunal de Contas do Estado, ao Tribunal de Justiça e ao Ministério Público, de cerca de R$ 460 milhões mensais.

O estado ainda precisa para sua necessidade imediata de R$ 42 milhões para pagar as horas extras de 25 mil policiais durante os Jogos e de R$ 460 milhões para quitar a segunda parcela dos salários de maio dos servidores.

As duas esquerdas - Luiz Sérgio Henriques

- O Estado de S. Paulo

Há cerca de dez anos, o mexicano Jorge Castañeda, ator e analista da política latino-americana deste nosso tempo conturbado, propôs um esquema simples, mas relativamente eficaz, para entender as esquerdas no poder, especialmente a partir da ascensão de Hugo Chávez na Venezuela por meio do voto. As esquerdas, dizia Castañeda, tinham no subcontinente uma natureza dupla, segundo admitissem, ou não, as novas condições derivadas do fim do comunismo real e da obsolescência dos padrões da guerra fria.

Brasil, Uruguai ou Chile, por exemplo, teriam enveredado por um caminho próximo das social-democracias europeias, adotando políticas pluriclassistas e respeitando os requerimentos do regime representativo. Coerentemente, em relação à economia, a questão se resumiria a regular de outro modo os mercados, para além da experiência liberal dos anos 90, mas sem violar seus princípios básicos nem descuidar dos equilíbrios macroeconômicos. Um moderado reformismo social estaria em curso nesses países, atacando primeiramente a pobreza extrema e, de forma indireta, a desigualdade.

A Venezuela e os demais países ditos bolivarianos eram exemplos de esquerda radical, inspirada muitas vezes no ambiente hiperideológico dos anos 70 vertido para o novo contexto de interdependência e de redes globais. Com ou sem razão, tratava-se, aqui, de refundar a nação e implantar democracias de alta intensidade: formas diretas de participação e líderes carismáticos eleitoralmente “invencíveis” iriam mais uma vez se associar para lançar as bases do “socialismo do século 21”.

A hora do lobo solitário - Fernando Gabeira

- O Globo

Domingo passado foi um dia terrível em todo o mundo. Choro, morte, luto, desespero na boate Pulse, em Orlando, na Flórida. Os debates televisivos só falavam nisso, na trágica morte de 49 pessoas, nos feridos levados às pressas para o hospital. Três temas emergiram nas primeiras horas do atentado: controle de armas, homofobia e extremismo religioso. Pareciam entrelaçados, estimulavam novas sugestões sobre políticas públicas.

Olhava tudo aquilo com um pouco de ceticismo. Não subestimo essas políticas. Era, realmente, o que podia ser discutido nas primeiras horas. No entanto, como se tratava de um ato de um lobo solitário, sabia que faltava uma dimensão ao debate e ela só seria incorporada com o tempo: a personalidade do assassino.

É cada vez mais necessário discutir também o perfil dos lobos solitários que se dedicam ao terror. Indivíduos são singularidades únicas, sei como é difícil encontrar semelhanças entre seus atos isolados, estabelecer algum padrão no seu comportamento.

A Pulse é uma boate frequentada por gays. Era indiscutível o traço homofóbico na personalidade de Omar Marteen. A experiência sobre assassinatos de gays no Brasil indica que parte deles é executada por parceiros ocasionais.

Em muitos desses assassinatos, o matador usa facas e tesouras e aplica na vítima centenas de golpes. Sempre coloquei essa questão ao abordar o tema: se apenas algumas facadas bastam para matar, por que desferir centenas delas? Quem o criminoso estava matando depois de ver que o outro estava morto? Mesmo sob o risco de ser chamado de leviano, respondi a essa questão com naturalidade: era preciso matar, além da vítima, a própria homossexualidade. Em outras palavras, certo tipo de homossexual reprimido é, potencialmente, uma grande ameaça àqueles que vivem de peito aberto sua orientação sexual.

Cego em tiroteio – Ferreira Gullar

- Folha de S. Paulo

Tenho assistido pela televisão ao processo de impeachment de Dilma Rousseff no Senado Federal. Confesso que me falta paciência para ouvir tanto falatório, leitura da peça de acusação e, pior ainda, a intervenção de certas figuras que ostentam a condição de senadores da República, para nosso constrangimento.

Mal conseguem formular o que pensam e, quando o conseguem, é num português digno de um mau aluno do curso primário. Mas isso é o de menos, porque falar errado tanto é comum a eles como aos apresentadores do programa, com raras exceções.

Não quero aborrecer vocês com minhas gramatiquices, mas é duro ouvir o cara dizer "eram várias milhões de pessoas".

A maldição do petróleo - Merval Pereira

- O Globo

A crise econômica que levou o Estado do Rio a decretar o estado de calamidade pública tem, sem dúvida, como analisei ontem aqui, a responsabilidade fundamental da crise do petróleo mundial, que afetou a base da economia do Rio como maior produtor do país. Mas contou com um ingrediente de irresponsabilidade administrativa, que está sempre presente nas crises de países (ou estados) que têm abundância de recursos naturais.

No caso do Brasil, o governo abandonou projetos de combustíveis alternativos como o etanol, porque considerava que havia tirado o bilhete premiado com o pré-sal. Essa situação recorrente é conhecida como a “maldição do petróleo”, que gera desperdícios em meio à corrupção. Foi o que aconteceu no Brasil e, também, no Rio, onde os gastos correntes cresceram, e o estado se endividou acima de sua capacidade.

Lobos não solitários - Eliane Cantanhêde

- O Estado de S. Paulo

Não bastasse o governo do Rio decretar “estado de calamidade”, o atentado em Orlando e a decisão do Estado Islâmico (EI) de traduzir suas mensagens para o português aumentaram bastante o nível de preocupação das autoridades brasileiras com a possibilidade de ataques durante a Olimpíada, que começa em 5 de agosto. Há intensa movimentação entre os órgãos de inteligência, principalmente para identificar eventuais tentativas de cooptação de brasileiros dispostos a se tornar “lobos solitários” – em geral jovens que agem praticamente sozinhos contra multidões.

O Brasil é um país pacífico, longe de ser potência e fora do radar de terroristas de qualquer espécie, mas a Olimpíada não é brasileira, é o maior evento esportivo do mundo e atrai atletas, delegações e turistas de dezenas de nacionalidades, principalmente americanos, franceses e ingleses, visados por terroristas islâmicos. Uma característica: a grande maioria com menos de 40 anos de idade.

A reprivada - Luiz Carlos Azedo

• As delações premiadas da Operação Lava-Jato não estão colocando em xeque a nossa democracia, estão desnudando as mazelas do nosso sistema partidário e do Estado Leviatã

- Correio Braziliense

O neologismo que intitula a coluna é uma invenção de Rui Barbosa, na sua campanha eleitoral de 1919, contra Epitácio Pessoa, na qual foi derrotado. Ele havia se insurgido contra as heranças do passado escravocrata e colonial, que ameaçavam a sobrevivência do regime republicano devido à corrupção e ao patrimonialismo das elites, que ele chamava de “taras hereditárias” e de “vícios inveterados”.

Patrono do Senado, Rui Barbosa fora o grande artífice da Constituição de 1891, que acabou capturada pelas oligarquias. Já septuagenário, a segunda candidatura foi tão memorável como a da Campanha Civilista, de 1909, quando se batera contra o marechal Hermes da Fonseca, por acreditar que os militares deveriam ficar longe da política, com toda a razão.

O desastre do Rio – Bernardo de Mello Franco

- Folha de S. Paulo

A decretação de calamidade pública às vésperas da Olimpíada é mais do que um vexame para o Rio de Janeiro e o Brasil. Trata-se de uma gambiarra para driblar a Lei de Responsabilidade Fiscal, que proíbe repasses do Tesouro a Estados inadimplentes.

Sem dinheiro para pagar salários, o Rio aplicou um calote na Agência Francesa de Desenvolvimento. Pela lei, isso impediria um novo socorro federal. Para contorná-la, bolou-se a ideia da calamidade de papel. O jeitinho carioca foi acertado por um mineiro, o governador em exercício Francisco Dornelles, e um paulista, o presidente interino Michel Temer.

Lavanderia de propina - Dora Kramer

- O Estado de S. Paulo

Políticos apanhados com a boca na botija adoram dizer que são vítimas das circunstâncias: do “sistema”, do modelo falido de governabilidade, das regras partidário-eleitorais defeituosas. Também gostam muito de pontificar sobre a urgência de uma reforma política como se fosse uma tarefa a ser cumprida pelo alheio, dado que não se mexem para tal.

Assim vão tocando a vida sem reformar coisa alguma – não obstante sejam por delegação popular os donos das ferramentas e do dever de observar o decoro –, desfrutando das benesses do dito sistema e do modelo em colapso que de maneira cruel obriga tão puras criaturas a recorrer a práticas ilícitas de financiamento eleitoral e, não raro, pessoal.

O detalhe e o todo - Míriam Leitão

- O Globo

Os políticos colhidos nessa crise gostam de discutir detalhes para ver se escapam do todo. Na comissão do impeachment, por exemplo, os defensores de Dilma se agarram a minúcias como os náufragos se penduram em pequenas tábuas. Nos últimos dias, a perícia, pedida por eles e concedida pelo ministro Ricardo Levandowski, ficou avaliando se houve ato da presidente nos atrasos ao Banco do Brasil.

Ora, ocorreu muito mais do que isso. Houve a demolição sistemática, deliberada e implacável das bases que sustentavam a economia brasileira e, com isso, ela desmoronou. Houve decisão da presidente de cometer durante anos atentados à lei que proíbe uso dos bancos controlados pelo governo. Esse é o conjunto da obra, da qual os ex-governistas tentam desviar as atenções. A semana foi clara em mostrar isso, porque o relatório do TCU indicou que há muito mais irregularidades do que as descritas no pedido de impeachment da presidente afastada.

A emenda do ajuste - Samuel Pessôa

- Folha de S. Paulo

O governo divulgou na semana passada o texto da proposta de emenda à constituição (PEC) que limita o avanço do gasto primário -isto é, o gasto que exclui pagamento de juros- à inflação do ano anterior.

A PEC é uma primeira resposta ao desequilíbrio das contas públicas, que está na origem da crise atual: crescimento real do gasto público de 6% anuais por 20 anos, quando, no mesmo período, a economia cresceu a uma média de pouco menos de 3%. Essa trajetória é insustentável.

Surpreende que alguns considerem que o objetivo da PEC seja destruir a Constituição de 1988. Eles ignoraram que, nos anos que se seguiram à promulgação da Carta, houve grande piora dos indicadores sociais em decorrência da aceleração inflacionária no fim do governo Sarney e no governo Collor.

A vida não é filme – nem a política - Carlos Melo

• Eduardo Cunha foi protagonista do processo, ao seu modo: sem comedimento, sem conciliação. Sentado sobre o paiol de pólvora,ameaçou explodi-lo e de fato o explodiu. Ele não é de blefes; que ninguém se engane.

- O Estado de S. Paulo / Aliás

House of Cards é uma série televisiva conhecida por todos que ainda se interessam por política, curiosos de seus bastidores e de seu mundo obscuro. Frank Underwood, interpretado por Kevin Space, é o deputado que faz o diabo para chegar ao topo do poder e da carreira que projeta para si, a presidência dos Estados Unidos. Na última temporada exibida, Underwood se envolve em tantas maçadas que parece próximo do fim. Mas é possível que ache por onde se safar. Conseguirá ou não, a 5ª temporada, em 2017, é que dirá.

Diante da realidade brasileira, a série da Netflix parece, no entanto, um modelo simplificado. A cena nacional tem mostrado casos mais escabrosos e complexos em quantidade de atores, interesses, conchavos e conflitos. Quem acompanha o noticiário já leu, viu e ouviu de tudo; coisa de fazer vaca tossir. A inventividade do cinema é incapaz de superar a criatividade do cotidiano nacional. No caso do Brasil, é a arte que tenta imitar a vida, não o contrário.

A realidade destes tempos é menos simples, mais crua e vertiginosa: no redemoinho de tantos escândalos, sabe-se de lambanças de toda ordem: compra de votos, propinas, orgias, paixões, delações, cassações, prisões, dois impeachments… Nada surpreende; não fosse tão absurdo, o thriller político nacional daria um Oscar.

Calamidade no Rio, Brasil – Vinicius Torres Freire

- Folha de S. Paulo

O Estado do Rio de Janeiro é um caso especial do horror quase geral da administração pública do Brasil. Em termos de desastre qualificado recorrente, talvez perca apenas para o Rio Grande do Sul, onde quebrar o governo é um costume de pelo menos meio século, quase tema de algum centro de tradições gaúchas.

"Desastre qualificado": colapsos em lugares que têm meios de fazer com que as coisas funcionem, que não estão entre as tristezas miseráveis do país.

Nessa categoria, é preciso lembrar os grandes feitos de Minas Gerais, que em 2015 ganhava medalha de prata em endividamento (ouro para os gaúchos, bronze para os fluminenses. Trata-se aqui do ranking da relação entre dívida e receita). Menção muito desonrosa vai para o Distrito Federal, volta e meia quebrado por governos que, além de ineptos, são bandidos.

O Rio tem recursos econômicos e, ainda mais, gente capaz aos montes para manter um governo civilizado e em ordem. No entanto, voltou oficialmente ao estado de calamidade, oficiosamente óbvio faz tempo.

Não há saída da crise fora da Constituição – Editorial / O Globo

• Parte da História da República é uma sucessão de curtos-circuitos sucedidos por propostas de ocasião, e que antecederam novas crises. Chega de buscar soluções mágicas

A política brasileira é incansável na busca de atalhos para contornar crises, mas que costumam atropelar a Constituição. Quase sempre expressam apenas interesses de grupos, apresentados à sociedade como ações em defesa da “democracia” e do “povo”. Longe disso, entretanto.

Chega a ser curiosa a proposta tirada de alguma cartola no Planalto da presidente afastada, de, caso Dilma se livre do impeachment, ela convocar um plebiscito para saber se deve continuar até cumprir o mandato ou convocar eleições antecipadas.

Debaixo do teto – Editorial / Folha de S. Paulo

O governo do presidente interino, Michel Temer (PMDB), enfim apresentou seu plano de contenção das despesas federais. Em essência, limita o reajuste anual da despesa à inflação do ano anterior, o que na prática congela o gasto em termos de poder de compra.

A proposta também desvincula o aumento das verbas para saúde e educação da evolução da receita. Tais dispêndios passam a ser reajustados obrigatoriamente pela inflação; para elevar a dotação dessas áreas, o Congresso precisará transferir recursos de outros setores.

Por fim, de fundamental, o programa vai durar duas décadas, podendo ser revisto a partir de 2026.

Meritório e necessário, o plano demanda ajustes e complementações. Por exemplo, deve haver revisão do limite antes do décimo ano –embora de modo algum antes do quinto–, assim que o programa permita a geração de superavit primário mínimo razoável.

Parando de piorar – Editorial / O Estado de S. Paulo

A economia está parando de piorar. Ainda incerto, este diagnóstico é o mais otimista, depois de dois anos de recessão, num país com mais de 11 milhões de desempregados e pouquíssima esperança de mais contratações nos próximos seis meses. Apesar de todas as más notícias, sinais ainda fracos de estabilização começam a acumular-se. Pela primeira vez desde janeiro do ano passado, empresários industriais mostram algum otimismo quanto à evolução da demanda, segundo sondagem recém-divulgada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). De maio para junho melhoraram os principais índices de expectativas – em relação ao volume de exportações, da demanda interna, das compras de matérias-primas e da contratação de empregados. As demissões continuam, mas em maio a redução do nível de emprego nas fábricas paulistas (0,57%) foi a menor do ano, na série com ajuste sazonal, de acordo com números da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Canções - Cecília Meireles

De que são feitos os dias?
- De pequenos desejos,
vagarosas saudades,
silenciosas lembranças.

Entre mágoas sombrias,
momentâneos lampejos:
vagas felicidades,
inactuais esperanças.

De loucuras, de crimes,
de pecados, de glórias
- do medo que encadeia
todas essas mudanças.

Dentro deles vivemos,
dentro deles choramos,
em duros desenlaces
e em sinistras alianças...