sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Opinião do dia: Celso de Melo*

O comportamento do atual presidente da República, revelado na reedição de medida provisória, (...) traduz iniludivelmente uma clara, inaceitável transgressão à autoridade suprema da Constituição e representa uma inadmissível e perigosa transgressão ao princípio fundamental da separação de Poderes.

O regime de governo e as liberdades da sociedade civil muitas vezes expõem-se a um processo de quase imperceptível erosão, destruindo-se lenta e progressivamente pela ação ousada e atrevida, quando não usurpadora, dos poderes estatais, impulsionados muitas vezes pela busca autoritária de maior domínio e controle hegemônico sobre o aparelho de Estado e sobre direitos e garantias básicos do cidadão.

*Celso de Melo, ministro mais antigo do Supremo Tribunal Federal, na sessão de ontem, do STF., O Globo 2/8/2019.

César Felício: O croqui de um detonador

- Valor Econômico

Presidente ainda não corre risco de impeachment

Discutir na América Latina o impeachment de um presidente da República a partir de algum crime de responsabilidade que tenha sido cometido é um equívoco, como a história é pródiga em mostrar, seja na Venezuela (1993), Equador (1997), Paraguai (2012), Guatemala (2016) e Brasil (1992 e 2016). É condição necessária, sem dúvida, mas não suficiente.

Se a queda de fato está madura, arruma-se qualquer pretexto. O afastamento de um chefe de Estado é e sempre foi uma decisão política. Guarda, de jurídico, apenas a forma. Trata-se de um tribunal onde já se entra condenado, um caldo que se serve quando está bem grosso. Para a derrubada de um presidente, há outras variáveis mais importantes que os seus pecados. Isoladamente, nenhuma é motivo para um impeachment. Combinadas, o tornam muito provável.

A mais fundamental é a perda de popularidade. Um presidente isolado da sociedade corre risco. Cientistas políticos como Carlos Melo (Insper) apostam, por exemplo, que o limite do perigo é cruzado quando o governante não consegue somar mais do que 20% de bom ou ótimo. Queda abaixo deste patamar gera onda na opinião pública e aumenta muito o custo da negociação política. Bolsonaro está com 32%, segundo o último Ibope.

Sem entrar no mérito de ser ou não uma estratégia deliberada, as boçalidades vis declaradas pelo presidente nas últimas semanas despertam os instintos mais primitivos de uma faixa do eleitorado, que se alimenta do ódio à razão. O fanático ou agita ou dorme, com ele não há argumento possível. Isso vale para os dois extremos do espectro ideológico e faz com que as ruas não sejam dominadas por nenhum dos polos. Em um ambiente marcado pela radicalização, o patamar abaixo do qual a impopularidade é letal diminuiu.

Maria Cristina Fernandes: O júri que foi escada para o cadete infrator

Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Nos corredores do estúdio onde seria gravada a entrevista para o "Jornal Nacional", durante a campanha presidencial, o então candidato do PSL contou ter encontrado, num aeroporto, Cássia Maria Rodrigues. A jornalista escrevera a reportagem da "Veja" sobre os planos do capitão Jair Bolsonaro de explodir bombas na adutora do Guandu, responsável pelo abastecimento do Rio de Janeiro, na Academia Militar das Agulhas Negras e em vários quartéis. "Deputado, sou a Cassia, aquela repórter de 'Veja' que denunciou o senhor'. Eu disse para ela: 'Que denunciou que nada! Você me catapultou para a política!'"

Semanas antes do encontro com a jornalista, Bolsonaro ficara 15 dias em prisão disciplinar por ter assinado artigo, também na "Veja", sob o título "O salário está baixo". Como fora insuficiente para arrancar do então ministro do Exército, Leônidas Pires Gonçalves, e do presidente José Sarney um reajuste mais robusto, o capitão radicalizou a estratégia e decidiu e revelá-la à repórter. A conversa tivera o compromisso de sigilo da fonte, mas ante a gravidade dos planos anunciados, a publicação resolvera dar à reportagem o tom de denúncia.

A história, contada no livro de Luiz Maklouf Carvalho, "O Cadete e o Capitão" (Todavia, 2019), revela engrenagens, até então desconhecidas, do julgamento no Superior Tribunal Militar que inocentou Bolsonaro por nove votos a quatro. Passaram-se 31 anos, mas a reconstituição feita pelo jornalista dos liames entre caserna, toga, imprensa e política é de assustadora contemporaneidade com o Brasil da #Vazajato.

A começar pelas manipulações do julgamento. O eixo do veredito foi um suposto empate entre quatro laudos periciais sobre croquis feitos por Bolsonaro para mostrar à repórter como seriam detonadas as bombas na adutora. Em caso de dúvida, beneficia-se o réu, diz o preceito jurídico, mas o livro revela que, na verdade, não houve empate.

A dois laudos inconclusivos do Exército, somou-se um outro da Polícia Federal, taxativo, sobre a autoria dos desenhos. Depois deste terceiro laudo, foi pedida uma complementação da segunda perícia do Exército, que concluiu pela autoria de Bolsonaro. Havia, portanto, três laudos, dois dos quais associavam o capitão aos croquis.

José de Souza Martins*: A tragédia do povo waiãpi

- Eu &Fim de Semana / Valor Econômico

Índios têm direito da posse sobre suas terras ancestrais, reconhecido na Constituição. A concepção de utilidade perfilhada pelo governo é a da posse meramente lucrativa

No rol dos fatos politicamente graves que têm ocorrido no Brasil nos últimos meses, inclui-se, agora, o da invasão do território ancestral dos índios waiãpi, nossos compatriotas do Amapá, e o assassinato, pelos invasores, do seu cacique, Emyra Waiãpi, da aldeia Waseity.

As autoridades foram avisadas, mas reagiram mais devagar do que deveriam. Foram para negociar com os garimpeiros, e não, prioritariamente, para evacuá-los da casa e da terra alheia e processá-los pelo homicídio.

Os índios haviam avisado que uma das aldeias fora invadida e ocupada por um grupo de garimpeiros. Mineração irregular em terra vedada aos estranhos, seja porque patrimônio dos índios, seja porque os indígenas estão, por lei, sob proteção do Estado brasileiro.

Apesar dos esforços de funcionários dedicados ao dever funcional na proteção a essas populações frágeis, há muitas indicações de que o Estado brasileiro está se tornando lento na proteção constitucional às nossas populações indígenas.

Agora mesmo, em relação à situação dos waiãpi, o presidente da República declarou que "não tem nenhum indício forte de que esse índio foi assassinado lá". Contemporiza. E retornou ao teor de suas declarações de que vai regulamentar o garimpo em terra dos índios. Permitirá que os próprios índios se tornem garimpeiros, isto é, brancos de uma economia violenta e predatória.

Vai liberar as terras indígenas para a garimpagem de não indígenas. Declarou: "Terra indígena é como se fosse propriedade dele. Lógico, ONGs de outros países não querem, querem que o índio continue preso num zoológico animal, como se fosse um ser humano pré-histórico". E esclareceu, diz a "Folha de S. Paulo", que a demarcação de territórios indígenas "está inviabilizando nosso negócio. O Brasil vive de commodities".

Merval Pereira: Campeão de tiro no pé

- O Globo

Em vez de desacreditar o Inpe, o governo deveria trazê-lo como parceiro de uma campanha pela redução do desmatamento

O presidente Bolsonaro, que está ganhando medalha de ouro no campeonato mundial de tiro no pé, deu ontem mais dois, em temas de grande sensibilidade internacional. Voltou a acusar o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) de estar divulgando dados falsos sobre o desmatamento da Amazônia, talvez com má-fé, e vai ter que voltar para a Funai a demarcação das terras indígenas, por uma decisão unânime do Supremo Tribunal Federal (STF).

É impressionante que o presidente não se importe com a repercussão para a imagem do país em questões envolvendo índios e desmatamento. Bolsonaro reconheceu que sua fama no exterior “é péssima”, mas a atribui a “rótulos” que colocam nele.

Não entende, infelizmente, que ajuda a fortalecer esses “rótulos” com atitudes como a de cancelar em cima da hora a audiência com chanceler francês Jean-Yves Le Drian.

O que já era uma desfeita diplomática grave piorou ontem quando, num dos seus rompantes, revelou a verdadeira razão do cancelamento. “O que ele foi fazer se encontrando com ONGs?”, perguntou Bolsonaro, confirmando nota publicada na coluna do Ancelmo de terça-feira, que dava conta de um encontro no domingo do ministro francês com ambientalistas.

Com relação ao Inpe, ele ontem cometeu o mesmo erro anterior, quando disse para correspondentes estrangeiros que os números eram falsos. O Inpe é um órgão do governo brasileiro reconhecido internacionalmente, que deveria ser aproveitado para ajudar a imagem do país no exterior.

Bernardo Mello Franco: Alerta contra o autoritarismo

- O Globo

Bolsonaro tem seguido o manual dos autocratas modernos. Governa por decretos, hostiliza o Congresso e tenta jogar seus seguidores contra tribunais, órgãos de controle e imprensa

Inadmissível, perigoso, inaceitável. Os adjetivos foram usados ontem por Celso de Mello, o ministro mais antigo do Supremo. Ele se referia ao comportamento
de Jair Bolsonaro no poder.

A Corte discutia a canetada presidencial que voltou a retirar da Funai a demarcação de terras indígenas. Bolsonaro atropelou o Congresso e reeditou uma medida provisória que já havia sido derrubada. Uma manobra de “agressiva inconstitucionalidade”, definiu a ministra Cármen Lúcia.

Os ministros condenaram o truque por unanimidade. Último afalar, Celso afirmou que o presidente cometeu uma “inaceitável transgressão à autoridades up remada Constituição”. “Uma inadmissível e perigosa transgressão ao princípio fundamental da separação dos Poderes”, enfatizou.

O decano criticou a ditadura militar, sempre louvada pelo presidente. Ele lembrou que um governo que não se submete às lei sé incompatível coma democracia. “Parece ainda haver, na intimidade do poder, um resíduo de indisfarçável autoritarismo”, afirmou.

Luiz Carlos Azedo: STF intervém na Vaza-Jato

- Nas entrelinhas / Correio Braziliense

“A decisão é um constrangimento para Moro e os procuradores da Lava-Jato, principalmente Dallagnol, que não confirmaram nem desmentiram seus diálogos nas mensagens hackeadas”

No mesmo dia em que a Polícia Federal pediu a prisão preventiva dos quatro suspeitos de envolvimento na invasão de celulares de autoridades, investigada na Operação Spoofing — Danilo Cristiano Marques, Walter Delgatti Neto, Gustavo Henrique Santos e Suelen Priscila de Oliveira —, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux determinou que seja preservado o material resultante da invasão de celulares de diversas autoridades e pediu uma cópia do material, além da íntegra da investigação da Operação Spoofing.

Foi mais um lance na queda de braços entre o Supremo e os procuradores da força-tarefa da Lava-Jato. É que o ministro da Justiça, Sérgio Moro, havia anunciado a intenção de destruir os conteúdos das mensagens, o que foge a suas atribuições. A proibição de destruir o material valerá até decisão final do plenário do Supremo. Na semana passada, o ministro João Otávio de Noronha, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), havia recebido um telefonema de Moro comunicando que as mensagens seriam descartadas para “não devassar a intimidade de ninguém”.

Moro chegou a anunciar que mais de mil autoridades do país haviam sido bisbilhotadas pelos quatro hackers, mas esses números não se confirmaram ainda. Diante das intenções do ministro da Justiça, a Polícia Federal divulgou nota na qual dizia que preservará o “conteúdo de quaisquer mensagens que venham a ser localizadas no material” apreendido na Operação Spoofing, mas que caberia à Justiça definir o seu destino, no caso o juiz Vallisney Oliveira, da 10ª Vara de Brasília.

Sorteado para tratar do caso, em razão de um requerimento do PDT, porém, o ministro Fux determinou “a preservação do material probatório já colhido no bojo da Operação Spoofing e eventuais procedimentos correlatos até o julgamento final” do caso, requisitando “cópia do inteiro teor do inquérito, incluindo as provas”. A decisão é um tremendo constrangimento para Moro e os procuradores, principalmente Deltan Dallagnol, que até hoje não confirmaram nem desmentiram os diálogos contidos nas mensagens hackeadas.

Como se sabe, os quatro suspeitos foram presos após a divulgação de trocas de mensagens atribuídas ao então juiz federal Sérgio Moro e ao coordenador da Lava-Jato no Paraná, Deltan Dallagnol, por meio do aplicativo Telegram, em série de reportagens do site The Intercept Brasil, do jornalista americano Glenn Greenwald, ironicamente chamada de Vaza-Jato. O jornalista questiona a conduta de Moro na condução do processo, por seu envolvimento direto nas investigações, principalmente no julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está preso em Curitiba.

O hacker Walter Delgatti Neto, em depoimento à Polícia Federal, assumiu que entrou nas contas de procuradores da Lava-Jato e confirmou que repassou mensagens ao site The Intercept Brasil. A ex-deputada Manuela D’Ávila (PCdoB-RS) fez o contato entre o hacker e o jornalista. Agora, a Polícia Federal quer saber qual é o real envolvimento entre o hacker e Greenwald. O presidente Jair Bolsonaro chegou a insinuar que o jornalista seria preso, por envolvimento com os hackers, mas não há provas quanto a isso. A publicação do material e a preservação do sigilo da fonte são prerrogativas constitucionais, que garantem a liberdade de imprensa em todos os países democráticos do mundo, desde que não haja envolvimento financeiro ou operacional com o crime praticado para ofertar os dados.

Hélio Schwartsman: Democracia ameaçada?

- Folha de S. Paulo

Bolsonaro pode até querer se tornar um tirano, mas precisa acertar muito antes de ter alguma chance

Bolsonaro representa uma ameaça à democracia? Não é preciso cavoucar muito a biografia do presidente para dela extrair gestos e declarações que escancaram seu pouco comprometimento com o sistema democrático. Ainda assim, penso que, ao menos pelos próximos dois ou três anos, nossa democracia está razoavelmente segura. Não digo que não experimentaremos retrocessos em outras áreas. O meio ambiente, por exemplo, já perdeu bastante com o novo presidente. A ideia de avanço civilizacional também.

Não vejo, contudo, grande perigo de ele sagrar-se ditador. Não porque Bolsonaro seja animicamente superior a autocratas como Vladimir Putin, Viktor Orbán, Recep Tayyip Erdogan ou mesmo a um Rodrigo Duterte. Ele não é. Nossas instituições até são um pouco mais calejadas que as de Rússia, Hungria, Turquia ou Filipinas, mas não acredito que a diferença fundamental esteja aí.

Bruno Boghossian: Uma espada sobre Curitiba

- Folha de S. Paulo

Decisão de Fux sai em momento de reação corporativista do tribunal à força-tarefa

Luiz Fux deixou uma porta aberta ao vetar a destruição das mensagensencontradas com o hacker de Araraquara. No pé da quinta página da decisão, o ministro insinuou que o Supremo poderia tratar aquelas conversas privadas como provas legais —incluindo os bate-papos da força-tarefa da Lava Jato.

“A formação do convencimento do plenário desta corte quanto à licitude dos meios para obtenção desses elementos de prova exige a adequada valoração de seu conjunto”, anotou.

Fux entende que as mensagens foram copiadas ilegalmente, mas indica, em bom português, que o STF deve analisar o material para decidir se ele terá validade em algum processo. No acervo do hacker, as únicas mensagens conhecidas até agora são aquelas que levantaram questionamentos sobre a atuação de procuradores e do ex-juiz Sergio Moro.

Não se sabe se Fux se convenceu antes ou depois de saber que Deltan Dallagnol e seus colegas andavam interessados em bisbilhotar ilegalmente as finanças do presidente do tribunal, Dias Toffoli, como revelaram a Folha e o site The Intercept. O fato é que a notícia alimentou o corporativismo dos ministros e fortaleceu a ala que prega uma reação interna a excessos da Lava Jato.

Ruy Castro*: Se você ainda

- Folha de S. Paulo

Se ele faz tudo isso em público, imagine na intimidade

Se você acha Jair Bolsonaro um horror só porque ele detesta índios, gays, transexuais, nordestinos, crianças, professores, estudantes, cientistas, artistas, jornalistas, pacifistas, imigrantes, doentes mentais, dependentes químicos, presidiários, desaparecidos políticos, ambientalistas, veganos e até famintos; ou se você se assusta porque, em vez daqueles, ele prefere torturadores, milicianos, fabricantes de armas, chacinadores, devastadores do ambiente, mineradores, disseminadores de agrotóxicos, exploradores do trabalho infantil, criminosos do trânsito, censores e, de modo geral, as piores pessoas do país;

Se ele lhe provoca náuseas ao fazer declarações impiedosas sobre pessoas mortas, tanto as que morreram de fome, nos presídios, nas ruas ou mesmo em combate, e ao insultar suas famílias, que têm o direito de amá-las; ao demonstrar seu cavalar desconhecimento sobre artistas que elevaram o nome do Brasil no exterior, como João Gilberto; e, dizendo-se cristão, frequentar igrejas por motivos políticos tanto quanto estádios de futebol;

Se você se indigna porque ele despreza instituições que nos tornaram adultos e respeitados, como o Itamaraty, o Inpe, a Funai, o Ibama, a Fiocruz e a OAB, e, diariamente, agride uma Constituição que jurou respeitar e nunca leu; ou porque desmerece o trabalho de brasileiros que têm dedicado a vida a construir o Brasil, e não a parasitá-lo durante 28 anos num covil da Câmara dos Deputados;

Mônica Bergamo: Barroso interpela Bolsonaro para explicar declarações

- Folha de S. Paulo

Presidente disse que se Felipe Santa Cruz quisesse saber como o pai tinha morrido, ele poderia contar

O ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), interpelou Jair Bolsonaro para que ele esclareça "eventuais ambiguidades ou dubiedades dos termos utilizados" nesta semana, ao falar sobre a morte de Fernando Santa Cruz, pai do presidente da OAB, Felipe Santa Cruz.

O presidente tem 15 dias para responder à interpelação.

A decisão atende a um pedido do advogado, que, de acordo com o despacho de Barroso, "se sentiu pessoalmente ofendido e entendeu que, das declarações do senhor Presidente da República, se poderia inferir a prática dos crimes de calúnia contra a memória de seu pai".

Na segunda (29), Bolsonaro disse que poderia explicar a Felipe Santa Cruz como o pai dele desapareceu durante a ditadura militar (1964-1985). "Por que a OAB impediu que a Polícia Federal entrasse no telefone de um dos caríssimos advogados? Qual a intenção da OAB? Quem é essa OAB? Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, conto pra ele. Ele não vai querer ouvir a verdade. Conto pra ele."

Fernando Santa Cruz desapareceu na época da ditadura militar depois de ser preso por agentes do Estado. Até hoje, sua morte é um mistério e seu corpo nunca foi encontrado.

Reinaldo Azevedo: Deltan tem de dividir cela com Delgatti

- Folha de S. Paulo

Um rouba dados de celulares; o outro comete abuso de autoridade e rouba institucionalidade

Deltan Dallagnol tem de dividir a cela com Walter Delgatti. Ambos são hackers —o segundo, em sentido estrito; o primeiro, em sentido derivado. Um recorre a seus conhecimentos técnicos para roubar dados de celulares; o outro se aproveita de sua condição para cometer abuso de autoridade e roubar institucionalidade.

Sim, há diferenças brutais entre eles, a exemplo daquelas caracterizadas por Padre Vieira em célebre sermão ao distinguir o ladrão grande do pequeno. Um rouba “debaixo de seu risco”; o outro, “sem temor nem perigo”; um, se rouba, é enforcado; outro “rouba e enforca”.

Atentem para o que vai entre aspas.

“Mas será mesmo necessário violar a legalidade para cassar corruptos? A resposta é ‘não!’.

Polícia Federal, Ministério Público e Justiça Federal, cada um por seu turno e, às vezes, em ações conjugadas, têm ignorado princípios básicos do Estado de Direito. Não é difícil evidenciar que prisões preventivas têm servido como antecipação de pena.

Basta ler as petições dos procuradores e os despachos do juiz Sergio Moro para constatá-lo. Mandados de busca e apreensão, como os executados contra senadores, um ano e quatro meses depois de iniciada a investigação, são só uma exibição desnecessária de musculatura hipertrofiada do poder punitivo do Estado (...).

Ricardo Noblat: Justiça põe cabresto no capitão

- Blog do Noblat / Veja

E ele não se conforma...
Bons tempos aqueles, e nem tão distantes assim, em que autoridades da República, a começar pelo presidente, costumavam repetir ao se verem derrotadas em tribunais superiores:

– Decisões da Justiça não se discute, cumpre-se simplesmente.

O presidente Jair Bolsonaro aproveitou o encontro semanal com seus devotos por meio do Facebook para revelar seu inconformismo com decisões da Justiça que contrariam sua vontade.

Não teve peito para criticar o Supremo Tribunal Federal que ontem, por 10 votos a zero, confirmou que cabe à Fundação Nacional do Índio (FUNAI) demarcar as áreas indígenas.

Preferiu ir para cima da juíza federal que liberou a compra de milhares de radares a ser instalados em rodovias. Bolsonaro é contra radares. Quer acabar com os que existem. Por isso reclamou:

“Está uma briga, porque a Justiça em cima da gente, que quer que a gente mantenha radares multando você. É a Justiça, lamentavelmente, se metendo em tudo”.

Foi péssimo para ele o primeiro dia de decisões do Judiciário depois das férias de julho. Que tal ser obrigado a ouvir do ministro mais antigo do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, o seguinte:

“O regime de governo e as liberdades da sociedade civil muitas vezes expõem-se a um processo de quase imperceptível erosão, destruindo-se lenta e progressivamente pela ação ousada e atrevida, quando não usurpadora, dos poderes estatais, impulsionados muitas vezes pela busca autoritária de maior domínio e controle hegemônico sobre o aparelho de Estado e sobre os direitos e garantias básicos do cidadão”.

Celso de Mello malhou o capitão porque o Congresso derrubara a Medida Provisória que ele assinou transferindo para o Ministério da Agricultura a atribuição de demarcar terras indígenas.

E apesar disso, Bolsonaro mandou ao Congresso uma nova Medida Provisória com o mesmo objetivo. Não poderia tê-lo feito porque a lei não permite, a não ser depois do intervalo de um ano.

O garoto Eduardo, no final do ano passado, foi gravado dizendo que bastariam um cabo e dois soldados para fechar o Supremo. O pai desculpou-se por ele. Mas se pudesse é o que faria.

Em uma sessão de menos de seis horas, o Supremo só tomou decisões que aborreceram o capitão. Quer que ele explique o ataque à memória do pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil.

Fernando Santa Cruz, militante político de esquerda em 1976, foi preso e morto pela ditadura. Para agredir o filho dele, Bolsonaro afirmou que Fernando fora morto por seus colegas da esquerda.

O ministro Sérgio Moro, da Justiça, chegou a acenar com a destruição das mensagens hackeadas pela República de Araraquara. Acabou desautorizado por Bolsonaro.

Mesmo assim, os ministros Luiz Fux e Alexandre de Moraes acharam por bem requisitar todas as mensagens e uma cópia do inquérito aberto pela Polícia Federal. Nunca se sabe, não é?

Todo cuidado com Bolsonaro é pouco. Por via das dúvidas, Moraes suspendeu eventuais apurações da Receita Federal que envolvam ministros do Supremo, do Superior Tribunal da Justiça e familiares.

E assim se passarão os próximos 3 anos e quase cinco meses de governo que ainda restam a Bolsonaro – a Justiça a lhe pôr freios, e ele a tentar enfraquecer o Estado de Direito.

República sob nova direção

Dora Kramer: Agora, falando sério

- Revista Veja

O país aguenta, mas Bolsonaro talvez não se aguente muito tempo

A pergunta recorrente entre nós, espectadores do espetáculo produzido, dirigido e encenado por Jair Bolsonaro, é até quando o Brasil aguenta conviver com um presidente tão obviamente despreparado para o cargo. A questão de fundo, porém, talvez não seja essa, uma vez que o país já passou por muitas e péssimas, sobreviveu a todas e pode perfeitamente sobreviver a mais esta.

A dúvida é se, e até quando, Bolsonaro se aguenta sem perder a relevância e tornar-se um coadjuvante da cena política que, em tese e para todos os efeitos, deveria liderar. Da posição de autoridade primeira ele pode transitar para a condição de mero provocador diletante a quem não se dá maior importância devido à inconveniência e à exorbitância de suas palavras, gestos e decisões.

Isso se chama perda de substância, que é justamente para onde caminha o presidente cuja convicção é de que está certo. Ele disse recentemente ao jornal O Globo que nasceu assim, não vai mudar e não está minimamente preocupado “com 2022”, pois, se estivesse, “não daria essas declarações”. Ou seja, sabe da impropriedade daquilo que fala e, no entanto, persiste no erro.
A esse tipo de conduta dá-se o nome de ¬burrice, embora ao presidente e a seu contingente de acólitos possa soar como autenticidade.

“O presidente quer fazer tudo do seu jeito, mas do jeito dele não dá certo”

Pode-se ser um autêntico estadista ou um autêntico cabeçudo. Questão de vocação, formação e personalidade. No caso de Bolsonaro, há um completo desconhecimento sobre desempenho de função pública. Qualquer uma, conforme atesta sua atuação parlamentar. Investido do figurino de “homem comum”, quer fazer tudo do seu jeito, mas do jeito dele não dá certo. Aliás, pode dar muito errado a depender dos prejuízos que o presidente ainda seja capaz de causar a si, à sociedade, à estabilidade institucional, ao estado de plenos direitos legais e aos preceitos da civilidade.

Eliane Cantanhêde: Ufa! Um gol do Jair

- O Estado de S. Paulo

Brasil seguiu a política e o bom senso ao ceder e salvar o parceiro Benítez no Paraguai

Depois de tantas declarações absurdas, posições surpreendentes e bolas fora na política externa, o governo Jair Bolsonaro fez um gol na solução da crise do vizinho Paraguai. O novo acordo de Itaipu era justo, mas o Brasil cedeu e reabriu as negociações por um objetivo maior: a questão política, que neste caso se sobrepõe à questão técnica, econômica.

O Paraguai é um país particularmente aliado, quase dependente do Brasil, e os dois atuais presidentes, Bolsonaro e Mario Abdo Benítez, são não apenas pragmaticamente parceiros, como ideologicamente identificados. Os dois, aliás, vêm da mesma Arma do Exército: são paraquedistas.

Logo, há a aproximação histórica, a questão de oportunidade e vários interesses conjunturais e estratégicos. Além das incontáveis empresas brasileiras que se instalam no Paraguai – graças às condições muito mais camaradas para os negócios – o Paraguai é, nada mais, nada menos, o país que mais cresce na América do Sul nos últimos 15 anos. O Brasil patina e passou por dois anos de recessão, enquanto o vizinho cresce à base de 4,5% ao ano.

Para completar, o Mercosul, que acaba de fechar um acordo histórico com a União Europeia, é formado por quatro membros plenos e, em três deles, há obstáculos, reais ou possíveis, para a implementação das medidas.

No Brasil, Bolsonaro não para de criar atritos desnecessários com os europeus, a ponto de desmarcar de última hora a audiência com o ministro de Negócios Estrangeiros da França, Jean-Yves Le Drien. Pior: alegou problemas de agenda e na mesma hora gravou um vídeo cortando o cabelo. Na diplomacia, isso é um tapa na cara.

Pedro Doria: O jogo de Bolsonaro

- O Estado de S.Paulo

Sua Excelência que ora ocupa o Alvorada diz não ter estratégia. Tem sim. E funciona

Tanto o jornalista José Roberto de Toledo, editor do site da Piauí, quanto o cientista político Christian Lynch, do IESP-Uerj, observaram o mesmo recentemente. Estes mais ou menos 30% de aprovação de Jair Bolsonaro não são tão pouco quanto parecem. Para os padrões médios americanos, a aprovação de Donald Trump é também historicamente baixa. O novo premiê britânico, Boris Johnson, tem os piores números de início de governo dos últimos 40 anos. Esta semana agora, numa entrevista que decidiu conceder de improviso à repórter Jussara Soares, do Globo, o presidente também garantiu: 

“Sou assim mesmo”, ele disse a respeito de suas declarações agressivas. “Não tem estratégia.” Acredite o desavisado que quiser acreditar. Porque seus 30%, as redes sociais e as declarações fazem, juntas, parte de um mesmo pacote. E compõem, sim, um tipo novo de jogo na política.

O que Bolsonaro, Trump e Johnson têm em comum é um discurso particularmente agressivo. 

Ofendem, flertam abertamente com a extrema-direita, seu comportamento foge ao padrão de qualquer chefe de Estado recente. Esta agressividade é sintoma e é reflexo do ambiente em que se elegeram. 

Nos EUA, o Partido Democrata está cindido entre esquerda e liberais. Há conflitos na bancada na Câmara e faz muito tempo que, entre os pré-candidatos à presidência, perfis tão distintos estão disputando. Estão brigando para determinar que perfil ideológico tem chance de vencer Trump. Os derrotados perigam dar as costas para o partido. Com os trabalhistas ingleses é igual. Seu atual líder, Jeremy Corbyn, representa uma esquerda que não chegava ao comando do partido há décadas, e assim abafou os liberais que dominavam a sigla. Fragmentado, sem saber para onde caminhar, o Partido Trabalhista ainda não consegue fazer frente ao governo.

No Brasil, mesmo com nossa pluralidade de partidos, o cenário é muito similar. Num ambiente de agressividade e rancor, esquerdas e liberais não se entendem – e abrem espaço para esta nova direita representada, aqui, por Jair Bolsonaro. Porque a oposição não se entende, e não tem cheiro de que vá se entender tão cedo, o cenário é de fragmentação. Não é só isso, porém, que faz dos 30% mais do que parecem.

Elena Landau*: Sob ataque

- O Estado de S.Paulo

Os políticos jamais aceitaram a autonomia das agências reguladoras

Foram precisos 16 anos de tramitação no Congresso para aprovação da Lei Geral para agências reguladoras e apenas um punhado de dias para o governo desmoralizá-la. Bolsonaro e Osmar Terra ameaçaram fechar a Ancine e a Anvisa por discordar de suas decisões.

Na realidade, os políticos jamais aceitaram a autonomia dessas autarquias e a população não entende bem para que servem. Muitas foram criadas no fim dos anos 90 para acompanhar a mudança no papel do Estado, decorrente da privatização, e surgiram para regular os serviços públicos. São as que atuam nos segmentos de energia, transporte e telecomunicações, por exemplo. Até a desestatização, esses serviços eram oferecidos sem fiscalização e sem regulação. Havia o pressuposto que o Estado estava dando o melhor de si. Ao consumidor só restava aceitar, porque não havia nem sequer a quem reclamar. A agência reguladora de energia – Aneel – foi a primeira a ser criada e substituiu o DNAEE, um departamento vinculado ao ministério setorial, que funcionava basicamente repassando aumentos tarifários. Não havia foco na qualidade, na saúde financeira das empresas nem em investimentos.

A privatização mudou esse cenário e as agências foram criadas para, de forma imparcial entre investidores e consumidores, regular a prestação de serviços, garantindo e exigindo direitos e deveres definidos nos contratos de concessão assinados pelos novos controladores. Foi uma mudança cultural grande e, por isso mesmo, é natural que se leve tempo para entender suas reais funções. Às vezes, são vistas como uma espécie de Procon, criadas para defender o usuário do serviço. No entanto, quando elas homologam reajustes de tarifas ou mensalidades, com base nos contratos assinados, viram o “governo” malvado que aumenta tudo.

Fica ainda mais difícil para a sociedade entender seu papel porque há diferentes tipos de agências. Há as que também são de fomento, como Ancine, que atua no mercado audiovisual e tem a função de promover ganhos intangíveis, ampliando e democratizando o acesso à cultura e à informação. Suas decisões devem obedecer a princípios como: liberdade de expressão e promoção da diversidade cultural e das fontes de informação, produção e programação. Há as de regulação de produto, como a Anvisa, que tem entre suas obrigações normatizar, controlar e fiscalizar produtos, substâncias e serviços de interesse para a saúde.

Amazônia corre graves riscos com descaso ativo do governo: Editorial / Valor Econômico

A Amazônia corre sérios riscos se o governo de Jair Bolsonaro não mudar sua orientação ambiental, o que parece hoje tão pouco provável quanto o presidente mudar seu comportamento. Não se trata de bobagens ditas ao acaso, mas de intenções que estão sendo levadas à prática, que terão consequências horrorosas. A mais recente incursão de Bolsonaro na questão foi desconfiar dos alertas que o eficiente sistema Deter, do Inpe, emitiu nos últimos meses, que indicam que o desmatamento voltou a crescer com força. Como se tornou hábito, primeiro o presidente disse que desconfiava dos dados e depois que um dos diretores do Inpe, que os mencionara, estava servindo ao interesse de Organizações não governamentais, o que no jargão bolsonarista significa um grupo de pessoas financiadas por estrangeiros para dominar a Amazônia.

Há correlação de 80%, segundo os técnicos, entre os dados de alertas emitidos pelo Deter e os números finais (coletados entre agosto e julho do ano seguinte). O Deter auxilia o governo a saber aonde a floresta pode estar sendo agredida - foram 1 mil km2 na primeira quinzena de julho, um avanço de 68% em relação ao mesmo período de 2018. Os números que o Prodes divulgará até o fim do ano serão menores, mas não muito. A tendência de aumento da devastação é real.

O governo quer filtros para, segundo Bolsonaro, não ser "surpreendido" pelos fatos, mas os ministérios relacionados à área são sempre municiados de dados. O que existe é desinteresse pelo assunto, em hipótese benigna, ou descaso ativo para com a sorte da floresta. Várias ações parecem confirmar a segunda suposição. Quando o Ibama destruiu material apreendido de madeireiros ilegais, o presidente veio a público dizer que não toleraria mais isso. Após pessoas a serviço dos madeireiros destruirem patrimônio do Ibama, um órgão depauperado, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foi reunir-se com eles - antes, criou uma comissão de revisão das multas aplicadas pelo Ibama.

Juros e emprego não bastam para a economia: Editorial / O Globo

Corte feito pelo BC e pequena reação no mercado de trabalho precisam da ajuda do Congresso

Faz tempo que não havia a coincidência de boas notícias na economia. Pelo menos desde 2013/14, quando se formou uma bolha de crescimento, que estourou como se previa, e o país naufragou na maior recessão da História, em 2015/16. Desta vez os fatos são menos retumbantes e talvez por isso possam gerar efeitos positivos de maneira consistente. Mas tudo depende mesmo de como evoluirá a agenda de reformas, a começar pela da Previdência, cuja tramitação para a votação em segundo turno na Câmara será retomada na semana que vem.

O esperado corte na taxa básica de juros( Se lic)pe lo Conselho de Política Monetária (Copom), do Banco Central, se confirmou: foi anunciada quarta-feira sua redução de 6,5% para 6%. O último corte ocorrera em março do ano passado. Os 6,5% já eram os juros mais baixos desde 1999, quando foi instituída apolítica do tripé (câmbio flutuante, metas de inflação e responsabilidade fiscal).

Por feliz coincidência, o Banco Central americano, o Federal Reserve (Fed), reduziu a sua taxa em 0,25 ponto, para o intervalo entre 2% e 2,25%. O fato de o segundo importador de produtos brasileiros tomar medida em favor demais crescimento é positivo, e quando o Brasil vai na mesma direção. O aumento do consumo dos americanos ajuda a retomada brasileira, por meio demais exportações para os EUA.

Alento econômico: Editorial / Folha de S. Paulo

Queda dos juros do BC contribui para um panorama menos hostil neste 2º semestre

Em decisão aguardada há pelo menos dois meses, o Banco Central reconheceu que a letargia econômica e a perspectiva de inflação abaixo das metas até 2020 permitiam retomar o ciclo de redução dos juros.

A opção por um corte de 0,5 ponto percentual, para 6% ao ano, interrompe um período de estabilidade de 16 meses e estabelece novo marco histórico para a taxa Selic —que em termos nominais nunca foi tão baixa desde a instituição de seu cálculo, em 1986.

O relativo atraso decorreu de temores compreensíveis quanto aos riscos de fracasso da reforma da Previdência, o que poderia levar à alta do dólar e ameaçar o controle da inflação obtido a duras penas.

Agora, o BC já indica, por meio de seu comunicado oficial, que uma nova redução é provável. A maior parte dos analistas projeta que a taxa caia a algo entre 5% e 5,5% nos próximos meses, patamar que pode ser mantido até o final de 2020.

Embora esteja longe de significar garantia de retomada robusta do consumo e do investimento, o alívio monetário constitui estímulo adicional do qual uma economia combalida não pode prescindir.

O surto de ousadia do BC: Editorial / O Estado de S. Paulo

O Banco Central (BC) foi duplamente ousado, cortando os juros e indicando novos cortes em breve, mas falta saber se isso ajudará a mover a emperrada economia nacional. Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Itaú também anunciaram na quarta-feira uma redução de taxas. Crédito mais barato é sempre bem-vindo pelas empresas e pelos clientes pessoas físicas, mas o custo do dinheiro é hoje apenas um dos entraves ao crescimento econômico.

Provavelmente está longe de ser o principal. Por enquanto, só é possível apontar com segurança alguns beneficiários da política monetária mais frouxa. Um deles é o Tesouro Nacional. Com a redução da Selic, a taxa básica, a dívida pública ficará mais barata e muitos bilhões serão economizados em um ano. Clientes endividados e empresas com necessidade urgente de um reforço financeiro também poderão comemorar. Investidores do mercado de capitais poderão lucrar com a valorização de ações. E como ficará o conjunto da economia?

Redução de juros pode facilitar o investimento produtivo e elevar o potencial de crescimento econômico. Mas dificilmente um dirigente de empresa comprará máquinas e equipamentos só porque o dinheiro ficou mais barato. Poderá comprar, como tem ocorrido, para substituir material muito depreciado ou desatualizado além da conta. Fora desse caso, será muito cauteloso, principalmente se a sua empresa estiver funcionando com ampla capacidade ociosa. É essa a condição de grande parte da indústria brasileira.

Frei Caneca*: Entre Marília e a pátria

Entre Marília e a pátria
Coloquei meu coração:
A pátria roubou-me todo;
Marília que chore em vão.

Quem passa a vida que eu passo,
Não deve a morte temer;
Com a morte não se assusta
Quem está sempre a morrer.

A medonha catadura
Da morte fria e cruel,
Do rosto só muda a cor
Da pátria ao filho infiel.

Tem fim a vida daquele
Que a pátria não soube amar;
A vida do patriota
Não pode o tempo acabar.

O servil acaba inglório
Da existência a curta idade:
Mas não morre o liberal,
Vive toda a Eternidade!

In Obras políticas e literárias de Frei Joaquim do Amor Divino Caneca, 1876. II tomo, p. 11-12

*(Recife/PE, 20/08/1779 – Recife/PE, 13/01/1825) Poeta, historiador, cientista político, gramático, latinista e filósofo. Um dos principais líderes da Revolução Pernambucana de 1817 e da Confederação do Equador em 1824. Foi editor do jornal “Typhis Pernambucano”, jornal de oposição ao Imperador Pedro I. Andava pelas ruas com uma caneca nas mãos pedindo esmolas para atendimento aos mais necessitados. Sua produção poética ficou bastante esparsa, entre um poema e outro, destacando-se o“Entre Marília e a Pátria”, “Décima”, “Não posso contar meus males” e “Para defender a pátria”.