sexta-feira, 4 de fevereiro de 2022

Vera Magalhães: O bolsonarismo pós-2022

O Globo

Ainda que Jair Bolsonaro perca as eleições, hipótese hoje bastante plausível, de acordo com as pesquisas, o bolsonarismo como força política permanecerá. Não com a conformação de hoje, tendo o Centrão a ele acoplado como um ser parasitário, mas como um balaio de reacionários, ressentidos, negacionistas e teóricos da conspiração de todos os matizes, com mandatos e com voz nas redes sociais e nos veículos alternativos de mídia que vicejaram nesse período de governo.

É esta a campanha paralela que começa a ganhar contornos e que deve ser objeto de atenção da imprensa, pois, ainda que Bolsonaro seja derrotado, haverá uma bancada ruidosa que terá o capitão e os filhos como gurus seja quem for o próximo presidente.

A radicalização de ministros como Marcelo Queiroga e Damares Alves já mira esse futuro, e vale para a hipótese de Bolsonaro ser ou não reeleito.

A ministra que é a antítese de tudo que sua pasta deveria representar tem investido sem receio do Ministério Público numa agenda cada vez mais sectária, e especificamente antivacina.

Ela segue a picada aberta pelo chefe, mas conta com seu próprio público, que vem sendo cuidadosamente cultivado nos últimos três anos. Os “damaristas" são uma bolha fiel e dedicada dentro do guarda-chuva do bolsolavismo. E é por isso que uma candidatura dela ao Senado é considerada bastante promissora, a depender do Estado que ela escolha para fincar seu domicílio eleitoral.

Eliane Cantanhêde: Temor no pós-eleição

O Estado de S. Paulo

A nova guerra entre esquerda e bolsonaristas: quem ameaça mais a democracia?

Engana-se quem considera que o presidente Jair Bolsonaro está morto para as eleições de outubro. Apesar de todos os absurdos, erros e perdas de apoios, o presidente tem o cargo, estrategistas e vai operar cada vez mais o temor do irreal “comunismo” e real da volta do PT e do ex-presidente Lula.

Se o Supremo, setores do Congresso e da opinião pública trabalham com a hipótese de Bolsonaro reagir a la Donald Trump em caso de derrota, grupos bolsonaristas, inclusive da área militar, reagem na mesma moeda: segundo eles, se alguém tem condições de agitar as ruas do País são Lula e esquerda.

No discurso público e nos bastidores, oficiais de Exército, Marinha e Aeronáutica garantem que não participarão de nenhuma “aventura golpista” a favor de Bolsonaro ou de ninguém. E acrescentam: vão respeitar o resultado das urnas, qualquer que seja o novo presidente – ou seja, o novo comandante em chefe das Forças Armadas.

Fernando Gabeira: Bolsonaro na Rússia – para além da carne

O Estado de S. Paulo

Além de ignorar os contornos da crise, ele tem um nível de imprevisibilidade muito perigoso nessas situações

Bolsonaro ficou conhecido por criar crises. Na sua única viagem internacional de importância, ele escolheu a crise. Não foi criada por ele, possivelmente não se interessa por suas coordenadas, mas, ainda assim, viaja para Moscou para encontrar Putin. É uma viagem para discutir comércio. Eu vendo carne, você vende fertilizante, o que mais podemos fazer?

O problema é que tropas russas estão estacionadas na fronteira com a Ucrânia. É um tema prioritário nos Estados Unidos e na Europa. Um clima de tensão: invadem ou não invadem?

Putin sabe o que quer e, sobretudo, sabe quando pressionar para manter a Ucrânia sob sua influência. A Europa depende do gás russo, e nada mais valioso do que um bom aquecimento no inverno.

Luiz Carlos Azedo: Banco de reservas de Bolsonaro está no aquecimento para assumir ministérios

Correio Braziliense

É pouco provável que a “reforma ministerial” melhore seus índices de aprovação, ainda mais com a legislação eleitoral proibindo o marketing oficial. O objetivo é outro: garantir os palanques eleitorais 

Durante o encontro com o presidente do Peru, Pedro Castillo, ontem, em Rondônia, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que, no dia 31 de março, aniversário do golpe que destituiu o presidente João Goulart, em 1964, 11 ministros deixarão o governo para disputar as eleições. “Dia 31 de março, um grande dia, é um pacotão: 11 saem, 11 entram. Da minha parte, vocês só vão saber via Diário Oficial da União”, disse, fazendo mistério.

Nos bastidores, comenta-se que as pastas da chamada cota pessoal do presidente da República serão ocupadas por técnicos da confiança dos atuais titulares ou militares. As que já estão nas mãos dos políticos do Centrão, por correligionários cujo perfil garanta os acordos originais. Uma coisa é certa: o governo não será melhor do que era. Por isso, é muito pouco provável que a “reforma ministerial” melhore seus índices de aprovação, ainda mais com a legislação eleitoral proibindo o marketing oficial. O objetivo é outro: garantir os acordos eleitorais nos estados.

São dadas como certas as candidaturas do ministro da Justiça, Anderson Torres, a deputado pelo Distrito Federal; do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, ao governo do Piauí; da ministra das Mulheres, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, a uma vaga no Senado, possivelmente pelo Espírito Santo; do ministro das Comunicações, Fábio Faria, ao governo no Rio Grande do Norte; da ministra-chefe da Secretaria de Governo, Flávia Arruda, ao Senado, pelo Distrito Federal; do ministro do Turismo, Gilson Machado, ao Senado, por Pernambuco; do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, a senador ou governador da Paraíba; do ministro dos Transportes, Tarcísio de Freitas, ao governo de São Paulo; da ministra da Agricultura, Teresa Cristina, ao Senado ou ao governo do Mato Grosso do Sul. O ministro Rogério Marinho, da Integração, deve concorrer a deputado federal ou ao Senado, no rio Grande do Norte, e o ministro Ônix Lorenzonni, atual ministro do Trabalho, deve disputar o governo do Rio Grande do Sul. O vice-presidente Hamilton Mourão deve se candidatar ao Senado pelo Rio Grande do Sul.

Rogério Furquim Werneck: Que Lula é esse?

O Globo

Lula prefere ser vago ao se mostrar disposto a se mover para o centro. O melhor exemplo é o minueto que insiste em dançar com Alckmin

Tudo indica que Lula pretende levar sua campanha tão longe quanto possível, sem se comprometer com um delineamento mais nítido do que seria a política econômica do seu governo. Se lhe for possível, irá até o final do segundo turno sem se definir quanto a isso.

Lula sabe perfeitamente que caso sua candidatura se realinhe mais ao centro do espectro político, sua vitória se tornará mais provável. E é bem possível que, há alguns meses, se tenha convencido de que um movimento inequívoco para o centro seria essencial para assegurar sua eleição. Mas já não parece tão certo disso.

Seu desempenho nas pesquisas de intenção de votos lhe tem sido tão favorável, que o ex-presidente pode estar inclinado a, desta vez, tentar a vitória sem se mover tão explicitamente para o centro. Pelo menos no que diz respeito ao delineamento da política econômica que seria adotada caso viesse a ser eleito.

Vinicius Torres Freire: Renda menor, juro maior e mais dívida

Folha de S. Paulo

Salário deve cair, juro nos bancos sobe e governo quer se endividar para vender fogão

Em dezembro, o custo dos empréstimos mais relevantes já era mais alto do que em dezembro de 2018, logo antes do início do governo de Jair Bolsonaro. Já estava mais caro financiar casa, carro, "outros bens" ou capital de giro, por exemplo. Outras taxas de juros estavam à beira de ultrapassar esse nível.

O governo e seus amigos da onça no Congresso querem diminuir impostos sobre combustíveis, eletricidade e também sobre produtos industriais, eletrodomésticos, segundo Paulo Guedes. Esqueça-se, por um momento, quanto há de besteira nessas ideias. Quem vai comprar mais? Com que roupa, dinheiro ou ânimo?

A renda nacional, o PIB, não deve crescer neste 2022, sendo otimista. Os rendimentos do trabalho vão crescer menos ainda. Na verdade, é bem possível que diminuam.

Nas projeções dos economistas do Bradesco, a soma de todos os rendimentos do trabalho, a massa de rendimentos, deve cair 1% neste ano. De 2017 a 2019, os três anos gloriosos da penúria pós-recessão, a massa de rendimentos cresceu em média 2,6% por ano. Notem: nesses anos muito lascados, mas menos ruinzinhos, da década de empobrecimento nacional, o total de rendimentos ainda crescia. Em 2022, pode decrescer.

Hélio Schwartsman: Dilma, Bolsonaro e o impeachment

Folha de S. Paulo

Se há ética, não dá para sustentar que Bolsonaro merece menos o impeachment do que Dilma

O governo de Dilma Rousseff cometeu muitos e graves erros, especialmente na economia. Foi vendo o amplo apoio parlamentar de que nominalmente gozava esvair-se e, quando não conseguiu reunir nem 1/3 dos deputados ou dos senadores para salvar-lhe a pele, sofreu o impeachment. O governo de Jair Bolsonaro é colossalmente pior que o de Dilma. Ele cometeu muitos e graves erros na economia e em quase todas as esferas. Ainda assim, Bolsonaro foi poupado do impeachment. Como explicar isso?

Bruno Boghossian: Diplomacia desgovernada

Folha de S. Paulo

Presidente dá coices gratuitos em adversários políticos e distribui afagos pobres quando vê semelhantes

"Perdemos agora o Peru", lamentou Jair Bolsonaro quando a apuração de votos apontava para a vitória de Pedro Castillo naquele país, em junho. Meses mais tarde, o presidente se recusou a ir à posse do novo governante, assim como fez com outros políticos de esquerda na Argentina, na Bolívia, no Chile e em Honduras.

Bolsonaro mudou de ideia sobre o peruano, a quem já chamou de "um cara do Foro de São Paulo". Nesta quinta (3), o brasileiro sorriu ao lado de Castillo e disse ter interesses em comum com o colega, um conservador de esquerda. O brasileiro ignorou a segunda metade do rótulo e elogiou sua plataforma de defesa da família e de "valores tradicionais".

Reinaldo Azevedo: Federações podem dar 2ª via à luz

Folha de S. Paulo

União entre legendas pode tornar viável uma liderança realmente conservadora; Bolsonaro e Moro são apenas as expressões do caos

Conversas em curso para a formação de federações partidárias podem trazer à luz, quem sabe, o que até agora não há: o candidato conservador viável. Será o nome da segunda via! O da primeira, como resta evidente, é Lula, do PT. Pertencem à "terceira via", neste meu raciocínio, Jair Bolsonaro e Sergio Moro. Vamos ver.

Não era simpático à ideia das federações porque garantem a sobrevivência de legendas que só subsistem em razão do fundo partidário. Ainda que uma ou outra possam defender causas meritórias, deveriam ser correntes de opinião em partidos maiores. Nas democracias estáveis, as disputas são, em sua essência ideológica, dualistas. Uma terceira força só se robustece em caso de erros de operação da tendência que hegemoniza, para ser genérico, o progressismo e o conservadorismo.

STF começou a julgar ontem um recurso do PTB contra a formação das federações, que impõem que a união entre siglas dure ao menos quatro anos e reproduza nos Estados o acerto que se fizer em escala nacional. Não vejo por que o tribunal deva se meter na questão. A lei não impõe a formação dos blocos; apenas oferece essa alternativa.

Maria Cristina Fernandes: O cálculo político de Boric

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Lógica da equipe do presidente eleito do Chile não é identitária, mas política. Escolha de ministro da Fazenda respaldado pelo mercado foi a saída encontrada para que os demais ministros possam mostrar serviço

“É inverossímil! Sanhattan (centro financeiro de Santiago), todos os especuladores e donos do Chile estão em festa.” Mal o jornal chileno “La Tercera” anunciara que Gabriel Boric havia escolhido Mario Marcel, presidente do Banco Central, para o Ministério da Fazenda, Ramón López, economista influente do Partido Comunista, protestou no Twitter.

O PC chileno integra a coalizão que elegeu Boric (Aprovo Dignidade) e é, depois do partido do presidente eleito, Convergência Social, com cinco ministros, a sigla melhor representada no futuro governo. Ocupa três ministérios, em igualdade de condições com o Partido Socialista, mas, ao contrário deste, tem uma representante no coração do governo, a futura porta-voz, Camilla Vallejo, ex-parceira do presidente eleito no movimento estudantil.

A revolta do aliado não cessou. Dias depois, o BC comandado pelo futuro ministro de Boric subiria a taxa de juro. E López voltou a tuitar: “De 0,5% em julho de 2021 a taxa de juro subiu para 5,5% em janeiro de 2022. Deve ser um recorde mundial. Uma irresponsabilidade sem precedente (...). Boric premia a bestialidade nomeando Marcel como ministro da Fazenda”.

Mario Marcel, PhD em Economia pela Universidade de Cambridge, é um ex-militante do Partido Socialista. Ocupou cargos na burocracia do governo desde a redemocratização e uma diretoria no Banco Mundial. Foi levado ao BC pela ex-presidente socialista Michelle Bachelet e teve seu mandato renovado pelo presidente conservador Sebástian Piñera.

Cristian Klein: Lula com Alckmin, com Temer, com tudo

Valor Econômico

Ex-presidente mira amplo acordo para governabilidade

A liderança do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas tem sido tão folgada que criou no petista uma autoconfiança capaz de combinar múltiplas estratégias. Desde a chancela a movimentos à esquerda - como a tentativa de o PT formar federação com legendas progressistas - quanto os mais à direita - a exemplo da aliança com o ex-tucano Geraldo Alckmin para vice da chapa.

Com amplo favoritismo, Lula lança mão tanto de apostas ideológicas, partidárias ou pessoais - ao comprar briga pela candidatura de Fernando Haddad a governador em São Paulo ou agradar Marcelo Freixo no Rio - quanto recorre a composições pragmáticas que, inversamente, parecem sugerir um receio, o temor do revés.

É o caso da informação de que seu advogado Cristiano Zanin teria sido o emissário de uma proposta de aproximação com o ex-presidente Michel Temer. Logo Temer, o vilão do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.

Acusado de traição, o vice de Dilma personificou, como poucos, ladeado pelo ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, a imagem de maior inimigo do petismo. Até a ascensão de Jair Bolsonaro.

José de Souza Martins*: Desvalidos nas eleições de outubro

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Os protagonistas de um possível desempenho democratizante e libertador vão sendo constituídos, criados pela história política do futuro próximo, já em curso

O Brasil entra agora no período que mais de perto precede a fase dos embates propriamente eleitorais relativos à escolha do presidente da República, dos governadores, de senadores e dos deputados federais. Provavelmente, será o período mais tenso do jogo político. Nele atuam diferentes agentes de definição de qual será o perfil do constituinte da próxima composição do Estado brasileiro. O que será o conjunto dos eleitores como um corpo coletivo, ainda que na diversidade de suas orientações e de seus desencontros.

Momentos como esse, na história política, expressam a tendência mais geral de definição da configuração cambiante do Estado vivo, o Estado traduzido em modo de pensá-lo, de orientá-lo e dar-lhe rumo. São momentos da possibilidade de mudança política, de correção de curso, de correção de erros, de inovação.

Francisco Góes*: O tortuoso caminho da privatização no Brasil

Valor Econômico

Desestatização tem que pensar o que se quer do Estado

A dificuldade para fazer avançar a privatização da Eletrobras, anunciada em 2018 no governo Temer e ainda cercada de incerteza, mostra como é tortuoso o caminho para o Estado se desfazer de empresas estatais. Trabalho inédito do economista Cláudio Frischtak, sob encomenda da Confederação Nacional da Indústria (CNI), indica que o Brasil tinha 48 empresas federais sob controle direto da União em 2016, número que cinco anos depois, em 2021, permanecia o mesmo. O retrato é simbólico da complexidade que é levar adiante a desestatização no Brasil.

O levantamento feito por Frischtack, da consultoria Inter B, mostra ainda que o universo de subsidiárias de holdings estatais se reduziu no mesmo período. Eram 182 subsidiárias em 2016, contingente que caiu para 107 em 2021. Nesse grupo estão empresas ligadas a Banco do Brasil, BNDES, Caixa, Correios, Eletrobras, Petrobras e Telebras.

Silvio Essinger*: A música que ainda fala por nós

O Globo

No Brasil, a televisão promove milagres periódicos. E o mais recente deles foi reintegrar ao circuito popular dos afetos a figura de Nara Leão (1942-1989), cantora que, desde bem cedo, se desvinculou da competição por vezes insana entre as grandes vozes e pôs-se a serviço das grandes ideias. Nara não se conformou com o que a posição social e o fato de ser mulher determinaram para ela. Rasgou a fantasia de musa da bossa e foi cantar samba de morro e canções de alto realismo social em “Nara” (1964) — LP que, defendem os estudiosos, inaugurou a MPB.

A esta altura, todo mundo já assistiu à série documental “O canto livre de Nara Leão” (Globoplay), do diretor Renato Terra. E não foram poucos os que verbalizaram, ao fim, o sentido saudosismo de um tempo no qual o Brasil podia reconhecer as suas angústias nas canções, e nelas buscar por soluções ou simplesmente por um alento. Um tempo bem anterior ao advento das redes sociais e dos reality shows, no qual eram os compositores e as vozes que conseguiam pautar os grandes debates nacionais, de um país em convulsão, no campo de batalha dos festivais da canção.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Banco Central persiste na batalha contra a inflação

O Globo

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) confirmou na quarta-feira que a luta contra a inflação segue firme. Como já era esperado, a taxa básica de juros da economia, a Selic, saiu de 9,25% para 10,75% ao ano. Foi a oitava elevação consecutiva em pouco mais de um ano. Desde julho de 2017, o principal instrumento da política monetária para alcançar a estabilidade de preços não chegava aos dois dígitos. Embora nunca comemorada por contrair a atividade econômica, a alta da Selic era, sem dúvida, necessária. Novos aumentos são esperados até que o BC consiga ancorar as expectativas de altas de preços às metas de inflação do país. É uma grande lástima que o presidente Jair Bolsonaro esteja tornando essa missão mais difícil.

Como todos sentiram em 2021 quando foram às compras, os valores cobrados por produtos e serviços dispararam. O ano terminou com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 10,06%, quase o dobro do teto da meta. De acordo com o regime monetário adotado desde 1999, o BC se compromete a garantir uma meta preestabelecida que conta com um intervalo de tolerância. O objetivo central de 2021 era de um IPCA de 3,75%, podendo, no máximo, chegar a 5,25%. Ficou longe disso.

Poesia | Joaquim Cardozo: Imagens do Nordeste

Sobre o capim orvalhado
Por baixo das mangabeiras
Há rastros de luz macia:
Por aqui passaram luas,
Pousaram aves bravias.

Idílio de amor perdido,
Encanto de moça nua
Na água triste da camboa;
Em junhos do meu Nordeste
Fantasma que me povoa.

Asa e flor do azul profundo,
Primazia do mar alto,
Vela branca predileta;
Na transparência do dia
És a flâmula discreta.

És a lâmina ligeira
Cortando a lã dos cordeiros,
Ferindo os ramos dourados;
– Chama intrépida e minguante
nos ares maravilhados.

E enquanto o sol vai descendo
O vento recolhe as nuvens
E o vento desfaz a lã;
Vela branca desvairada,
Mariposa da manhã.

Velho calor de Dezembro,
Chuva das águas primeiras
Feliz batendo nas telhas;
Verão de frutas maduras,
Verão de mangas vermelhas.

A minha casa amarela
Tinha seis janelas verdes
Do lado do sol nascente;
Janelas sobre a esperança
Paisagem, profundamente.

Abri as leves comportas
E as águas duras fundiram;
Num sopro de maresia
Viveiros se derramaram
Em noites de pescaria.

Camarupim, Mamanguape,
Persinunga, Pirapama,
Serinhaém, Jaboatão;
Cruzando barras de rios
Me perdi na solidão.

Me afastei sobre a planície
Das várzeas crepusculares;
Vi nuvens em torvelinho,
Estrelas de encruzilhadas
Nos rumos do meu caminho.

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Salinas de Santo Amaro,
Ondas de terra salgada,
Revoltas, na escuridão,
De silêncio e de naufrágio
Cobrindo a tantos no chão.

Terra crescida, plantada
De muita recordação.