terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Merval Pereira: Faca nos dentes

O Globo

Caminhamos para uma campanha eleitoral em que as regras terão de ser impostas na Justiça, seja pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ou mesmo pelo Supremo Tribunal Federal (STF), já que os candidatos não demonstram disposição para a autocontenção, especialmente o presidente Jair Bolsonaro, desesperado com a derrota iminente.

A exibição de um vídeo supostamente inédito, em que Bolsonaro surge falante depois de uma cirurgia gravíssima, nada mais é do que a tentativa de reavivar o atentado que sofreu durante a campanha de 2018, que ajudou a consolidar seu favoritismo desde o primeiro turno.

Desta vez, sem conseguir subir nas pesquisas de opinião, o presidente apela para imagens populistas, pois a última vez em que teve problema de saúde, provocado por um camarão mal digerido, a imagem no leito do hospital ajudou a melhorar sua popularidade.

Eliane Cantanhêde: Cristianização consentida

O Estado de S. Paulo

Em vez de se unir, os candidatos de centro se multiplicam e se ‘autocristianizam

A política brasileira, e não é a única, está tão bagunçada que criou a figura da “cristianização consentida” na eleição de 2022. O/a político/a assume a candidatura, faz discurso, viaja e dá entrevista, mas ninguém, nem ele e os comandantes do partido, levam a sério. É só para inglês ver e ganhar tempo.

O candidato “cristianizado” é aquele abandonado pelo próprio partido e pelos correligionários, uma alma penada. A expressão vem de 1950, quando o então PSD jogou fora Cristiano Machado e apoiou o favorito Getúlio Vargas, do PTB.

Machado foi “cristianizado”, mas os candidatos atuais se “autocristianizam”, oferecendo seus nomes e biografias a suas siglas, enquanto os caciques conversam, ou negociam, o apoio principalmente a Lula, do PT, e a Jair Bolsonaro, do PL.

Quem está sendo “cristianizado”, mas se rebela, é João Doria, do PSDB, que ganhou as prévias apertado, mas ganhou, e tenta evitar uma revoada tucana, sobretudo para Lula. Doria é guerreiro, mas os tucanos estão fazendo picadinho do PSDB – entre Lula, Bolsonaro, Sérgio Moro (Podemos), Simone Tebet (MDB) e até o voto nulo.

Cristian Klein: Bolsonaro, face inversa do PSDB

Valor Econômico

Tucanos minimizavam costumes; eleitores de presidente, a economia

A polarização entre Lula (PT) e Bolsonaro (PL) criou um cemitério de candidaturas das quais já nem nos lembramos mais: do apresentador de TV Luciano Huck, ao ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (União Brasil), passando pelo incrível caso de João Amoêdo (Novo), alijado da própria legenda que fundou. Em comum, aqueles que tiveram pouco poder de fogo para se manter na disputa padeceram, entre outros fatores, dos ataques vindos das hostes do bolsonarismo.

Em campanha desde o primeiro dia de mandato, Bolsonaro agarrou - com unhas e dentes; cargos e emendas; motociatas e ameaças de quartelada; ‘fake news’ e destruição de reputações - a oportunidade que lhe caiu no colo em 2018: a de ser o dono do campo político-ideológico que começa no centro democrático e vai à extrema-direita militarista, fascista e defensora de nazistas.

Luiz Carlos Azedo: Comandantes militares não vão para Moscou com Bolsonaro

Correio Braziliense

A cooperação militar do Brasil com a Rússia é historicamente limitada, por causa da aliança com os EUA e a Inglaterra. Um avanço nessa área, em meio à crise ucraniana, seria um naufrágio

O comandante da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, não viajou, ontem, com o presidente Jair Bolsonaro para Moscou, que vai à Rússia a convite do presidente Vladimir Putin. Era o único comandante das Forças Armadas que estava confirmado na comitiva, que inclui os generais do Palácio do Planalto: o ministro das Relações Exteriores, Carlos Alberto França, e o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, além do secretário de Assuntos estratégicos, almirante Flávio Rocha. Garnier testou positivo para covid-19. O protocolo russo para a visita exige testes ao longo da viagem de toda a comitiva. Bolsonaro se reunirá com Putin amanhã.

Entre os principais assuntos a serem tratados na viagem, a compra de fertilizantes russos por parte do Brasil é o mais importante. O presidente encontra Putin num momento de grande tensão internacional, na qual o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e o primeiro-ministro britânico, Boris Jonhson, afirmam que existe uma ameaça de invasão iminente da Ucrânia por tropas russas e prometem duras retaliações, se isso ocorrer.

Míriam Leitão: O BC descola do ciclo eleitoral

O Globo

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que o BC está “totalmente preparado” para todas as turbulências deste ano eleitoral. Pela avaliação dele, vários preços estão mostrando que “o mercado está menos receoso da passagem de um governo para o outro”, porque “provavelmente um governo que representava um risco de medidas mais extremas está se movendo para o centro”. Campos Neto disse que não estava fazendo análise de candidato, mas avaliando o que indicam os preços do mercado.

A pergunta que eu havia feito era sobre a eventualidade de o ex-presidente Lula, favorito em todas as pesquisas de intenção de voto, ganhar a eleição. Quis saber se esse cenário estava “precificado”, como eles dizem no mercado, ou se haveria turbulência. A resposta integral dele é bem importante.

Carlos Andreazza: Guedes injustiçado

O Globo

A novidade da semana passada foi, via ata do Copom, a declaração de independência do Banco Central; isso quase ano depois de formalizada pelo Parlamento — período em que o presidente do BC se sentiu à vontade para participar de encontros de Jair Bolsonaro e Paulo Guedes com empresários e banqueiros.

O Banco Central afinal deixando, em fevereiro de 2022, de se comportar como secretaria do Ministério da Economia; Roberto Campos Neto não mais assessor do ministro, não mais aquele que, convencido pelas palestras de Guedes, aplicaria os discursos motivacionais à política monetária.

Campos Neto abraçou a tese de que a pandemia entraria em 2021 desdentada, a recuperação econômica voando, o Brasil a poder prescindir do auxílio emergencial, o país que surpreenderia o mundo; daí por que pau na máquina da queda de juros, a inflação sendo produto circunstancial de cenário já superado — Guedes palestrara.

E Guedes é aquele que palestra, que erra e erra e que nunca tem culpa, seu erro sendo, no máximo, problema de comunicação — como culpa, segundo Guedes, jamais terá Bolsonaro. Lembro a recente entrevista do ministro ao Estadão, mui aborrecido porque os críticos teriam ignorado o impacto da peste sobre a agenda econômica; como se não tivesse sido ele a fazer projeções delirantes que ignoravam a carga da pandemia.

Felipe Salto*: Teto de gastos 2.0

O Estado de S. Paulo

O teto de gastos foi uma inovação importante no arcabouço das chamadas regras fiscais, normas para tutelar as contas públicas. A maior parte dos economistas, hoje, defende algum tipo de controle sobre o gasto, mesmo que seja diferente da versão de 2016, maculada para sempre por três emendas à Constituição em 2021. A ideia de um teto 2.0 pode ajudar neste debate.

Luc Eyraud, Xavier Debrun e coautores publicaram, em 2018, um estudo valioso sobre regras fiscais (Second-generation Fiscal Rules: Balancing Simplicity, Flexibility, and Enforceability). Em geral, eles mostram que essas normas estão correlacionadas com níveis de endividamento e déficits (receitas menos despesas) mais modestos.

Alvaro Costa e Silva: Faroeste eleitoral

Folha de S. Paulo

Bolsonaro, de novo, tenta alterar o Estatuto do Desarmamento

Se fosse um filme dos Três Patetas, a cena não teria graça, mas talvez conseguisse entreter a plateia já entorpecida por outras idiotices. Como ato público de um presidente da República que se orgulha de seu passado como capitão do Exército, só uma palavra define: ridículo.

No papel de Moe, com aquele cabelo em forma de cuia, Bolsonaro tenta disparar uma pistola e não consegue. É então ajudado por Larry, quer dizer, o vereador Carlos Bolsonaro, e depois por Curly, o instrutor do clube de tiro em Brasília. Inábil ou temeroso demais para apertar o gatilho, Moe demonstra irritação, mas antes de partir para a violência gratuita —tapas, socos, pontapés, nariz torcido, dedada no olho, habituais nos Três Patetas— o registro das imagens é cortado, frustrando a galera bolsonarista das redes sociais.

Cristina Serra: O agro e a agenda da morte

Folha de S. Paulo

O peso do setor no PIB não pode ser uma licença para matar

Li uma vez, duas, três, até me convencer que era real o que estava escrito: Jonatas, de nove anos, filho de um líder de trabalhadores rurais, foi assassinado a tiros, em Barreiros, Pernambuco, por pistoleiros que invadiram a casa da família. Aterrorizado, o menino estava escondido embaixo da cama, de onde foi arrancado para ser executado na frente dos pais.

Até o momento em que escrevo, não vi nenhuma manifestação de indignação por parte do governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB). Oferta de proteção à família do pai da criança, Geovane da Silva Santos? Nada. O crime aconteceu há quatro dias.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

É preciso encorajar esforço diplomático para evitar guerra

O Globo

A visita de Jair Bolsonaro à Rússia será precedida por outra bem mais importante para Vladimir Putin e para o mundo. Putin recebe hoje em Moscou o chanceler alemão, Olaf Scholz, cujo objetivo é desarmar a ameaça de invasão da Ucrânia, desencadeada pela mobilização de quase 130 mil soldados russos, a maior na Europa desde a Segunda Guerra. Scholz e o francês Emmanuel Macron têm conduzido o esforço mais promissor para evitar um novo conflito em solo europeu. É preciso encorajar essa iniciativa, promovida pelos dois países que costuraram o cessar-fogo em vigor desde a invasão russa de 2014, no grupo batizado de Formato Normandia (França, Alemanha, Rússia e Ucrânia).

É difícil decifrar os objetivos reais de Putin com sua nova aventura militar. Da última vez, ele fez um ataque de surpresa, com tropas disfarçadas, para ocupar regiões ucranianas de maioria russa. Desta vez, seus movimentos são acompanhados em tempo real em imagens de satélite, enquanto os Estados Unidos têm soado sucessivos alarmes para o risco, desmentidos também em tempo real pelo governo russo.

Poesia | Joaquim Cardozo: Recordações de Tramataia

Eu vi nascer as luas fictícias
Que fazem surgir no espaço a curva das marés.
Garças brancas voavam sobre os altos mangues de
Tramataia.
Bandos de Jandaias passavam sobre os coqueiros doidos
de Tramataia.
E havia um desejo de gente na casa de farinha e nos
mucambos vazios de Tramataia
Todavia! Todavia!
Eu gostava de olhar as nuvens grandes, brancas e sólidas.
Eu tinha o encanto esportivo de nadar e de dormir.
Se eu morresse agora,
Se eu morresse precisamente.
Neste momento,
Duas boas lembranças levaria:
A visão do mar do alto da Misericórdia de Olinda ao
nascer do verão.
E a saudade de Josefa.
A pequena namorada do meu amigo de Tramataia.