quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

Paulo Fábio Dantas Neto*: Bahia e Brasil: luzes alternativas no fim do túnel

Ganham intensidade e densidade os movimentos do pré-candidato Lula da Silva em direção à ocupação do centro político. São passadas largas, porém, calibradas para construir um caminho que, de um lado, confirme e consolide, pela política, a posição de liderança que as pesquisas de intenção de voto há meses lhe conferem, sendo a vitória no primeiro turno uma hipótese alimentada, ainda que não posta como condição ou prioridade. De outro lado, Lula começa a sinalizar a busca de construção antecipada de uma governabilidade, para o caso de vitória. Ele não é o único ator a fazer movimentos agregadores, mas é o principal e, até aqui, o que tem mais chance de ser bem sucedido, porque tem procurado usar sua dianteira nas pesquisas como capital político para perseguir esses seus dois objetivos de modo complementar, sem contradição ou mesmo paralelismo entre eles. Se conseguir controlar os radicais da sua turma (ainda que os use também para endurecer negociações) o sucesso é provável.

Um dos terrenos em que o ex-presidente tem se mostrado em plena forma é o dos entendimentos para articular, à sua estratégia na eleição presidencial, soluções negociadas para as competições estaduais. Tem buscado, com aparente êxito inicial, levar para discutir, nesse terreno dos arranjos estaduais, até mesmo quem, a princípio, está fixado, prioritariamente, em conquistar espaço próprio na disputa nacional, como é o caso de Gilberto Kassab e seu PSD.  Há poucos dias, movendo pedras num tabuleiro em que se joga o jogo presidencial associado às disputas estaduais no Rio de Janeiro e em São Paulo, Lula atraiu o PSD e deu um tranco no PSB, que tem colocado óbices à concretização de uma federação partidária de esquerda nos termos em que o PT a deseja e propõe. Fixando-se no nome de Fernando Haddad (PT) em São Paulo, depois do PT ter acenado com apoio a Marcelo Freixo (PSB) no Rio, Lula provocou um bate-cabeça no PSB, entre a intenção de Marcio França de ensaiar uma resistência paulista (inclusive acenando a Ciro Gomes) e a de Freixo de mostrar-se carioca da gema e, para garantir o apoio do PT, não se dispor a participar dela. Ao agirem pensando mais nos seus quadros estaduais, ambos os socialistas deram passos em falso e, hoje, estão mais perto de terem suas pretensões a cabeças das respectivas chapas deslocadas para o Senado (França) ou até para a Câmara (Freixo). O gesto complementar de Lula para tirar espaço do PSB e pressioná-lo a um acordo foi mostrar simpatia, junto a Kassab e ao prefeito Eduardo Paes, pela inclusão do PSD nas tratativas em curso nos dois estados. No caso do Rio, o argumento é que um candidato de Paes ampliará mais que Freixo a frente contra a reeleição do governador, apoiada por Bolsonaro.  No de São Paulo, a pressão sobre o PSB inclui propor a Kassab abrigar no PSD seu virtual vice, Geraldo Alkmin.

Malu Gaspar: A Polícia Federal entra na campanha eleitoral

O Globo

Se havia dúvidas sobre a instrumentalização da Polícia Federal em favor dos interesses políticos de Jair Bolsonaro, uma nota publicada pela corporação em seu site na última terça-feira ajudou a eliminá-la.

“Moro mente”, dizia o texto, em resposta a uma declaração do ex-juiz da Lava-Jato dada no dia anterior. Numa entrevista, Moro disse que “hoje não tem ninguém no Brasil sendo investigado e preso por grande corrupção” e afirmou que a PF não tem mais autonomia sob Bolsonaro. Segundo a nota oficial, Moro mente porque, nos últimos três anos, a corporação realizou 1.728 operações contra a corrupção, e o maior número de ações ocorreu em 2020.

A última afirmação não necessariamente contradiz a anterior, mas isso não vem ao caso. O que importa é que Moro é um político em campanha, e a Polícia Federal é uma instituição de Estado. Foi por isso que a nota e seu tom agressivo chamaram a atenção.

Merval Pereira: Trapalhada internacional

O Globo

A insinuação de Bolsonaro de que a anunciada, mas não comprovada pelo Ocidente, retirada de parte das tropas russas da fronteira com a Ucrânia teria sido consequência do encontro entre ele e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, dá bem a dimensão das “limitações cognitivas” que o ministro do STF Luís Roberto Barroso vê no presidente.

Já havia caído no ridículo a versão do ex-ministro Ricardo Salles nesse sentido, publicada nas redes sociais, até que ele mesmo, humilhado pelas gozações impiedosas, veio a público dizer que se tratava de uma brincadeira. Também uma indicação de Bolsonaro ao Prêmio Nobel da Paz pela suposta interferência exitosa na crise tomou conta das redes sociais bolsonaristas, querendo criar um clima épico em torno da viagem extemporânea a Moscou.

Pois não é que o próprio presidente, mesmo sabedor do ridículo em que caíram seus adeptos, fez questão de sugerir publicamente que sua chegada, “coincidência ou não”, resultou numa amenização do ambiente? Bolsonaro já havia dito anteriormente, num improviso que deve ter arrepiado os cabelos dos diplomatas brasileiros não engajados em sua campanha, que o Brasil era “solidário” à Rússia.

Gafe numa hora dessas? Bolsonaro não sabe usar as palavras, e é possível que nem soubesse o que estava falando quando afirmou que o Brasil é solidário à Rússia. Ele provavelmente estava se referindo à economia e ao comércio, mas se solidarizar com a Rússia numa visita oficial é um erro absurdo neste momento de crise.

William Waack: O mundo de sempre

O Estado de S. Paulo

A crise na Ucrânia abrange questões fundamentais para o futuro das relações internacionais

O que Vladimir Putin está fazendo com a Ucrânia equivale a um choque elétrico em quem pensa e acompanha relações internacionais. Cobri para o Estadão a queda do Muro de Berlim, em 1989, e confesso que também fui contagiado pelo sentimento geral de que ali nascia um “mundo melhor”.

Era entendido como um mundo no qual não mais se tolerariam mudanças de fronteiras pelo emprego da força bruta, e no qual os Estados teriam soberania para fazer escolhas. A esse “mundo melhor” o fotógrafo Hélio Campos Mello e eu assistimos na linha de frente quando ampla coligação internacional, apoiada inclusive por Moscou e comandada pelos americanos, expulsou em 1991 do Kuwait o exército invasor do ditador iraquiano Saddam Hussein.

Luiz Carlos Azedo: Bolsonaro volta à carga contra as urnas eletrônicas

Correio Braziliense

Mais uma vez, Bolsonaro tenta utilizar as Forças Armadas para desacreditar o processo eleitoral, o que faz parte de uma estratégia ensaiada em outros momentos, como o 7 de setembro passado

O presidente Jair Bolsonaro voltou a levantar suspeitas sobre a segurança das urnas eletrônicas e disse que até mesmo o novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Edson Fachin, não acredita no sistema eleitoral brasileiro. Em reposta, ontem, o TSE divulgou as informações prestadas às Forças Armadas sobre o processo eletrônico de votação.

Na terça-feira, Fachin, que assumirá a presidência da Corte na próxima semana, afirmara que a “Justiça eleitoral já pode estar sob ataque de hackers”. Segundo o magistrado, que escolheu o slogan “paz e segurança nas eleições” para o pleito deste ano, os ciberataques aumentaram nos últimos meses.

As ameaças partem não apenas de atividades criminosas, mas de países como Rússia e Macedônia. Segundo Fachin, relatórios internacionais indicam que 58% dos ataques têm como origem a Rússia. Coincidentemente, desde a semana passada, a polêmica sobre a segurança das urnas voltou às redes sociais. Segundo Bolsonaro, o Ministério da Defesa havia apontado falhas no sistema operacional. Na verdade, o que houve foi um pedido de informações sobre o funcionamento do sistema e seu sistema de segurança, devidamente respondido pelo TSE. Ataques de hackers são constantes nas eleições, mas, até hoje, não tiveram sucesso.

Míriam Leitão: Erro de subsidiar os combustíveis

O Globo

Há vários equívocos nas propostas que tramitam no Congresso para tentar reduzir o preço dos combustíveis. Uma das ideias é mudar a fórmula de cálculo do ICMS para ser um valor fixo e não um percentual. Em geral, os impostos são percentuais sobre alguma coisa: lucro, renda, valor adicionado. O PIS/Cofins sobre combustíveis é dos poucos que é valor fixo. Os estados tiveram aumento de arrecadação, mas não foram “culpados” pela alta dos preços, aliás, o governo federal também aumentou sua arrecadação em todos os tributos no ano passado.

O principal erro das propostas é achar que o país deve subsidiar combustíveis fósseis. Isso incentiva o uso de um grande emissor de gases de efeito estufa. Sendo um subsídio linear é ainda pior. Com o diesel mais barato, estamos dando dinheiro para o caminhoneiro autônomo. Mas também para a empresa que tenha frota de transporte, para a lancha, para o iate e os SUVs. A gasolina mais barata ajuda a família que tem apenas um carro e cujo orçamento está apertado com a escalada dos preços. Mas o benefício irá também para os ricos com a garagem cheia de carros de luxo.

Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli Cardoso: Populismo, subsídios e atraso

Valor Econômico

Políticas distorcivas e expansionistas não levam em conta suas implicações futuras por puro cálculo eleitoral e projeto de poder

Se há algo que une a esquerda e a direita latino-americanas é a vocação para o populismo, que se concretiza na farta distribuição de benesses a aliados políticos e eleitores. São medidas que geram ganhos no curto prazo, mas irremediavelmente levam a perdas para toda a sociedade no médio e longo prazos. Neste momento, Argentina, com um governo peronista de esquerda, e Brasil, com um governo de direita, dão exemplos de até onde a irresponsabilidade pode ir para um governante se manter no poder.

A Argentina negocia a renovação de seu acordo com o FMI. Sem reservas cambiais para pagar parcelas vincendas de empréstimos anteriores junto ao Fundo, não há outra alternativa na mesa - certamente não de atores privados - capaz de impedir o calote e o caos financeiro. O país já vive uma situação econômica delicadíssima, com inflação acima de 50% ao ano, déficit fiscal endêmico e expansão constante dos gastos públicos. Além de uma enorme gama de subsídios há também distorções de todo tipo, como controles de preços e de capitais, proibição de exportações, e um mercado de dólar paralelo onde a cotação, muitas vezes, supera 100% da oficial.

Maria Cristina Fernandes: Transição precipitada

Valor Econômico

Favoritismo de Lula provoca ativismo dos pivôs da política nacional em busca da manutenção dos seus nacos de poder

A mais de sete meses das eleições, há um surto de proatividade no ar de Brasília como se a transição já tivesse começado. É um movimento que parece obedecer mais aos interesses de seus protagonistas do que aos daquele que ainda tem urnas a computar para confirmar seu favoritismo.

A movimentação parte do pressuposto de que não se viabilizará uma alternativa à polarização. O diagnóstico é baseado numa cristalização de voto, inédita em campanhas eleitorais, dos dois principais polos. “Entre Deus e o diabo nunca houve terceira via”, resumiu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, naturalmente identificando-se ao primeiro dos personagens.

Além da legião de infiéis que pode ficar no meio do caminho até 2 de outubro, a síntese de Lula tem levado a uma corrida desarvorada pela concretização de propostas que podem abrir portas para o país, adornar o currículo dos proponentes ou nenhuma das alternativas anteriores.

Cidadania decidirá no sábado sigla para federação

PSDB, Podemos e PDT são as opções disponíveis

Por João Valadares / Valor Econômico

BRASÍLIA - Depois de uma longa reunião virtual na noite de terça-feira, com bate-boca intenso, reclamação de censura e acusações de “entrega” do partido ao PSDB, o diretório nacional do Cidadania aprovou a formação de uma federação. No entanto, a escolha da legenda para formalizar a união ficou para sábado. Há três opções: PSDB, Podemos e PDT.

A autorização para formar a união com base no novo mecanismo recebeu 66 votos a favor e 44 contrários. No início do encontro, a maioria dos integrantes derrubou o encaminhamento que havia sido proposto pelo presidente da legenda, Roberto Freire, e decidiu que a escolha do partido seria votada ainda na reunião.

O dirigente do Cidadania desejava que a opção fosse feita apenas em março. Ele argumentou que o prazo para formalização da federação foi ampliado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Vinicius Torres Freire: Petrópolis e a grande reforma social dos sem chão

Folha de S. Paulo

Mais do que tirar gente de área de risco, é preciso fazer uma grande e dura reforma urbana

A música "Barracão" faz 70 anos neste 2022. Talvez apenas os mais velhos se lembrem: cantava o "barracão pendurado no morro, pedindo socorro à cidade a teus pés", "barracão de zinco, pobretão, infeliz". Foi composta por um oficial do Exército e pracinha, Luiz Antônio, com Oldemar Magalhães.

O barracão não é mais de zinco. Nas favelas mais novas de São Paulo, é de madeira. Em geral é de alvenaria sem reboco, periclitante sobre fundação ruim ou nenhuma, muita vez à beira de um talude instável, de um córrego imundo ou de uma represa de água em tese potável. Mas há bairros "regularizados" de casas melhorzinhas à beira do precipício.

Há barraquinhas também. Muitos deserdados da vida decente moram agora em tendas de camping, vários nas ruas próximas à avenida Paulista, que é um limite de um conjunto de bairros muito ricos chamado de "Jardins". É o cortiço na calçada.

Maria Hermínia Tavares: Do nada para coisa alguma

Folha de S. Paulo

Ele deu de ir a Moscou sem plano nem propósito, numa hora crispada no Leste Europeu

Diferentes chefes de governo têm se envolvido com menos ou mais apetite na política externa de suas nações. Embora a responsabilidade final sempre caiba ao primeiro mandatário, a formulação de objetivos, bem como a sua efetivação, depende do capital político do chanceler de turno e da elite do corpo diplomático profissional.

Fala-se em diplomacia presidencial quando é marcante o papel do titular do Executivo na condução dos assuntos estrangeiros, respaldando a imagem nacional que se queira projetar, assim como as prioridades do país em suas relações com o mundo. Basta lembrar a força simbólica da ida do pragmático Richard Nixon à China, em 1971, inaugurando o degelo das relações dos Estados Unidos com o império do revolucionário Mao Tse-tung e mudando o mundo.

Na nossa história recente, Fernando Henrique e Lula desempenharam com maestria o papel de presidentes diplomatas, personificando —cada qual a seu modo— o Brasil democrático em busca de mais protagonismo internacional.

Bruno Boghossian: Uma viagem ao baixo clero

Folha de S. Paulo

Presidente exagera na propaganda e quase desaparece na agenda concreta

Após encontrar Vladimir Putin, o presidente Jair Bolsonaro descreveu Brasil e Rússia como "duas grandes potências". O capitão tentou transmitir a imagem de que aquela era uma conversa entre iguais, mas não convenceu muita gente. Na passagem da comitiva brasileira por Moscou, quem apareceu foi o político de baixo clero dos velhos tempos.

O Bolsonaro que visitou Putin exibiu sua própria falta de expressão. Ninguém se incomodou muito quando o presidente disse que os brasileiros eram "solidários à Rússia" –o que poderia indicar que o país apoiava o Kremlin nas tensões com a Ucrânia. Na mesa dos adultos da diplomacia, ele praticamente desapareceu.

O presidente preferiu investir na retórica e na propaganda, suas ferramentas políticas favoritas desde os tempos de deputado. Tentou pegar carona na piada que o associava ao recuo das tropas russas na fronteira e, para conseguir uma foto ao lado de Putin, se curvou silenciosamente às regras que costuma contestar com valentia no Brasil, como o confinamento e o uso de máscara.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Congresso é melhor freio a intenções de Lula sobre a ‘mídia’

O Globo

Mestre da ambivalência, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, favorito a vencer a eleição de outubro segundo todas as pesquisas, tem conduzido sua pré-campanha transmitindo mensagens a todos os públicos. Precisa agradar ao fiel eleitorado petista que sustenta as fantasias do partido sobre a Operação Lava-Jato e sua prisão. Mas também precisa de um eleitor que jamais votaria em Lula, não fosse o desejo de se livrar de Jair Bolsonaro.

Tal ambivalência fica evidente na pauta econômica — até agora ninguém sabe como seria seu governo nessa questão crítica. Ou no convite ao ex-tucano Geraldo Alckmin, rival histórico dos petistas, para a vaga de vice na chapa de Lula. Começa também a se tornar clara noutros temas, sobre os quais as declarações de Lula têm flutuado ao sabor dos ventos. É o caso de um dos fetiches do PT, a proverbial “regulação da mídia”, tema que ele sempre tratou com uma ambiguidade conveniente.

Ninguém sabe dizer com precisão o que Lula quer dizer com essa expressão, embora o histórico das manifestações petistas a respeito não seja muito abonador. Alas do PT já quiseram implantar um “conselhão” para controlar a imprensa, e houve, no governo Dilma, um projeto que disfarçava essa tentativa sob a forma de uma “regulação econômica”. De modo ambíguo, Lula tem misturado uma questão pacificada há décadas na sociedade brasileira — a regulação da imprensa e da radiodifusão — a outra absolutamente urgente: disciplinar as redes sociais e a internet.

Poesia | Carlos Drummond de Andrade: Poema de sete faces

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus,
pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.