sábado, 28 de maio de 2022

Marco Aurélio Nogueira*: Tragédia e limites do iliberalismo

O Estado de S. Paulo

Cidadãos que valorizam a democracia precisam não só combater as estripulias autoritárias dos iliberais, mas atuar para defender o sistema democrático.

De uns anos para cá, o “iliberalismo” tem ocupado um lugar de destaque nas explicações do mundo em que vivemos.

Boa parte dessa atenção decorre da multiplicação de governos que giram em torno de autocratas populistas – mais violentos e autoritários ou menos –, que menosprezam regras, hábitos e procedimentos dos sistemas democráticos. São governantes que chegaram ao poder valendo-se das instituições democráticas (eleições, liberdade de expressão e associação, separação dos poderes) e que governam minando aquilo de que se beneficiaram. Organizam sistemas antidemocráticos paralelos a partir dos quais atacam os sistemas instituídos, abalam o que está estabelecido, reprimem adversários e mobilizam seguidores, sempre que possível fanatizando-os.

Tais governos governam muito pouco, ou até mesmo não governam, deixando as coisas do Estado em modo inercial. O objetivo é converter o governo numa instância de mando e poder pessoal. Atos de governo não seguem planos técnicos e são quase sempre apresentados como derivados da generosidade e da largueza de visão do chefe, cuja vontade – em muitos casos marcada pela impulsividade e pelo improviso – é tratada como se contivesse um mapa seguro para a “verdade”. A sustentação é obtida por métodos conhecidos: negociações espúrias, produção incessante de desinformação, criação de inimigos imaginários (o comunismo, o globalismo, o marxismo cultural), manipulação das redes sociais, fomento aos discursos de ódio e intimidação, ameaças. Fatos, dados e evidências são ignorados ou mencionados com sinal invertido. A intenção é turvar a compreensão da realidade, gerar medo e confusão.

Pablo Ortellado: Militares querem bolsonarismo até 2035

O Globo

Três institutos com forte presença militar lançaram na última semana o documento “Projeto de nação, o Brasil em 2035”, um plano de militares alinhados ao governo Bolsonaro para governar o Brasil por mais três mandatos presidenciais. O projeto foi coordenado pelo general Rocha Paiva, ex-presidente do grupo Terrorismo Nunca Mais, e contou com a revisão do general Mendes Cardoso, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional no governo FH, do general Santa Rosa, ex-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos de Jair Bolsonaro, do embaixador aposentado Marcos Henrique Camillo Cortes e do professor Timothy Mulholland, ex-reitor da UnB. A cerimônia de lançamento oficial contou ainda com a presença do vice-presidente, o general Hamilton Mourão.

O projeto é uma espécie de plano de ação para os próximos mandatos presidenciais —esperando um governo Bolsonaro 2, seguido de outros dois de um sucessor, como fez Lula. O documento é um vislumbre da visão de mundo dos militares bolsonaristas.

Carlos Alberto Sardenberg: Caindo no ridículo

O Globo

Inflação alta é culpa do governo. Vale aqui e no mundo todo. Mesmo quando preços sobem independentemente da ação (ou inação) do governo, a culpa continua sendo dele. Alguns governantes reclamam. Tentam justificar: a gasolina subiu por causa da Rússia; trigo em alta, também consequência da guerra. A resposta da população ao governante seria mais ou menos assim: E daí? Vire-se.

Nesta semana, foi anunciado um reajuste de 15,5% nos planos de saúde individuais, afetando o orçamento de 8 milhões de pessoas. Na planilha, o reajuste até faz sentido. O valor da mensalidade havia caído mais de 8% em 2021, de modo que, considerando os dois anos, o último reajuste fica em torno de 3%, abaixo da inflação. Além disso, a inflação médica continua acelerada e acima da média dos demais preços. Ok, mas o segurado receberá o boleto com alta de 15,5% em relação ao mês anterior — isso em cima de altas fortes dos combustíveis e dos alimentos, para ficar em itens essenciais. E o governo não vai fazer nada?

Eduardo Affonso: Brasil é a capital das falácias para enganar os trouxas

O Globo

Diz-se que saudade é a palavra mais bonita da língua portuguesa. Minha preferida, pela sonoridade e pela serventia, é falácia.

Luis Fernando Verissimo também se encantou por ela, imaginando-a como “um animal multiforme que nunca está onde parece estar”. Num texto clássico do autor, um criador de falácias chora ao vê-las em quantidade:

— Se elas parecem estar no meu campo, é porque estão em outro lugar.

Esse outro lugar é o Brasil. Aqui, falácias abarrotam redes sociais, entrevistas, análises, debates. Uma amostra:

— É um crime contra a criança ensinar em casa (homeschooling). Mas matar a criança dentro do útero é bacana (Fernando Ulrich, economista).

Dois espantalhos: ensino doméstico não é crime; não se tem notícia de quem ache bacana matar criança, dentro ou fora do útero. E as afirmações não têm nenhuma relação entre si.

João Gabriel de Lima: O recado da arte para a política

O Estado de S. Paulo

A imprensa europeia observa que os escritores brasileiros tratam cada vez mais de questões raciais

O romance Marrom e Amarelo, do escritor brasileiro Paulo Scott, teve excelente repercussão na Europa. Lançado neste ano em inglês com o título Phenotypes, foi indicado a prêmios internacionais e coberto de elogios. “Trata-se de um enredo tecido com arte sobre raça, privilégio e culpa”, escreveu a crítica Lucy Popescu, do jornal britânico The Guardian.

A imprensa europeia observou que os escritores brasileiros tratam cada vez mais de questões raciais – e, com isso, se destacam. Foi possível constatar a tendência na Fliaraxá, uma das feiras literárias mais tradicionais do País. O evento, cujo tema deste ano foi “Abolição, Independência e Literatura”, contou com mais de 60% de escritores negros.

Entre eles estava a filósofa Djamila Ribeiro, que acaba de ocupar uma cadeira na Academia Paulista de Letras. O homenageado da Fliaraxá foi Itamar Vieira Júnior, autor de outro livro que, a exemplo de Marrom e Amarelo, vem fazendo carreira internacional brilhante. Torto Arado narra a saga de uma família de descendentes de escravos. Os dois romances, o de Scott e o de Vieira Júnior, tocam na ferida aberta do racismo brasileiro.

Vera Rosa: Campanha de Bolsonaro terá mais Michelle, pão de queijo e denúncias de ‘conspiração’

O Estado de S. Paulo

Divergências com Centrão se acentuam e aliados do núcleo ideológico avaliam que é preciso focar mais em pauta de costumes

Em público, está tudo sob controle: aliados do presidente Jair Bolsonaro ainda minimizam a pesquisa do Datafolha, que causou rebuliço no mundo político ao mostrar nesta quinta-feira, 26, que, se a eleição fosse hoje, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) venceria no primeiro turno. Nos bastidores, porém, o comitê bolsonarista planeja mudanças na estratégia da campanha. E não é de hoje. Levantamentos em poder do Palácio do Planalto também indicam que Bolsonaro tem perdido votos nas classes mais pobres e entre as mulheres, além de enfrentar dificuldades no Nordeste e em Minas Gerais, segundo maior colégio eleitoral do País.

O problema é que há divergências na equipe e no Centrão sobre os rumos a seguir. O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), coordenador da campanha, e o núcleo militar do governo avaliam que o presidente deve não apenas insistir como reforçar o discurso sobre a existência de uma “conspiração” em curso para eleger Lula, incentivada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Na outra ponta, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, e o presidente da Câmara, Arthur Lira – ambos do Progressistas – são contra os ataques ao TSE e ao Supremo Tribunal Federal (STF). Não sem motivo: temem as consequências da crise entre os Poderes e represálias do Judiciário.

Hélio Schwartsman: O voto útil

Folha de S. Paulo

Eleitor precisa ter a sensação de que tem agência nos processos decisórios

Humanos somos bons em identificar nossos interesses particulares e revesti-los de um discurso universalista. O voto útil evidencia isso muito bem. O PT e seus aliados agora defendem que, em nome da democracia, eleitores antibolsonaristas que flertam com candidatos da terceira via antecipem o voto em Lula. Nem sempre foi assim.

Quem consultar a coleção do jornal encontrará petistas esbravejando contra o voto útil nos anos 80 e 90, nas vezes em que o instituto foi evocado contra candidaturas do partido. Há um eloquente artigo de José Dirceu de 1998 cujo subtítulo diz: "Nada mais sem sentido do que a tese de que os partidos de esquerda devem apoiar Covas para derrotar Maluf".

Incongruências da natureza humana à parte, faz sentido recorrer ao voto útil agora? Não acredito na viabilidade da chamada terceira via (Ciro ou Tebet) e adoraria ver Bolsonaro receber uma votação humilhante, mas não creio que meu júbilo pessoal seja um critério de universalidade. Em termos abstratos, eu diria que considerações estratégicas na hora do voto eram uma obrigação moral do eleitor até a introdução do segundo turno, na Constituição de 1988.

Demétrio Magnoli: Poluição verde

Folha de S. Paulo

Veto alemão à mais limpa das fontes tradicionais prende a UE numa camisa de força

"A mais recente estratégia da Comissão Europeia entrega com uma mão o que tira com a outra", reclamou Eilidh Robb, da organização ambientalista Friends of the Earth, criticando os planos de construção ou expansão de mais de meia centena de usinas baseadas em combustíveis fósseis. O erro clamoroso da nova estratégia de transição energética da União Europeia (UE) encontra-se na ausência de qualquer referência à fonte nuclear. A responsabilidade é dos ambientalistas.

Antes da invasão russa da Ucrânia, o chamado Green Deal europeu previa uma longa evolução para energias renováveis amparada no uso transitório de gás natural russo. Todo o conceito repousava sobre políticas definidas pela Alemanha.

De 713 Mt (milhões de toneladas) de CO2 em 2011, a Alemanha passou a emitir 625 Mt em 2019, às custas de multibilionários investimentos em fontes renováveis. Já a França reduziu suas emissões de 321 Mt para 287 Mt. A diminuição foi praticamente a mesma, em termos relativos, nos dois países –mas a França emite 4,25 Mt por milhão de habitantes, contra 7,50 Mt da Alemanha. A diferença abismal deve-se ao papel da energia nuclear: na França, a fonte supre 42% do consumo energético, enquanto na Alemanha supre apenas 6%.

Cristina Serra: O Brasil na câmara de gás

Folha de S. Paulo

Os agentes da PRF não fizeram uma abordagem policial; cometeram um crime

Na cidadezinha do Nordeste, Genivaldo de Jesus Santos é assassinado no porta-malas da viatura transformada em câmara de gás. Um dos assassinos lança o veneno sobre Genivaldo como quem aplica inseticida para eliminar uma barata.

Genivaldo grita e se debate em desespero. Suas pernas pedem socorro. Genivaldo pede socorro. Mas não será ouvido. Vai desmaiar e morrer nos próximos minutos o cidadão de Umbaúba, Sergipe. Brasil. Os agentes da Polícia Rodoviária Federal não fizeram uma "abordagem policial". Cometeram um crime, sem dar chance de defesa à vítima. Homicídio qualificado, segundo o Código Penal.

Também está errado referir-se à chacina na Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, como "operação de inteligência". Não podemos repetir essa ignomínia e, muito menos, aceitá-la, sob pena de nos tornarmos cúmplices. Nossa indignação tem que dar às coisas os nomes que elas têm: carnificina, mortandade, matança, morticínio, assassinato em massa. Quais os crimes atribuídos aos mortos? Sua culpa, sua máxima culpa, foi terem nascido pretos e pobres.

Alvaro Costa e Silva: Campanha eleitoral com pena de morte

Folha de Paulo

No Rio, governador transforma chacina em palanque; em Sergipe, retrato do país asfixiado

Oficialmente a campanha eleitoral começa em agosto. Mas ela está em todo lugar, com variadas e inusitadas ações. Há estampas de Lula e Bolsonaro nas bancas de comércio popular que se espalham nas avenidas Paulista e Nossa Senhora de Copacabana. Em algumas regiões do país, sobretudo aquelas beneficiadas com verbas do orçamento secreto, o clima é de véspera de votação: carreatas e showmícios.

eleição —garantem de marqueteiros a cientistas políticos— será a mais movimentada desde a redemocratização nos anos 80. Como era de conhecimento geral —até do TSE—, informações falsas grassam nas redes. Estagnado no segundo lugar das pesquisas, Bolsonaro domina a audiência do TikTok. São vídeos curtos, um minuto no máximo, com memes e paródias. O presidente interpreta o tiozão do pavê. Já circula na plataforma a notícia de que ele mandou congelar, na marra, o preço da gasolina e dos alimentos.

Marcus Pestana*: Imposto inflacionário: desorganização e injustiça

O IBGE publicou o Índice Nacional ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15) de maio, que antecipa a inflação do mês completo, e apontou uma elevação de preços anual de 12,20%, em curva ascendente.

A pesquisa de opinião Genial/Quaest apontou que que 50% dos brasileiros entendem que o maior problema do Brasil é a economia, onde predomina a preocupação com a inflação e o desemprego. A saúde foi apontada por 13%, seguida das questões sociais (11%) e corrupção (9%).

O mundo político, pressionado pelas angústias e temores da população, procura se movimentar. Foi feita a quarta mudança na presidência da PETROBRAS neste governo, o que demonstra extrema dificuldade de estabelecer uma política consistente e estável para a política de preços dos combustíveis. As ações da empresa caíram e as expectativas se deterioraram um pouco mais.

Já a Câmara dos Deputados aprovou Projeto de Lei que coloca um teto de 17% nas alíquotas do ICMS, principal fonte de financiamento dos estados, para energia e combustíveis.

É evidente que o Brasil tributa alto bens essenciais com repercussões em todas as cadeias produtivas e na vida da população, como energia, telecomunicações e combustíveis. Mas retirar repentinamente 100 bilhões de reais por ano de receitas de estados e municípios, que vivem uma situação superavitária provisória, graças à própria inflação e às transferências federais feitas durante a pandemia, é no mínimo temerário e fere o Pacto Federativo. A solução teria que se dar através da imprescindível reforma tributária que alterasse o modelo de tributação e a repartição das receitas.

Marco Antonio Villa: O Brasil precisa voltar a crescer

Revista IstoÉ

Antes, o pai sabia que seu filho teria uma vida melhor que a sua. O progresso não era só uma fala ideológica, era uma realidade concreta

A eleição de Jair Bolsonaro em 2018 foi o ápice de um processo histórico que pode ser explicado por diversas razões que nasceram no século XX. As últimas quatro décadas foram marcadas pela perda do dinamismo econômico que caracterizou os anos 1930-1980, quando o Brasil foi o País que mais cresceu no mundo ocidental. Não custa recordar que em 1980 o Brasil tinha, no hemisfério sul, o maior parque industrial.

O processo de industrialização intensificado a partir da Revolução de 1930 construiu um Brasil moderno, em revolução permanente, com deslocamentos populacionais que não só mudaram a distribuição demográfica, mas – e principalmente – moldou uma dinâmica sociedade com o crescimento das cidades – algumas rapidamente chegando ao status de metrópoles – e enfrentando os grandes problemas nacionais. No otimismo dos anos 1930-1980 o pai sabia que seu filho teria uma vida melhor que a sua, assim como ele vivia em melhores condições que seu pai. O progresso não era só uma fala ideológica, era uma realidade concreta.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

É cedo para dizer que não haverá segundo turno

O Globo

A pesquisa Datafolha divulgada nesta semana confirmou a liderança de Luiz Inácio Lula da Silva, pré-candidato do PT à Presidência, com 48% das intenções de voto, seguido pelo presidente Jair Bolsonaro, do PL (27%). O resultado deu a Lula 54% dos votos válidos e levou os mais apressados a especular se a eleição estaria definida já no primeiro turno, no dia 2 de outubro.

É, claro, um cenário possível. Mas longe de ser provável, muito menos certo. Faltando mais de quatro meses para o pleito, ainda antes do início oficial da campanha, é impossível fazer qualquer aposta com base numa única pesquisa. Pesquisa não é previsão. Representa apenas um retrato do momento em que ela é feita. Os dados e fatos disponíveis até aqui sugerem justamente o contrário: o cenário mais provável é haver segundo turno em 30 de outubro para definir o vencedor. E é melhor que seja assim.

Quando a disputa se afunila nos dois finalistas, os candidatos são forçados a expor mais suas ideias, e os eleitores têm chance de avaliá-las melhor. É na reta final da campanha que costumam ser seladas alianças que darão base à formação dos futuros governos. Elas tornam as plataformas dos candidatos mais representativas da maioria da população. Ainda que o voto no segundo turno possa ser sustentado pelo sentimento de barrar a vitória deste ou daquele candidato, ele traz inerentemente mais legitimidade aos planos que o vencedor apresenta ao país.