terça-feira, 31 de maio de 2022

Opinião do dia - Karl Marx*: Poder das ideais (2)

“Ao adquirir a ideia da igualdade humana a consistência de uma crença popular e que se pode decifrar o segredo da expressão do valor, a igualdade e a equivalência de todos os trabalhos, porque são e enquanto são trabalho humano em geral”.

*K. Marx, O Capital. Crítica da economia política, Livro 1, vol. 1, p. 81-82, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira,1998.

Merval Pereira: Machadiano

O Globo

À falta de coisa melhor na política, num momento em que a radicalização leva a situações surreais no país, dedico este espaço a um encontro acontecido no leito de morte de Machado de Assis em sua casa no Cosme Velho, que não existe mais pela incúria de nossa política cultural. Um encontro entre um jovem estudante, que se tornaria importante figura da política nacional, e o maior escritor brasileiro.

Foi assim que Euclides da Cunha descreveu o encontro, no Jornal do Commercio de 30 de setembro de 1908:

“Neste momento, precisamente ao anunciar-se esse juízo desalentado, ouviram-se umas tímidas pancadas na porta principal da entrada. Abriram-na. Apareceu um desconhecido: um adolescente, de 16 ou 18 anos, no máximo.

Perguntaram-lhe o nome. Declarou ser desnecessário dizê-lo: ninguém ali o conhecia; não conhecia por sua vez ninguém; não conhecia o próprio dono da casa, a não ser pela leitura de seus livros, que o encantavam. Por isso, ao ler nos jornais da tarde que o escritor se achava em estado gravíssimo, tivera o pensamento de visitá-lo. Relutara contra essa ideia, não tendo quem o apresentasse: mas não lograva vencê-la. Que o desculpassem, portanto. Se lhe não era dado ver o enfermo, dessem-lhe ao menos notícias certas de seu estado.

E o anônimo juvenil — vindo da noite — foi conduzido ao quarto do doente. Chegou. Não disse uma palavra. Ajoelhou-se. Tomou a mão do mestre, beijou-a num belo gesto de carinho filial. Aconchegou-o depois por algum tempo ao peito. Levantou-se e, sem dizer palavra, saiu.

À porta, José Veríssimo perguntou-lhe o nome. Disse-lho.

Mas deve ficar anônimo. Qualquer que seja o destino desta criança, ela nunca mais subirá tanto na vida. Naquele momento o seu coração bateu sozinho pela alma de uma nacionalidade. Naquele meio segundo — no meio segundo em que ele estreitou o peito moribundo de Machado de Assis, aquele menino foi o maior homem de sua terra.

Ele saiu — e houve na sala, há pouco invadida de desalentos, uma transfiguração.”

Estavam reunidos na casa, relata Euclides, grandes intelectuais como Coelho Neto, Graça Aranha, Mário de Alencar, José Veríssimo, Raimundo Correia e Rodrigo Otávio. O nome ficou guardado durante muitos anos, até que a escritora Lúcia Miguel Pereira revelou, em 1936, ser Astrojildo Pereira, que viria a se tornar escritor, jornalista, crítico literário e entraria na História do Brasil como fundador do Partido Comunista Brasileiro (PCB), que completa 100 anos.

Míriam Leitão: Riscos rondam o presidente

O Globo

Nunca um presidente concorreu à reeleição no Brasil com um quadro tão adverso na economia. A inflação estava baixa e em alguns casos cadente nos anos em que Fernando Henrique, Lula e Dilma disputaram seus segundos mandatos. A inflação é o dado mais sensível para os eleitores. Em 2022, existem outros complicadores, como o risco de falta de diesel se houver congelamento de preços. O PIB do primeiro trimestre, que será divulgado na quinta-feira, vai surpreender positivamente, mas os economistas alertam para o risco de recessão técnica no segundo semestre, momento em que o eleitor irá às urnas. A pesquisa do Datafolha mostra um salto na percepção negativa dos entrevistados. Saiu de 31%, em 2019, para 66%, agora, a fatia dos que acham que a situação econômica do país piorou nos últimos meses.

Em maio de 1998, quando Fernando Henrique disputou o segundo mandato, o país tinha uma inflação acumulada em 12 meses de apenas 3,95%. Em outubro, na hora do voto, havia caído para 2%. A economia estava recessiva e havia uma enorme pressão sobre o câmbio, que explodiu em 1999, mas a inflação estava baixa. Em maio de 2006, quando Lula concorreu ao segundo mandato, a taxa estava em 4,2% e caindo. Em outubro, bateu em 3,26%. Entre maio e outubro de 2014, quando Dilma Rousseff concorreu, a inflação ficou entre 6,37% a 6,59%. Agora, o índice está em dois dígitos desde setembro do ano passado.

Carlos Andreazza: Guedes fortalecido

O Globo

Paulo Guedes não chega fortalecido à reta final do governo Bolsonaro por haver imposto suas ideias — na hipótese de que as palestras motivacionais contivessem algo de programa econômico. Nem no mercado o levam a sério. Guedes vai ora forte porque, na hipótese de que houvesse alguma resistência sua à entrega do Orçamento para Ciro Nogueira e Lira Boys, aderiu absolutamente — ou melhor, sem mais fingimento — ao projeto gastador pela reeleição do chefe.

Veja-se a Petrobras. O que se faz ali expressa esse movimento. Bolsonaro não está preocupado com a maneira como a empresa forma preço. Quer que o preço não suba até a eleição. Quer um jeito. Jeitinho. Ponto. E então ascende Guedes, de súbito prestigiado. Clara Nunes cantaria que, para subir, o ministro desceu. Desceu mais. Guedes como agente interventor numa companhia de capital aberto. Suas crias liberais vêm para segurar o preço dos combustíveis. Não mexerão no estatuto da petroleira nem no PPI. A mão grande pesa na figura de um puxadinho.

Enrolar, ganhar tempo; explorando até, esticando ao máximo, o prazo para formalização do novo presidente da Petrobras. Quarenta e cinco, talvez 60 dias. Tudo paralisado, Conselho atual deslegitimado, diretoria pendurada. Nada ocorre. Não se bole em preço. E depois, posto o Caio da vez, empurrar: represar preço — mais 100, 120 dias — para que a correção só bata nas bombas, aí como enchente, depois das eleições. Essa é a ideia.

Apesar do apoio oficial a Tebet, MDB faz acenos a Lula ou Bolsonaro em metade dos estados

Para interlocutores da cúpula emedebista, candidatura da senadora blinda postulantes que evitam polarização

Por Bernardo Mello e Eduardo Gonçalves  / O Globo

Rio e Brasília - Com apoio formal da maioria dos diretórios regionais do MDB, a pré-candidatura da senadora Simone Tebet (MDB-MS) à Presidência convive com acenos de correligionários ao ex-presidente Lula (PT) ou ao presidente Jair Bolsonaro (PL) em pelo menos 13 estados. Reservadamente, lideranças partidárias dizem que o desempenho tímido de Tebet nas pesquisas, sem passar de 2% até aqui, faz com que parte dos pré-candidatos a cargos majoritários e ao Legislativo busquem se associar aos nomes mais competitivos por ora no cenário nacional.

Apesar desses acenos e de admitirem possíveis traições na campanha, os caciques emedebistas mantêm o discurso pró-Tebet para seguir a linha defendida pelo presidente nacional do MDB, Baleia Rossi. Segundo interlocutores de Baleia, a estratégia de lançar chapa própria ao Planalto ajuda candidatos que, por circunstâncias locais, preferem evitar tomar lado entre Lula e Bolsonaro — caso do próprio presidente emedebista, que tem como reduto o interior de São Paulo.

Levantamento do GLOBO apontou que 22 dos 27 diretórios do MDB externaram apoio a Tebet. Cinco estados evitam endossá-la. Em Rondônia, o diretório é comandado por Lúcio Mosquini, vice-líder do governo Bolsonaro na Câmara, que avalia compor um palanque bolsonarista. Nos outros quatro — Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Alagoas —, o partido defende apoio a Lula.

Em outros estados do Nordeste, como Bahia e Piauí, o MDB formará chapas com candidatos do PT ao governo e pretende estar no palanque do ex-presidente.

Cristina Serra: Pauta-bomba na Câmara para a mata atlântica

Folha de S. Paulo

Deter a pilhagem ecológica secular não é pauta exclusiva de ambientalistas

Tom Jobim dizia que "a coisa mais bonita" que já vira era a mata atlântica e que sua obra fora inspirada pelo esplendor de vida de bichos e plantas. Num tempo em que poucos sabiam o que era ecologia, Tom já falava da urgência de conter o desmatamento e de "plantar floresta".

Imagino a tristeza do Tom se soubesse que hoje ocorre exatamente o contrário. O monitoramento feito pela SOS Mata Atlântica e pelo Inpe revelou um alarmante aumento de 66% na derrubada da floresta em 2021 (sobre 2020).

Tesouro de extraordinária biodiversidade, a mata atlântica é um dos biomas mais ameaçados do planeta, tendo apenas 12% da floresta original preservada. O desmatamento atual deve-se principalmente à agropecuária e à especulação imobiliária. Pressões favorecidas pelo estímulo permanente do vândalo do Planalto ao crime ambiental.

Joel Pinheiro da Fonseca: A politização da Lei Rouanet

Folha de S. Paulo

Condenar um enquanto se ganha quantias superiores é uma grande hipocrisia

Todos as estrelas do sertanejo —e não só elas— devem estar secretamente furiosas com o cantor Zé Neto (da dupla Zé Neto & Cristiano) por ter, numa fala completamente gratuita durante um show, desmerecido artistas que captam recursos via Lei Rouanet (como se fossem menos dignos do que ele) e ainda, a cereja do bolo, feito uma indireta contra Anitta por ter, como todo mundo sabe, feito tatuagem em uma parte bem íntima do corpo.

Em pouco tempo, começaram as investigações. O mesmo artista que desmerece a Lei Rouanet ganha cachês de centenas de milhares de Reais de municípios espalhados pelo país. Se isso não é mamata, o que é?

Outro sertanejo de direita, Sergio Reis, se saiu com esse malabarismo: quando a prefeitura gasta para contratar um show "é dinheiro para o público, não é dinheiro público". Então o mesmo vale para o dinheiro captado por Lei Rouanet! Ele também retorna ao público.

Alvaro Costa e Silva: Graciliano Ramos analisa o bolsonarismo

Folha de S. Paulo

'Psicografados' por Silviano Santiago, diários do escritor revelam fragilidade da democracia

Em 1937, depois de passar dez meses e dez dias na prisão e quase morrer, Graciliano Ramos foi solto: "Não sinto o meu corpo". Assim começa "Em Liberdade", de Silviano Santiago, publicado pela primeira vez em 1981 e que está de volta às livrarias. Uma obra inclassificável —ficção, autobiografia, relato histórico, ensaio, pastiche—, que tem o dom (ou a desgraça) da atualidade eterna.

O Brasil que Graciliano encontrou ao deixar o presídio da Ilha Grande às vésperas da instauração do Estado Novo, o de Silviano enquanto escrevia o livro ainda no período da ditadura militar e o de agora, com Bolsonaro e seus generais conspirando para dar um golpe durante as eleições, revelam quão frágil é a nossa realidade democrática.

"Em Liberdade" é um falso diário íntimo, que cobre dois meses da nova vida fora das grades. O leitor acompanha o romancista alagoano na casa do amigo José Lins do Rego, jantando bife à milanesa no Lamas, morando numa pensão do Catete, ganhando o sustento com frilas, seguindo uma garota na praia de Botafogo e tendo de esconder a ereção.

Eliane Cantanhêde: ‘Catástrofes acontecem...’

O Estado de S. Paulo

Em vez de passear de jet ski em Santa Catarina, Bolsonaro fez sobrevoo e comício no Recife

Nada poderia ser mais sarcástico e irritante, neste momento de horrores, do que o sanguinário Vladimir Putin enviar mensagem para o presidente Jair Bolsonaro lamentando a tragédia em Pernambuco. Qual o sentido de quem massacra milhares de ucranianos lastimar a morte de dezenas de brasileiros?

“A Rússia compartilha o pesar daqueles que perderam seus parentes e entes queridos como resultado do desastre natural desenfreado e espera uma rápida recuperação de todas as vítimas”, diz a mensagem de Putin a Bolsonaro, depois postada no Telegram.

Putin não está nem aí para mortes no Brasil e fica claro o namoro com Bolsonaro desde a ida do presidente brasileiro a Moscou, com o filho especialista em internet e toda a cúpula militar, às vésperas da invasão da Ucrânia. Os objetivos, os interesses e as intenções nunca foram devidamente explicados.

As reações do próprio Bolsonaro a dor, morte e destruição em Pernambuco, sobretudo no Recife, não são de um presidente preocupado com seu povo e de um ser humano com empatia e coração. São de um candidato que só pensa na reeleição.

Andrea Jubé: Sem “cavalo de pau”, Bolsonaro derrapa

Valor Econômico

Bolsonaro pode virar o jogo com pauta de costumes

”Era infinitamente maio” (com a licença poética de Guimarães Rosa), e mais uma vez, na história recente das eleições, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva despontou como líder na rodada de pesquisas sobre a sucessão presidencial realizadas a quatro meses do pleito. Um favoritismo que, nem sempre, perdurou, ou se confirmou nas urnas.

O levantamento mais recente do instituto Datafolha mostrou que o petista, com 48% das intenções de votos, abriu uma vantagem de 21 pontos sobre o presidente Jair Bolsonaro, que aparece com 27% da preferência dos entrevistados.

Lula celebrou, fustigando o principal adversário: "vocês viram a pesquisa... Ô [Geraldo] Alckmin, eu imagino que o Bolsonaro não dormiu ontem à noite”, provocou, dirigindo-se ao seu provável vice na chapa.

Mas, logo desautorizou o “salto alto”, até por ser gato escaldado. "A gente não vai poder parar, porque se a gente parar, a gente pode ter dificuldade de ganhar", alertou, voltando-se à militância.

Há 20 anos, no levantamento divulgado pelo mesmo Datafolha em 14 de maio, Lula emergia como favorito, com 43% das intenções de votos, enquanto o ex-ministro da Saúde José Serra (PSDB) despontava com 17%. Na véspera do pleito, Lula chegou a 48% dos votos válidos, e Serra bateu em 21%. O embate acabou definido no segundo turno, com a vitória do petista.

Maria Cristina Fernandes: Presidente monta palanque em cima da tragédia em PE

Valor Econômico

Presidente faz campanha para seus candidatos e para sim mesmo, aparelha ministério e ataca governador

O presidente Jair Bolsonaro transformou sua visita a Pernambuco - que registrou, até a manhã de ontem, 91 mortes, 26 desaparecidos e cinco mil desabrigados em decorrência das chuvas - num palanque eleitoral em defesa de seu grupo político no Estado e de sua própria reeleição. Valeu-se ainda de sua presença na cidade para tentar remediar a imagem negativa de sua atuação na pandemia. Não faltou nem mesmo a associação da morte de Genivaldo Santos, motociclista morto em Sergipe pela Polícia Rodoviária Federal, à “bandidagem” ao lado de quem, disse ele, a “mídia sempre está”.

Depois de sobrevoar as áreas alagadas, sem pousar em nenhuma delas, o presidente deu entrevista na Base Aérea do Recife antes de voltar a Brasília. Estava acompanhado de seis ministros (Defesa, Saúde, Desenvolvimento Regional, Cidadania, Turismo e GSI) e o presidente da Caixa, Pedro Guimarães, todos de colete para dar a imagem de equipe em operação. No Recife, integraram-se à comitiva o comandante militar do Nordeste, general Richard Nunes, o prefeito de Jaboatão dos Guararapes, Luiz Medeiros, que assumiu a gestão com a desincompatibilização do titular, Anderson Ferreira (PL), candidato do bolsonarismo ao governo do Estado, além do deputado federal Pastor Eurico (PL-PE), candidato à reeleição e integrante do núcleo político local do presidente.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Educação precisa de um plano para recuperar perdas

O Globo

São preocupantes os números revelados pelo Censo Escolar 2021. Principal levantamento estatístico da educação básica no Brasil, feito por estados e municípios sob coordenação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), ele traduz o estrago provocado no ensino brasileiro por gestores ineptos, além de expor o tamanho do desafio que se impõe para recuperar o prejuízo. O resultado era previsível, diante do absurdo perpetrado pelo Ministério da Educação e por secretarias estaduais e municipais, ao prolongar o tempo em que escolas permaneceram fechadas durante a pandemia — enquanto quase tudo estava aberto.

Como mostrou o Jornal Nacional, uma das conclusões desconcertantes da pesquisa é que mais da metade dos estudantes (54%) chegou ao terceiro ano do ensino fundamental sem habilidades básicas de leitura, e 13% assim permaneceram até o sexto ano. Um terço dos alunos terminou o ensino fundamental, depois de nove anos, sem conseguir ler fluentemente. É uma situação inadmissível.