terça-feira, 7 de junho de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

Autoritários temem a imprensa livre

O Estado de S. Paulo

A recessão democrática está intimamente ligada às agressões à liberdade de imprensa, mas o jornalismo seguirá firme em sua missão de viabilizar a democracia

Nunca, desde a redemocratização, foi tão importante celebrar este Dia Nacional da Liberdade de Imprensa. A crise é global, mas no Brasil é particularmente aguda.

Democracia e liberdade de expressão são tão visceralmente ligadas que é impossível dizer qual é a causa e qual a consequência. Não surpreende que as instituições que as encarnam – o Estado de Direito e a imprensa independente – estejam sob pressão.

Institutos responsáveis por monitorar liberdades apontam unanimemente uma recessão da democracia no mundo. De acordo com a Freedom House, só 13% da população mundial goza de uma imprensa livre. Segundo o V-DEM, as ameaças às liberdades de expressão e imprensa respondem por 8 entre 10 indicadores em declínio no maior número de países na última década.

Opinião do dia - Karl Marx*: Democracia

Dignidade pessoal do homem, a liberdade, seria necessário primeiramente despertá-la no peito desses homens. Somente esse sentimento que, com os gregos, desaparece desse mundo, e que, com o cristianismo, se evapora no azul do céu pode de novo fazer da sociedade uma comunidade dos homens, para atingir seus fins mais elevados: um Estado democrático.

*Karl Marx, Euvres, III, Philosophie, p. 383, citado em “A democracia contra o Estado”, p.54. Editora UFMG, 1998.

Merval Pereira: STF contesta presidente

O Globo

O julgamento hoje, no plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF), da decisão do ministro Nunes Marques de devolver o mandato de deputado federal a Fernando Francischini, cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por ter espalhado fake news nas eleições de 2018, é decisivo para que tenhamos eleições limpas, sem interferências externas pelas redes sociais.

O que está em jogo é o futuro da fiscalização eleitoral das eleições de outubro. Nunes Marques exagera na fidelidade ao presidente Bolsonaro, que o nomeou. É um juiz que segue orientações do presidente da República sem constrangimentos. O próprio Bolsonaro, outro que não se constrange com nada, anuncia aos quatro ventos que os votos de seus nomeados são garantidos. Também André Mendonça se esforça para conciliar a lei com as vontades de seu protetor, com mais recato.

A decisão de entregar novamente o mandato a deputados cassados por abuso de poder econômico, nesse caso Fernando Francischini, é política. Se o deputado continuasse cassado por fake news, estaria consolidada uma jurisprudência do STF de que é possível cassar políticos já eleitos pelo uso indevido dos novos meios e de fake news na campanha eleitoral. Com seu voto monocrático, Nunes Marques impediu que essa jurisprudência se concretizasse, o que ajudaria Bolsonaro, cuja tese defende liberdade total nas redes sociais, sem limites.

Carlos Andreazza: Governo gambiarra

O Globo

Entre a incompetência e a urgência, assim vai o governo gambiarra de Bolsonaro. A urgência é por permanecer no poder. Não por criar mecanismos para proteger os mais pobres da mordida da inflação. A incompetência exprime-se na incapacidade de propor soluções equilibradas. Quer permanecer no poder uma galera que não gosta do batente. Não gosta do batente e é ruim de serviço. Que não se menospreze, porém, a indústria do puxadinho. Bolsonaro nunca trabalhou e chegou a presidente da República; isso depois de haver erguido bem-sucedida empresa familiar dentro do Estado. Nós temos pagado a conta desses biscates.

Bolsonaro nunca trabalhou, mas é sócio de um grupo parlamentar que sabe trabalhar — e sabe o que quer.

O governo gambiarra maneja com o tempo para criar urgências, fatos consumados, e promover, abraçar, jeitinhos. Abraçar — embarcar — mais que promover. O Planalto e seus associados do consórcio Ciro Nogueira/Arthur Lira/Valdemar Costa Neto só se preocupam com o projeto de reeleição. E o governo opera enrolando para que o Congresso, no limite, resolva. Todo o circo — o carrossel — de especulações para enfrentar o custo dos combustíveis gira para voo de galinha, até o fim das eleições, e tem um só interesse: subsídios. Levantar fundos para distribuir subsídios que resultem em queda circunstancial no preço do diesel — se possível, também da gasolina.

Edu Lyra: Combate à pobreza deve focar em renda

O Globo

Diz a sabedoria popular que o bolso é a região mais sensível do corpo humano. Quando esvazia, experimentamos imediatamente a perda de autoestima, o medo do futuro, a fome. A ausência de uma fonte de renda é um nervo exposto.

Claro que inclusão social não se faz apenas pela renda. A noção de cidadania engloba as esferas de saúde, educação, lazer, moradia, combate ao racismo e à desigualdade de gênero. Sem isso tudo, formamos meros consumidores, não cidadãos.

Mas a renda é o primeiro passo para a inclusão social. Pense num jogo de boliche: a bola lançada na pista não pode derrubar cada pino individualmente, mas, ao acertar o pino certo, provoca uma reação em cadeia. O mesmo vale para a falta de renda. Ela é o pino em que devemos mirar nossas políticas sociais se quisermos fazer um strike na pobreza.

Míriam Leitão: A ameaça real cai sobre a Amazônia

O Globo

O clima ontem entre os indígenas do Vale do Javari era de muita tensão. Ameaças vêm sendo feitas às principais lideranças e ao indigenista Bruno Araújo Pereira há muito tempo. E isso foi denunciado à Polícia Federal. “São quadrilhas profissionais que atuam por lá”, disse Beto Marubo, da Univaja. Bandidos já atacaram os postos da Funai a tiros várias vezes. O próprio Bruno, em 2019, ajudou a montar uma operação que destruiu 40 balsas que atuavam nos rios da região. Em 2019, foi morto a tiros, em Tabatinga, um colaborador da Funai que trabalhava na região, Maxciel Pereira dos Santos. As ameaças que lideranças indígenas e o indigenistas têm ouvido é a de que eles podem terminar como Maxciel.

Joel Pinheiro da Fonseca: Lula fará o que diz

Folha de S. Paulo

Se a economia reagir da maneira previsível, não venham reclamar: ele avisou

Um esboço do possível programa de governo de Lula veio a público. Segundo o esboço, não haverá mais privatizações (inclusive a da Eletrobras pode ser barrada), a Petrobras será colocada "a serviço do povo brasileiro" (leia-se: política de preços baixos), o governo vai interferir no câmbio, fará política agressiva de industrialização, derrubará a reforma trabalhista e o teto de gastos.

Se essas forem bandeiras com as quais você concorda, Lula é seu candidato. Há inclusive quem vá votar nele mesmo discordando dessa parte. Só não se engane: é isso que ele vai fazer, e não uma reedição de seu primeiro mandato sonhada por moderados.

É verdade que há muita indefinição na qual cabem os sonhos de todo mundo. O diabo mora nos detalhes. Taxar os mais ricos, por exemplo: dependendo de como for feito, pode ser bom ou desastroso para a economia do país.

Hélio Schwartsman: O sorriso da fortuna

Folha de S. Paulo

Tyche nos sorriu, porque nossa alternância veio em quatro, não em oito anos

Týche é a divindade grega que representa a fortuna, o acaso. Não há nada que assuste mais humanos do que o acaso. Embora ele seja uma força decisiva em nosso Universo, que teria até mesmo surgido a partir de flutuações quânticas aleatórias, nós nos esforçamos para negá-lo, obstinando-nos em ações fúteis, inventando deuses e repetindo mantras absurdos como "nada acontece por acaso".

Há uma explicação evolutiva para isso. Apesar de o acaso ser importante, ele não é tudo. Se você se render ao fatalismo e nem tentar sair de uma situação difícil, aí é que não sairá mesmo. Como a natureza valoriza mais a sobrevivência do que a elegância de não pagar micos, ela nos calibrou para negligenciar o acaso e superestimar nossa agência.

Alvaro Costa e Silva: A fauna da mamata

Folha de S. Paulo

Quem vive na aba do governo não quer perder privilégios e mordomias

O Datafolha apontou a ligação estreita entre economia e eleição. Os brasileiros esqueceram o kit gay e estão consultando o bolso antes de decidir o voto. A situação vale tanto para quem sofre com o desemprego e a carestia, maioria da população, quanto para os privilegiados que vivem na aba do governo.

Menos que largar mão de um projeto de poder autoritário e condenado ao fracasso, Bolsonaro ressente-se da possibilidade de curtir sua preguiça —esticar feriados, enforcar segundas, trabalhar três horas por dia e passar noites em claro conferindo as redes do ódio— longe do cartão corporativo, cujos gastos somam mais de R$ 21 milhões. Adeus, vida boa.

Aqueles que o sustentam e o manipulam —e em troca aturam humilhações públicas— podem perder as mordomias. Sob Bolsonaro, os militares, ativos e inativos, escaparam do aperto salarial aplicado ao funcionalismo. Mais de 6.000 fardados ocupam cargos civis, alguns acumulando salários e aposentadorias. Generais que fazem a cabeça do capitão recebem até R$ 100 mil em um único mês.

Cristina Serra: O capital e seus capatazes

Folha de S. Paulo

Em vídeo, diretor-presidente do Bradesco enaltece o Exército

Veio a público um vídeo em que o diretor-presidente do Bradesco, Octavio de Lazari Junior, enaltece o Exército brasileiro. Na gravação, o executivo afirma que se orgulha do período no serviço militar, em que se apresentava como "soldado 939 Lazari". Diz ainda ter aprendido no Exército que "missão dada é missão cumprida" e anuncia que "o soldado Lazari continua de prontidão".

A assessoria do banco apressou-se em dizer que a gravação foi feita há dois meses e em caráter pessoal. O ex-comandante de Lazari pedira a ele um vídeo motivacional para os recrutas. O que ninguém explicou até agora é o uso da logomarca do Bradesco do começo ao fim do vídeo, dando à peça um caráter institucional.

O texto também faz referência ao banco, "um dos maiores do mundo", "com 90 mil funcionários". Se a marca e o nome do banco são usados significa que a instituição concorda com o vídeo? Seu principal executivo pode usar o nome do banco em peça elogiosa ao Exército?

Eliane Cantanhêde: ‘Mais vale uma imagem...’

O Estado de S. Paulo.

Politicamente correta, agenda nos EUA é ao gosto de Biden e indigesta para Bolsonaro

A viagem de Jair Bolsonaro aos Estados Unidos, nesta semana, para a Cúpula das Américas e um (ou melhor, o primeiro) encontro bilateral com Joe Biden, pode ser um sucesso, um fiasco ou... nada. Depende do humor e da boa ou da má vontade de Bolsonaro e de Biden, um com o outro. É aí que mora o perigo.

A agenda é muito politicamente correta, ao gosto do norte-americano. Logo, só “mimimi” indigesto para o paladar do brasileiro. Democracia, eleições, ambiente, aquecimento global e energia limpa, o que deixa uma dúvida no ar poluído da relação bilateral: Bolsonaro vai assinar o documento final cheio de compromissos com democracia e sustentabilidade?

Paulo Hartung*: A polarização e o debate político-eleitoral deficitário

O Estado de S. Paulo

A bipolaridade mitológico-maniqueísta enfraquece a democracia e não dá conta da complexidade da nossa sociedade.

Qualquer debate sustentado numa polarização despreza a natureza complexa da realidade, que é um grande meio de campo múltiplo, diversificado e rico de possibilidades históricas. Especialmente na política, isso não dialoga com a potência do amplo leque de ideias, projetos e programas de ação que a vivacidade humana enseja e reclama para a construção da vida civilizada.

Assim, a discussão política reduzida a dois polos fica limitada em meio à constelação de alternativas, constrange, faz pouco-caso da amplitude de oportunidades de viabilizar as transformações socioeconômicas sempre tão urgentes e renovadas pelo andor da história. Como nos lembrou o saudoso geógrafo Milton Santos, a política é a “arte de pensar as mudanças e torná-las efetivas”. Desse modo, pode-se dizer que política polarizada é política deficitária.

Como alcançar a visão, as conversas abrangentes e densas requeridas pela ação política numa contingência de restrições de perspectiva e limitação de rumos à caminhada? Como, numa realidade de polarização hostil, superar as distâncias entre os polos e construir pontes que nos levem ao virtuoso caminho do meio? Como ir além da esquematização reducionista pautada pelo populismo antidemocrático, de um lado, e pelo populismo anacrônico, de outro?

PSDB dá aval para aliança entre Freixo e Cesar Maia

Com Cesar prestes a virar vice de Freixo, Eduardo Paes cita promessa de apoio de Rodrigo Maia: 'Deu a palavra'

Por Gabriel Sabóia / O Globo

RIO DE JANEIRO - A possibilidade de aliança entre Marcelo Freixo (PSB) e César Maia (PSDB) para o governo do Rio desagrada o prefeito Eduardo Paes (PSD), que contava com César para vice do seu apadrinhado, o ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz. Ao GLOBO, Paes afirma que segue contando com “a palavra da família Maia” de que o apoio não será dado a Freixo.

— Temos a palavra da presidência nacional do PSDB e do deputado Rodrigo Maia que estarão com a candidatura do PSD — afirmou o prefeito, que também refuta a possibilidade de se juntar à candidatura de Freixo, com Santa Cruz concorrendo ao Senado. — Sem chance. Felipe é candidato a governador — concluiu.

Em maio, Santa Cruz e Paes convidaram César Maia para ser o vice na chapa encabeçada pelo ex-presidente da OAB. De acordo com Santa Cruz, Cesar também seria responsável por coordenar o programa de governo e a comunicação da campanha. Até hoje, no entanto, César não respondeu ao convite. Até segunda ordem, a empreitada do PSD conta com o Cidadania e o PSDB em sua coligação. Procurado, Santa Cruz não se manifestou.

Lula e Bolsonaro começam a divulgar esboço de plano econômico; veja também propostas de Ciro e Tebet

Lula fala em revogar o teto de gastos e reforma trabalhista; Bolsonaro aposta em agendas de Paulo Guedes, com privatizações e criação de um fundo para aumentar investimentos em infraestrutura

Por Bianca Gomes, Sérgio Roxo e Manoel Ventura / O Globo

SÃO PAULO e BRASÍLIA - Em meio à disparada da inflação, os dois pré-candidatos à Presidência da República mais bem colocados nas pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL), aceleraram a divulgação de suas principais propostas para a área econômica. Enquanto Lula fala em revogar o teto de gastos e a reforma trabalhista, Bolsonaro aposta em aprofundar agendas do ministro da Economia, Paulo Guedes — quadro que ele garante manter num eventual segundo mandato —, com privatizações e criação de um fundo para aumentar investimentos em infraestrutura e programas de transferência de renda.

A coordenação da pré-campanha de Lula e Geraldo Alckmin (PSB) apresentou as diretrizes para a elaboração do programa de governo aos sete partidos que devem compor a coligação (PT, PCdoB, PV, PSOL, PSB, Solidariedade e Rede). Com 90 itens, o documento propõe a revogação da reforma trabalhista, sem a retomada do imposto sindical, além do fim do teto de gastos. As duas medidas foram implantadas pelo governo Michel Temer (MDB).

É prevista a retomada da política de valorização do salário mínimo, que vigorou nos governos petistas. O documento também cita a necessidade de implantação de um programa Bolsa Família renovado e ampliado. “Um programa que, orientado por princípios de cobertura crescente, baseados em patamares adequados de renda, viabilizará a transição por etapas, no rumo de um sistema universal e uma renda básica de cidadania”, diz o texto.

Andrea Jubé: Tic-tac: o tempo urge para a terceira via

Valor Econômico

Leite e MDB gaúcho discutem hoje palanque no RS

O tempo da política parece às vezes tão insensato que só encontra paralelo em um universo fantástico. Senão, qual personagem se identificaria mais com o estado de aflição da política nacional, do que um dos relógios das aventuras de Alice no País das Maravilhas? Não o sofisticado modelo de bolso do colete do Coelho Branco, que corre em disparada na fantasia de Lewis Carroll: “Ai, ai, vou chegar atrasado demais”.

O mais apropriado para traduzir o momento atual da política nacional é o adereço que a Lebre de Março mergulha em uma xícara, enquanto Alice a observa, intrigada, por trás dos ombros. “Que relógio engraçado, marca o dia do mês e não marca hora!”, comenta a menina. “Por que deveria? Por acaso o seu relógio marca o ano?”, questionou o Chapeleiro. “Claro que não, mas é porque continua sendo o mesmo ano por muito tempo seguido”, retrucou Alice.

O diálogo serve de alegoria ao impasse que paralisou as articulações da terceira via, que se apresenta como alternativa à fatia do eleitorado que ainda rejeita o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Luiz Gonzaga Belluzzo*: A tirania dos homens de bem

Valor Econômico

No Brasil, as transições sempre acontecem para impedir que o passado fique no passado

 “Nós defendemos o armamento para o cidadão de bem, porque entendemos que a arma de fogo, além de uma segurança pessoal para as a famílias, ela também é a segurança para a nossa soberania nacional e a garantia de que a nossa democracia será preservada”. Assim falou Bolsonaro no dia 17 de maio de 2022.

“Cidadão de bem” é a expressão que denuncia as desavenças de Bolsonaro com os princípios que regem a convivência social ao abrigo do Estado Moderno. As formações políticas que se consolidaram desde a Era do Iluminismo e da Revolução Francesa não admitem aos cidadãos invocar a própria santidade, honestidade ou boa consciência para contestar a universalidade da lei ou os procedimentos legais.

Seria uma insanidade, no mundo moderno, substituir os preceitos e a força da lei escrita pela presunção de bondade intrínseca de um grupo social ou de um agrupamento de indivíduos.

Não apenas aqui, neste Brasil de tantos atrasos e tantas ignorâncias, mas no mundo inteiro a crise de legitimação do Estado vem suscitando “ondas regressivas” de apelo às falsidades da consciência moralista e hipócrita, em prejuízo da segurança dos cidadãos.

As reflexões mais profundas sobre a ética da modernidade repeliram sempre com energia as tentativas conservadoras de desmoralizar o formalismo da lei em nome da espontaneidade, dos bons sentimentos, da palavra de honra.

Merval Pereira: Espírito dos manifestos de 1977 é necessário

O Globo

1977 só foi um bom ano para a liberdade de expressão no Brasil do ponto de vista simbólico. Estávamos em uma ditadura militar e, portanto, havia censura nos meios de comunicação e nas artes. Mas havia uma incipiente, porém resistente, brisa soprando para lado certo.

Ao assumir a Presidência, Ernesto Geisel deixou saber que o compromisso do governo era com a abertura do país, embora “lenta e gradual”. O papel da imprensa, submetida a uma censura rígida, seria fundamental no projeto, que tinha, dentro dos próprios militares, seus adversários.

Ao mesmo tempo em que o secretário de imprensa, Humberto Barreto, ampliava seus contatos com jornalistas, os meios de comunicação tentavam alargar o espaço democrático da informação publicando análises e comentários que iam ficando mais explícitos.

Dois manifestos foram fundamentais para empurrar à frente a roda da História. Um, de intelectuais, pedindo o fim da censura nas artes. Outro, de jornalistas, contra a censura e a favor da liberdade de imprensa. A censura foi ficando cada vez mais anacrônica, até desaparecer.

Vera Magalhães: Imprensa livre é sinônimo de democracia

O Globo

É sintoma preocupante do grau de corrosão do tecido institucional a que assistimos que seja necessária uma ação do Consórcio de Veículos de Imprensa neste dia 7 de junho questionando se a democracia sobrevive sem liberdade de imprensa. Por outro lado, é sinal da vitalidade e do alerta da imprensa com esse avanço sobre as liberdades que essa campanha esteja sendo veiculada em conjunto, em alto e bom som.

Nunca os ataques ao exercício do jornalismo profissional foram tão sistemáticos e violentos, e são coordenados pela principal autoridade do país, como agora. Jair Bolsonaro figura como o autor da maior parte das agressões a órgãos de imprensa e a jornalistas, na pessoa física, nos dois últimos anos em balanço feito pela Federação Nacional dos Jornalistas.

Trata-se de um método que ele não inventou, mas que usa como ninguém ousou desde a redemocratização. Atentar contra a credibilidade do jornalismo profissional é uma das lições básicas do manual internacional dos candidatos a autocratas, é uma condição essencial para minar os pilares que formam o estado democrático de direito.

Bernardo Mello Franco: Na era Bolsonaro, imprensa vive sob ataque permanente

O Globo

 “Vocês são uma porcaria de imprensa! Cala a boca!”.

As frases são de Jair Bolsonaro, em junho de 2021. Em tom exaltado, o presidente se dirigia a uma repórter em Guaratinguetá, no interior paulista. Ela tentava ouvi-lo sobre a notícia do dia: a autoridade máxima do país havia sido multada por desfilar sem máscara na pandemia.

“Esse jornalismo que vocês fazem é um jornalismo podre!”.

Desde que Bolsonaro tomou posse, a imprensa brasileira vive sob ataque permanente. O presidente trata os jornalistas como inimigos. Ofende quem pergunta e tenta demonizar quem publica.

“Cala a boca! Não te perguntei nada!”.

Os ataques presidenciais resultaram numa escalada na violência contra a imprensa. Em 2021, o número de agressões a jornalistas e veículos de comunicação bateu novo recorde no país. Foram 430 casos, segundo a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).

Malu Gaspar: Uma Bandeira pela democracia

O Globo

As próximas eleições não estarão entre as mais importantes da nossa história só porque se darão num ambiente político radicalizado, em meio a uma grave crise econômica. E a escolha a ser feita até outubro não será "apenas" a do melhor presidente para o Brasil. Tão ou mais decisiva será outra escolha a ser feita diariamente: a opção entre o fato e a narrativa.

A própria definição do que é fato já complica a discussão, uma vez que existem diversas maneiras de descrever um mesmo acontecimento. Há diferentes formas de avaliar a eficácia de um plano de governo, assim como não há um único modo de encarar o aborto, o casamento ou a religião.

Mas é justamente para que essas visões estejam contempladas, no mosaico mais fiel possível do Brasil, que precisamos da liberdade de imprensa.

Míriam Leitão: Jornalismo é cada vez mais essencial

O Globo

Eles chegavam de repente. Não havia aviso prévio. Do nada, eles apareciam com um papel na mão. Eu assinava e colocava no quadro, num pregador de papel que tinha uma mãozinha que segurava os avisos. “É terminantemente proibido publicar qualquer notícia sobre o arcebispo de Olinda e Recife, Hélder Câmara”. Esse era o veto mais recorrente.

O ano era 1973. Eu já havia vivido a prisão. Sabia da forma mais profunda que se pode saber o que é viver sem democracia. A propósito, a sensação física é de falta de ar. Aqueles policiais federais que entravam no corredor que dava na sala da redação da Rádio Espírito Santo tinham um jeito diferente de pisar no chão quando carregavam suas terminantes proibições. Houve vezes que eu soube que eles estavam chegando, antes mesmo de me virar para a porta, apenas por ouvir os passos no corredor. Por meses, naquele ano, fiquei em trabalho interno. Por isso eu recebia, assinava, pendurava o novo proibido no quadro de avisos, e voltava para a minha máquina de escrever, para redigir a notícia possível.