segunda-feira, 27 de junho de 2022

Marcus André Melo*: O voto útil e a chapa Tebet/Tasso

Folha de S. Paulo

Os eleitores da chapa votarão sinceramente e não estrategicamente em polarização tripolar

O voto útil é um subtipo de voto estratégico.

Nele o eleitor(a) não quer "desperdiçar o voto": se sua primeira preferência não tem chance de vitória, acaba optando pela que rejeita menos entre aquelas com mais chances.

Há outros subtipos:
1. Voto em partidos pequenos para que logrem atingir cláusulas de barreira, viabilizando coalizões de governo lideradas por partidos grandes que sejam a primeira preferência do eleitor (ex., Alemanha: eleitores do CSU/CDU que votam no FDP).

2. Voto em adversário mais fraco no primeiro turno, que seria mais facilmente derrotado pelo candidato de primeira preferência no segundo.

3. Voto em opções rivais buscando sinalizar insatisfação com o partido de primeira preferência que já tenha eleição garantida (ex., França, como mostrou Piketty, que formalizou o argumento).

O voto estratégico acontece assim sob qualquer regra eleitoral e para diferentes tipos de eleições e sistemas de governo. Ele tem duas características básicas: nele o eleitor não vota na sua primeira preferência (quando o faz, o voto é "sincero", no jargão) e age levando em conta o resultado final. O voto estratégico caracteriza apenas o segmento que tem preferência por "partidos não viáveis" (todas as opções fora os dois contendores principais).

Bruno Carazza*: O que esperar do governo Lula

Valor Econômico

Certezas, desejos e impossibilidades no programa do PT

Programas de governo não têm sido levados muito a sério na política brasileira. É verdade que houve o Plano de Metas de JK, um amplo diagnóstico da economia brasileira acompanhado de 30 objetivos para os mais diferentes setores - além da construção de Brasília, considerada a “meta-síntese”. Com o tempo, porém, esses documentos foram se tornando meras formalidades, até chegarmos ao “Projeto Fênix”, um compilado de 81 slides “powerpoint” apresentado pelo candidato Jair Bolsonaro em 2018.

No caso do PT, porém, as propostas assumem um outro valor, por dois motivos principais. Em primeiro lugar, pela própria tradição do partido, que tem na academia e na intelectualidade parte de suas raízes, estimulando desde sempre a elaboração de amplas reflexões sobre a realidade brasileira. Por outro lado, a forte desconfiança do mercado em relação a Lula e sua legenda cobra a apresentação de garantias e compromissos num grau de exigência muito superior à de outros concorrentes à Presidência. Foi assim em 2002 e não é diferente agora, 20 anos depois.

Na semana passada a coligação de sete partidos que apoiam Lula (PT, PCdoB, PV, PSB, Psol, Rede e Solidariedade) publicou as Diretrizes para o Programa de Reconstrução e Transformação do Brasil (2023-2026). Ainda não é o plano de governo, mas as 34 páginas podem ser lidas como uma prévia de como será vendido um eventual terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva durante a campanha eleitoral.

Carlos Pereira: A ‘noiva’ em fuga

O Estado de S. Paulo

Trajetória majoritária via candidatura de Bolsonaro à reeleição é de alto risco para o Centrão

Partidos que não têm condições de lançar um candidato competitivo à Presidência possuem como segunda melhor alternativa concentrar esforços e recursos nas campanhas proporcionais, mirando alcançar um bom desempenho para a Câmara dos Deputados.

Ao ocupar um maior número de cadeiras na Câmara, tal partido, além de ter acesso a uma maior parcela dos fundos Partidário e eleitoral no novo ciclo legislativo, poderá se posicionar como o partido pivotal de qualquer governo que venha a se tornar vitorioso na eleição presidencial.

Muito provavelmente, o partido do candidato que vencer a eleição presidencial, e tampouco a sua coligação eleitoral, não terá maioria legislativa para governar. Necessitará, portanto, convidar outros partidos para fazer parte da sua coalizão.

O partido pivô, especialmente se for ideologicamente amorfo e não tiver disputado a Presidência, será quase sempre a alternativa de “coadjuvante perfeito” pelo majoritário vencedor.

Fernando Gabeira: Verde, rosa e vermelho, novas cores da amazônicas

O Globo

Se o favoritismo de Lula for confirmado nas urnas, uma nova configuração se instalará na Amazônia. Pela primeira vez, a maioria esmagadora da região estará sob controle da esquerda: Brasil, Bolívia, Peru, Colômbia e Venezuela.

Ao abordar o tema pela primeira vez, confesso que pode ser apenas uma informação curiosa, de almanaque. Mas pode também representar uma novidade geopolítica, dependendo de alguns fatores: a consciência da necessidade de preservar, o desejo de cooperação para a sustentabilidade, a vontade de articular o apoio planetário, sobretudo das grandes democracias ocidentais.

Nesse sentido, as eleições na Colômbia são promissoras. O governo Gustavo Petro-Francia Márquez anunciou a prioridade na transição para uma economia de baixo carbono e, sobretudo, a vice parece muito consciente do desafio ambiental.

A Colômbia, ao lado do Chile de Gabriel Boric, é considerada a tendência cor-de-rosa da esquerda. O que parece adequado não só pela moderação, mas pela presença decisiva das mulheres.

Confesso que ainda há um longo caminho de formulação e empenho para que um novo pacto sobre a Amazônia se realize.

Maílson da Nóbrega*: Desafio fiscal e economia verde

O Globo

Não é dúvida para ninguém que o Brasil tem todas as condições para liderar uma transição mundial para a economia verde, em meio a uma matriz energética diversa e limpa, recursos hídricos que se perdem de vista e extensas florestas ricas em biodiversidade. Mas temos, em especial, um problema que pode jogar água fria nessa potência toda: nosso quadro fiscal.

Sim, também é preciso vontade política para que o Brasil volte para o caminho da sustentabilidade, e não é pouco. Mas, mesmo que essa vontade política volte a imperar, sobretudo após as eleições deste ano, é preciso ter coragem e assertividade para lidar com as contas públicas tão devastadas e ao mesmo tempo estimular uma economia verde.

Na última década, só para fazer um recorte mais recente, o Brasil viu seu cenário fiscal sair dos eixos. A dívida bruta, um dos indicadores mais importantes de solvência, saltou para cerca de 80% do PIB — em 2012 não passava de 55%. Mesmo descontando os gastos extraordinários por causa da pandemia, necessários para prover vacinas e manter minimamente o bem-estar da população mais vulnerável, o país já vivia cenários de grandes gastos sem contrapartidas de receitas.

Demétrio Magnoli: Frente ampla contra a Petrobras

O Globo

Na França, onde Emmanuel Macron perdeu a maioria parlamentar absoluta, as oposições de esquerda e da direita nacionalista unem-se na resistência às reformas econômicas. No Brasil, a frente ampla, que se estende de Bolsonaro a Lula passando por Ciro Gomes, é contra a Petrobras. A empresa deve ser inviabilizada para servir às conveniências da facção política encastelada no Planalto.

Sob o influxo da aliança com Paulo Guedes, Bolsonaro flertou com a proposta de privatização da petrolífera, uma ideia que ainda emana de seus discursos sem nexo, mas fixou-se num combate retórico à política de preços da empresa. Com a aproximação das eleições, a operação bolsonarista alargou-se até transfigurar-se numa guerra contra a própria estatal. Nela, engajaram-se aliados como Arthur Lira, presidente da Câmara, e André Mendonça, o militante extremista que veste a toga de ministro do Supremo.

É inédito. Nunca, no Brasil ou no exterior, o controlador de uma empresa conduziu uma campanha deliberada de ataques à reputação da empresa controlada, com impactos bilionários sobre o seu patrimônio em ações.

Sergio Lamucci: Inflação e crise no MEC acentuam populismo

Valor Econômico

Medidas tomadas às pressas, driblando o teto de gastos, pioram o risco fiscal

A combinação de inflação alta com a prisão do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro acentuou o desespero do governo para tomar medidas populistas, num cenário em que as pesquisas mostram o presidente Jair Bolsonaro atrás de Luiz Inácio Lula da Silva na disputa pela Presidência. As ideias para tentar reduzir os estragos do aumento de preços na popularidade de Bolsonaro se sucedem sem planejamento, piorando a percepção sobre o estado das contas públicas. Nesse quadro, o governo e o Congresso articulam iniciativas para driblar mais uma vez o teto de gastos e fugir das restrições da legislação eleitoral. O foco agora é aumentar até o fim do ano o valor do Auxílio Brasil, criar uma ajuda aos caminhoneiros e dobrar o benefício do vale-gás.

Com a prisão de Ribeiro e os indícios de que Bolsonaro interferiu nas investigações, perde mais força o discurso do presidente contra a corrupção. Somado a isso, a inflação continua disseminada, rodando acima de 10% em 12 meses, como mostrou a alta de 12,04% do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo-15 (IPCA-15) de junho nessa base de comparação.

Gustavo Loyola*: Assim está difícil

Valor Econômico

Escalada populista atinge não apenas a gestão fiscal, mas também a Petrobras, num grau de intervenção de fazer inveja às administrações petistas

Na ata da última reunião o Banco Central admitiu estar cada vez mais difícil o objetivo de trazer a taxa de inflação para o centro da meta em 2023. Por isso, sinalizou uma alta da taxa Selic acima do que esperava a média dos analistas e também a permanência por mais tempo dos juros nesse patamar mais elevado. São vários os fatores a dificultar a tarefa do BC, muito deles de origem externa, mas as ações e omissões do Executivo e do Legislativo têm sido um obstáculo formidável para a queda mais rápida e contundente da inflação brasileira.

Ao introduzir na ata, de modo inesperado, menção às projeções de inflação de 2024 e explicitar seu objetivo de derrubar a inflação em 2023 para uma taxa “ao redor da meta”, o Banco Central dá uma no cravo e outra na ferradura: não admite o abandono da busca de convergência para a meta no corrente ano, mas ao mesmo tempo começa a sinalizar - em linha com as expectativas de mercado - que tal objetivo se encontra cada vez mais distante. De toda maneira, em função da complexa conjuntura externa e dos movimentos erráticos no âmbito fiscal, o resultado inevitável do texto divulgado pelo BC foi a leitura de que a autoridade monetária jogou a toalha e que o “horizonte relevante” para a política passou a ser 2024.

Ana Cristina Rosa: Sempre dá para piorar

Folha de S. Paulo

É urgente definir o papel dos agentes do Estado num país democrático

Qual é o papel dos agentes do Estado num país democrático? Uma série de acontecimentos recentes destaca a pertinência e a urgência da questão no Brasil.

A PRF, por exemplo, resolveu liberar uma nuvem de fumaça sobre o caso Genivaldo de Jesus Santos, o homem negro morto por asfixia e insuficiência respiratória na espécie de câmara de gás improvisada numa viatura em Sergipe. Acionada por meio da Lei de Acesso à Informação, a corporação impôs sigilo secular sobre os processos administrativos que investigam a conduta dos agentes envolvidos.

No Rio, a vereadora Benny Briolly denunciou nova ameaça de morte, segundo ela "desta vez enviada do e-mail oficial do gabinete do deputado estadual Rodrigo Amorim". Foi registrada ocorrência por racismo e transfobia contra o parlamentar. "É um atentado ao meu corpo e à democracia. Sou travesti eleita pelo povo dentro dos marcos da Constituição", disse Benny.

Celso Rocha de Barros: Guerra às mulheres, guerra à imprensa

Folha de S. Paulo

Os veículos precisam exigir que o TJ-SP reconheça a razão de Patrícia Campos Mello

Nesta semana o Tribunal de Justiça de São Paulo decidirá se Jair Bolsonaro tem o direito de ofender sexualmente uma jornalista que desmascarou seus crimes. Caso decida a favor do criminoso, declarará, ao mesmo tempo, guerra à imprensa e guerra às mulheres brasileiras.

Se eu fosse Jair Bolsonaro, também odiaria Patrícia Campos Mello.

Em primeiro lugar, porque ela é uma mulher que fez o que os bolsonaristas gostam de mentir que teriam coragem de fazer: ela foi à guerra. Patrícia foi enviada especial da Folha na Síria durante a guerra civil, em uma cidade sob ataque do Estado Islâmico. Ou seja, antes de sofrer ataques de Bolsonaro, ela já tinha visto extremistas que odeiam mulheres tanto quanto ele.

Mas o motivo dos ataques de Bolsonaro a Campos Mello tem origem muito clara: ainda durante a campanha de 2018, a jornalista revelou ao país como funcionava o que chamou de "máquina de ódio" bolsonarista: disparos de WhatsApp financiados ilegalmente com notícias falsas sobre os outros candidatos.

Lygia Maria: Aborto e direita radical

Folha de S. Paulo

Nos anos 70, proibir o aborto não era pauta protestante nem do Partido Republicano

A Suprema Corte dos EUA revogou a decisão Roe vs Wade, de 1973, que garantia o direito ao aborto. Onze estados já baniram a prática, inclusive em casos de estupro, incesto e nos quais a gravidez coloca em risco a saúde da mulher. Estima-se que mais estados integrarão essa lista.

A decisão de 1973 se baseou na 14ª emenda da Constituição, que proíbe governos estaduais de privar pessoas da vida, liberdade ou propriedade sem um procedimento legal justo. Segundo a Corte, leis como a do estado do Texas, que permitiam aborto apenas se a vida da gestante estivesse em risco, violavam a liberdade de escolha das mulheres sobre uma questão de foro íntimo.

Ruy Castro: Grande ano, 1922

Folha de S. Paulo

Ele teve a Exposição do Centenário, os 18 do Forte, direita vs. esquerda e muito mais

Surpresa! Finalmente nos lembramos de que, a 7 de setembro de 1922, o Rio inaugurou a Exposição Internacional do Centenário da Independência. Foi uma festa da tecnologia e do pensamento, com 14 países presentes, dez meses de duração e três milhões de visitantes.

A Exposição sediou 29 congressos, nos quais se discutiu da indústria pesada à proteção das crianças. Estabeleceram-se intercâmbios, fecharam-se negócios e cientistas brasileiros e estrangeiros se aproximaram. Conhecemos a meteorologia, a estatística e o rádio e regulamentou-se a profissão de arquiteto. Abrigou o primeiro Congresso Feminista e teve até literatura —Gilka Machado fez conferência sobre as escritoras brasileiras. Para muitos, a Exposição representou o verdadeiro encontro do Brasil com a modernidade.

Foi o maior acontecimento de um ano já marcado por eventos que dividiriam a história do Brasil, como a criação do Partido Comunista, por Astrojildo Pereira, em março, e do Centro Dom Vital, por Jackson de Figueiredo, em maio —ali se oficializaram a esquerda e a direita no país. Em junho, os portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral completaram o voo Lisboa-Rio, na primeira travessia aérea do Atlântico Sul. E, em julho, 18 heroicos oficiais saíram do Forte de Copacabana, a pé, pela praia, contra as oligarquias, e levaram bala das tropas federais. Tudo isso aconteceu no Rio.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

O revanchismo contra a Constituição de 88

O Estado de S. Paulo

O bolsonarismo antagoniza o STF porque a Corte representa a defesa dos princípios constitucionais que protegem minorias e impedem desvarios autoritários da extrema direita

A campanha de Jair Bolsonaro contra o Supremo Tribunal Federal (STF) é tática diversionista. É muito mais cômodo criticar decisão da Corte constitucional do que resolver os problemas nacionais e governar com responsabilidade. Mas o enfrentamento com o Supremo, que o bolsonarismo alçou à categoria de prioridade máxima, tem raízes mais profundas do que simples oportunismo político. Na realidade, o inimigo de Jair Bolsonaro não é a Corte, tampouco seus integrantes. Seu inimigo é a Constituição de 1988. E é dessa relação de oposição que nasce o antagonismo do bolsonarismo com o STF, cujo papel é defender a Constituição.

Toda a vida política de Jair Bolsonaro, que se inicia em fevereiro de 1989 como vereador da cidade do Rio de Janeiro, está marcada por uma constante fundamental: o revanchismo contra a Constituição de 1988. Nessa seara, o aspecto que chama mais a atenção é a sua indignação com o fim da ditadura militar e a restauração do regime democrático. Nessas três décadas e meia de vigência da Constituição, Jair Bolsonaro é, sem sombra de dúvida, uma das pessoas públicas que mais fizeram apologia do regime militar.

No entanto – e aqui é o ponto que se deseja frisar –, a discordância de Jair Bolsonaro com a Constituição de 1988 vai muito além da questão, importantíssima obviamente, referente ao regime democrático. A proposta política do bolsonarismo é a antítese exata de tudo o que foi estabelecido na Assembleia Constituinte. Era simplesmente impossível, portanto, que o governo de Jair Bolsonaro não colidisse frontal e decisivamente com o STF, zelador da Constituição.