sexta-feira, 19 de agosto de 2022

Fernando Gabeira - Algumas ideias para a campanha que começa

O Estado de S. Paulo

Uma nova relação entre Estado e empresas, junto com o esforço dos cidadãos, pode ser uma novidade num ambiente estagnado e sem esperanças

Um fato importante dos últimos dias foi a aprovação do pacote ambiental de Joe Biden no Congresso americano: US$ 430 bilhões. O objetivo é transitar para uma economia de baixo carbono e adaptar os EUA às transformações produzidas pelo aquecimento global.

Esta grande vitória de Biden me fez pensar no Programa Apollo, que levou dois homens à Lua e custou, a preços de 2020, US$ 283 bilhões. O programa recuperou minha atenção pois é descrito pela economista Mariana Mazzucato, no seu livro Mission Economy (HarperCollins Publishers), como um exemplo de sucesso que pode inspirar uma nova fase do capitalismo, a economia de missão.

Segundo ela, existe um grande caminho para projetos em que governo e iniciativa privada se unam com possibilidades de grandes triunfos, como o programa anunciado por Kennedy em 1962 como a mais arriscada e perigosa aventura em que o ser humano embarcou.

Naturalmente, a proposta de Mariana Mazzucato prevê um Estado eficiente e empresas com alto sentido social, algo que, de forma pioneira, Larry Fink, da BlackRock, enunciou em 2018: sem um senso de propósito, nenhuma empresa pública ou privada consegue atingir seu pleno potencial.

Trabalhar com essas ideias no Brasil ainda é um pouco difícil. A tendência, aqui, é pensar no Estado como ineficaz e sonolento; e nas empresas como devoradora dos recursos públicos. Na verdade, o liberalismo mais radical só vê no Estado a função de normalizar, regulamentar, uma vez que trabalha também com a tese de que é intrinsecamente improdutivo.

Vera Magalhães - O medo como ativo eleitoral

O Globo

A pregação criminosa de fake news de cunho religioso precisa receber uma resposta da Justiça Eleitoral

O medo passou a ser o principal combustível da eleição, e, sabe-se, isso não é um bom prenúncio diante do ambiente cada vez mais radicalizado em que está mergulhada a política brasileira desde pelo menos 2013.

Jair Bolsonaro é um presidente acossado pelo medo. Cada vez mais isolado e acuado, lançou mão de todas as medidas possíveis, e até das que as leis diziam ser impossíveis, para se viabilizar eleitoralmente num momento em que as pesquisas lhe davam uma rejeição terminal e apontavam com consistência a chance de Lula ganhar no primeiro turno.

Diante da potência do arsenal que lhe foi dado pelo Congresso, com aval silente da Justiça, o resultado colhido nas pesquisas, até aqui, é pífio.

O presidente cresce entre evangélicos, se consolida junto aos mais ricos (que nem eram o alvo do pacote de bondades) e supera Lula no Sul, no Centro-Oeste e no Norte, mas isso é pouco diante da permanente desvantagem em eleitorados mais numerosos.

Os pobres, a grande massa do eleitorado brasileiro — o que, aliás, é o retrato acabado de muitas das nossas mazelas e da nossa incapacidade duradoura de crescer e distribuir renda —, continuam votando maciçamente em Lula: 55% dos que ganham até um salário mínimo apontam o petista como seu preferido em outubro pelo Datafolha.

Eliane Cantanhêde - A falsa ‘guerra santa’ de 2018 em 2022

O Estado de S. Paulo

Projeções de segundo turno em 2022 são semelhantes às de 2018 entre Lula e Bolsonaro

O segundo turno desta eleição não foi antecipado no primeiro, com Luiz Inácio Lula da Silva, favorito, e Jair Bolsonaro, segundo colocado, liderando as pesquisas desde o primeiro momento e ao longo de exatamente toda a campanha e de todo este ano. Na realidade, essa polarização, que sufocou as chances de uma terceira via, começou bem antes, vem desde 2018.

As simulações de segundo turno ao longo de 2018, quando Lula foi preso e impedido de concorrer, apontavam um mínimo de 52% e um máximo de 58% para ele, ante o mínimo de 32% e o máximo de 35% para Bolsonaro, no Datafolha, por exemplo. Pelo Ipec desta semana, deu 51% a 31%. Pelo próprio Datafolha de ontem, 54% a 37%, pouco acima do teto de 2018. Logo, a estabilidade se mantém por quatro anos.

Pelas projeções de primeiro turno, Lula mantém estabilidade, com 47%, enquanto Bolsonaro cresceu para 32% e vem reduzindo a distância para Lula, lenta e gradualmente, como a pesquisa de ontem mostrou. O petista, porém, mantém acima de 50% dos votos válidos, o que é suficiente para vencer em primeiro turno. Pelo Ipec, 52%. Pelo novo Datafolha, 51%.

De qualquer forma, a campanha oficial está apenas começando e o governo vem dizendo, inclusive a empresários, que tem “bombas” contra Lula, além de mensalão, petrolão e gestão Dilma.

E a equipe de Lula também reuniu pesado arsenal contra Bolsonaro, a começar da teimosia na pandemia. O quanto essa guerra vai interferir nos índices, nem os dois lados sabem.

Luiz Carlos Azedo - Lula e Bolsonaro estão no mano a mano no Rio de Janeiro

Correio Braziliense

O estado deixou de ser o “tambor” do Brasil, mas nada garante que os fatores que determinaram a mudança de cenário não possam ocorrer em outros estados

Uma das frentes de batalha decisivas das eleições presidenciais está no Rio de Janeiro, terceiro colégio eleitoral do país, onde o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro estão em empate técnico segundo a pesquisa divulgada, ontem, pela Genial/Quest. De julho a agosto, o presidente da República subiu de 34% para 39% das intenções de voto, colando em Lula, que manteve 39% no período. Na projeção do 2º turno, a diferença entre os dois, que era de 9 pontos, caiu para 2 nos últimos 35 dias. Faltam 44 dias para as eleições.

Detalhe: a pesquisa espontânea aponta uma tendência de Lula ser ultrapassado por Bolsonaro no Rio de Janeiro: com 33% de indecisos, Bolsonaro tem 32%, em empate técnico com Lula, que tem 30%. De onde vem essa mudança no cenário eleitoral fluminense? Dos eleitores que recebem o Auxílio Emergencial, que foi reajustado para R$ 600 e está sendo pago em dobro neste mês; dos que têm renda familiar até 2 salários-mínimos; dos católicos e, principalmente, dos evangélicos.

A pesquisa mostra que as ações administrativas do governo para melhorar os índices de aprovação de Bolsonaro começam a surtir efeito. E, também, que a narrativa conservadora nos costumes, em defesa da família, contra o aborto e outras bandeiras de cunho religioso, que estão sendo muito disseminada por meio das redes sociais, atrai de volta parte dos eleitores de Bolsonaro que estavam decepcionados com o desempenho dele na Presidência.

Bernardo Mello Franco – O major e o capitão

O Globo

Curió identificou Bolsonaro como legítimo herdeiro da repressão

Morreu Sebastião Curió, um dos mais notórios carrascos da ditadura militar. Em 1973, ele foi destacado para reprimir a Guerrilha do Araguaia. Comandou o sequestro e o assassinato de dezenas de militantes na floresta.

A operação pode ser resumida como um massacre. A ordem do Exército era não fazer prisioneiros. Os guerrilheiros eram capturados, levados para centros de tortura e executados.

Documentos militares mostram que os superiores do major o elogiavam pela “coragem e arrojo” na “árdua tarefa de combate à subversão”. Sem a proteção da ditadura, Curió não se mostrou tão destemido assim. Convocado pela Comissão da Verdade, apresentou três atestados médicos para não depor. Também se esquivou de ser ouvido em casa ou num hospital.

A rigor, seu depoimento nem seria necessário. Em 2009, Curió confirmou ao jornal O Estado de S. Paulo a execução de 41 militantes presos e desarmados. Com frieza, comparou o extermínio à limpeza de uma lavoura. “Quando se capina, não se corta a erva daninha só pelo caule. É preciso arrancá-la pela raiz”, afirmou.

Ruy Castro - Presidente demente

Folha de S. Paulo

O que Castello, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo achariam de Bolsonaro?

Quando os militares tomaram o poder, em 1964, eu tinha 16 anos. Quando foram obrigados a devolvê-lo aos civis, em 1985, 37. Nesses 21 anos, quase todos como jornalista, soube bem o que era trabalhar e viver ao peso de Castello Branco, Costa e Silva, Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Batista Figueiredo, os generais escolhidos pela cúpula militar e "eleitos" presidentes por um Congresso emasculado. Esse rodízio no poder era para mostrar que não havia ditadura no Brasil. De fato, não havia um ditador como o Getulio Vargas de 1937-1945. Na prática, era a mesma coisa, mudando apenas certos traços de personalidade e comportamento de cada general.

Bruno Boghossian - Lula deixou de jogar parado

Folha de S. Paulo

Ataque conservador e dinheiro público aumentam tração do presidente e forçam reação do petista

Lula continua à frente nas pesquisas de intenção de voto, mas teve que fazer alguns movimentos para correr atrás de Jair Bolsonaro. Nos últimos dias, o petista testou um discurso para conter o domínio do presidente sobre o eleitorado evangélico, começou a erguer barreiras para limitar os dividendos eleitorais do Auxílio Brasil e ensaiou uma estratégia de reação na campanha digital.

Depois de meses em posição confortável, o ex-presidente sabe que não é mais possível jogar parado. Lula acumulou capital eleitoral, mas a máquina do governo, o arsenal retórico de Bolsonaro e a dinâmica das próximas semanas de campanhas devem fazer com que a disputa fique mais apertada até outubro.

O avanço acelerado do presidente entre os evangélicos foi um dos fatores que ligaram o alerta do PT. O partido acreditava que a economia cambaleante seria suficiente para manter parte dos fiéis afastada de Bolsonaro, mas passou a temer um aumento dos índices de rejeição a Lula nesse grupo do eleitorado.

Hélio Schwartsman - Recado dado

Folha de S. Paulo

Só estaremos seguros mesmo quando Bolsonaro estiver no xadrez

Menos de uma semana após a sociedade civil ter afirmado de forma crível que não aceitará um golpe, foi a vez de a classe política dizer o mesmo. A mensagem foi dada na posse do ministro Alexandre de Moraes como presidente do TSE. A impressionante salva de palmas que as urnas eletrônicas receberam no discurso de Moraes mostrou que não será fácil desacreditar o sistema de contagem de votos. A Bolsonaro, que estava no evento, só restou fazer cara de tacho.

Isso significa que agora o presidente vai parar com a pregação golpista? Não é tão simples. Até acho que Bolsonaro entendeu que as resistências a seu plano de pôr as eleições sob suspeição serão maiores do que ele antecipava, mas daí não decorre que a estratégia será abandonada. O problema de Bolsonaro é que, quando acuado, ele só sabe reagir radicalizando.

Reinaldo Azevedo - O óbvio como discurso de resistência

Folha de S. Paulo

Golpismo de empresários choca também pela ignorância sobre o país

A que padrão miserável foi relegado o Brasil para se ver na contingência de saudar como um ato de resistência a fala de Alexandre de Moraes ao tomar posse na presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A rigor, nada há de especial ali: é o Teorema de Pitágoras do Estado de Direito; é a Lei da Gravidade da democracia; é a Lei dos Grandes Números de uma vida civilizada. E, no entanto, reagimos, os decentes, como se o ministro tivesse descoberto a Pedra Filosofal.

Que país é este em que o óbvio é alçado à condição de uma categoria especial de pensamento? É aquele em que alguns empresários, entre outros, reúnem-se em um grupo de WhatsApp para pregar um golpe de Estado caso Lula vença a eleição. E o fazem em nome da liberdade. A retórica dos trogloditas mundo afora é sempre a mesma.

José de Souza Martins* - O Brasil subjacente

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Em nosso subdesenvolvimento econômico do mero crescimento e das grandes taxas de lucro perece o Brasil industrial do verdadeiro desenvolvimento econômico com desenvolvimento social

Um conjunto de fatos e fatores da conjuntura política atual expõe de maneira singular as contradições da sociedade brasileira, sua perda de identidade, a inversão das realidades, o protagonismo do avesso que somos de nós mesmos. Somos um país politicamente duplo.

De certo modo, vai chegando a hora da verdade do Brasil, a do enfrentamento dessa duplicidade, sem que seja ela, propriamente, a hora de sua certeza, de sua emancipação e, finalmente, do encontro do país consigo mesmo. Do país capaz ou não de sair do atoleiro dos oportunismos que transformaram a nação em propriedade privada. Neste centenário da Semana de Arte Moderna, Macunaíma tornou-se real, o herói sem nenhum caráter, que é e não é ao mesmo tempo.

Um país que já foi industrializado e se tornou meio industrializado para atender, pela força, à ditadura de uma geopolítica do subdesenvolvimento econômico com grave e crescente atraso social. Um atraso, aliás, nunca dantes visto nem vivido, pois é o de um país que “evoluiu” para o atraso modernizado do desenvolvimento desigual. Um país sem futuro. Quase só nos repetimos.

Maria Cristina Fernandes - O principal cabo eleitoral de Bolsonaro

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Presidente precisa camuflar facetas do governo. Este é o papel de Michelle, tirar o foco do essencial. Pesquisa revela que primeira-dama influencia positivamente 29% dos eleitores do presidente

 “Geralmente as pessoas mais importantes é que falam por último. A pessoa mais importante deste momento não é o presidente da República, não é o candidato, é a senhora Michelle Bolsonaro”. O presidente da República poucas vezes esteve tão próximo da verdade quanto ao discursar no início oficial de sua campanha, em Juiz de Fora, no dia 16 de agosto. “Que Deus dê sabedoria e discernimento ao nosso povo brasileiro, para que não entregue o nosso país, a nossa nação tão amada por Deus, na mão dos nossos inimigos”, disse uma ovacionada primeira-dama.

Os dois únicos presidentes casados a disputar uma reeleição, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, tiveram as companhias diametralmente opostas, mas igualmente discretas, de Ruth Cardoso e Marisa Letícia. O que estava em jogo, tanto em 1998 quanto em 2006, era o julgamento do eleitor sobre seus mandatos. Se Bolsonaro colocou sua mulher para magnetizar seu palanque é justamente para conseguir o inverso. Tirar do foco do eleitor o que o governo fez. Por isso não exagera ao sublinhar sua importância.

Na primeira pesquisa destinada a aquilatar a importância da primeira-dama para a disputa eleitoral, feita com exclusividade para o Valor, a Quaest colheu que 34% dos eleitores têm uma imagem positiva da primeira-dama e 10%, de Rosângela Silva, mulher de Lula. Entre os evangélicos, os que avaliam positivamente a imagem de Michelle chega a 52% (27% entre os católicos). Entre os eleitores de Bolsonaro, a primeira-dama influencia positivamente o voto de 29%.

César Felício - Michelle Bolsonaro e a esposa de Assuero

Valor Econômico

Porque Michelle Bolsonaro é estratégica na campanha de reeleição do marido

A pesquisa Datafolha divulgada nesta quinta assinalou que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teria hoje 32% dos votos de evangélicos e 47% da preferência total. No caso do presidente Jair Bolsonaro, o apoio no meio evangélico sobe para 49% e entre o público em geral, 32%.

O resultado mostra que evangélicos e não evangélicos parecem viver em mundos diferentes, um é o avesso do outro. No mundo evangélico quem está às portas da vitória no primeiro turno é Bolsonaro. Não há sinal mais eloquente para se constatar que neste segmento específico da população a decisão de voto é tomada de forma muito diferente do que no do restante da população.

Os evangélicos a si mesmos se denominam de rebanho, e os pastores desse rebanho, muitas vezes, recomendam o voto em Bolsonaro. É tentadora a explicação de que a preferência por Bolsonaro se deve a alguma espécie de obediência cega dos fiéis a guias como Edir Macedo, Silas Malafaia, bispo Waldomiro, apóstolo Estevam, reverendo R. R Soares e outros. Tão tentador quanto enganoso.

Claudia Safatle - Novo arcabouço fiscal preserva o teto

Valor Econômico

Tão logo seja conhecido o resultado das eleições, e, independentemente de quem vencer a disputa, espera-se disparar o debate sobre o novo modelo

Está tomando forma a proposta de um novo arcabouço fiscal para vigorar a partir de 2023. Elaborada por técnicos do Tesouro Nacional, esta é uma discussão pós-pandemia que ocorre no mundo todo e que, aqui, abre as portas para flexibilização do polêmico teto do gasto público. A lei do teto impede que a correção das despesas ano a ano supere a inflação, medida pela variação do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo).

A proposta é de criar três faixas de parâmetro de dívida bruta do governo geral como proporção do PIB e, de acordo com a faixa, abrir possibilidade de aumentar o gasto. Uma das faixas seria a dívida estar abaixo de 60% do PIB, média do nível de endividamento dos países emergentes. Nesse caso, o governante poderia aumentar a despesa pública pela inflação mais 2% a 2,5% - percentual que equivale ao PIB potencial. Com as receitas e as despesas elevando-se, em termos reais, o equivalente ao crescimento da economia, o resultado primário ficaria constante, e a dívida, estável.

Ruth de Aquino - Os crimes de responsabilidade de Bolsonaro

O Globo

Na mira implacável de Alexandre de Moraes

Não faz muito tempo. Menos de um ano. O ministro Alexandre de Moraes, hoje comandante de nossas eleições, foi xingado abertamente, em discurso na Avenida Paulista, pelo presidente Jair Bolsonaro no dia 7 de setembro de 2021. “Qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá. (...) Ele tem tempo ainda de pedir o seu boné e ir cuidar da sua vida. Ele, para nós, não existe mais. Ou esse ministro se enquadra ou ele pede para sair. Ele tem tempo ainda para se redimir, tem tempo ainda de arquivar seus inquéritos. Sai, Alexandre de Moraes. Deixa de ser canalha”. Um mês antes, em agosto, Bolsonaro pediu o impeachment do ministro.

É sempre bom lembrar. O Brasil teima em ter memória curta. Seja lá qual for a persona que o presidente assumir nesta reta de chegada até outubro, não podemos esquecer que enfrentamos quatro anos de crimes de responsabilidade, um após o outro. Xingar um juiz do Supremo e afirmar que não obedecerá ao Poder Judiciário é crime de responsabilidade. Reunir embaixadores, com verba pública, para mentir sobre as urnas eletrônicas e caluniar o próprio país é crime de responsabilidade. Vazar dados sigilosos de inquérito da Polícia Federal é crime de responsabilidade. Negar a gravidade da Covid-19, depreciar a máscara e as vacinas, promover remédio inútil e zombar do sofrimento das famílias é crime de responsabilidade. Associar a vacina da Covid à contaminação pelo vírus da Aids é crime de responsabilidade. Propagar fake news é crime de responsabilidade.

Flávia Oliveira - Chamar pelo nome

O Globo

Não é aceitável tratar como fake news ou marketing político a estratégia espúria de atrair votos via perseguição religiosa ou sacralização de candidaturas

Quatro décadas atrás, quando comecei a percorrer grandes distâncias da cidade de ônibus, faria diferença saber que importunação sexual batizava o constrangimento a que meninas e mulheres eram submetidas silenciosamente no transporte público. Seria encorajador nominar como assédio sexual as cantadas indesejáveis nos ambientes acadêmicos e corporativos. E libertador tratar como estupradores os que sequestravam infâncias e adolescências com abusos cometidos em igreja, escola, família, vizinhança. Ou apontar o racismo de quem não perdia a chance de chamar de macacos pessoas negras de todas as idades, dolosamente desumanizando-as. São todos termos ora enquadrados como crimes para coibir violações de direitos, ainda persistentes.

Rogério Furquim Werneck - O negacionismo e os telhados de vidro na campanha

O Globo

Danos potenciais de uma campanha presidencial que promete ser muito agressiva

A campanha presidencial promete ser brutalmente agressiva. Em entrevista ao Correio Braziliense, em 7 de agosto, o ministro-chefe da Casa Civil não deixou dúvidas sobre a agressividade com que deverá ser conduzida a campanha de Bolsonaro.

Não faltará ao PT capacidade de revidar. Basta lembrar quão longe o partido foi capaz de chegar, em 2014, quando partiu para o aniquilamento da candidatura de Marina Silva no horário eleitoral gratuito, para assegurar a reeleição de Dilma Rousseff.

Haverá quem alegue que a televisão já não tem a importância que tinha e que as intenções de voto já chegaram a um grau de cristalização irreversível. Duas alegações discutíveis.

As certezas sobre a suposta irrelevância da propaganda eleitoral gratuita, com base na experiência de 2018, parecem precipitadas. Na verdade, em decorrência do atentado de que foi vítima, Bolsonaro acabou tendo muito mais destaque na televisão do que todos os demais candidatos juntos.

Pedro Doria - A campanha da mentira começou

O Globo

É preciso ter uma máquina profissional que saiba reagir à desinformação. Houve quatro anos para prepará-la

O vídeo impressiona de tão bem editado. Renata Vasconcellos, âncora do Jornal Nacional, apresenta a pesquisa do Ipec anunciada na última segunda-feira. Quando corta para o gráfico, porém, os números contam uma história bem distinta daquela que realmente foi ao ar. No vídeo que salta de WhatsApp em WhatsApp, o presidente Jair Bolsonaro (PL) lidera com 44%, seguido do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), com 32%. O Ipec de verdade afirmou exatamente o contrário. Mas a edição do áudio é tão precisa que o receptor desavisado não perceberá nada. A máquina bolsonarista de fake news, de desinformação, já está a toda. Começou o inferno que será esta eleição. E o principal adversário do presidente, Lula, está completamente despreparado para essa batalha.

O despreparo ficou evidente para quem acompanhou os grupos de zap na última semana. A campanha do presidente trabalha de forma sofisticada a desinformação. Não é mera produção de mentiras — há coordenação. O foco da semana que passou foi religiosidade, principalmente voltada para um dos eleitores-chave desta eleição: o brasileiro evangélico.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Bolsonaro está acuado após manifestações democráticas

Valor Econômico

Presidente poderá dobrar a aposta na hostilidade às instituições, mas sob risco de acentuar sua fragilidade política

Manifestações explícitas e contundentes de que as ameaças às eleições e os ataques às urnas eletrônicas pelo presidente Jair Bolsonaro não têm o respaldo das instituições e de parcelas amplas da sociedade civil colocaram o Planalto na defensiva. E, em mais um sinal de que o presidente não deveria brincar com fogo, a Polícia Federal pediu autorização ao Supremo Tribunal Federal para indiciar Bolsonaro pelo crime de divulgar notícias falsas sobre a covid-19 e desestimular o uso de máscaras.

A rotineira troca de um presidente do Tribunal Superior Eleitoral se transformou em uma demonstração de força do Supremo Tribunal Federal e do TSE sob ataque, com a presença de todos os poderes da República, quatro ex-presidentes, 22 governadores e representantes de 40 países. Presente, Bolsonaro teve de engolir em seco o discurso de Alexandre de Moraes, o novo titular do TSE, que presidirá as eleições e, igualmente importante, comanda o inquérito sobre fake news na alçada do Supremo. Nele, a PF também solicitou o indiciamento de Bolsonaro por divulgar falsidades sobre a vulnerabilidade das urnas.

Além de afirmar que é motivo de “orgulho nacional” o fato de o Brasil ser a única democracia no mundo que “apura e divulga os resultados eleitorais no mesmo dia”, Moraes foi quase redundante ao condenar o discurso do ódio, e prometer que o TSE será “célere, firme e implacável no sentido de coibir práticas abusivas ou divulgações de notícias falsas ou fraudulentas, principalmente daquelas escondidas no covarde anonimato das redes sociais”.