terça-feira, 6 de dezembro de 2022

Merval Pereira - Limites à gastança

O Globo

Tasso Jereissati e Alessandro Vieira apresentaram propostas que limitam o valor fora do teto de gastos entre R$ 70 bilhões e R$ 80 bilhões

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Transição, tachada pela oposição de “PEC da Gastança”, começa a ser analisada amanhã pelo Senado, que definirá sua forma definitiva. As PECs precisam ser aprovadas nas duas Casas (Câmara e Senado) por maioria qualificada, três quintos dos componentes de cada uma, em duas votações. Tudo com o objetivo correto de dificultar mudanças constitucionais frequentes. Apesar disso, já foram feitas 125 mudanças desde que a Constituição foi promulgada em 1988.

Se aprovada pelo Senado, ela terá de ir para a Câmara, e qualquer mudança que se fizer lá obrigará que volte ao Senado, começando a tramitação novamente. O governo não tem tempo para esperar, pois o novo Orçamento tem de ser aprovado até o dia 22 deste mês para poder valer a partir de 2023. Seu poder de pressão sobre deputados e senadores, portanto, está reduzido pelos prazos. A proposta original prevê que, por quatro anos, o governo possa colocar fora do teto de gastos nada menos que R$ 198 bilhões, que dariam para pagar o novo Bolsa Família no valor de R$ 600 mensais, mais R$ 150 por criança de até 6 anos, além de fazer investimentos em diversas áreas que as equipes de transição consideram passíveis de sofrer um apagão no final do ano.

Míriam Leitão - STF deve rejeitar orçamento secreto

O Globo

Orçamento secreto deve ser derrubado no STF por pelo menos seis votos, mas o calendário é apertado para o fim da votação ainda este ano

O orçamento secreto deve ser considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Essa é a avaliação que eu ouvi na Corte. E essa convicção vem do fato de que ele fere o “o princípio da transparência em relação à administração pública que está no artigo 37 da Constituição”. Mas será uma corrida contra o tempo. A ministra Rosa Weber pautou o julgamento da ADPF que ela relata para amanhã, quarta-feira. Não é o primeiro assunto da pauta e na quinta-feira, 8, é dia da Justiça. Na semana que vem, haverá sessão nos dias 14 e 15. No dia 19, começa o recesso do Judiciário. Na visão da fonte que eu ouvi, o tema “não é mais um assunto político, é assunto jurídico”.

Todos os olhares do novo governo estarão sobre o STF porque esta é a questão do momento. Se o uso das verbas públicas através dessas emendas do relator for considerado inconstitucional, resolve-se o mais espinhoso dilema político do novo governo, mas na Suprema Corte há quem tema que a sua derrubada crie novo conflito do Judiciário com a Câmara e o Senado. “Mais uma vez empurram para o STF algo que seria da competência do Legislativo”, me disse uma fonte do tribunal. Porém, explica um ministro, depois que a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) foi proposta, o STF tem que julgar. “A Constituição determina que o Supremo dê uma resposta”, disse esse integrante da Corte.

Carlos Andreazza - Barão Ciro Castro Alcolumbre

O Globo

Embaixador do orçamento secreto no Planalto, senador fazendo as vezes de ministro, Ciro Nogueira, bolsonarista recente, habituou-se a publicar mensagens cifradas com referências ao correr do tempo, sugerindo um prazo — tique-taque, tique-taque, tique-taque. Mas será ele a ter de se aviar. O governo Bolsonaro acabou. Seu partido, o PP, quer voar.

Voar significa independência. Liberdade para ouvir o canto do novo esquema de poder. O novo esquema é velho. As turmas se conhecem e já comerciaram. Ciro Nogueira esteve lá. Não agindo o Supremo Tribunal Federal (STF), e não agindo para acomodar, o novo esquema de poder — velhos, os vícios — terá por base de governabilidade o já assentado esquema do orçamento secreto.

As negociações pela aprovação da PEC da Transição, que são tratativas também pela permanência do vício, oferecem muitas possibilidades. As transações pelo tamanho do corpo da PEC, operações também pela reeleição do deputado Arthur Lira à presidência da Câmara, convidam a muitos bailes. A turma gosta de dançar.

Luiz Carlos Azedo - Ministro civil é chave para “desmilitarizar” o governo

Correio Braziliense

Lula precisa de uma reforma da Defesa que consolide a pasta como instrumento de poder civil

A criação do Ministério da Defesa como uma pasta civil nunca foi bem aceita pelos militares, em cuja concepção seria algo equivalente ao antigo Ministério da Guerra ou ao Estado-Maior das Forças Armadas durante o regime militar. Teria a função de coordenar a atuação conjunta das forças, sob comando de um general de quatro estrelas, e não subordinar Exército, Marinha e Aeronáutica a um poder civil. Reestruturar o Ministério da Defesa é uma questão chave para o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva “desmilitarizar” o governo.

Derrotados na eleição de Tancredo Neves, em 1985, os militares operaram uma retirada em ordem do poder, que havia sido iniciada com a “anistia recíproca”, de 1979. Foi uma estratégia política bem-sucedida, apesar dos percalços, e concluída durante o governo do presidente José Sarney. Eleito presidente, porém, Fernando Henrique Cardoso resolveu erradicar a influência militar da política nacional e criou o Ministério da Defesa, com objetivo de otimizar o sistema de defesa nacional, formalizar uma política de defesa sustentável e integrar as três Forças, racionalizando as suas diversas atividades.

Raphael Di Cunto - Congresso empareda PT e traça limites

Valor Econômico

Força do governo no Congresso depende da PEC da Transição

Com a mesma certeza que os brasileiros têm de que a nossa seleção ganhará a Copa, a ponto de até torcer pela lesão de seu melhor jogador, o PT saiu do segundo turno da eleição acreditando que o torneio já estava ganho e que a vitória sobre Jair Bolsonaro (PL) deu aval para o partido impor seu plano de governo sem negociar com as demais forças políticas do país.

Os articuladores da transição passaram a dizer que os gastos seriam ampliados em R$ 200 bilhões de forma indefinida e já decidir em reuniões fechadas como esse dinheiro todo seria usado: aumentar as verbas para saúde e educação, investir em moradia popular e estradas, retomar os incentivos à cultura. Pleitos justos e necessários, mas a forma ignorou que parte expressiva dos eleitores não concorda com os planos econômicos do PT, só queria ver o Jair ir embora. O Congresso tratou de botar a PEC embaixo do braço, colocar no meio do campo e mostrar que a partida não tinha sequer começado.

Luiz Schymura* - Um mercado de trabalho desafiador

Valor Econômico

Famílias unem baixa poupança com alto risco de perder renda

A taxa de desemprego no Brasil recuou para 8,3% no trimestre que se encerrou em outubro - menor patamar desde 2015 -, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC) divulgada em 30 de novembro. É importante notar que a melhora ocorreu em um contexto de elevação da população ocupada (PO), que atingiu o recorde da série iniciada em 2012: 99,7 milhões de pessoas. Sem dúvida, são números positivos que sugerem um mercado de trabalho dinâmico.

Contudo, embora seja uma estatística importante, a taxa de desemprego, por si só, não dá necessariamente um retrato fidedigno do desempenho do mercado de trabalho. Afinal, aspectos também relevantes para os trabalhadores, como renda e benefícios adicionais recebidos (plano de saúde, auxílio-creche, fundo de previdência etc.), assim como garantia de trabalho futuro, não são captados por esse indicador.

Luiz Gonzaga Belluzzo* - A meritocracia, de Confúcio a Sandel

Valor Econômico

Na configuração atual, as sociedades escancaram a incapacidade de entregar o que prometem aos cidadãos

Tzu-chang perguntou a Confúcio: “Como um cavalheiro deve ser para que digam que ele conseguiu distinguir-se?”. O Mestre disse: “Que diabos você quer dizer com ‘distinguir-se’?”.

Tzu-chang respondeu: “O que tenho em mente é um homem que tem certeza de ser conhecido, sirva ele em um reino ou em uma família nobre”. O Mestre disse: “Isso é ser conhecido, não se distinguir. O termo ‘distinguir-se’ descreve um homem que é correto por natureza e que gosta do que é certo, sensível às palavras das outras pessoas e observador da expressão nos rostos delas e que sempre se preocupa em ser modesto. Por outro lado, o termo ‘ser conhecido’ descreve um homem que não tem dúvidas de que é benevolente, quando tudo o que ele está fazendo é mostrar uma fachada de benevolência que não condiz com suas ações”.

Cristina Serra - STF, corrupção e democracia

Folha de S. Paulo

Orçamento secreto é máquina de ineficiência e desperdício de dinheiro público

A sociedade brasileira aguarda decisão definitiva do Supremo sobre o maior esquema de corrupção e de corrosão da democracia de que se tem notícia neste país. A indecência atende pela alcunha de orçamento secreto. Coisa de máfia mesmo, pela inconstitucionalidade, pelo sigilo sobre os parlamentares beneficiados e pelo volume de dinheiro que se esvai nos ralos dessa imundície.

O caso está à espera de suas excelências há um ano. Fala-se nos bastidores que algum ministro poderá recorrer ao "perdido de vista". Ainda que mal pergunte, precisa de mais tempo para entender o quê? O orçamento secreto permite coisas como fazer, em 2020, 12.700 radiografias de dedo em Igarapé Grande (MA), que tem 11.500 habitantes. Esse é um exemplo do varejo.

Alvaro Costa e Silva - Crime e saúde

Folha de S. Paulo

General Pazuello, um dos responsáveis pela calamidade sanitária, foi premiado com 200 mil votos

Até hoje, com novas variantes do coronavírus circulando (embora muita gente tenha fastio e se recuse a falar ou mesmo a se lembrar da pandemia) e a triste marca de mais de 690 mil mortes, o Ministério da Saúde insiste — sem o aval de estados e municípios — em manter políticas negacionistas, como o uso do famigerado kit Covid.

Além do retrato do descaso com que o regime que está indo embora sempre tratou os brasileiros, é uma prova de crime. O relatório da CPI da Covid identificou 29 tipos penais e sugeriu o indiciamento de 80 pessoas, entre os quais o ex-ministro Eduardo Pazuello e o atual, Marcelo Queiroga. Bolsonaro foi acusado formalmente de ter cometido nove crimes; charlatanismo é apenas um deles. A PGR tem travado o acesso da PF aos dados da investigação.

Joel Pinheiro da Fonseca - Twitter e a liberdade de expressão

Folha de S. Paulo

A comunicação de massas foi pulverizada. Não há mais a coesão institucional que permitia simplesmente tirar algumas pessoas e conteúdos do debate público

É cedo para declarar que o Twitter sob Elon Musk será um fracasso, como alguns predizem. Enquanto a transformação não vem, ele já está dando o que falar. Na semana passada, um jornalista independente, com a cooperação de Musk, tornou públicas as trocas de mensagens entre comitês de campanha das eleições americanas de 2020 e os funcionários e executivos do Twitter encarregados de moderar o conteúdo na plataforma. Mais especificamente, mostrou que houve uma decisão interna de interditar uma matéria do New York Post em outubro de 2020 sobre um laptop do filho de Hunter Biden -filho de Joe Biden -que teve seu conteúdo vazado.

Eliane Cantanhêde - Olho vivo!

O Estado de S. Paulo

Não dá para exigir mágica nem cobrar Lula por culpas que não são dele. Quando forem, pau nele!

Enquanto o ainda presidente Jair Bolsonaro deixa as motociatas para lá e se concentra em cerimônias militares, grupos bolsonaristas continuam atacando irresponsavelmente as eleições e cobrando que jornalistas e especialistas sejam “tão implacáveis” com o presidente eleito Lula como foram com Bolsonaro. OK. Isso vale para qualquer presidente. Mas depende de como as coisas caminharem.

Se vier uma pandemia e Lula tratar como “gripezinha”, criticar quem faz isolamento social como “maricas”, rir das pessoas morrendo sem oxigênio, trabalhar contra vacinas e máscaras e fizer propaganda de remédio inadequado, os bolsonaristas podem ficar tranquilos. Pau nele!

Bernard Appy* - Seletividade na tributação

O Estado de S. Paulo

Para melhorar a distribuição de renda, o ideal é focar em políticas de transferência para os mais pobres

A Constituição federal dispõe que o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) “será seletivo, em função da essencialidade do produto”, e que o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) “poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”.

Segundo o princípio da seletividade, bens e serviços “essenciais” deveriam ser menos tributados, de modo a beneficiar as famílias de menor renda, que, proporcionalmente, consomem mais itens básicos que as pessoas de maior renda. A realidade, no entanto, é que a seletividade tributária é muito pouco eficaz como instrumento de política distributiva.

Segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o consumo de alimentos da cesta básica do Pis/cofins pelas famílias com renda superior a 25 salários mínimos é, em reais, cerca de três vezes superior ao das famílias com renda inferior a dois salários mínimos. Em termos absolutos, portanto, a desoneração da cesta básica beneficia mais os ricos que os pobres. Se o objetivo é melhorar a distribuição de renda, seria melhor tributar a cesta básica e transferir o montante arrecadado para as famílias pobres, ou mesmo um valor igual para todas as famílias.

Paulo Hartung - Cuidar do clima é cuidar da vida

O Estado de S. Paulo

O caminhar planetário desajeitado despreza não apenas riscos e passos já efetivados, mas também oportunidades

Se o caminho se faz no caminhar, com roteiros tortuosos o mundo está deixando um rastro em desalinho com a emergência climática. A COP-27, recentemente realizada no Egito, é evidência desse passo a passo irresoluto.

Pela primeira vez, incluiu-se no texto final a autorização para criação de um fundo de perdas e danos, antigo pleito de países em desenvolvimento, especialmente costeiros e insulares, que já sofrem com o aumento do nível do mar. O esgotamento do meio ambiente aprofunda as já enormes desigualdades sociais. Eventos naturais extremos causam impactos socioeconômicos maiores justamente em países mais vulneráveis. Mesmo com este sinal, o fundo ainda carece de detalhamento operacional.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

STF tem dever de acabar com emenda do relator

O Globo

Depois de suspense, Rosa Weber marcou para amanhã votação que deveria pôr fim ao orçamento secreto

Depois de meses de suspense, a ministra Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), pautou enfim para amanhã o julgamento das ações que contestam a constitucionalidade das emendas do relator do Orçamento, conhecidas pela sigla RP9. Apelidado orçamento secreto, trata-se de instrumento fisiológico, opaco, que não leva em conta critérios técnicos e incentiva a corrupção. Espera-se que a maioria do plenário varra para o lixo esse expediente, criado em 2019 pelo governo Bolsonaro para comprar apoio político e blindar o presidente de investigações e pedidos de impeachment.

É função do STF impedir que o Congresso estabeleça qualquer regra orçamentária contrária aos princípios constitucionais de moralidade, impessoalidade, publicidade, isonomia e equidade. É exatamente o caso do orçamento secreto. O dinheiro distribuído a quem apoia o governo é controlado pelos caciques do Centrão, em particular os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). As verbas são destinadas a projetos de retorno político aos parlamentares governistas, em geral em seus redutos eleitorais, e não onde façam sentido social ou econômico.