sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Vera Magalhães - Corrida ao STF pode repetir velhos vícios

O Globo

Nada blinda o governante que aponta ungidos para a Corte com base em preferências pessoais de se frustrar

Muito se reclama de politização do Supremo Tribunal Federal (STF), de excesso de ativismo da Corte máxima ou, frequentemente, da mudança de maiorias conforme sopre o vento da política. Esquece-se nessas críticas, repetidas com sinal trocado a cada mudança da guarda do grupo que está no poder, que grande parte desses “defeitos” é decorrência justamente da forma como são feitas as indicações dos ministros.

Com a aproximação da aposentadoria de Ricardo Lewandowski, o jogo de interesses que se impõe à corrida pela cadeira mostra a repetição de antigos vícios que, quando determinam a escolha, levarão, forçosamente, à repetição dos efeitos tão condenados. O presidente Lula está bastante inclinado a indicar para o lugar de Lewandowski — cuja própria nomeação foi creditada, à época, em parte à proximidade com a família do petista — alguém que seja de sua absoluta confiança, cuja fidelidade esteja acima de qualquer suspeita.

Bernardo Mello Franco - A aposta de Dino

O Globo

O assassinato da vereadora Marielle Franco vai completar cinco anos. O caso já passou pelas mãos de cinco delegados e quatro equipes de promotores. Até hoje, ninguém conseguiu responder quem mandou matá-la.

O vaivém das investigações pode indicar falta de interesse em punir os criminosos ou excesso de interesse em acobertá-los. As duas hipóteses depõem contra as autoridades fluminenses.

A Polícia Federal já desvendou um esquema de suborno para atrapalhar a elucidação do crime. Mesmo assim, o Superior Tribunal de Justiça barrou uma tentativa de federalizá-lo.

Ao negar o pedido, a ministra Laurita Vaz criticou a imprensa, sempre ela, e elogiou o “evidente empenho” e o “excelente trabalho” das autoridades locais. Seria interessante saber se ela mantém a mesma opinião quase três anos depois do julgamento de 2020.

Até aqui, a polícia só prendeu dois acusados pela execução do crime: os ex-PMs Ronnie Lessa e Élcio Queiroz. Eles ainda não foram levados a júri e nada disseram sobre os mandantes. Nem sobre o paradeiro da submetralhadora usada na noite de 14 de março de 2018.

Flávia Oliveira - Perto do fim


O Globo

O futuro de vidas preservadas depende de políticas públicas de habitação, saneamento, mobilidade urbana e desenvolvimento

O dicionário define resiliência como a propriedade que corpos — nem todos — apresentam de retornar à forma original depois de submetidos a uma deformação elástica. Há também o sentido figurado de um indivíduo se recobrar sem dificuldade ou, pior, se resignar com a má sorte ou com mudanças, por óbvio, negativas. Leio e penso no desenho animado do Papa-Léguas, em que o Coiote era sistematicamente achatado pela armadilha que montava para aprisionar o desafeto. Reconfigurado, jamais aprendia a lição.

Resiliência é tudo o que vem sendo exigido da natureza e dos humanos afetados pela crise decorrente da exploração vil dos recursos naturais e da violação contumaz do direito dos vulneráveis à vida digna. Paciência é a qualidade que está chegando ao fim para uns e outros. O ponto de inflexão para o Brasil compreender que há limite para tudo pode ter sido a tragédia que se abateu sobre o Litoral Norte de São Paulo entre a noite de sábado e a madrugada do domingo de carnaval.

Pedro Doria - A Suprema Corte dos EUA contra algoritmos?

O Globo

O responsável pela seleção não é quem produziu o conteúdo. É o YouTube. Ou o Twitter. Ou o Facebook. Ou o TikTok

A Suprema Corte americana começou a analisar um caso muito difícil, que poderá mudar para sempre a cara da internet. Os pais de Nohemi Gonzalez, uma universitária de 23 anos que morreu num ataque terrorista em Paris, estão processando o YouTube. Seus advogados alegam que os três responsáveis pelo ataque à casa de shows Bataclan, em 2015, foram radicalizados após assistirem a uma série de vídeos produzidos pelo Estado Islâmico (EI) e recomendados pelo site.

A praxe da Corte americana é escolher os casos que julgará. Ela não é obrigada a aceitar nenhum, mas, sempre que considera haver uma questão constitucional importante, entra no debate. Os advogados submetem aos nove juízes seus argumentos por escrito e, depois, são convidados a uma ou mais sessões de sustentação oral. É quando os ministros têm a oportunidade de compreender melhor como cada lado vê o tema em debate. A primeira sessão foi na última terça-feira.

Reinaldo Azevedo – Soterramento, juros e heterodoxia

Folha de S. Paulo

Litoral norte de SP remete a iniquidades anteriores à PEC da Transição

O Brasil real insiste em desafiar algumas ideias "magras e severas" (Musil) sobre Orçamento, juros e outras réguas da economia que decidem o destino da carne dos pobres. Lembro um caso. Na imprensa, eu me senti quase um ET ao defender a PEC de Transição. O Orçamento do Biltre Homiziado de Orlando havia reservado, por exemplo, R$ 34,1 milhões para o Minha Casa, Minha Vida neste ano. A PEC, que apelidei "da Realidade Orçamentária", definiu R$ 9,5 bilhões para o programa. Negociações no Congresso, no âmbito desse texto, elevaram a verba para a prevenção de desastres de R$ 671,54 milhões para R$ 1,2 bilhão — ainda assim, a mais baixa desde 2010.

Vinicius Torres Freire - O fantasma da crise de crédito

Folha de S. Paulo

Arrocho dos juros faz efeito há mais de ano, mas faltam dados novos para decretar ‘crise’

O espectro da "crise de crédito" ronda a economia brasileira. O que é uma "crise de crédito"? O rumor é impreciso. Não há números decisivos recentes. Ouvindo bancos maiores, as perspectivas e avaliações são díspares.

O ruído aumentou depois do rolo da Americanas. A seguir, apareceram notícias sobre renegociação de débitos (algum nível de calote) de meia dúzia de empresas grandes. Agora, há estatísticas, privadas, parciais e pouco conclusivas, de aumento da procura de serviços de reestruturação de dívidas.

Mas o que é mesmo uma "crise de crédito"?

Poderia ser, por exemplo, uma parada súbita das concessões de crédito bancário. Isto é, uma redução grande da quantidade de empréstimos novos para empresas de uma hora para outra.

Por qual motivo? Alguns calotes grandes levariam os bancos a rever sua carteira de empréstimos a fim de procurar riscos e a repensar o planejamento de novas concessões.

Bruno Boghossian - Lula diversifica cardápio

Folha de S. Paulo

Presidente trabalha para pulverizar distribuição de verba e reforçar digitais do Planalto

A farra das emendas de relator concentrou na cúpula do Congresso a moeda de troca dos acordos políticos com o governo. O Executivo liberava a verba, mas os cardeais do Legislativo determinavam a partilha do dinheiro. O fim do mecanismo deu ao Planalto a chance de investir em outras ferramentas.

Lula trabalha para reformular o cardápio que alimenta a rede de apoio político do governo. Nas últimas semanas, o presidente fez movimentos com o objetivo de pulverizar a distribuição de recursos, reforçar impressões digitais do Planalto na canalização de verba oficial e renegociar a ocupação de órgãos que distribuem esse dinheiro.

Hélio Schwartsman - Clima na história

Folha de S. Paulo

Com o aquecimento global, não será surpresa se a historiografia "geografista" ganhar mais relevo

tragédia em São Sebastião mostra nossa fragilidade diante da inclemência da natureza. Ela também nos faz lembrar dos altos riscos envolvidos na utilização irresponsável do solo. Mas, dentro de mais alguns dias, esse ciclo noticioso estará encerrado, e a maioria de nós não voltará a pensar no assunto, até o próximo desastre.

Não temos dificuldade em ligar intempéries e outros fenômenos naturais a eventos catastróficos específicos, mas raramente os concebemos como forças a moldar a marcha da história. Não é que nossos historiadores sejam cegos para esses efeitos, mas a academia, por aqui, tem outros favoritos. A esquerda valoriza explicações de cunho econômico, na melhor tradição marxista. Liberais são fãs do institucionalismo. Autores que colocam o clima e, de modo mais geral, a própria geografia como elementos definidores do surgimento, expansão e desaparecimento de civilizações, como Jared Diamond, não encontram muitos adeptos.

Eliane Cantanhêde - ‘Olha eu aqui!’

O Estado de S. Paulo

Rússia e Ucrânia mandam sinais favoráveis à entrada do Brasil em campo

A um mês da ida do presidente Lula à China para se reunir com seu equivalente, Xi Jinping, o Brasil avança duas casas na pretensão de articular (ou até liderar) uma frente de paz entre Rússia e Ucrânia, além de se colocar como a bola da vez para atrair financiamentos e investimentos do G20. Audácia pouca é bobagem.

Quando Lula, após a conversa com o presidente Joe Biden, em Washington, sugeriu essa frente de países “não envolvidos” para negociar a paz, ninguém deu bola. O Brasil tem tamanho para isso? Ou é megalomania? As respostas começam a surgir.

O vice-ministro de Relações Exteriores da Rússia, Mikhail Galuzin, agradeceu a decisão brasileira de não enviar armas para a Ucrânia, como queriam os Estados Unidos e a Alemanha, e declarou à agência Tass que o governo de Vladimir Putin “está estudando a proposta de paz de Lula, mas levando em conta a evolução da situação”.

Laura Karpuska* - Desastres naturais e políticos

O Estado de S. Paulo

O Estado possui um papel fundamental na prevenção de tragédias como a que ocorreu nesta semana

Desastres frequentemente são resultado de péssimas políticas públicas. A natureza pode estar sendo particularmente impiedosa conosco, em parte por causa das ações do próprio ser humano sobre o meio ambiente. No entanto, o Estado possui um papel fundamental na prevenção de tragédias como a que ocorreu nesta semana em São Sebastião. Há muito mais que poderia ser feito nesse sentido.

Vemos que o Estado não consegue chegar às pessoas. As chuvas no litoral norte de São Paulo matam e deixam sem casa dezenas de pessoas. Todos os anos. Casas alagadas e cheias de lama também são comuns nas periferias de São Paulo em épocas de chuvas.

Celso Ming - O desemprego por aplicativos

O Estado de S. Paulo

Quando se trata de criar políticas contra os estragos na força de trabalho causados pelo crescente emprego de aplicativos, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, e, em geral, os sindicatos parecem mais preocupados com o que chamam de precarização dos novos serviços de entrega do que com o desemprego provocado por esses e outros aplicativos.

Nessa condição, denunciam a situação dos trabalhadores de transporte por aplicativo (mototaxistas, entregadores, motoristas), que somaram 1,69 milhão no terceiro trimestre de 2022 (veja o gráfico), que, em sua grande maioria, não contam com nenhuma proteção social, cumprem desregradas jornadas de trabalho e, em caso de acidentes graves, são lançados à rua da amargura. Porque têm de ganhar seu sustento no dia a dia, são obrigados a se arriscar por aí.

Em 2022, só na cidade de São Paulo, morreram 405 ocupantes de motocicletas. Se fossem de doença, essas mortes seriam em número suficiente para que as autoridades sanitárias reconhecessem como uma epidemia. Mas como são mortes de motoqueiros e de suas vítimas, tudo parece mais do que normal.

Nova âncora fiscal prevê trava para gasto permanente e flexibilidade em investimento e gasto social

O desenho das novas regras para as contas públicas não está fechado, mas deve prever uma sinalização para a contenção de gastos públicos e para garantir sua previsibilidade

Por Manoel Ventura e Fernanda Trisotto  / O Globo

BRASÍLIA - O governo tem pressa para concluir o novo conjunto de regras para as contas públicas não só para dar uma sinalização ao mercado sobre responsabilidade fiscal, como para elaborar as bases do Orçamento de 2024. O risco de construir a “prévia” da proposta orçamentária com recursos escassos é um dos motivos que levaram o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a adiantar a apresentação da nova âncora fiscal, que ele pretende enviar ao Congresso em março.

O desenho das novas regras para as contas públicas não está fechado, mas deve prever uma sinalização para a contenção de gastos públicos e para garantir sua previsibilidade. Uma das intenções é estabelecer algum tipo de trava para as despesas permanentes, como salários.

A ideia é evitar que um boom de arrecadação, por exemplo, seja usado para bancar gastos permanentes.

César Felício* - A fraternidade e o constrangimento

Valor Econômico

Clima político leva Igreja Católica a se engajar menos

Houve tempo em que dois temas monopolizavam a atenção da imprensa na Quarta-Feira de Cinzas: a apuração do desfile das escolas de samba e o lançamento da Campanha da Fraternidade pela Igreja Católica.

A iniciativa religiosa de uns anos para cá tornou-se um não-assunto, por mais relevante que sejam os temas levantados, como de fato são. Ficaram ao léu portanto as palavras duras do papa Francisco em relação ao mote deste ano da Campanha, “fraternidade e fome”. “A fome é criminosa”, “a alimentação é um direito inalienável” e “o descarte de alimentos constitui um escândalo”, disse o papa, para a indiferença da maioria.

As razões para a decadência da Igreja Católica como influenciadora do debate nacional são várias e estão em permanente discussão. Mas há uma que sobressai, e pode ser observada quando se olha dentro, e não fora das sacristias. Falta engajamento da própria Igreja.

Claudia Safatle - Há o risco de uma recessão

Valor Econômico

Visão camicase vai implodir economia em 2023 e 2024

É real o risco de recessão no segundo semestre deste ano. No segundo trimestre, a atividade econômica ainda estará no terreno positivo por causa da agropecuária mas espera-se contração de 0,5% em relação ao primeiro trimestre. Para o terceiro e quarto trimestres haveria contração em torno de 0,6% por trimestre. Ou seja, sem o setor da agropecuária, haveria uma retração no ano. Com o agronegócio é possível crescer 0,2% neste ano, diz Silvia Matos, economista e coordenadora do Boletim Macro do FGV Ibre.

O maior problema hoje é salvar 2024. “Poderíamos vislumbrar uma queda da inflação e os juros cairiam no fim de 2023, e teríamos um ano de 2024 melhor. Agora, não estamos conseguindo ver os cenários para a frente, perde-se a oportunidade de ter o ano de 2023 mais difícil, mas com uma melhora em 2024. E qual o benefício que o governo pretende colher com essa postura? Não vejo nenhum”, diz Silvia Matos.

Maria Cristina Fernandes - “O Exército conseguiu tudo o que queria”

Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Em depoimento inédito ao projeto “Memória da Constituinte”, ele contou como atuou para que a ingerência militar na lei e na ordem internas permanecessem intactas

 “Tira esses óculos aí que quero ver sua cara.” O general Leônidas Pires Gonçalves tinha 88 anos e mal tinha chegado à sala reservada para seu depoimento quando enquadrou um dos pesquisadores que o aguardava. Corria a tarde do dia 11 de dezembro de 2009, quando o primeiro ministro do Exército pós-ditadura chegou à sala da pós-graduação no quarto andar da sala da faculdade de direito da PUC-RJ.

Por duas horas, daria um depoimento aos pesquisadores do projeto “Memórias da Constituinte”, que reúne pesquisadores de oito instituições (Unifesp, Cedec, USP, Unicamp, Uerj, Ufscar, Unesp e Mackenzie) e é coordenado pelo professor de ciência política da Unifesp Antônio Sérgio Rocha. O seu depoimento é um dos 30 revisados e autorizados pelos entrevistados entre os 152 já realizados pelo projeto.

“O Exército conseguiu tudo o que queria na Constituição”, declarou o general num depoimento, que permanece inédito, em que ele detalha seu trabalho para manter incólume a atuação das Forças Armadas na lei e na ordem internas do país. A prerrogativa está no artigo 142 da Constituição, alvo de proposta de emenda à Constituição para a qual o deputado Ricardo Zarattini (PT-SP) colhe assinaturas.

José de Souza Martins* - Desafios do novo sebastianismo

Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

O bolsonarismo foi planejado como permanência do ausente, visibilidade do invisível, morto que fala e acha que vai ressuscitar

Muito provavelmente, o restabelecimento da ordem após a catástrofe econômica e política de quatro anos de incitação à baderna não é a única na importância e na urgência. É preciso mais para superar o governo que desgovernou para criar um vazio proposital, redesenhar o Estado e fragilizar a sociedade. A articulação golpista de 2018 não foi feita apenas para ganhar uma eleição, mas para subjugar um país.

Falas presidenciais valorizaram a desordem. A bandeira do bolsonarismo não tinha disfarce: era a de substituir valores, normas, direitos, concepções políticas e conquistas sociais exatamente pelo seu contrário. O objetivo era evidente: implantar o caos, transformar o país num caso de polícia, criar a necessidade de repressão para enquadrar um inimigo fantasioso e fora de moda.

Luiz Carlos Azedo - Sucesso de Lula dependerá do seu acordo com o Centrão

Correio Braziliense

“Demonstrando espantosa resiliência, o PT tem a chance de rever na prática os seus erros e dar vida ao reformismo social possível, em tempos de penúria e de ataques ao regime de liberdades”

Professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap, a socióloga Maria Hermínia Tavares de Almeida publicou ontem, na Folha de S. Paulo, a propósito dos 43 anos de fundação do PT, um excelente artigo sobre a trajetória do partido. Destaque para singularidade da sua gênese: “Não ter surgido do interior do sistema político, por iniciativa do Estado, nem tampouco de acordos entre políticos profissionais”. E o fato de que, com o tempo e no poder, “foi se achegando às nada republicanas formas de financiamento da vida partidária e das campanhas eleitorais, praticadas pelos partidos brasileiros de todas as colorações e que, mais tarde, explodiriam nos escândalos do mensalão e do petrolão”.

Sou velho leitor da professora Maria Hermínia Tavares de Almeida. Seu artigo “O Sindicato no Brasil: novos problemas, velhas estruturas”, publicado em julho de 1975, na revista debate & crítica (assim mesmo, com minúsculas), teve muita repercussão na academia e no mundo sindical. Naquele momento, após o avanço da oposição nas eleições de 1974, a política de distensão do presidente Ernesto Geisel estava sendo substituída por uma nova onda de prisões e assassinatos, entre as quais as do operário Manoel Fiel Filho e do jornalista Vladimir Herzog.

Mércio Pereira Gomes* - O Povo Yanomami (2)

Os Yanomami constituem um dos últimos grandes povos indígenas a viver sua cultura como se estivessem isolados ou indiferentes ao mundo circundante, vasto e aterrador.

Ainda que muitas de suas aldeias estejam em contato com agentes brasileiros e venezuelanos, missionários, antropólogos, militares e renitentes garimpeiros, os Yanomami mantêm o sentimento de que são um povo singular, excepcional, autônomo, autossuficiente em sua cultura, donos de seu destino. Seu vasto território – sendo 96.000 km2 do lado brasileiro e 83.000 km2 do lado venezuelano1 – se situa nos contrafortes da Serra Parima, que divide águas dos afluentes do Rio Orinoco das águas dos afluentes dos rios Branco e Negro, localizado entre o Brasil e a Venezuela.

1 Para comparar, Portugal tem 98.000 km2 Os Yanomami (Yanomam, Sanuma, Ninam) passaram a ser conhecidos por esse(s) nome(s) por via de missionários e antropólogos que com eles estiveram, tendo sido antes conhecidos na historiografia sobre a região por Guaharibo, Waiká, Xirianá e outros etnônimos. Vivendo numa região remota e de difícil acesso, tanto da parte da Venezuela quanto do Brasil, os Yanomami mantiveram uma população sólida e uma cultura resiliente a toda penetração externa. Por volta de meados dos anos 1960, eles somavam, nos dois países, cerca de 15.000 pessoas vivendo em 120 aldeias; apesar de terem sofrido muitas epidemias de doenças como varíola, sarampo, malária e tuberculose, com muitas mortes, e de terem eles próprios, em guerras contumazes, infligido muitíssimas mortes internamente, eles perseveraram, sempre se recuperando de suas quedas, cresceram e hoje somam quiçá 35.000 indivíduos em talvez 650 aldeias ou grupos locais ou xabono. No lado brasileiro, seriam por volta de 21.000 em 260 aldeias; na Venezuela, de 12.000 a 15.000, em 20152.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Justiça acerta ao autorizar retirada de área de risco

O Globo

Manter a população vivendo em pontos sujeitos a novas tragédias equivale a uma sentença de morte

O Litoral Norte de São Paulo, atingido pelas chuvas mais fortes já registradas no Brasil, vive situação de calamidade pública. São impressionantes as imagens de ruas e casas soterradas por toneladas de lama descidas das montanhas. As tempestades não cessaram, e o solo permanece instável. O risco de novas tragédias é real. Por isso fez bem o Tribunal de Justiça de São Paulo ao atender a pedido da Procuradoria-Geral do Estado e da Prefeitura de São Sebastião, autorizando o governo paulista a retirar à força moradores que se recusam a deixar suas casas em locais sujeitos a novos deslizamentos e inundações.

Compreende-se a resistência deles em abandonar suas casas. Alguns alegam não ter para onde ir, outros temem prejuízos com saques e depredações. Mas nada justifica ficar em áreas condenadas pela Defesa Civil. A própria decisão judicial afirma que a remoção é preventiva e recomenda que os moradores sejam levados a abrigos. O governador paulista, Tarcísio de Freitas, afirmou que só haveria remoção forçada de moradores em último caso.