sábado, 4 de março de 2023

Marco Antonio Villa - Federalismo e democracia

Revista IstoÉ

Historicamente, o poder local transformou os estados em províncias, uma espécie de capitanias hereditárias

O federalismo tem uma história muito particular no Brasil. Importado da experiência exitosa norte-americana acabou sendo, em diferentes momentos, adotado por diversos países latino-americanos e em todos eles fracassou. Ou levando à secessão ou a longas e desgastantes guerras civis. Vale destacar que no caso norte-americano, o federalismo foi um produto histórico,da formação inicial das treze colônias da América do Norte desde o século XVII. Isso não significa que não tenha passado, no processo independentista, por exemplo, por vários desafios. Mas conseguiu superá-los até os tempos atuais em meio às turbulências que deixariam de cabelo em pé os pais fundadores dos Estados Unidos ou Alexis de Tocqueville e suas reflexões no clássico “A democracia na América.”

Murillo de Aragão - Cenários para a reforma tributária

Revista Veja

É imperativo buscar consenso entre as partes interessadas

Na semana que se encerra foi apresentado um ambicioso programa de trabalho para a reforma tributária. Vale fazer algumas observações sobre o tema. A reforma tributária está na pauta das intenções do mundo político há décadas, mas, como sempre, pouco ou nada acontece. A indefinição e a não conclusão do debate sobre temas complexos se apresentam sempre que não há consenso entre as partes envolvidas. Nesse caso, para construir esse consenso, é necessário observar algumas condições.

A primeira é avaliar a realidade tributária atual, dissecar suas distorções e mensurar a extensão das perdas e dos ganhos que a reforma provocará, tanto para governos quanto para o setor privado. Sem um pleno conhecimento da realidade e dos impactos das mudanças propostas será difícil avançar.

Miguel Reale Júnior* - Mulheres de coragem

O Estado de S. Paulo

Registro, aqui, as figuras de corajosas advogadas, as primeiras a perorar nos tribunais e a proclamar e exigir a igualdade entre homens e mulheres

Na próxima semana comemora-se o Dia Internacional da Mulher, momento de renovar o compromisso com o combate à desigualdade e à discriminação de gênero.

Há pouco mais de um século, tendo por principal objetivo a obtenção do direito político da mulher de votar e de ser votada, Bertha Lutz, zoóloga, fundou a Federação Brasileira para o Progresso Feminino. Essa entidade arregimentou centenas de mulheres e exerceu incisiva liderança na reivindicação sufragista, incluindo a Federação brasileira no movimento internacional. Contou essa batalha com importante colaboração de quatro advogadas: Myrthes Gomes de Campos; Natércia da Cunha Silveira; Elvira Komel; e Almerinda Farias Gama. Myrthes, brilhante oradora, primeira advogada brasileira, sustentou não haver lei proibindo o exercício da advocacia pela mulher. Natércia, gaúcha, e Elvira, mineira, foram as primeiras advogadas de seus Estados natais.

João Gabriel de Lima - Políticos fazem política. Ainda bem

O Estado de S. Paulo

A Itália estagnou quando seus eleitores passaram a alternar técnicos e populistas no governo

Uma foto em que o vice-presidente Geraldo Alckmin aplica uma vacina no presidente Luiz Inácio Lula da Silva viralizou nesta semana nas redes sociais. Na semana passada, a imagem da vez mostrava Lula e o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, em ação conjunta para resgatar as vítimas das enchentes. As duas fotos têm algo em comum: o teor das reações nas caixas de comentários, carregadas de palavras como “repugnante”, “oportunismo” e “má-fé”.

Fotos em que adversários ou ex-adversários políticos confraternizam são comuns. Uma pesquisa rápida no Google mostra Alckmin com Anthony Garotinho em 2006; Fernando Haddad com Paulo Maluf em 2012; ou a famosa imagem em preto e branco de Lula com Fernando Henrique distribuindo panfletos na porta de uma fábrica, em 1978 – na época, eram aliados. Será que aumentou o estranhamento na era das redes sociais?

Luís Francisco Carvalho Filho* - A democracia por um triz

Folha de S. Paulo

Bolsonaristas apostam na narrativa do estado de exceção

Quando a turba bolsonarista destruiu o Supremo Tribunal Federal, a Câmara dos Deputados, o Senado e o Palácio do Planalto, alimentada pela estratégia golpista do ex-presidente da República, havia duas alternativas.

Ou as autoridades não fariam nada, omitindo-se criminosamente, como aconteceu nas depredações de 12 de dezembro, data da diplomação de Lula, ou tomariam as providências para identificar, prender e processar os envolvidos.

A prisão em massa gera problemas logísticos: são centenas de depoimentos, de autos de apreensão e de levantamentos periciais. Mas a máquina se movimenta. Dez dias depois, tinham sido realizadas, por magistrados, 1.459 audiências de custódia. Desde então, centenas de presos deixaram a Papuda, em regime de liberdade provisória, adotadas medidas restritivas como a tornozeleira eletrônica.

Bolsonaro e seguidores radicais apostam na narrativa do estado de exceção. É a continuidade lógica do discurso que se apropriava (indebitamente) de valores como liberdade de expressão, legalidade, para atacar viés autoritário do Supremo e do TSE –tribunais que, em vários momentos, resistiram a seus devaneios fascistas.

Hélio Schwartsman - Circus maximus

Folha de S. Paulo

É bom que Lula ouça todas as alas do governo, mas não é necessário fazê-lo à vista de todos

Vejo com bons olhos o hábito do presidente Lula de deixar que ministros e assessores de diferentes alas troquem argumentos e até farpas em torno de posições antes de tomar sua decisão. Soluções debatidas, isto é, submetidas a um processo de crítica, tendem a ser melhores que as produzidas com base apenas em intuições. A dúvida é se essas disputas devem ser travadas em privado ou aos olhos de todos.

De um modo geral, a transparência é bem-vinda. Eu diria até que é uma necessidade quando falamos de governos. Uma receita infalível para produzir arbítrio e corrupção é permitir que autoridades tomem decisões sem que precisem prestar contas delas. Não é uma coincidência que os serviços estatais mais temíveis sejam aqueles autorizados a operar sob o manto do sigilo, como a CIA ou o Mossad.

Alvaro Costa e Silva - Os arapongas do general

Folha de S. Paulo

Mais que um ambiente contaminado pela política, há politicagem nas Forças Armadas

Quer dizer que gravaram um general do Exército, em reunião com subordinados do Comando Militar do Sudeste, de forma escondida? E depois o áudio foi vazado com a intenção de alimentar a insatisfação na caserna? O fato, além de evidente quebra de hierarquia, mostra que dentro das Forças Armadas há muito mais que um ambiente contaminado pela política; há politicagem.

A conversa se desenrolou quase que inteiramente sobre temas políticos. Em determinado momento da gravação feita em 18 de janeiro, o atual comandante do Exército, Tomás Paiva –que ainda não havia assumido o cargo em substituição ao general Júlio César de Arruda, demitido pelo presidente Lula– comenta a eleição que deu a vitória ao petista: "Infelizmente foi o resultado que, para a maioria de nós, foi indesejado. Mas aconteceu".

Demétrio Magnoli - Escarpas da morte

Folha de S. Paulo

Rodovia assinala fronteira social em São Sebastião

A Vila Sahy morreu de política, não de chuva. É que, antes de tudo, ela não deveria estar lá.

São Sebastião é uma cidade polinucleada. Há o centro, esparramado diante da parte estreita do canal marítimo, e os inúmeros núcleos urbanos implantados numa faixa costeira de cerca de 60 quilômetros.

O pano de fundo são as escarpas florestadas da Serra do Mar, que por vezes atingem a linha litorânea e formam divisores de planícies fluviais drenadas pelos rios com nascentes no planalto. Nas planícies marinhas estreitas ou largas nasceram povoados caiçaras que, mais tarde, foram absorvidos pelos atuais bairros estruturados em torno do turismo. Algumas delas, como Sahy e Juquehy, abrangem áreas de mangues.

Alvaro Gribel - A Petrobras e o caminho do meio

O Globo

Existe uma enorme diferença entre repassar menos lucro aos acionistas e absorver prejuízos com subsídios a mando do governo federal. Achar esse ponto de equilíbrio será o grande desafio do presidente da Petrobras, Jean Paul Prates. A entrevista coletiva do ex-senador, na quinta-feira, no Rio, prezou pela transparência. Prates abriu diálogo com jornalistas, muitos especializados no setor de energia, e não deixou de responder a nenhuma pergunta. Ao mesmo tempo em que criticou a política de Paridade de Preços de Importação (PPI), a qual chamou de “abstração”, também negou que venderá combustíveis a um preço menor do que produz.

— Não vou canibalizar ou aniquilar a minha margem (da Petrobras). Tem um momento em que vou parar (de reduzir o preço). Mas, até um determinado ponto, eu posso disputar o mercado com o importador, por que não? — disse.

Carlos Alberto Sardenberg -A mágica furada

O Globo

A regra do teto de gastos, se respeitada, exigiria que o governo fosse mais eficiente e mais produtivo na gestão

A regra do teto de gastos, aprovada por Emenda Constitucional em 2016, tem três virtudes básicas. Primeira, a simplicidade: diz que o gasto do governo federal de um ano deve ser igual ao do ano anterior mais a inflação. Transforma uma coisa complicada — o arranjo ou arcabouço ou protocolo fiscal — em algo fácil de entender. A ideia, simples, é manter o gasto público constante. O governo não pode aumentar as despesas, mas não precisa diminuí-las.

Dirão: mas fica engessado, de modo que o novo governo não pode aplicar seus próprios programas. Falso: o teto está dado, mas é possível manejar despesas para esta ou aquela área.

Pablo Ortellado - Autonomia do Judiciário está em xeque

O Globo

Precisamos estar atentos ao que anda acontecendo pelo mundo

Nas democracias modernas, a divisão dos Poderes entre Executivo, Legislativo e Judiciário foi concebida para prevenir abusos. Cada um deveria supervisionar e conter os demais, e das disputas entre eles deveria emergir uma espécie de equilíbrio virtuoso.

Essa seria a função do controle constitucional das leis, que permite ao Judiciário supervisionar o Legislativo; das emendas constitucionais, que permitem ao Legislativo condicionar o Judiciário; da sanção ou veto presidencial, que permite ao Executivo limitar o Legislativo; ou do impeachment, que, no limite, permite ao Legislativo conter o Executivo.

Embora certo nível de conflito entre os Poderes seja previsto — ou mesmo estimulado — pelo desenho institucional, quando esse conflito leva ao enfraquecimento permanente de um deles, é o próprio equilíbrio que fica comprometido.

Eduardo Affonso - As novas sensibilidades

O Globo

Esta geração precisa de espaços seguros para se desenvolver e não pode ser exposta a barbáries do tipo Tom & Jerry

Há quem fale em censura, mas as edições revistas e pasteurizadas de clássicos podem ser entendidas como mera atualização de discurso, acomodação aos novos tempos. Releituras, ao estilo “quem conta um conto omite um ponto”.

Se há consumidor para café sem cafeína, cerveja sem álcool e churrasco de melancia, também os haverá para literatura sem “gordo”, “feio”, “louco”. Ou que evite palavras cavilosas, como “preta” — ainda que para caracterizar a cor de um casaco — e “branca” — mesmo que para falar da lividez de um rosto.

Já foram feitas adaptações de “Dom Quixote”, da “Odisseia” e até de “Alice no País das Maravilhas” para leitores infantis. Mauricio de Sousa abrasileirou Shakespeare, Jonathan Swift e Alexandre Dumas usando a Turma da Mônica. Não deveria haver problema em ajustar Roald Dahl e sua “Fantástica fábrica de chocolate” à frágil criança moderna.

Fernando Carvalho* - Os Presentes dos presidentes

Jair Bolsonaro virou Presidente da República depois de muito enaltecer a honestidade dos militares, como se militar fosse infenso ao vil metal. Segundo ele, nenhum ditador militar de 64 enriqueceu no exercício do cargo, coisa que Bolsonaro não pode dizer de si próprio e de seus filhos. Pretendo comparar aqui a honestidade de Lula com a do general Figueiredo, focalizando um caso específico em que ambos se comportaram da mesma maneira.

Lula foi e ainda é um líder político como poucos na história recente do mundo. Foi saudado como "o cara" por Barack Obama, foi hóspede da Rainha da Inglaterra e pode, quiçá, ganhar até um Prêmio Nobel. Lula ficou dois mandatos na presidência e ganhou muitos presentes de empresários e de chefes de governo e estado, bem como de representantes de outros países. Todo mundo sabe que dando presentes é possível se "comprar" uma pessoa. Por isso o Código de Conduta da Alta Administração Federal é claro quanto ao recebimento de presentes e brindes. Se o presente tiver valor histórico, cultural ou artístico este presente não pode ser recebido. O presidente só pode receber itens personalíssimos como medalhas personalizadas ou bens de consumo direto como bonés, camisetas e chinelos. E mesmo um simples "brinde" não pode ter valor superior a R$ 100,00 (cem reais). Dura lex sed lex.

Marcus Pestana - Comunismo: proletariado e revolução

“Um espectro ronda a Europa – o espectro do comunismo”. Assim, Marx e Engels abrem “O Manifesto Comunista”, de 1848. E concluem em conclamação triunfante: “Proletários de todos os países, uni-vos”. O texto programático foi o documento fundador da Liga dos Comunistas.

Na entrada do século XIX as mazelas e injustiças produzidas pelo novo sistema capitalista industrial geraram o movimento socialista, como expressão política inicial da nascente classe operária.

A década de 1830 foi marcada por diversas insurreições dos trabalhadores na França. Na Inglaterra, em 1831, foi fundado o Partido Cartista, o primeiro partido operário. Em 1848, eclodiu a Comuna de Paris. Mesmo ano, em que o “Manifesto do Partido Comunista” foi publicado. O movimento sindical se fortalecia na Europa Ocidental.

A resistência democrática do PCB - Março de 1970 (Resolução do Comitê Estadual da Guanabara

Apresentação: Armênio Guedes

Em 1970, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) vivia um momento de grandes dificuldades políticas. E não era diferente a situação dos comunistas da antiga Guanabara, cujo Comitê Estadual havia sido eleito em 1967, na conferência preparatória do VI Congresso do Partido.

A derrota do movimento de massas em 1968/69 e a promulgação do AI-5, que liquidou os últimos restos de liberdades existentes no país após o golpe de 1964, colocaram as correntes políticas e o movimento operário e popular perante uma situação nova e complexa. As formas de luta e de organização que as forças democráticas deviam adotar a partir de posições necessariamente defensivas, de resistência, impostas por derrotas sucessivas após 64 e principalmente no período que se seguiu ao insucesso político de 68, nem sempre foram assimiladas com a rapidez que a situação do país exigia. Faltaram para isso a todas essas organizações – e entre elas o PCB – lucidez e agilidade políticas.

Muitos – pessoas e organizações –, levados pelo desespero e pela falta de perspectiva, se deixaram arrastar, com base numa análise falsa, para as posições da luta armada e do uso indiscriminado da violência, como formas únicas e exclusivas de ação política no combate para liquidar a ditadura. A um tal comportamento não estiveram alheios militantes e setores do PCB, que posteriormente dele se desligaram. Em 1970, apesar da condenação do VI Congresso ao "foco guerrilheiro" e a outras formas de luta que não apresentavam caráter de massa, ainda tinham influência nas fileiras do PCB muitas das idéias defendidas pelos "foquistas". Parcialmente influenciados por tais idéias, muitos membros do PCB vacilavam em realizar esforços para reconstruir o movimento de massas e, assim, colocar em prática a linha de resistência ao processo de fascistização do país, executado pelo regime mais abertamente após a adoção do AI-5. Essa não era certamente uma tarefa simples nas condições de repressão e terror então existentes; mas era o único caminho possível e viável para a resistência e o gradativo avanço das forças democráticas.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Sob Lula, Codevasf ainda é paraíso do orçamento secreto

O Globo

Seria razoável esperar que estatal se aprumasse com mudança de governo, mas não há perspectiva de mudança

Sai governo, entra governo, e nada muda na Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). Ela tem a capacidade de atravessar administrações de espectros políticos antagônicos permanecendo intocável. Paraíso das verbas do orçamento secreto no governo Jair Bolsonaro e conhecido feudo do Centrão, a Codevasf continua, na gestão Luiz Inácio Lula da Silva, a ser abrigo seguro para apaniguados e parentes de políticos influentes.

Presidida pelo engenheiro Marcelo Andrade Moreira Pinto, apadrinhado pelo líder do União na Câmara, Elmar Nascimento (BA), a Codevasf funciona hoje como uma empresa familiar. No comando da superintendência em Alagoas está João José Pereira Filho, primo do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). A família Codevasf inclui ainda a assessora da presidência Juliana e Silva Nogueira Lima, irmã do senador Ciro Nogueira (PP-PI); o chefe da ouvidoria Leonardo Férrer de Almeida, filho do ex-senador Elmano Férrer (PP-PI); e a assessora Luana Medeiros Motta, mulher do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB).