sábado, 18 de março de 2023

Demétrio Magnoli - Al Capone, Bolsonaro e nós

Folha de S. Paulo

Futuro político do ex-presidente pode misturar impunidade com inelegibilidade

Al Capone acabou em Alcatraz pelo menor de seus crimes: evasão fiscal. Os crimes comuns que pesam sobre Jair Bolsonaro no caso das joias pouco significam perto dos crimes constitucionais praticados sistematicamente ao longo de seu mandato. Mas delineia-se um cenário no qual o ex-presidente terá o destino do mafioso americano. Seria uma forma de misturar, no liquidificador da demagogia, impunidade com inelegibilidade.

Durante a pandemia, Bolsonaro sabotou as restrições sanitárias e a campanha de vacinação, operando contra o direito coletivo a saúde pública. Seu governo estimulou a invasão de terras indígenas por garimpeiros e madeireiros, desafiando o compromisso estatal de proteção desses povos. Durante quatro anos, o presidente mobilizou seus apoiadores em persistente agitação golpista, que culminou no 8 de janeiro de Brasília, traindo o dever de respeito às instituições democráticas. Contudo, ao que parece, responderá apenas por peculato, descaminho e abuso de poder.

Alvaro Costa e Silva - Os cúmplices de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Novos escândalos mostram como militares se curvaram ao capitão

O almirante Bento Albuquerque não está com a memória boa. Esquece o que falou, confunde as coisas, mistura alhos, bugalhos e muambas. Em depoimento à PF, ele deu mais uma versão sobre as joias recebidas na viagem à Arábia Saudita em 2021.

Diz agora que o pacote feminino (par de brincos, colar, anel e relógio confeccionados com pedras preciosas que brilham de cegar e com valor avaliado em R$ 16,5 milhões), retido na Receita Federal e alvo de uma força-tarefa governamental para que fosse liberado, era um presente da ditadura saudita ao Estado brasileiro —assim como o conjunto masculino (abotoaduras, caneta, relógio, anel e um tipo de rosário, todos da marca suíça de diamantes Chopard, avaliados em R$ 400 mil), que entrou ilegalmente no país e foi entregue a Bolsonaro.

Hélio Schwartsman - Resgate a bancos quebrados cria o chamado risco moral

Folha de S. Paulo

É fundamental que operações de salvamento não recompensem gestores incompetentes

Um mundo justo é aquele em que cada um responde por suas ações e omissões. A definição não é despropositada, mas receio que a maioria de nós não gostaria de viver num lugar assim. Nele, pessoas que não tivessem poupado para aposentadoria seriam condenadas à miséria na velhice; quem não tivesse plano de saúde morreria na porta do hospital. Vivemos em sociedades que redistribuem riscos, por variados mecanismos.

No Brasil, temos o SUS, um sistema de saúde universal bancado com dinheiro dos impostos. Temos também o INSS e programas de governo voltados para populações específicas. Mais longe do âmbito do Estado, temos seguros, hedges etc.

Rodrigo Zaidan - Sobressaltos bancários adiam recuperação global para 2024

Folha de S. Paulo

Problemas em bancos trarão maior custo de crédito e diminuição do crescimento

Apertem os cintos, o regulador sumiu. A quebra do banco Silicon Valley (SVB, em inglês) acendeu o alerta no mercado financeiro mundial.

Estamos à beira de uma crise financeira global como a de 2008? Felizmente não, mas isso pode contribuir para desacelerar a economia global.

Há chance de uma crise financeira no Brasil? Também não, já que temos um dos reguladores mais conservadores do mundo.

O SVB quebrou por ter dinheiro demais, o que parece estranho à primeira vista, é claro. O banco recebeu uma enxurrada de mais de US$ 120 bilhões em novos depósitos em 2020 e 2021, com preços de ativos financeiros nas alturas; em 2019, o total de depósitos não chegava a metade disso.

Fernanda Mena - Com reforma, Macron pode jogar França no colo da ultradireira

Folha de S. Paulo

Ao impor reforma da Previdência aos franceses, presidente adiciona pólvora a cenário potencialmente explosivo

"Trabalhar e morrer." A frase fatalista, vista em cartazes nas manifestações que levaram milhões às ruas da França contra a controversa reforma da Previdência de Emmanuel Macron, exagera um sentimento comum entre os franceses, que pode, segundo analistas, jogar o país no colo da ultradireita.

Ao elevar a idade mínima para a aposentadoria de 62 para 64 anos, a reforma imposta pelo governo mexe em um sistema de segurança social que é motivo de orgulho nacional e reduz o horizonte dos franceses de usufruir do benefício com qualidade em uma terceira fase da vida.

"A proteção social francesa é relativamente generosa na comparação internacional, assim como o nível das pensões", explica Anne-Marie Guillemard, especialista em trabalho e previdência da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS), em Paris, e professora emérita de sociologia da Universidade de Paris Cité. "E os franceses são muito apegados a esse sistema, que permite aos aposentados manter um nível de vida similar ao de quando estavam ativos."

João Gabriel de Lima* - As cidades de 15 minutos

O Estado de S. Paulo

O paulistano fará festa se um dia conseguir resolver compromissos em menos de meia hora

No dia em que Francisco Prestes Maia terminou seu mandato, um carro o esperava à frente do gabinete do prefeito, que ficava na Rua Libero Badaró. O político dispensou o motorista, caminhou até o Viaduto do Chá e pegou o bonde logo adiante, na Rua da Consolação. Prestes Maia, prefeito de São Paulo entre 1938 e 1945, abriu mão das mordomias do cargo assim que saiu dele. A anedota é narrada no livro A Capital da Vertigem, de Roberto Pompeu de Toledo.

No episódio, Prestes Maia rejeitou o carro e preferiu o transporte público. Na vida política, fez o contrário. Foi dele o plano de avenidas que se espraiam do centro para os bairros periféricos – as “radiais” –, num desenho que em tudo privilegia os carros. Poucos paulistanos sabem que essa escolha, feita décadas atrás, é responsável pelos congestionamentos que enfrentam hoje.

Maílson da Nóbrega* - O papel das regras na geração de riqueza

O Estado de S. Paulo.

Independência dos BCs tornou-se imprescindível nos últimos 50 anos e consagrada há pelo menos três décadas. PT e Lula não perceberam essa realidade ainda

Nas recentes críticas à taxa de juros, o presidente Lula tachou de “bobagem” a independência do Banco Central (BC). Ocorre que a regra prevalece nos países ricos, sem exceção. Também é assim em países latino-americanos. Em três deles – Chile, Colômbia e México, governados por líderes de esquerda – esse status permanece. O novo presidente colombiano, Gustavo Petro, ex-guerrilheiro, reclamou das taxas de juros, mas não questionou a independência do banco central.

Lula usou um exemplo pessoal para defender uma tese: nos seus dois primeiros mandatos, o presidente do BC tinha autonomia para definir a taxa Selic. Não haveria, pois, necessidade da independência formal. Lula se equiparou, assim, a Luís XIV, o Rei Sol francês do século XVII, que em 72 anos de reinado se tornou o símbolo máximo do absolutismo. Egocêntrico, ele teria dito que “o Estado sou eu”, ou seja, a fonte máxima de poder e autoridade para estabelecer regras. Se não fosse Lula o presidente, como ficaria a autonomia do BC?

Adriana Fernandes - Nas mãos de Lula

O Estado de S. Paulo.

Haddad terá de gastar saliva para convencer pessoal do governo de que regra não é arrocho

É só o começo da guerra que Fernando Haddad, trava com a ala expansionista do governo e do PT em torno do anúncio do novo arcabouço fiscal. É uma guerra tribal, relata um interlocutor da coluna.

Enquanto Haddad quer e precisa mostrar uma nova regra fiscal que pareça robusta e crível, a ala expansionista do governo está fazendo de tudo para que o novo arcabouço seja o mais flexível e gradual possível no processo de reversão do déficit das contas públicas.

Como Haddad e três integrantes da sua equipe já deixaram claro que o modelo contém uma regra de controle das despesas, o ponto central que está pegando na definição do arcabouço é o que ficará de fora do limite de gastos. Quais os investimentos, os projetos prioritários. O que inclui o tamanho do novo PAC que Lula quer fazer.

Evangélicos querem isenção para igrejas até de impostos indiretos

Por Luísa Marzullo / O Globo

Proposta que amplia isenção tributária para igrejas ganha força na Câmara com adesão de governistas

Bancada evangélica mobilizou 336 deputados federais em prol da Proposta de Emenda à Constituição

Com aval do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e apoio de partidos da base de Lula, a bancada evangélica mobilizou 336 deputados federais em prol da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que busca ampliar a imunidade tributária para as igrejas no país. Os evangélicos, que angariaram uma série de benefícios durante a gestão Jair Bolsonaro, querem isenção também em impostos indiretos, aqueles que incidem sobre produtos e serviços, por exemplo. Para especialistas, esse novo modelo vai impactar diretamente na arrecadação dos estados.

A imunidade para os templo está prevista na Constituição, e o Supremo Tribunal Federal (STF) entende que a isenção se refere aos tributos diretos — tais como IPTU no imóvel da igreja ou IPVA para os carros no nome da entidade religiosa. Com a nova proposta, o deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ) busca expandir a medida para as tributações indiretas. No caso de uma reforma do templo ou em obras comunitárias ligadas à igreja, por exemplo, o material de construção seria adquirido sem imposto.

Carlos Alberto Sardenberg- Dúvidas razoáveis?

O Globo

Sumir com um déficit de 2,3% do PIB em dois anos é uma proeza que só pode ser realizada com forte corte de gastos

Existem várias maneiras para controlar as contas públicas, mas, ao final, trata-se de uma combinação de receitas e despesas. Tem-se falado recentemente em controle pela dívida. Ocorre que o tamanho e a evolução da dívida dependem da relação entre receita e despesas. Se o gasto excede a arrecadação, surge um déficit que logo se torna dívida.

Também se pode avaliar a dívida não pelo tamanho absoluto, mas pela relação com o Produto Interno Bruto. Se a dívida permanece estável, e o PIB cresce, é claro que o quadro fiscal ganha equilíbrio. Mas a outra variável — a equação de receita e despesa — continua dominante.

Dirão:

— Mas que monte de obviedades!

Com razão.

Então por que estamos insistindo nisso? Porque toda essa conversa sobre o novo arcabouço fiscal parece caminhar em busca de algum truque para escapar daquelas obviedades.

O que se sabe?

Eduardo Affonso - É ruim, mas é bom

O Globo

As manchetes das análises econômicas têm sido um tanto bipolares. O desemprego é alto, mas está baixo. Projeta-se uma recessão, mas isso não é o fim do mundo. Lula acertou sobre o BNDES, apesar de ter errado.

É como se vivêssemos numa espécie de “Tudo em todo o lugar ao mesmo tempo”, só que sem o multiverso. Basta a tecnologia das conjunções adversativas, com o viés apontando para onde olhar com mais carinho — o que vem antes ou o que vem depois do “mas”.

No governo anterior, volta e meia algo despiorava. No atual, aqui e ali, algo desmelhora. Por exemplo, a redução dos juros do empréstimo consignado. Faltou combinar com os russos (os bancos) e com o mundo real (onde o pensamento mágico tem poderes limitados). A suspensão da linha de crédito foi um resultado inesperado para os jênios do Ministério do Trabalho — e previsibilíssimo para quem já leu “Introdução aos rudimentos básicos de economia para principiantes”. Juro baixo é como o colesterol: tem o bom e o ruim.

Pablo Ortellado - A política está adoecendo a esquerda?

O Globo

Uma pesquisa publicada no fim do ano passado disparou um grande debate nos Estados Unidos sobre a relação entre saúde mental e política. O estudo, publicado na revista SSM Mental Health, apontou uma correlação intrigante entre a identidade política dos adolescentes e uma escala que mede depressão. Estudantes do último ano do ensino médio (17 e 18 anos) que se identificam como “liberais” (na tradição americana, de esquerda) têm pontuação média significativamente maior na escala que mede depressão do que aqueles que se identificam como “conservadores”. A diferença aparece em toda a série histórica e, mesmo quando a depressão entre todos os adolescentes dispara, no começo dos anos 2010 (provavelmente pelo maior uso de mídias sociais), a pontuação é maior para adolescentes de esquerda e maior ainda para meninas de esquerda.

A recepção da pesquisa ficou restrita aos círculos acadêmicos até o fim de fevereiro, quando foi descoberta e passou a ser discutida nas redes sociais e na imprensa americana. O debate produziu dois tipos de explicação.

Marcus Pestana - Fascismo: totalitarismo e guerra

Seguimos hoje com mais um artigo da série sobre as correntes de pensamento que animaram as lutas políticas nos últimos séculos, tratando de um dos fenômenos históricos mais complexos e intrigantes da civilização moderna: o nazifascismo.

Um terremoto de grandes proporções se abateu sobre a Europa nas décadas de 1920, 1930 e início dos 40. Não é possível atribuir eventos tão trágicos que resultaram na Segunda Grande Guerra, no Holocausto e na crise econômica e social vivida no período, apenas à psicologia individual e aos atributos pessoais de Mussolini e Hitler. O líder, seja o “Dulce” ou o “Führer”, só pode ser compreendido dentro do contexto histórico que se configurou após a Primeira Grande Guerra e a crise monumental que se abateu sobre a Alemanha e a Itália, agravada pela Grande Depressão de 1929. É intrigante entender como dois líderes desequilibrados, sem empatia pelo ser humano, carismáticos, narcisistas, ególatras, violentos, conseguiram chegar ao poder pela via da democracia parlamentar e consolidar a mais terrível experiência totalitária em toda a história moderna – esqueçamos aqui o stalinismo já objeto de artigo anterior – com impacto em todo os cantos da Terra, na mais chocante guerra vivenciada pela Humanidade. O líder, ainda mais ditadores facínoras como Mussolini e Hitler, tem, sem dúvida, um papel crucial nos acontecimentos. Mas não chegariam e se manteriam no poder a não ser em determinadas condições históricas e obtendo consensos mínimos e apoio social em seus países.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Políticos precisam cumprir exigências da Lei das Estatais

O Globo

Liminar do ministro Lewandowski dispensou de quarentena líderes de partidos e campanhas eleitorais

O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) tem a missão de rever a suspensão, pelo ministro Ricardo Lewandowski, de obrigações impostas pela Lei das Estatais. Em liminar feita sob medida para atender aos interesses do Planalto, Lewandowski dispensou lideranças de partidos e campanhas eleitorais de cumprir a quarentena de três anos antes de assumir cargos de direção nessas empresas.

Trata-se de um retrocesso evidente, por enfraquecer a legislação que tenta manter a gestão das empresas estatais imune à interferência de interesses políticos. Toda vez que políticos as subordinam a seus desígnios, estão dadas as condições para escândalos que resultam em prejuízos à sociedade e ao contribuinte — quando não em cadeia.

O interesse dos partidos em obter cargos para apaniguados nas estatais é evidente. É grande a pressa para indicar nomes neste início de governo. Daí o PCdoB — partido da base governista que entrou com o processo contra a Lei das Estatais — ter solicitado uma liminar sobre o assunto sem esperar o pedido de vista feito na semana passada pelo ministro André Mendonça no plenário virtual, onde tramita a ação. Para que a decisão de Lewandowski seja examinada também com rapidez, Mendonça decidiu então devolver o processo ao plenário físico.