sexta-feira, 31 de março de 2023

Cristovam Buarque* - Catástrofe histórica

Correio Braziliense

No início de 1964, as forças políticas conservadoras estavam descontentes com o presidente João Goulart por propor reformas sociais que o Brasil, havia séculos, se negava a fazer. Os norte-americanos não estavam satisfeitos porque temiam o Brasil assumir posição de não alinhado na guerra fria entre Estados Unidos e União Soviética. E o povo brasileiro estava descontente com a instabilidade social, a indisciplina e a polarização política, a inflação, a recessão, o desemprego, sucessivas greves, mobilizações, confrontos nas ruas, impasses e falta de rumo no parlamento. Havia um quadro propício à vitória de candidatos da oposição nas eleições de 1966, mas as Forças Armadas, com sua desconfiança permanente em relação aos civis e sua vocação para intervir na política, destituiu o presidente, interrompeu a democracia, prendeu líderes de esquerda e cassou direitos dos democratas de direita, suspendeu o funcionamento autônomo das instituições e aboliu liberdade acadêmica e de imprensa durante 21 anos.

Quase 60 anos depois, é possível dizer que o golpe de 1964 foi o maior de diversos erros históricos e oportunidades perdidas pelo Brasil no século 20. Se tivéssemos esperado as eleições de 1966 e as seguintes impedidas, teríamos enfrentado a crise conjuntural e encontrado rumos para superar nossos problemas estruturais.

Bernardo Mello Franco - Anistia, ainda que tardia

O Globo

Comissão começa a exorcizar legado do bolsonarismo, que tentou culpar vítimas por violências que sofreram

Num dia marcado pelo retorno de Jair Bolsonaro e pela apresentação do novo marco fiscal, a notícia passou quase despercebida. Não deveria. Depois de quatro anos, o Estado brasileiro voltou a reconhecer crimes praticados pela ditadura militar. Foi a retomada da Comissão de Anistia, que havia sido sequestrada pela extrema direita no governo passado.

Com nova composição, o órgão promoveu ontem os primeiros julgamentos de 2023. A sessão virou uma catarse coletiva. “São processos doloridos, de sofrimento, mas que precisam vir à tona”, avisou o presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos, André Carneiro Leão. Seguiram-se relatos de perseguições, prisões ilegais e torturas praticadas pelo regime autoritário.

Herdeiro dos porões, Bolsonaro entregou a comissão a notórios defensores do arbítrio, como o general Luiz Eduardo Rocha Paiva. Capturado, o órgão negou 95% dos pedidos de anistia. Ontem quatro desses processos foram revistos.

Vera Magalhães - Agora é que vem o mais difícil

O Globo

Primeiro teste foi bem-sucedido para Haddad, mas etapas da aprovação e da execução da proposta serão bem mais complicadas para o governo

Fernando Haddad se saiu bem no primeiro ato de dar à luz a nova regra fiscal, marco inicial do governo Lula 3, pois vai ditar sua capacidade de cumprir promessas eleitorais sem estourar o caixa. Em resumo, seu sucesso ou fracasso.

Esse primeiro teste já envolvia alguns desafios bem significativos: que a proposta fosse aceita pelo famigerado mercado, que não fosse detonada nas redes sociais pelo PT, que fosse bem recebida na primeira reação pelos líderes no Congresso e que arrancasse uma piscadela do Banco Central.

Tudo se concretizou e, como bônus, a sua apresentação ainda teve o condão de tirar os holofotes da volta de Jair Bolsonaro, tratada com exagerada atenção inclusive por parte da imprensa. Bingo, cartela cheia.

Escrevi sobre os aspectos, por assim dizer, políticos, da apresentação da nova âncora fiscal no blog ainda nesta quinta-feira.

O problema, para Haddad, é que tudo isso foi apenas o ensaio geral, e os verdadeiros testes para a proposta e para ele ainda nem começaram.

A começar do fato de que o projeto de lei complementar ainda não foi redigido. Portanto, as boas intenção, quando colocadas preto no branco ainda podem conter inconsistências não detectadas na primeira audição.

Luiz Carlos Azedo - Agora, sim, o governo Lula mostra sua política fiscal

Correio Braziliense

Falta ainda combinar com os beques. O governo precisa mandar o texto da Emenda Constitucional para o Congresso e convencer deputados e senadores de que a proposta é eficaz

Responsabilidade fiscal com responsabilidade social, esse é binômio da política econômica do governo Lula, reiterado, ontem, pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao lado da ministra do Planejamento, Simone Tebet. A tradução técnica dessa política é o novo “arcabouço fiscal”, como vem sendo chamado o mecanismo adotado para enfrentar o problema do deficit público com gradualismo, sem um choque fiscal que jogaria o país numa crise social ainda maior do que a que já existe. A nova regra fiscal substitui o teto de gastos, a emenda constitucional que limita o aumento de despesas à inflação do ano anterior, que caducou durante a pandemia de covid-19.

O anúncio foi feito no Congresso, tendo boa repercussão no mercado e na opinião pública. Entre os políticos da oposição, a primeira reação foi deixar a proposta decantar no mercado, para aprová-la ou não, dependendo da reação. A proposta prevê metas de superavit primário flexíveis, com uma banda de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB) de ajuste para cima ou para baixo. Segundo Haddad, essa margem de manobra permitirá o fechamento do exercício fiscal do Orçamento da União com mais segurança, sem medidas atabalhoadas. A adoção de um mecanismo anticíclico daria mais flexibilidade para a gestão da economia em conjunturas radicalmente distintas, ao permitir correções de rota em momentos de necessidade.

Ranier Bragon - Novo bloco de 142 deputados racha centrão e desafia poder de Lira

Folha de S. Paulo

Republicanos, que compunha o centrão com o PL e legenda do presidente da Câmara, se une a MDB, PSD, Podemos e PSC

Cinco partidos de centro e de direita criaram formalmente na Câmara dos Deputados um bloco que reúne 142 dos 513 deputados, num racha do centrão que desafia o poder do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).

Até então integrante do trio que formava o centrão ao lado do PL de Jair Bolsonaro e do PP de Lira, o Republicanos aderiu agora a MDB, PSD, Podemos e PSC, formando a maior força política da Casa —MDB e PSD integram a base de apoio de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e, juntos, ocupam seis ministérios.

A movimentação tem reflexos não só no dia a dia das votações no Congresso, como também na montagem da base de Lula e na sucessão de Lira em fevereiro de 2025.

De acordo com parlamentares ouvidos pela Folha, o governo, que tem trabalhado até agora em alinhamento com o presidente da Câmara, não influenciou na montagem do bloco.

A notícia da criação do bloco foi antecipada pela Coluna do Estadão, do jornal O Estado de S. Paulo.

Hélio Schwartsman - O que fazer com Jair Bolsonaro?

Folha de S. Paulo

Precisamos deixar claro que assumir o poder não significa receber um cheque em branco

Num mundo regido por uma ideia de Justiça platônica, Jair Bolsonaro teria sofrido impeachment pelos vários crimes de responsabilidade que cometeu e estaria na cadeia pelas múltiplas infrações penais comuns. Só que não vivemos neste mundo ideal; vivemos no Brasil mesmo. Nossa tarefa primordial agora é renormalizar a democracia. Demos o primeiro passo para isso ao negar, pelo voto, um segundo mandato a Bolsonaro, mas a tarefa está longe de concluída e ela é suficientemente complexa para gerar demandas contraditórias.

Ruy Castro - Dois golpes, com e sem ódio

Folha de S. Paulo

Como seria se as joias de ouro e diamante de Bolsonaro estivessem no Planalto em 8 de janeiro?

Entre as muitas imagens do quebra-quebra dos bolsonaristas no dia 8 de janeiro, em Brasília, há uma sequência que me intriga sempre que a vejo. Começa pelo vagabundo que joga ao chão e destroça o relógio de dom João 6º, depois derruba o móvel e, dando-se por flagrado, atira os extintores contra a câmera no teto. Há nesse elemento um visgo de ódio contra algo que não sabe o que é, mas, para glória maior de seu líder, ele sente que precisa destruir. Equivale ao outro vândalo que estripou a tela de Di Cavalcanti —o mesmo rancor contra um objeto apenas porque ele não faz parte do seu mundo.

Bruno Boghossian - Adoçando o comprimido amargo

Folha de S. Paulo

Haddad convence Lula de regra para gastos, mas preserva fôlego para perseguir compromissos de campanha

Michel Temer dizia que os rasos índices de aprovação ao governo lhe davam coragem para tomar o que chamava de "medidas impopulares", como o teto de gastos. Jair Bolsonaro, preocupado com seus próprios números e com uma reeleição em risco, abandonou a fantasia ultraliberal e abriu tantos buracos naquele mecanismo de controle de despesas que, na prática, ele foi demolido.

Não é trivial que a missão de refazer a regra recaia sobre um presidente de esquerda que fez campanha prometendo engordar o Orçamento. A elaboração do arcabouço fiscal levou em conta um equilíbrio complexo entre as desconfianças de investidores, o pacto de Lula com sua base fiel e a manutenção de um estoque de popularidade.

Reinaldo Azevedo - Arcabouço é prudentemente conservador

Folha de S. Paulo

Num furo de enfoque, antecipo o balanço dos cem dias do governo Lula

Pronto! Estão definidas as balizas ao menos da proposta de novo arcabouço fiscal. Há certo constrangimento entre os que esperavam um troço destrambelhado. "Não vai dar certo; esse arcabouço depende necessariamente de receitas elevadas." É? Por quê? Com baixa arrecadação, também cai a despesa. Não sei se notam, mas se anuncia o oposto do que os falcões do fiscalismo esperam "da esquerda": usar o Estado para bombar a economia em momentos de crise. Ao contrário: se as coisas vão bem, gasta-se mais, mas com limites, o que permitiria fazer um acolchoado para eventuais dias de inverno; se não, o contrário. Até acho que sou mais "progressista" do que o governo nesse caso... Se também isso não serve, então serve o quê?

Vinicius Torres Freire - O plano Lula – Haddad

Folha de S. Paulo

Plano pode conter crise sob Lula 3, mas é flexível demais

A pré-estreia do plano fiscal Lula-Haddad teve um relativo sucesso de público. Mais difícil é saber do sucesso de crítica ou fazer uma análise.

Não passaram o filme inteiro ou faltam pedaços na sinopse. Imaginem aí um filme em que o vilão é um Arnold Schwarzenegger, que tenta acabar com a vida da Margot Robbie. Não é preciso dar "spoiler", mas fica estranho se o Schwarzenegger não aparece pelo menos no trailer. A falta de detalhes do plano é exasperante, para ser ameno.

Ainda não dá para saber se o novo limitador de despesas, o "arcabouço fiscal" relaxado, faz sentido no curto prazo (até fins de Lula 3). Pode haver problemas ruins mais adiante. Vai exigir muito aumento de imposto pelo menos até 2025, por aí —esse é o Schwarzenegger.

Isto posto, o primeiro impacto do plano Lula-Haddad é positivo. Permite ao menos projetar o que Lula 3 em tese pretende fazer de despesa e dívida. Mesmo com imprecisões ou flexibilidades excessivas, é melhor do que não haver previsibilidade alguma a não ser a de que a dívida passaria fácil de 90% do PIB.

Quanto ao plano propriamente dito, faltam dados para saber como vai fazer sentido, mesmo durante Lula 3. Isto é, dadas as regras de aumento de despesa, as metas de resultado primário (receita menos despesa) e algumas projeções mais ou menos realistas (otimistas) para a economia, será preciso que o aumento de arrecadação seja maior do que o crescimento do PIB.

Eliane Cantanhêde - O grande lance de Lula

O Estado de S. Paulo

Do lado de Lula, o assunto foi economia e futuro; no de Bolsonaro, colares, relógios e diamantes

O presidente Lula deu seu maior lance justamente no dia da volta, chocha, vamos convir, do antecessor Jair Bolsonaro ao Brasil. O anúncio da nova âncora fiscal é considerado um sucesso, já a volta de Bolsonaro virou um grande fiasco, sem público, emoção e nada que reluzisse, além dos diamantes da Arábia Saudita. Do lado de Lula, o assunto era o futuro e a economia. Do bolsonarista, só se falava em colares, relógios e canetas cravejadas de brilhantes.

O pacote fiscal, aprovado por Lula, exposto para as cúpulas da Câmara e do Senado e detalhado ao vivo pelo ministro Fernando Haddad, foi bem recebido no mercado, no Congresso e entre economistas de diferentes correntes. Agradou. As Bolsas subiram, o dólar caiu e a melhor aposta é de que será aprovado no Legislativo. Resta saber em quanto tempo e com quantas e quais modificações.

Celso Ming - Âncora com molejo

O Estado de S. Paulo

Habemus ancoram, diriam os latinos. Isso tem um lado bom, porque antes o barco podia ser arrastado pela correnteza.

O arcabouço fiscal tem de ser crível. É o que se exige desde o abandono do critério do teto de gastos, em janeiro. No entanto, a nova regra fiscal, divulgada nesta quinta-feira, 30, pelo ministro Fernando Haddad precisa ainda ser aprovada e passar pela prova do pudim: funcionar na prática. Por isso, não dá ainda para dizer que seja crível, mas pode ser uma boa aposta.

O arcabouço foi concebido para ser o antigo plano de formação de superávits primários, ou seja, de obtenção de sobras de arrecadação (descontados os juros da dívida), mas submetidas a alguma flexibilidade, para gastar mais. Esse molejo corresponde a uma proporção da receita realizada no ano anterior e às tais bandas de flutuação das metas, que parecem favorecer mais o aumento das despesas.

Fernando Gabeira - Por uma visão de longo alcance

O Estado de S. Paulo

Um programa de governo não se limita apenas a uma política social nem aos pré-requisitos de uma política econômica

Apesar da importância da viagem à China, sem ela o governo ganhou tempo para acelerar o projeto de arcabouço fiscal. Ele não significa, mecanicamente, uma queda na taxa de juros. Mas, segundo a própria ata do Comitê de Política Monetária (Copom), se for sólido e tiver credibilidade, pode impulsionar o processo de normalização da economia brasileira, que vive hoje com a maior taxa de juros do mundo, uma posição que ocupa desde maio do ano passado.

Há no ar uma certa insatisfação com o ritmo do governo. Às vezes ela se manifesta no próprio presidente, às vezes na forma não de uma onda, mas de uma pequena marola de eleitores descontentes.

A insatisfação prematura é fruto de uma limitada análise da realidade. Ela tem como modelo o início de outros governos no período democrático. Mas as coisas mudaram nos últimos 20 anos.

Se o início do governo fosse uma corrida, era possível descrevê-la como tendo queimado a fita muitas vezes. Praticamente na primeira semana, houve o episódio de 8 de janeiro. Em seguida, a tragédia Yanomami e, para completar, as chuvas de verão, cada vez mais fortes e mais destrutivas.

O próprio arcabouço fiscal, que descrevi aqui como um começo de governo, não saiu tão leve e desenvolto como se pode pensar. Houve discussões sobre as despesas, quais delas poderiam suplantar os limites? Em certo momento, comentou-se que saúde seria um tópico com gastos ilimitados. Por mais que entusiasme, a ideia não é de fácil realização. As demandas no campo da saúde são crescentes e tendem ao infinito. No passado, não se faziam operações para diminuir o estômago. Remédios para doenças raras são muito caros e a cada momento aparece uma novidade. Para certas doenças, o SUS não só banca os remédios, como o suplemento alimentar necessário.

Fernando Abrucio* - Conselhão é um antídoto à polarização

Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Podemos construir uma forma mais saudável de governança, num diálogo entre a sociedade, o sistema político e o governo

A lógica da polarização é o maior empecilho à melhoria da política brasileira. Trata-se de uma armadilha que hoje aprisiona boa parte da ação do governo, radicaliza o principal polo da oposição - o bolsonarismo - e tem força política suficiente para evitar o fortalecimento nacional do centro político. Não há um elixir único para esse problema, mas a recriação do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDESS), popularmente conhecido como Conselhão, pode ser uma boa vacina contra o modelo polarizador, caso cumpra o objetivo de pluralizar o debate público.

Antes de analisar as potencialidades do Conselhão, é preciso dizer o que é e quais são os efeitos perversos da polarização que domina o jogo político brasileiro. A lógica polarizadora atual não tem nada a ver com a contraposição eleitoral entre forças políticas, algo natural nas democracias. Não é mais a disputa entre PSDB e PT que está em jogo. Quem tinha dúvidas, deixou de ter com a fuga do presidente Bolsonaro do país para não dar posse ao sucessor e, sobretudo, com a intentona de 8 de janeiro, uma tentativa fracassada de golpe de Estado. Em poucas palavras, o padrão polarizador colocou o Brasil em risco autoritário.

A polarização move-se basicamente pela busca incessante de atacar e, se possível, destruir o oponente. Neste modelo não há meio termo ou a possibilidade de diálogo, por vezes até fechando a porta para a incorporação de outras forças políticas que não os polos da equação. No caso brasileiro, é verdade que há uma diferença substantiva básica: um dos lados é democrático, o lulismo, e o outro, não - os bolsonaristas.

César Felício - Começa o processo eleitoral de 2026

Valor Econômico

Até que ponto está intacto o acervo de Bolsonaro?

O processo eleitoral de 2026 começou nessa quinta-feira, com o desembarque do ex-presidente Jair Bolsonaro, depois de seus 90 dias de período sabático na Flórida. Ele voltou para fazer campanha.

Bolsonaro retornou ao Brasil com seu acervo de votos mais ou menos preservado, na visão de analistas políticos. Mas preservado até que ponto? O impacto do caso das joias divide opiniões. Muitos dizem que o bolsonarista é cego, surdo e mudo em relação a isso, mas para o cientista político Antonio Lavareda, do Ipespe, o ex-presidente pagará um preço já que o caso quebra a narrativa da carteira bic e do chinelo Rider, da simplicidade espartana, sem prejuízo da apuração dos eventuais crimes cometidos.

Já em relação ao 8 de janeiro pode-se dizer com razoável segurança que a intentona afetará sua aceitação no Brasil tanto quanto o 6 de janeiro afetou a de Donald Trump nos Estados Unidos, ou seja, não afetará muito.

A falta da caneta na mão, esta sim, reduziu a competitividade de Bolsonaro, mas sua viabilidade ou não em 2026 dependerá do andamento da economia no Brasil e da competência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em manter consigo a pequena franja bolsonarista de 2018 que se desiludiu com o líder extremista e desembarcou da sua candidatura quatro anos depois.

Foi esta franja que conferiu a vitória a Lula no ano passado, na opinião de Mauricio Moura, economista especialista em processos eleitorais, da Universidade Georgetown, conselheiro da empresa de pesquisa Ideia. Munido de levantamentos de opinião, ele prepara o lançamento em breve de um livro com o título “Por que Bolsonaro perdeu?”, em que desenvolve a tese.

A franja ex-bolsonarista está na chamada “classe C” das grandes metrópoles das regiões Sul e Sudeste. Estamos falando de centros onde Bolsonaro perdeu substância, como Rio de Janeiro, Porto Alegre, Belo Horizonte e, acima de tudo, São Paulo. É um eleitorado que se ressentiu dos percalços da economia e que se chocou com o péssimo enfrentamento feito por Bolsonaro da questão da pandemia, que já matou 700 mil pessoas. Estes eleitores, relata Moura, são muito suscetíveis ao ritmo da economia e pouco afetados pela instituição de programas sociais como o Bolsa Família. Portanto não se comoveram com o derrame de dinheiro que Bolsonaro despejou no ano passado.

Maria Cristina Fernandes - Embate entre Lira e Pacheco desafia sucesso da proposta

Valor Econômico

A reação positiva do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto - “Quero reconhecer o esforço da Fazenda em um projeto que é duro em um governo que tem bastante divisões” -, sinaliza que o arcabouço fiscal se aproxima de um de seus objetivos, que é o de mostrar uma trajetória crível para a sustentabilidade do gasto público e, assim, obter trégua do Comitê de Política Monetária.

O presidente do conselho de administração do Bradesco foi na mesma linha. A nota de Luiz Carlos Trabuco empilha elogios: criativa, flexível e simples. A nota da Febraban, assinada pelo presidente da federação dos bancos, Isaac Sidney, reprisa o tom: “É um avanço na busca da trajetória sustentável da dívida pública”.

Economistas dos bancos reagiram com mais ceticismo. A maioria chama atenção para a dependência excessiva do desempenho da receita e reclama do mecanismo anticíclico que, ao prever um aumento de gasto de pelo menos 0,6%, mesmo sem crescimento da arrecadação, aumentará a dívida.

Lu Aiko Otta – Proposta tenta equilibrar gasto e divida

Valor Econômico

A proposta do novo arcabouço fiscal apresentada nesta quinta-feira (30) pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, consegue achar um equilíbrio entre o desejo do governo Lula (PT) de recompor gastos e a necessidade de evitar o crescimento da dívida. Além disso, aponta em direção à necessária melhoria da qualidade do gasto público.

Porém, não é certo que tudo será concretizado. O governo conta com a aprovação, pelo Congresso Nacional, de novas medidas que elevarão as receitas entre R$ 100 bilhões e R$ 150 bilhões para dar “consistência” aos resultados fiscais projetados, disse o ministro.

Que medidas são essas, não foi revelado. Segundo Haddad, são destinadas a “fechar ralos do patrimonialismo brasileiro”. Eliminar tratamentos a setores favorecidos, muitos dos quais já caducaram. A equipe técnica já identificou “grandes jabutis”, comentou. “Talvez, um dos maiores rebanhos.”

Claudia Safatle - Governo anuncia política fiscal bastante gradual

Valor Econômico

A única despesa que espera-se que caia é com o pagamento dos juros que recaem sobre a dívida, que passaria a assumir trajetória decrescente

O novo arcabouço fiscal, anunciado ontem pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é bastante gradual e seu impacto na dívida não é de queda, ao contrário, a dívida bruta do governo geral é crescente, mas não de forma explosiva.

Estabelece-se um compromisso de sair de um déficit primário de 0,50% do PIB neste ano - podendo variar 0,25 ponto percentual para mais ou para menos - para um superávit de 1 % do PIB, sujeito à banda de variação citada acima, em 2026.

 “O atual teto de gastos passa a ter banda com crescimento real da despesa primária entre 0,6% a 2,5% ao ano (mecanismo anticíclico), com Fundeb e piso [de salários dos profissionais] de enfermagem excluídos dos limites (regras constitucionais já existentes)”, segundo o texto divulgado pelo Ministério da Fazenda.

O crescimento da despesa fica limitado a 70% da variação da receita primária dos últimos 12 meses, terminados em junho de cada ano. Se o resultado primário for superior ao teto da banda, os recursos excedentes poderão ser gastos em investimentos - sendo que estes têm um piso.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Democracias não prestam vênia a ditaduras

O Estado de S. Paulo.

Ausência de celebração militar do aniversário do golpe de 64 é retorno à normalidade institucional. Homenagens oficiais do governo Bolsonaro à ditadura eram insubmissão à Constituição

Durante os quatro anos do governo de Jair Bolsonaro, as Forças Armadas comemoraram o golpe de 31 de março de 1964. A orientação para os quartéis celebrarem a data foi um pedido do presidente Bolsonaro, cuja carreira política sempre se valeu do discurso de saudosismo da ditadura militar. Agora, com o governo de Lula da Silva, retorna-se à normalidade institucional. Não haverá nenhuma homenagem oficial à instauração do regime militar.

O tema é importante e merece ser bem compreendido. Não cabe, num Estado Democrático de Direito, realizar homenagens oficiais a períodos ditatoriais, nos quais, entre outros abusos, liberdades fundamentais e direitos políticos foram negados. Nenhuma instituição pública – cuja razão de existir remete, em última análise, ao princípio democrático – tem legitimidade para celebrar golpe militar.

Por isso, foi um passo importante quando, no governo de Fernando Henrique Cardoso, pôs-se fim, nos quartéis, à Ordem do Dia referente à celebração do golpe de 1964. A medida não tinha nenhuma dimensão de vingança ou mesmo de humilhação dos militares. A existência das Forças Armadas está prevista na Constituição, tendo, portanto, o seu lugar no Estado Democrático de Direito. O que não tem cabimento no regime democrático é o envolvimento dos militares em questões políticas. As Forças Armadas estão plenamente submetidas ao poder civil.

A abstenção do Estado de toda e qualquer homenagem ao golpe militar não tem a pretensão de reescrever a história nem de moldar a compreensão da população sobre os fatos passados. A história não pertence ao poder estatal. No ambiente de liberdade próprio de um regime democrático, cada um tem o direito de realizar sua avaliação sobre os fatos políticos pretéritos, o que não significa, por óbvio, afirmar que todas as opiniões têm o mesmo peso. Não dá para negar, por exemplo, que houve censura e tortura durante o regime militar. É tarefa da sociedade, de modo muito concreto dos historiadores, debruçar-se sobre as fontes históricas, de forma a propiciar, com o tempo, um conhecimento cada vez mais acurado sobre o período, o que inclui reconhecer matizes, sombras e também dúvidas.

É preciso advertir, no entanto, que a celebração do golpe militar de 1964 no governo Bolsonaro foi mais do que uma disputa sobre um tema histórico, o que, como se disse acima, é, por si só, um grave equívoco. Não cabe ao Estado escrever a história. Não cabe ao governante de plantão aproveitar-se do aparato estatal para difundir suas versões sobre a história. Na determinação de Jair Bolsonaro para que as Forças Armadas celebrassem o 31 de março, o grande tema em questão não era o que ocorreu em 1964, e sim a rejeição das escolhas feitas pela sociedade brasileira em 1988, com a promulgação da Constituição. Mais do que negacionismo a respeito da história nacional, havia uma insubmissão à ordem jurídica vigente.

Poesia | Graziela Melo – Bruxas e cinderelas

Tristes

sonhos

me fustigam

por longas

noites

a fio...

lembranças

de desditas

já passadas,

temores

de

horizonte

mais sombrio!!!

Belos

sonhos

me

acalentam

olhando

eu

as estrelas!

Noites curtas!

Noites belas!

Bruxas feias,

cinderelas!

Doce

embalo

que viví!

São

momentos,

fragmentos

recolhidos

de desejos

que sentí!!!