quarta-feira, 5 de abril de 2023

Vera Magalhães - Trump vira pesadelo para Bolsonaro

O Globo

O famoso ‘establishment’ não deixará impunes, nem lá nem aqui, tentativas de conspiração para solapar a democracia

Jair Bolsonaro levou três meses no dilema volta-não volta ao Brasil depois de sua saída pelos fundos para a Flórida. Voltou num momento que, para ele, não poderia ter sido pior. Sua chegada ao país coincidiu não apenas com o escândalo das joias sauditas — tanto as que levou ilegalmente quando deixou a Presidência quanto as que moveu mundos e fundos para também levar —, como também com o agravamento dos indícios de que a estrutura de seu governo foi usada para influenciar o segundo turno das eleições de 2023.

Para deixar o revés ainda mais completo, seu amigo Donald Trump acabou por se tornar o primeiro ex-presidente norte-americano a ser réu por acusações criminais, justamente neste momento em que o cerco contra sua réplica tropical vai se fechando em várias frentes de investigação. Para alguém que ascendeu rapidamente do baixo clero à Presidência quase unicamente graças à narrativa de redes sociais, essa conjugação de fatores não poderia ser mais tóxica.

Bolsonaro parecia nutrir a expectativa de que seu destino no Brasil seria liderar a oposição. Valdemar Costa Neto, o dono do PL, vislumbrou no casal Bolsonaro “estrelas” que usaria num road show em busca de filiados e para engordar ainda mais o caixa do partido. Conviria olhar para cima no mapa e ver o que um líder de extrema direita que perde a eleição tentando minar a confiança da população no processo eleitoral e nas instituições enfrenta quando seu plano dá errado depois de causar muito estrago. Porque demora, tudo ainda não está desenhado, mas é certo que o famoso establishment não deixará impunes, nem lá nem aqui, tentativas de conspiração para solapar a democracia.

Elio Gaspari - Os Cem Dias de 2023 e os de 2019

O Globo

Na próxima semana, Lula chegará aos cem dias de governo. Como fazem quase todos os governos, a data será comemorada com promessas e propaganda. Contudo a melhor comemoração desses cem dias está na comparação do mesmo período com os de seu antecessor.

Nos primeiros cem dias de Bolsonaro, foram demitidos dois ministros.

Primeiro, caiu o secretário-geral da Presidência, Gustavo Bebianno. Esse advogado carioca ligara-se ao capitão quando todos os bolsonaristas cabiam numa Kombi. Em fevereiro de 2019, foi atropelado por intrigas do círculo familiar do presidente e saiu arrependido:

— Tenho vergonha de ter acreditado nele. É uma pessoa louca, um perigo para o Brasil.

Bebianno morreu meses depois, aos 56 anos, entristecido.

O segundo ministro a cair, perto da marca dos cem dias, foi Ricardo Vélez, da Educação. Personagem pitoresco, teria sido recomendado pelo escritor Olavo de Carvalho, guru do bolsonarismo. Pouco depois de assumir, Vélez disse que “o brasileiro viajando é um canibal. Rouba coisas dos hotéis, rouba o assento salva-vidas do avião”. Antes mesmo dos cem dias, Olavo de Carvalho informava:

— E eu sou o guru dessa porcaria. Eu não sou o guru de merda nenhuma.

Competindo com as excentricidades de Vélez, o primeiro chanceler de Bolsonaro, o diplomata Ernesto Araújo, assumiu falando grego e tupi durante o discurso de posse. Inaugurando a prática das caneladas na China, ele dizia que “lembrar-se da pátria não é lembrar-se da ordem liberal internacional, não é lembrar-se da ordem global. (...) Vamos escutar menos a CNN e mais Raul Seixas”. Tempos depois o doutor diria “sejamos pária”. Conseguiu.

Bernardo Mello Franco - A hora da conta

O Globo

PF ouvirá ex-presidente sobre escândalo das joias; desde 1989 ele tinha a proteção de um mandato

Durante quatro anos, Jair Bolsonaro mentiu sobre a urna eletrônica e sugeriu que seria vítima de um complô. Enquanto isso, seus aliados usavam a máquina do governo para tentar roubar a reeleição.

A conspiração contra a democracia chegou ao ápice em 30 de outubro de 2022. Era o dia do segundo turno, e a Polícia Rodoviária Federal montou barreiras ilegais para dificultar a circulação de eleitores.

Os bloqueios tinham um alvo: as regiões onde Lula havia recebido mais votos no primeiro turno. Novos indícios complicaram a situação de Anderson Torres, mas nem o patriota mais delirante acreditaria que ele agiu por iniciativa própria.

O ex-ministro da Justiça era um bolsonarista obediente. Estava ao lado do chefe quando ele convocou embaixadores ao Palácio da Alvorada para atacar o sistema eleitoral. Depois da eleição, cruzou os braços quando a extrema direita queimou ônibus e tentou depredar o edifício da Polícia Federal.

Lula subiu a rampa, e Torres reapareceu na cena de outro crime: os atos golpistas de 8 de janeiro. Desta vez, como chefe da polícia que permitiu a invasão das sedes dos Três Poderes.

Wilson Gomes* - O bolsonarismo cabe na república?

Folha de S. Paulo

Maior derrotado pelo bolsonarismo foi uma direita republicana

Já que se quer falar do futuro do bolsonarismo, deixem-me colocar uma questão normativa: ele cumpre as condições necessárias para ser uma força legítima em uma sociedade de direitos e liberdades, politicamente igualitária e pluralista?

A questão não é se o bolsonarismo tem um lugar democraticamente legítimo na vida pública e no Estado brasileiros. Afinal, à mesa da democracia eleitoral, pelas regras do jogo, sentam-se todos os que ganharem mandatos em eleições livres e limpas, atividade em que os bolsonaristas têm obtido notável êxito.

A mesa republicana exige outras coisas dos seus comensais. O combinado republicano mais elementar é que o Estado não é propriedade de quem o governa, mas de todos, inclusive daqueles de quem o governante não gosta e daqueles que não gostam de quem está ao governo. Para garantir esse fundamento, uma res publica dota-se de um sistema de constrangimentos e obrigações para que os mandatários sejam forçados a respeitar direitos e garantias, a proteger e assegurar a liberdade de todos e a acatar o princípio da igualdade política.

É assim que governantes se dobram ao fato de que todo o poder emana do povo e deve ser exercício em mandatos temporários, sob supervisão de outros poderes e com obrigações de prestação de contas e de responsabilização.

Hélio Schwartsman - O paradoxo de Al Capone

Folha de S. Paulo

Ex-presidentes receberiam punição necessária, mas pelas razões erradas

Al Capone foi um gângster. Envolveu-se em múltiplas atividades criminosas, inclusive assassinatos, mas foi preso por evasão fiscal. Foi só o que se conseguiu provar contra ele.

O caso de Al Capone tem algo de paradoxal. Prendê-lo era a coisa certa a fazer, mas ele foi encarcerado pelas razões erradas. A pena tem duas funções principais. A primeira é que ela tira o criminoso de circulação. Sob esse aspecto, o delito pelo qual o bandido é preso não faz tanta diferença. A sociedade fica mais segura com a sua reclusão.

Só que a pena também tem função dissuasiva. Quando ela é aplicada, a sociedade sinaliza a seus membros que eles não devem imitar os passos do criminoso. Aqui, as razões se tornam mais importantes, já que, para o efeito exemplo se materializar como deveria, é preciso que haja coerência máxima entre o comportamento que se deseja inibir e a sanção.

Num exemplo prático, que lição você daria a seu filho a partir do caso de Al Capone? Não assassine ninguém para não ser preso por evasão fiscal? Meio confuso, não? É claro que você poderia ser mais cínico e dizer a seu filho que ele deve se comportar, ou o Estado encontrará uma forma de colocá-lo na linha. A mensagem que sairia daí, porém, não seria exatamente pró-social. Teria até um tom de arbítrio.

Bruno Boghossian - O núcleo duro de Lula

Folha de S. Paulo

Petista deve tentar expandir base com fatia do eleitorado que aguarda resultados concretos do governo

Lula começou o terceiro governo com o apoio de um núcleo duro formado por 19% do eleitorado. São brasileiros que, na última semana, disseram ao Datafolha que votaram no petista, consideram sua gestão ótima ou boa e acreditam que ele vai cumprir a maioria das promessas de campanha.

Os dados indicam que o presidente larga com a sustentação de um lulismo consistente –na proporção de um em cada cinco eleitores. Por outro lado, aponta também para a existência de grupos numerosos cujo apoio dependerá de resultados concretos do governo.

A classificação foi elaborada pelo Datafolha a partir de uma análise de três respostas de cada entrevistado: o voto declarado no segundo turno, a avaliação do governo e a expectativa sobre o cumprimento das promessas de campanha.

Fernando Exman - ‘PEC Pazuello’ está na fila para ir ao Congresso

Valor Econômico

Proposta mira entrada de militares da ativa na política

Já apelidada na caserna de PEC Pazuello, singela homenagem ao general que assumiu o Ministério da Saúde durante a pandemia no governo anterior e incrivelmente tornou-se o segundo deputado mais votado do Rio de Janeiro, a proposta de emenda constitucional concebida para afastar os militares da política já está nos escaninhos do Planalto e só aguarda um melhor momento para ser enviada ao Congresso. Da lavra do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, o texto tem tudo para ser mais um marco no processo de normalização das relações entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e as Forças Armadas. Mas, segundo fontes, terá que aguardar um pouco antes de ser remetida ao Parlamento.

A prioridade é a pauta econômica. O governo corre para finalizar a redação do novo arcabouço fiscal, cujos pilares foram divulgados na semana passada e constarão de um projeto de lei complementar ainda em formatação. Este deve ser enviado ao Congresso até o dia 15 de abril, prazo também de apresentação da proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) do ano que vem. Os dois textos precisam estar alinhados.

Lu Aiko Otta - A “neoindustrialização” de Alckmin

Valor Econômico

Governo recriará CNDI e prorrogará Rota 2030

Em suas falas, o discreto ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, evita usar a palavra “reindustrialização”. Ponto de entrada das inúmeras e variadas demandas do setor produtivo, o ministério que ele acumula com a vice-presidência da República trabalha num programa que pretende revigorar a indústria brasileira, mas em novas bases. A palavra preferida por lá é “neoindustrialização”.

O trabalho parte da constatação que a indústria perdeu espaço na economia brasileira. Responsável por 33% do Produto Interno Bruto (PIB) nos anos 1980, o setor encolheu para 11,3%. Não foram só a produção e os empregos de boa qualidade que caíram. Também a presença do Brasil no comércio internacional minguou.

Tiago Cavalcanti e Aloisio Araujo* - Reflexões sobre a reforma tributária

Valor Econômico

Se a evasão fiscal for muito elevada entre os bens finais, a tributação de bens intermediários pode ser indispensável

Desde que Frank Ramsey, célebre matemático, filósofo e economista inglês, publicou seu artigo seminal sobre tributação ótima do consumo em 1927, o desenho eficiente da estrutura tributária de um país tem provocado intensos debates, especialmente entre economistas.

A teoria de tributação ótima procura determinar uma estrutura de taxação que busque a eficiência na alocação dos recursos, dada as restrições de arrecadação dos governos. Os principais resultados teóricos neste tópico têm influenciado propostas de reformas tributárias em diversos países ao longo de quase um século.

No artigo “Optimal Taxation in Theory and Practice”, publicado no Journal of Economic Perspectives, em 2009, Mankiw, Weinzerl e Yagan revisaram vários resultados da teoria econômica sobre tributação ótima. Uma das principais conclusões do artigo é que apenas bens finais devem ser tributados em uma alíquota única. A ideia central é que bens intermediários não devem ser tributados, já que a presença de tributos na cadeia produtiva distorce as alocações dos fatores de produção, como capital e trabalho, entre as empresas e setores. Além disso, bens finais semelhantes devem ser tributados uniformemente, para evitar a distorção das decisões de consumo dos indivíduos e, consequentemente, a queda de bem-estar.

Vera Rosa - Pesquisa mostra Lula e PT ‘sub judice’

O Estado de S. Paulo

De olho nas eleições de 2024, cúpula petista cobra do governo programa para classe média

Uma pesquisa qualitativa encomendada pela cúpula do PT acendeu o sinal amarelo no Palácio do Planalto, às vésperas de o governo Lula completar cem dias. A sondagem constatou que eleitores de classe média, evangélicos e empreendedores se consideram “esquecidos” pelo partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e por sua terceira gestão. Além disso, mostrou que o PT tem perdido força em cidades do interior e até em capitais, dando lugar a siglas do Centrão, próximas a Jair Bolsonaro.

O resultado jogou luz sobre recentes levantamentos feitos pelo Planalto e serviu para guiar a propaganda do PT, que está no ar. O maior interesse da pesquisa, produzida para captar sentimentos e hábitos de eleitores, recaiu sobre o público “nem Lula nem Bolsonaro”, com potencial de ser conquistado. A conclusão foi a de que não há divergências inconciliáveis nesse grupo, mas Lula e o PT estão “sub judice”.

Fábio Alves - O coletor de impostos

O Estado de S. Paulo

O novo regime fiscal não se sustenta sem uma ampliação da carga tributária

Após a apresentação do novo arcabouço fiscal, muitos da imprensa e alguns analistas chegaram a dizer que a proposta foi uma vitória política do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mas essa conclusão não fica em pé quando se indaga qual o ajuste ou o sacrifício que as novas regras impuseram à visão de política econômica do PT ou do presidente Lula, sempre inclinados a aumentar os gastos públicos.

O sucesso do novo arcabouço, medido pelo cumprimento de metas de resultado primário até 2026, último ano de mandato de Lula, está totalmente calcado no aumento da arrecadação de impostos. Aliás, além de essas metas terem sido baseadas em premissas demasiadamente otimistas para o crescimento do PIB, as projeções apresentadas por Haddad pressupõem um choque significativo de receita tributária, entre R$ 110 bilhões e R$ 150 bilhões.

Zeina Latif - Uma novela sem fim

O Globo

A discussão não terminará com a aprovação do novo arcabouço fiscal no Congresso, pois não será fácil sua implementação

Estamos novamente às voltas com a discussão sobre desenho de regra fiscal. Algum ajuste na regra atual seria inevitável, mas o governo, por uma escolha política, pode estar complicando a situação ao propor o novo arcabouço fiscal, por conta das condições necessárias para seu funcionamento pleno, além de efeitos secundários indesejados.

De quebra, com o histórico do país de desrespeito frequente à legislação na área fiscal, a nova regra já nasce com um déficit de credibilidade.

O governo anterior deixou uma herança difícil. Primeiramente, a proposta orçamentária deste ano não era exequível, pois algumas despesas criadas não foram incluídas no orçamento – um problema ainda não sanado – e houve compressão de gastos essenciais.

Ainda que o teto de gastos explique a contenção irrealista de despesas, ele não foi o culpado por esse quadro, mas sim a dificuldade do país de fazer reformas para frear o crescimento de despesas obrigatórias.

Passada a reforma da Previdência, e em meio às surpresas com a arrecadação tributária nos últimos anos, agendas fiscais estruturais foram deixadas de lado, o que levou à sequência de emendas à Constituição para furar o teto.

Entrevista | Bernard Appy: ‘Há indicação de que Saúde e Educação terão tratamento favorecido’

Secretário extraordinário do Ministério da Fazenda diz que proposta tem fins distributivos, com impacto maior para baixa renda

Por Geralda Doca, Manoel Ventura e Thiago Bronzatto  / O Globo

Escalado pelo governo Lula para aprovar a reforma tributária, o secretário extraordinário do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, diz que acompanha o tema há muitos anos, mas nunca viu um clima tão favorável para tirar do papel um projeto que tramita há mais de três décadas no Congresso.

Ao GLOBO, ele reconhece que precisa contornar resistências de alguns setores, admite que as áreas de saúde e educação poderão ter tratamento diferenciado no novo modelo de cobrança de impostos e diz que alguns serviços prestados para o consumidor final “poderão ter um aumento de tributação em relação à situação atual”.

A proposta discutida com parlamentares funde impostos federais e estaduais, dando lugar ao chamado Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que teria uma alíquota geral de 25%. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Qual é o balanço que o senhor faz do estágio atual da reforma tributária e a perspectiva de aprovação?

Estou bastante otimista com relação à aprovação no Congresso. Acompanho esse tema há muitos anos e nunca vi um clima tão favorável. É óbvio que tem um trabalho a ser feito e o relatório ainda precisa ser apresentado, mas acredito que o clima é bastante favorável à aprovação, com alguns ajustes que serão necessários para poder viabilizá-la politicamente.

Quais são os ajustes necessários?

Não vou entrar em detalhes, porque isso será uma decisão política. Sabe-se que há algumas resistências setoriais e, portanto, vai ter que ter alguma construção para mitigar resistências. Há várias formas de fazer essa construção. Não tem um único modelo.

Qual será o melhor modelo considerando as duas propostas em tramitação?

O texto-base vai ser das duas PECs (propostas de emendas constitucionais). Os textos são muito mais semelhantes hoje. A questão é se vai ser um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) único ou um IVA dual. A impressão que temos é que, do ponto de vista das empresas, o ideal seria ter um único IVA, porque é mais simples.

Do ponto de vista federativo, a nossa percepção é que o modelo de IVA dual ajuda mais politicamente a reforma tributária. Mas a diferença entre os modelos é muito pequena.

Margareth Menezes, analisa os 100 dias de recriação do MinC

Maria Fortuna / O Globo

Em entrevista exclusiva, ministra da Cultura conta que encontrou mais de 1.000 projetos engavetados ao assumir a pasta, anuncia prêmio literário de R$ 2 milhões, fala sobre relação com Janja, explica dívidas na Justiça e rebate críticas que recebeu ao ser indicada

O aparelho de som ainda não chegou de Salvador, mas o violão e as plantas espalhadas vão dando à baiana Margareth Menezes a sensação de que, finalmente, está em casa em Brasília. A ministra da Cultura assumiu o cargo há três meses, mas só agora conseguiu se instalar no apartamento funcional. À medida que dá seus toques pessoais ao ambiente, sente-se mais adaptada.

Quando tomou posse, ela levou logo de cara um choque de realidade que já anunciava o tamanho do desmonte sofrido pelo setor nos últimos anos. Deparou-se com 1.946 projetos engavetados desde 2021. Todos com parecer favorável para captação de recursos pelas leis de incentivo, com patrocínio garantido, aguardando apenas uma canetada final para saírem do papel. Cravar ali o seu jamegão foi a primeira ação da ministra.

No último dia 23, Margareth assinou, ao lado do presidente Lula, novo decreto que regulamenta o fomento cultural no país. Nesta quarta-feira (4), lança o edital Carolina Maria de Jesus (com a presença da filha e da neta da escritora), que vai contemplar 40 escritoras mulheres com R$ 50 mil cada. Mas foi um ato emblemático, realizado na semana passada, que mexeu com as emoções da ministra: a instalação do letreiro do Ministério da Cultura.

— Foi um simbolismo grande porque é a confirmação do renascimento do MinC. Do resgate da afirmação da democracia, após desmonte de políticas públicas pelo viés da perseguição e da criminalização num país em que sete milhões de trabalhadores e trabalhadoras da cultura foram relegados ao nada — desabafa. — Temos aqui um corpo de pessoas, gestores e servidores, lutando muito para reformular todas as coisas depois de tudo que passaram. É preciso entender que cultura é a primeira ferramenta de ascensão social do povo. E que onde existe ação cultural e letramento, existe combate à violência.

Fernando Carvalho* - Perguntas à direita civilizada

Segundo Merval Pereira, nós temos uma direita constituída dos apoiadores de Bolsonaro. De brasileiros que acreditam em universos paralelos, trata-se de uma militância fiel que lhe garante um apoio consolidado, chamada de patriotários pelos petistas. Mas Merval Pereira sustenta que existe uma "direita civilizada". Constituída dos brasileiros que acreditaram que Bolsonaro era um "mal menor" comparado com Lula.

Esse grupo, segundo Merval Pereira, abandonou o boçal, mas não embarca no PT. Que, segundo eles, tem se mostrado tão autoritário quanto o boçal. Gostaria de fazer algumas perguntas à essa "direita civilizada" do Merval. Em que medida Lula seria um "mal menor" à Bolsonaro? Lula é a favor da vida.

O boçal é um necrófilo (só a etimologia). Vide sua afirmação de que ele é "especializado em matar". Sua admiração pelo torturador Brilhante Ustra (tortura não leva à morte?). Sua convocação ao povo para "Fuzilar petistas no Acre?". E aquela história de "ponta da praia"? Sem contar a história do homem que iria explodir 60 mil litros de gasolina de avião ao lado do aeroporto de Brasília. 

J. B. Pontes* - Por que Lula está muito mal avaliado?

O governo Lula se aproxima dos cem primeiros dias, com uma aprovação nada animadora. Segundo nova pesquisa Datafolha, apenas 38% o avalia como ótimo ou bom e 29% o consideram ruim ou péssimo. Além disso, 61% pensam que ele agiu mal ao negociar cargos e verbas por apoio no Congresso.

O que levou o governo a essa avaliação pouco satisfatória? A seguir teceremos alguns comentários que poderão explicar essa percepção, que esperamos seja passageira.

Lula terá que governar com um dos piores parlamentos de nossa história, especialmente na Câmara dos Deputados. O ex-presidente Bolsonaro conseguiu piorar em muito a composição do Congresso, ao disponibilizar uma enorme quantidade de recursos públicos nas mãos dos políticos do Centrão e direcionar toda a estrutura do Estado para angariar apoios políticos visando a sua reeleição e a eleição de uma maioria de parlamentares apoiadores do seu governo.

Cristovam Buarque* - O teto solar de Fernando Haddad

Blog do Noblat / Metrópoles

O Plano Haddad do Arcabouço Fiscal é superior ao teto fixo dos gastos do Plano Meirelles

Nas casas e carros, o teto solar permite proteger da chuva sem tirar a visão do céu, mas não para a chuva. Com seu arcabouço fiscal, o ministro Fernando Haddad tenta manter a proteção no presente sem perder a perspectiva de médio prazo, mas sem limpar o céu das tempestades previstas: riscos viciados em subsídios, máquina pública ineficiente, pobres que necessitam de ajuda. Reconhece os riscos do desequilíbrio fiscal nos momentos de gastos maiores do que receitas, sem barrar os investimentos necessários quando as receitas crescerem. Neste sentido, com seu teto solar, o Plano Haddad do Arcabouço Fiscal é superior ao teto fixo dos gastos do Plano Meirelles. Este era estático, o novo é dinâmico.

O teto de Meirelles permitiu recuperar confiança entre consumidores, poupadores, investidores e distribuidores, aos quais nos acostumamos chamar de mercado, mas amarrou de tal forma a realidade social e econômica que a tempestade arrancou a âncora. Enquanto resistiu, a confiança trouxe redução na taxa de juros e volta de investimentos e empregos, embora ainda de forma tímida. Ao substituir o teto estático por um teto dinâmico, o ministro Haddad oferece não mais apenas uma âncora que amarra, mas um arcabouço com limites de despesas sem perder a visão da paisagem social e econômica: capaz de amarrar quando precisa e soltar quando possível. É um plano fiscal e monetário, sem ignorar o impacto do orçamento sobre o quadro social e econômico. Representa um avanço conceitual ao pensamento expansionista dominante nas esquerdas, que prioriza o gasto estatal sem levar em conta os riscos quando acima das receitas, e ao pensamento fiscalista da direita, que subordina as necessidades econômicas e sociais do futuro ao desequilíbrio no presente.

Luiz Carlos Azedo - O dilema de Anderson Torres e a sorte de Bolsonaro

Correio Braziliense

Há rumores de que os advogados do ex-ministro da Justiça Anderson Torres negociam a sua delação premiada com a Polícia Federal, que investiga a tentativa de golpe de 8 de janeiro

O dilema clássico dos prisioneiros é o seguinte: dois suspeitos, A e B, são presos pela polícia, que tem provas insuficientes para uma condenação, mas usa um estratagema trivial, de separar os prisioneiros e oferece a ambos o mesmo acordo: se um dos prisioneiros, confessando, testemunhar contra o outro e esse outro permanecer em silêncio, o que confessou sai livre, enquanto o cúmplice silencioso cumpre 10 anos de sentença. Se ambos ficarem em silêncio, a polícia só pode condená-los a seis meses de cadeia cada um. Se ambos traírem o comparsa, cada um leva cinco anos de cadeia. Cada prisioneiro faz a sua decisão sem saber qual será a do outro, e nenhum tem certeza da decisão do outro.

No livro A evolução da cooperação (Editora Hemus), o cientista político norte-americano Robert Axelrod estudou uma variante do cenário clássico do dilema do prisioneiro, que denominou dilema do prisioneiro iterado (DPI). Convidou colegas acadêmicos de todo o mundo a conceber estratégias automatizadas para competir, recorrendo à complexidade dos algoritmos. Descobriu que as estratégias egoístas tendiam a ser piores a longo prazo, enquanto que as estratégias altruístas eram melhores, julgando-as unicamente com respeito ao interesse próprio. Usou isso para mostrar como pode evoluir um comportamento altruísta a partir de mecanismos puramente egoístas na seleção natural.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Popularidade de Lula reflete início de governo errático

O Globo

Presidente apresenta avaliação negativa no mesmo patamar de Bolsonaro no início de sua gestão

Perto de completar cem dias, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é considerado por 29% dos brasileiros ruim ou péssimo. É um percentual comparável ao apresentado por Jair Bolsonaro no início de 2019. Desde a redemocratização, Lula e Bolsonaro são os presidentes com a pior avaliação na largada de um mandato inicial, mostram os dados do Datafolha. Metade dos entrevistados diz que o governo fez menos do que poderia desde a posse.

Após repetidas tentativas de criar um bode expiatório com ataques à política de juros do Banco Central, não causa a menor surpresa que o pior desempenho de Lula esteja justamente na economia. As dificuldades estão se provando maiores do que as previstas antes da posse, e o comportamento de Lula é parte do problema. Nos primeiros três meses, ele não desceu do palanque, com apostas reiteradas na polarização.

Até o anúncio do marco fiscal na semana passada, de concreto o Planalto só havia repaginado programas lançados pelo PT em administrações anteriores. É pouco para quem diz querer fazer o melhor governo e teve bastante tempo para se preparar. E, obviamente, é insuficiente diante dos imensos desafios do país.