domingo, 28 de maio de 2023

Paulo Fábio Dantas Neto* - Os acertos da área econômica e os dilemas de Lula e Marina

A semana começou muito bem para o governo ou, pelo menos, para a banda do governo que lidera o esforço para acertar o passo na economia. Essa banda tem sido o que o presidente e o conjunto do seu governo precisam ser. A aprovação, pela Câmara dos Deputados, na terça-feira, 23, do arcabouço fiscal, por amplíssima margem de votos, foi, sem dúvida, um êxito que se deve creditar, em primeiro lugar, à habilidade, serenidade e paciência do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tendo ao lado, em cooperação aberta, a ministra do Planejamento, Simone Tebet e, mais ao fundo, mas em sintonia, o vice-presidente Geraldo Alckmin, ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.

Esse trabalho articulado e unitário da área econômica neutralizou objeções domésticas - que sabidamente existem, em setores da esquerda e do próprio governo - e colheu, para o presidente Lula, vitória significativa, numa conjuntura adversa, repleta de percalços e revezes, parte deles derivada de voluntarismos e açodamentos a granel, complicadores do discurso e ação do presidente e seu governo. Vitória ainda mais significativa por ter ocorrido por larga margem, num ambiente legislativo que tem se tornado crescentemente refratário, às vezes mesmo hostil, a intenções e pontos da agenda do Executivo. Vitória que coloca à disposição de analistas da política a evidência cabal de que é possível, sim, haver cooperação entre atores cujos papeis podem colocá-los, mais adiante, em situação de competição. O fato de Haddad, Simone e Alckmin poderem vir a ser nomes postos no tabuleiro eleitoral de 2026 não impede que atuem juntos, assumindo, como objetivo comum, algo que, além de interessar ao futuro político de cada um deles, interessa ao país, o qual torna-se credor desse realismo bem compreendido.

Carlos Melo - Inércia e ''Lirismo'', a oligarquia de coalizão

Ipo News

O cientista político Carlos Melo, professor Sênior Fellow do Insper, considera que o modelo do "Lirismo", numa referência criada para o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, se resume ao fisiologismo agregador: uma "Oligarquia de Coalizão" ou a oligarquia das coalizões. Seu novo artigo foi publicado esta semana, no Headline Ideias:

Em inércia, o movimento tende ao infinito. Um corpo interrompe ou altera sua rota somente se alguma força atuar sobre ele. Física básica. Em política, sem obstáculos, forças ou aparas, o movimento de indivíduos e ou grupos se volta aos próprios interesses. Se nada o detiver, seguirá retilíneo, uniforme e indiferente ao interesse geral. Farinha pouca, sem pressão, não sobrará raspa de pirão.

A política se traduz pela multiplicidade de atores e o conflito entre seus reais interesses. A filosofia elaborou o "sistema de freios e contrapesos", pensado para impedir transtornos de movimentos, mais que autônomos, deletérios. "Como o gás, o poder tem a forma daquilo que o contém". Sem limites, se espalha. Dependendo das condições atmosféricas, se dissipará jamais.

Contestação e oposição impedem a tirania. Não há democracia sem elas. Tampouco há democracia sem responsividade (Robert Dahl). A ausência de oposição é a mãe das oligarquias.

Merval Pereira - Recato à brasileira

O Globo

Presença de ministros do STF no churrasco de Lula mostra promiscuidade de Brasília

A notícia de que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, além do ministro aposentado recentemente Ricardo Lewandovsky, estiveram presentes no churrasco que o presidente Lula organizou na sexta-feira no Palácio Alvorada, juntamente com ministros do Governo e lideranças partidárias, não causou espanto pela frequência com que ministros do Supremo se encontram em Brasília com políticos, advogados e empresários em reuniões informais, mesmo quando esses respondem a algum processo que está ou poderá estar em votação no STF.

O tema do churrasco, por exemplo, era como enfrentar a rebelião no Congresso que esvaziou a política ambiental do governo. O caso pode parar no Supremo, mas essa possibilidade não inibiu os ministros. O fato se repete, não apenas em governos petistas, mas também no de Bolsonaro, além de conversas reservadas com presidentes como Michael Temer. Considerado o mais influente ministro do Supremo, Gilmar Mendes encontrou um concorrente à altura em manobras de bastidores no ministro Alexandre de Moraes, assim como já tivera no ministro Luis Roberto Barroso um constitucionalista de saber tão reconhecido quanto o seu.

Dorrit Harazim - Espécie animal

O Globo

Toda sociedade alicerçada no racismo tem medo de extirpá-lo, pois ele lhe aufere privilégio

A parte mais sensível do corpo de um urso é seu focinho. A informação, inútil para a maioria da população global, nunca foi mero fait divers para as seculares etnias de ciganos da Bulgária. Naquele pedaço dos Bálcãs, o controle de ursos pelo focinho era essencial para garantir a milenar forma de ganha-pão e entretenimento do povo roma: capturar, domesticar e treinar esses mamíferos de grande porte até que se tornassem servidores dóceis e atração ambulante. Com as narinas perfuradas por argolas de metal, os animais se sujeitavam a toda sorte de comandos inglórios, como dançar sobre patas traseiras ou ingerir bebidas alcoólicas.

Essa forma de entretenimento para humanos durou até o final do século XX. Foi somente com a implosão do bloco soviético, a que a Bulgária estava atrelada, que os ursos domesticados puderam empreender, também eles, a difícil transição do cativeiro para a liberdade. Não foi fácil. Quem melhor a descreveu foi o jornalista polonês Witold Szablowski, com “Dancing bears — True stories of people nostalgic for life under tyranny”, publicado cinco anos atrás, traduzido para uma dezena de línguas e já citado neste mesmo espaço. Retoma-se aqui o ângulo central da obra, mas para virá-la do avesso. O episódio de racismo escancarado contra o jogador brasileiro Vinícius Jr. , testemunhado pelo mundo na semana passada, serve de gancho para a releitura.

Luiz Carlos Azedo - A posição sobre a Ucrânia pôs o Brasil numa encruzilhada

Correio Braziliense

O nacional-desenvolvimentismo e a tradição anti-imperialista da esquerda brasileira influenciam a política externa. Isso provoca o realinhamento de forças que priorizam a questão democrática

Artigo de Lourdes Sola e Eduardo Viola, professores do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), publicado, ontem, no Estado de S. Paulo, sobre as mudanças na política mundial e o posicionamento do governo Lula, merece profunda reflexão. Destaca que houve uma mudança na geopolítica mundial que exige um reposicionamento cuidadoso do Brasil. Isso parece não ter sido devidamente avaliado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cuja diplomacia é presidencial e comandada pelo ex-chanceler Celso Amorim, embora o Itamaraty tenha massa crítica para fazê-lo com mais competência.

“A invasão russa da Ucrânia consolidou um forte componente de guerra fria entre as democracias do ‘Ocidente coletivo’ (que inclui Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Austrália e Nova Zelândia) e o bloco autocrático (com China, Rússia, Irã e Coreia do Norte). Esse confronto delineia-se desde 2015, mas o traço que define a guerra fria é mais recente: cada bloco vê o outro como ameaça existencial. Está em pleno curso o desacoplamento entre ambos no referente à alta tecnologia e, particularmente, à tecnologia de uso dual (civil e militar)”, avaliam Sola e Viola.

Celso Rocha de Barros - O presidencialismo de coalizão morreu?

Folha de S. Paulo

Há duas diferenças notáveis entre o Congresso que Lula encontrou agora e o de 2003

Na última terça-feira (23), Lula foi ao Congresso e teve uma grande vitória: o novo regime fiscal foi aprovado com votação esmagadora.

No dia seguinte, Lula voltou ao Congresso e levou uma surra. Em um único dia, o Parlamento esvaziou ministérios de Lula, retirando competências das pastas do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, aprovou urgência para a votação do marco temporal para demarcação de terras indígenas e liberou uma mutreta que permite desmatar a mata atlântica.

Lula não foi apresentado ontem ao presidencialismo de coalizão brasileiro, em que o presidente se elege sem maioria parlamentar e tem que formá-la distribuindo cargos e verbas. Já administrou o sistema por oito anos e sobreviveu. O que mudou?

Bruno Boghossian - Lula fecha contrato com Lira

Folha de S. Paulo

Acerto devolve poder à Câmara sobre verba e deixa governo sob risco de dependência

O governo encarou mais uma semana em déficit na Câmara. No quarto andar do Planalto, a equipe de articulação política fazia uma medição da base aliada: segundo o mapa, Lula teria no plenário o apoio de 198 deputados —131 de partidos de esquerda e 67 "votos firmes" de legendas como MDB, PSD e União Brasil.

Depois de quase seis meses, o petista continua distante das 257 cadeiras que representam metade da Câmara e ainda mais longe das 308 para aprovar mudanças na Constituição. Não tem força para evitar derrotas em projetos simples, como a reestruturação dos ministérios, ou aprovar sozinho o arcabouço fiscal.

Muniz Sodré* - Um efeito de cor

Folha de S. Paulo

Ameaçada de morte, prefeita de Cachoeira, negra, vive em Salvador

Nas ruas de Cachoeira, cada passante é parente socioestético de Vini Jr. Conhecida como "cidade heroica" no Recôncavo Baiano, dos seus 33 mil habitantes, 84% autodeclarados negros. Dali partiram as tropas de lavradores, comerciantes, escravos e forros que lutaram pela independência da Bahia em 1823.

Ativo centro cultural, é citada como cidade-monumento, pelo casario barroco, igrejas, irmandades e comunidades afrolitúrgicas.

Eleita pelo Republicanos, a atual prefeita é lavradora de profissão, curso médio completo. Sempre acompanhada por dois seguranças, mora em Salvador, capital, porque sobre ela pesam ameaças de morte. O motivo é único e claro como a cor da pele de onde procedem: ela é negra, a primeira a ocupar o cargo na cidade multicentenária.

Cristovam Buarque* - A bandeira Marina

Blog do Noblat / Metrópoles

A Petrobras explora petróleo no território da Amazônia há 50 anos, sem um único vazamento, mas também sem impacto social positivo na região

O embate entre Petrobras e Ibama é apenas um ponto no debate entre crescimento econômico versus desenvolvimento sustentável, e entre aumento imediato de renda e proteção do meio ambiente. Um embate sem uma visão hegemônica na sociedade e na política do Brasil; sem unidade dentro do governo atual. Na última quinta-feira, 25 de maio, esta coluna defendeu que diante deste impasse o governo adie a decisão sobre exploração de petróleo perto da foz do Rio Amazonas, e promova amplo debate técnico e político sobre qual o rumo da economia: buscando renda imediata ou desenvolvimento sustentável.

Supondo que haverá este debate, a coluna apresenta hoje argumentos contrários ao projeto, pelas seguintes razões:

Míriam Leitão - A estratégia para a crise ambiental

O Globo

Governo diz que projetos ambiental e indígena são prioritários, mas como tem minoria no Congresso nos temas, a estratégia é manejar politicamente

O que o presidente Lula falou na reunião de sexta-feira é que os projetos ambiental e indígena estão no coração do governo. Ótimo. Mas o que os dados mostraram, nas análises dos ministros presentes no encontro no Palácio, foi que, para estes dois temas, a base parlamentar tem pouco mais de 130 votos. Portanto, o governo não baterá de frente com o Congresso e vai manejar politicamente para recuperar os poderes dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. É tudo o que eles podem fazer e é pouco para manter a integridade do projeto de recuperação do meio ambiente e dos direitos dos indígenas.

Vinicius Torres Freire - O petróleo na foz do Amazonas

Folha de S. Paulo

Mesmo sem acidente ambiental, exploração pode causar destruição por má política

Há um risco de a exploração de petróleo na bacia da foz do Amazonas empestear o mar brasileiro, do Caribe e o litoral, haja ou não acidentes. Menos se fala do caso de a exploração render muito petróleo e, mesmo sem acidentes, ocorrer um desastre socioambiental na terra firme do Amapá.

Levando em conta o histórico ambiental da Petrobras e a história do Brasil, qual o maior risco? De resto, o que o país tem a ganhar com mais ou menos petróleo?

O petróleo vai entrar em desuso. Para muita gente, a limitação de exploração e uso de combustíveis fósseis é para agora. Mas qual seria a vida útil econômica dos campos da foz do Amazonas ou de outros da Margem Equatorial, do Amapá ao Rio Grande do Norte? Cinco, dez, quinze anos?

Rolf Kuntz - Enfim, um rumo para o governo

O Estado de S. Paulo

Lula e Alckmin decidem dar destaque à reconstrução da indústria, um setor em retrocesso há mais de uma década

Sem sucesso, até agora, na missão de pacificador internacional, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode empenhar-se, enfim, na tarefa mais prosaica, mas indispensável, de cuidar do Brasil e de reconduzi-lo ao crescimento e à modernização de sua economia. O plano de reindustrialização – ou “neoindustrialização” – anunciado por ele e explicado por Geraldo Alckmin, ministro do Desenvolvimento, parece marcar o início de um governo efetivo, depois de quase cinco meses de mandato, de muito palavrório improdutivo e de lances populistas. Com o programa econômico recém-lançado, o presidente parece disposto a finalmente descer do palanque. Sem isso, também o esforço de redistribuição de renda será inútil, no médio e no longo prazos. Empregos decentes e melhora sustentável das condições de vida só são possíveis com crescimento econômico mais veloz e mais duradouro.

A novidade é animadora, porque o governo pouco fez, em quase cinco meses, para gerar maior dinamismo, ou para cuidar do problema, especialmente importante, de reindustrializar o País. Não basta oferecer dinheiro. No primeiro trimestre, os R$ 6,1 bilhões emprestados ao setor industrial foram a maior fatia (32%) dos financiamentos concedidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Mas isso seria insuficiente para caracterizar uma política de reindustrialização.

Felipe Salto* - Sugestões para o Senado melhorar o arcabouço fiscal

O Estado de S. Paulo

Apesar dos elementos positivos conquistados na Câmara, arcabouço ainda pode ser melhorado. Ouso, aqui, elaborar três sugestões

A Câmara dos Deputados fez um bom trabalho no arcabouço fiscal. Na quarta-feira passada, encerrou-se a votação do projeto, que seguiu para o Senado. Lá, será relatado pelo senador Omar Aziz, um veterano que é capaz de tricotar com quatro agulhas. Vou ousar, no entanto, elaborar três sugestões. Antes, vamos entender o que se tem até aqui.

O deputado Cláudio Cajado, relator na Câmara, conseguiu: 1) inserir o Fundeb no novo limite de gastos (preservando os aumentos constitucionais até 2026); 2) trazer um conjunto de gatilhos para o caso de rompimento da meta de resultado primário; 3) obrigar o governo a contingenciar gastos; e 4) obrigá-lo à apresentação de uma trajetória sustentável para a dívida em horizonte de dez anos; entre outros pontos.

Celso Ming - Dúvidas sobre o carro popular

O Estado de S. Paulo

O relançamento pelo governo do carro popular veio com um punhado de inconsistências e mais um tanto de dúvidas.

Foi algo muito improvisado. O próprio presidente Lula pediu desculpas por apresentar tudo muito cru e necessitar de preparação pelos Ministérios da Fazenda e da Indústria e do Comércio. Essa preparação, por si só, demanda um prazo de estudos e de avaliações destinados a amarrar o pacote. Enquanto isso, o mercado tende a ficar parado, à espera do preto no branco que vai definir os novos preços e as regras do jogo. Na sua pressa para mostrar serviço, o governo provavelmente não levou esse distúrbio em conta.

Luiz Gonzaga Belluzzo e Manfred Back - Delícias tóxicas do monetarismo

Carta Capital

Só os catastrofistas se apavoram, pois nunca houve crise por endividamento de governos em moeda nacional

Enfim, Alice descobriu o país das mil maravilhas! Ontem foi declarada a independência do Banco Central, o Império do Dinheiro, localizado no planeta Plutão. O presidente desse Território declarou no Comitê de Política Monetária: “Senhores, este é um momento histórico para todos, a partir de hoje estamos livres das garras, das patas do Leviatã! A moeda é nossa, fim da ingerência da política no Império do Dinheiro”.

No livro Denationalisation of Money, Hayek defende: “A abolição do uso exclusivo em cada território nacional da moe­da emitida pelo Estado e a admissão de moedas emitidas em pé de igualdade por outros governos… Ao mesmo tempo, é preciso eliminar o monopólio dos governos na oferta de moeda, para permitir o abastecimento do público com a moeda de sua preferência”.

No dia seguinte, os mercados em todo o sistema planetário abriram em euforia, Bolsas para cima, ouro para baixo, juros em queda. Os preços das ações das instituições financeiras foram ao êxtase, afinal o novo país proclamou o fim da regulação do sistema monetário! Alguns economistas austríacos saudosistas foram às lágrimas, o sonho, a utopia de Von Mises e Hayek, o mercado interbancário, pelo balanceamento das forças de demanda e oferta por moeda privada, define diariamente o preço do dinheiro, a taxa de juros, o Banco Central só referendará!

Entrevista |Haddad: ‘Vitória do Brasil’

Policarpo Junior, Daniel Pereira / Revista Veja

Ministro celebra o entendimento que permitiu votação expressiva na Câmara e afirma que as novas regras representam o início de um ciclo econômico virtuoso

Na terça-feira passada, a Câmara dos Deputados aprovou o novo marco fiscal, projeto considerado prioritário pelo governo e que segue para análise do Senado, por 372 votos a favor e 108 contra. O placar registrado deixa claro que o Congresso, dominado pela centro-direita, agora rechaça certos retrocessos na economia, como iniciativas estatizantes ou intervencionistas, ajudará o presidente da República a tirar do papel medidas de modernização do Estado, inclusive a reforma tributária, a próxima prioridade na pauta de consenso entre Executivo e Legislativo. A votação teve pelo menos três vencedores. Apesar da chiadeira de setores do PT e da desorganização da base governista, Lula obteve a sua maior conquista legislativa até agora. Já o presidente da Câmara, Arthur Lira, deu uma nova e contundente demonstração de ascendência sobre o plenário. A consagração dos dois já era de certa forma esperada. A surpresa, do ponto de vista político, ficou por conta do terceiro vencedor, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que assumiu a linha de frente das negociações com os deputados enquanto articuladores do Planalto eram criticados em público.

Empoderado pelo presidente Lula, e com uma postura e um tom bem mais moderado que o do chefe, Haddad considera que a votação é uma vitória do Brasil ao revelar a capacidade de atores políticos, com pensamentos divergentes, de driblar a polarização e construir consensos em questões de Estado. Além de permitir a Lula investir em políticas sociais prometidas durante a campanha eleitoral, o novo arcabouço fiscal tem potencial para equilibrar as contas e controlar a expansão da dívida pública, o que, segundo o ministro, renderá uma série de dividendos. Haddad recebeu VEJA na manhã da quinta-feira 25. Em uma hora de conversa, interrompida para que ele atendesse a uma ligação de Lula, o ministro disse que há espaço para a redução da taxa básica de juros, indicou que não há veto a um debate sobre o regime de metas da inflação e prometeu levar adiante o projeto de revisar os favores fiscais concedidos pelo Estado a determinados setores da economia, coisa de 6% do PIB. A meta, segundo ele, é reduzir em 1,5 ponto percentual essa fatura, ficando em 4,5%.

Sempre de forma ponderada e conciliatória, o ministro falou também sobre política, área em que, apesar do propalado perfil técnico, está enfronhado desde sempre. Driblando a polêmica, ele chamou de “coreografia” certas manifestações de petistas contrários a posições da Fazenda, mas fez questão de elogiar o partido. Saindo do varejo para o atacado, declarou de forma enfática que o governo Lula “não pode errar”, sob pena de abrir espaço para a volta ao poder de um projeto autoritário, que estaria enfraquecido, mas não definitivamente descartado. Derrotado no segundo turno por Jair Bolsonaro na eleição de 2018, Haddad é considerado um dos presidenciáveis do PT. Se Lula não disputar a reeleição em 2026, é visto como o favorito para suceder-lhe. Até José Dirceu, uma das figuras mais influentes na engrenagem partidária, tem enaltecido a força do titular da Fazenda. Haddad jura que não pensa no assunto. “Já vi muita gente boa tropeçar na própria ambição.” 

A seguir, os principais trechos da entrevista.

José Casado - Fora da lei

Revista Veja

Cresce produção legislativa contrária à Constituição

Está aumentando a produção de leis contrárias à Constituição. Triplicou a quantidade de normas anuladas pelo Supremo Tribunal Federal na última década e meia.

Sete de cada dez aprovadas entre 2007 e 2022 acabaram vetadas — no todo ou em parte — porque prejudicavam os direitos constitucionais dos 208 milhões de brasileiros.

A situação se agrava. Somente nos últimos cinco anos foram abolidas 1101 legislações que o STF julgou inconstitucionais. Em comparação, no quinquênio anterior haviam sido 181. Houve um crescimento exponencial (508%).

Governo e Legislativo mantêm fábricas de leis ativas em Brasília, nos estados e nos municípios regulando tudo ao mesmo tempo para todos. Há 34000 normas federais em vigor, cada uma com média de 3000 palavras, balizando a vida de pessoas físicas e empresas.

O Congresso, por exemplo, produziu 759 novas leis durante o ano passado — quase cinco por dia de trabalho parlamentar, com três votações por semana.

Como consequência desse ímpeto legislativo, realçado nos últimos dez anos, a Constituição perdeu o caráter de código permanente. Em 2022 virou um periódico trimestral, com catorze emendas promulgadas em apenas doze meses.

Fernando Schüler* - A vitória de Flaubert

Revista Veja

Já fomos um país capaz de rir de si mesmo, mas agora o tempo fechou

Ainda me lembro das férias de verão em que fiquei enfurnado, numa casa de pescador, lendo uma velha edição de Madame Bovary. Fui abduzido por aquele percurso em direção ao abismo, mas ao contrário do que aconteceu com Vargas Llosa, numa experiência parecida (só que mais chique, em Paris), não me apaixonei por Emma Bovary. Senti pena. Não exatamente dela, mas da miséria que ela conta sobre todos nós. E confesso que o que realmente me fascinou foi ler sobre o processo sofrido por Flaubert, pelos pecados de Emma e de toda aquela história. Seu algoz foi o procurador Ernest Pinard, um tipo mordaz, que faria carreira na França bonapartista. A questão fascinante naquilo tudo era: Flaubert seria culpado pela perversão de seus personagens? Pinard não tinha dúvidas. Não era besta de cair na conversa malandra sobre separar ficção e realidade. A ideia de que “a arte devia ser livre”, que não devia ser moralizada, que o escritor era uma coisa, e outra sua criação.

Flaubert escapou por pouco, mas Pinard não desistiu. Estava decidido a ser o grande moralizador da França, e meses depois voltou à carga, dessa vez contra Baudelaire e seu As Flores do Mal. Sua lógica seguiu intacta. Aquele livro era obviamente pecaminoso. Cita os versos mais ofensivos, faz drama, tenta chocar a audiência, e de certo modo consegue. Ele até admite que o autor possa estar sendo irônico, que ele apenas “retrata o mal e seus arrebatamentos”, como disse o próprio Baudelaire, e que tudo aquilo não reflete suas crenças pessoais. Mas como confiar nisso? Como garantir que as pessoas saberiam julgar? A verdade é que era preciso proteger a sociedade, e que por isso caberia ao Ministério Público impor os “limites que não podem ser ultrapassados”.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Lei é essencial para plataforma digital pagar por conteúdo

O Globo

Sem pressão do Congresso, as gigantes da internet não se mexem para remunerar jornalismo, revela estudo

O modelo predatório de uso do conteúdo jornalístico pelas grandes plataformas digitais, em especial Google e Facebook, é um dos principais temas em discussão no Congresso Nacional no âmbito do Projeto de Lei (PL) de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, popularizado como PL das Fake News. Nas últimas negociações, o relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), aceitou contemplar a questão num projeto separado. Qualquer que seja a solução formal adotada, é fundamental haver legislação obrigando as plataformas a sentar-se à mesa de negociação para que o trabalho jornalístico seja remunerado de modo justo.

Essa é a principal conclusão que emerge de um estudo alentado comparando a experiência de vários países, divulgado na última semana pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). Fica claro que, sem o poder de coerção da legislação aprovada no Congresso, com o apoio de atos administrativos baixados por órgãos de defesa da concorrência, as plataformas simplesmente não negociam com os veículos de imprensa em termos leais.