sábado, 10 de junho de 2023

Opinião do dia – Alain Touraine*

Valor: Vivemos em um momento de direitização na França e na Europa?

Touraine: Não diria isso. Estamos vivendo com partidos nem de direita nem de esquerda, mas "hors politique " [literalmente, fora da política]. É verdade que existem mais governos de extrema-direita do que de extrema-esquerda. É consequência de um fenômeno quase sem equivalência na história, o desmoronamento do sistema político ocidental. É bem recente. Na França, o ano traumatizante foi 2015, o dos atentados ao "Charlie Hebdo", e depois o Bataclan. Para a maioria, o ano marcante foi 2016, primeiro com o Brexit e, depois, com a eleição de [Donald] Trump. Não foi apenas uma crise. Foi o desmoronamento dos sistemas políticos da Inglaterra e Estados Unidos. Em 2017, apareceu [Emmanuel] Macron, quando na França não havia nem direita nem esquerda, era terra arrasada. Em 2018, teve o início do regime na Itália, com muitas características fascistas, o que não é um detalhe. E ainda veremos acontecer o desmoronamento do partido social-democrata alemão, um fenômeno prodigioso: a ruptura entre os sindicalistas, que formam a metade da social-democracia, e os intelectuais agora transmutados em ecologistas.

*Alain Touraine (3. 8.1926 – 9.6.20.23). Entrevista, Valor Econômico em 13. 4. 2019.

Marco Antonio Villa - Presidencialismo raptado

Revista IstoÉ

Com Jair Boldsonaro na Presidência – se é que podemos chamar o último quadriênio presidencial de Presidência no sentido clássico – ocorreu não só um desmonte da estrutura estatal como um confronto com os outros dois Poderes como nunca tinha ocorrido desde a promulgação da Constituição de 1988.

Na relação específica com o Legislativo, principalmente no último biênio da Presidência, houve um inédito pacto anti-impeachment que andou pela transferência de atribuições do Executivo para o Legislativo. O presidente da Câmara dos Deputados passou a ser, informalmente, um primeiro-ministro sem ter autorização legal, ou melhor, respaldo constitucional.

Hélio Schwartsman - O valor da virtude

Folha de S. Paulo

Era inevitável que acontecesse. Num roteiro que lembra a trajetória de Simão Bacamarte, o fictício psiquiatra machadiano que conclui que sua "normalidade" era tão anormal que deveria confiná-lo ao hospício, o movimento conservador religioso que deu início a uma onda de banimento de livros de bibliotecas escolares dos EUA resolveu pôr a Bíblia na lista negra.

O caso aconteceu em Utah, que em 2022 aprovou uma lei que permite a retirada de livros "pornográficos ou indecentes" das prateleiras. Os alvos iniciais eram obras que tratavam de sexualidade ou de temas identitários, mas um pai do distrito de Davis questionou a Bíblia, por "vulgaridade e violência". O distrito removeu a obra das escolas para crianças menores, mas a manteve para alunos do ensino médio.

Alvaro Costa e Silva - Relíquias de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Relógio com diamantes e escultura de ouro estavam na fazenda de Piquet

Não somos criativos na hora de esconder dinheiro. Um dos lugares prediletos é a cueca, com três casos notórios: em 2005, um assessor do deputado José Guimarães foi preso no aeroporto de Congonhas com US$ 100 mil atochados na peça íntima, fora os R$ 209 mil que carregava na maleta de mão; em 2019, João Bosco, um ex-prefeito de Uiraúna (PB), foi flagrado malocando R$ 25 mil; em 2020, o senador Chico Rodrigues usou a cueca e as nádegas para acomodar R$ 30 mil.

Dora Kramer - TV catequese

Folha de S. Paulo

A vocação expansionista do PT, vemos, não guarda limites

Aos 43 anos de existência, assentado na Presidência pela quinta vez, titular de nove ministérios, o PT se dá conta de que precisa de emissoras de televisão e rádio para expandir sua rede de comunicação.

Pede as concessões agora que volta a contar com trânsito livre e total influência no poder. E faz isso sob a alegação de que necessita daqueles instrumentos para promover o "debate" e a "educação política" no país.

Pelo visto, a TV Brasil, os espaços garantidos às legendas nos veículos de comunicação mediante renúncias fiscais, as redes sociais, as transmissões das falas de seus parlamentares nas TVs Câmara e Senado são insuficientes.

João Gabriel de Lima* - Financiar políticas ou pagar políticos?

O Estado de S. Paulo

Livro afirma que o presidencialismo de coalizão brasileiro praticamente inviabiliza reformas

Numa cena clássica da série The Newsroom, o âncora de TV Will McAvoy resume os Estados Unidos em números. “Somos líderes apenas em três categorias: presidiários per capita, gastos militares e porcentagem da população que acredita em anjos”, diz McAvoy em debate numa universidade. O tom provocativo assusta a aluna que havia perguntado de forma singela: “Por que somos o melhor país do mundo?”

E se McAvoy, personagem inesquecível interpretado por Jeff Daniels, fosse instado a falar do Brasil? Poderia responder: “É o quinto país do mundo em superfície e o oitavo em população, mas não está entre as dez maiores economias do mundo. Na América do Sul representa a metade de tudo: superfície, população e economia. Destaca-se por sua maravilhosa cultura e estatísticas ruins: apenas 1% do comércio internacional e 15% dos homicídios globais”.

Alvaro Gribel - Três vitórias e um risco para Haddad

O Globo

Ministro da Fazenda pode chegar a agosto com reformas aprovadas e o BC iniciando corte de juros

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, poderá chegar ao mês de agosto contabilizando três grandes vitórias na economia: a aprovação em definitivo do arcabouço fiscal no Senado, a aprovação da reforma tributária em uma das Casas, a Câmara, e o início do corte de juros pelo Banco Central. A fase é tão boa que os erros do programa automotivo elaborados pelo Ministério de Alckmin foram prontamente corrigidos pela Fazenda, com a antecipação da reoneração do óleo diesel, que garantiu a fonte de recursos para essa despesa. Ela será temporária e limitada a R$ 1,5 bilhão. O sucesso do ministro, contudo, será justamente o seu maior inimigo, pelo risco de atrair o fogo amigo de petistas que já pensam na sucessão em 2026.

Carlos Alberto Sardenberg - Maiorias compradas

O Globo

Enquanto Haddad tenta convencer Congresso e sociedade a eliminar incentivos, o governo cria mais um para a velha indústria automobilística

Um governo de coalizão funciona bem se atendidas duas condições.

Primeira: o governo precisa de um núcleo duro no Congresso, formado por um, dois, três partidos, não importa, mas que tenham uma identidade programática. Ok, identidade programática é demais. Mas algum programa comum em torno de temas nacionais é indispensável. Por exemplo: razoável entendimento sobre reforma tributária, controle das contas públicas, meio ambiente, exploração de petróleo, para citar os temas mais quentes no momento.

Esse núcleo partidário governista não precisa ter a maioria no Congresso. Mas, segunda condição, deve ser forte o suficiente para atrair outros partidos e formar maiorias, ainda que caso a caso. A maioria para votar uma reforma tributária não será a mesma para definir um programa de meio ambiente.

Eduardo Affonso - Dez juízes e um amigo


O Globo

Ao instalar seu advogado no STF, Lula comete ato análogo ao nepotismo: não importa a qualificação; a escolha se dá pelos motivos errados

Luiz Inácio falou, Luiz Inácio avisou:

— Não é prudente, não é democrático um presidente querer ter os ministros do STF como amigos.

Mas quem disse isso foi o candidato — e, assim como nenhum noivo declara, no altar, que cometerá adultério, promessas de candidato devem ser tomadas com um grão de sal. São palavras para escrever na areia, em dia de ressaca, não para fundir em bronze ou gravar em granito.

Lula tem bons motivos para não querer repetir “erros”, como as indicações de ministros que acabaram por se comportar como juízes, eventualmente votando contra o que lhe interessava. Cachorro picado por cobra tem medo de linguiça, e as marcas das presas de Cármen Lúcia, Dias Toffoli e, principalmente, de Ayres Britto e Joaquim Barbosa ainda devem doer na canela e na memória do presidente — lembrando que mais vale um ato imprudente e antidemocrático na mão que a probabilidade de independência e imparcialidade voando.

Pablo Ortellado -Junho de 2013 foi o ovo da serpente?

O Globo

A tese é uma explicação sem pé nem cabeça que atribui a ascensão de Bolsonaro à mobilização popular por direitos e retira do PT qualquer tipo de responsabilidade

Ao aderir ao complô para assassinar Júlio César e salvar a república romana, Brutus pondera o seguinte: “A luta não diz respeito ao que ele mostra ser agora, mas posso argumentar: sua essência, dilatada, há de crescer a tais e tais extremidades; e devo então pensar que é o ovo da serpente: ao ser chocado, há de tornar-se peçonhento, e é preciso matá-lo ainda na casca ”. (Tradução de José Francisco Botelho para a tragédia de William Shakespeare.)

Desde que o cineasta Ingmar Bergman usou a passagem de Shakespeare para se referir à ascensão do nazismo, o tema do ovo da serpente que precisa ser exterminado, ainda na casca, antes de se tornar peçonhento, se tornou lugar-comum da retórica antifascista. No Brasil, tem sido exaustivamente mobilizado por setores da esquerda para se referir a uma sequência causal imaginária que liga os protestos de junho de 2013 às manifestações anticorrupção; essas, por sua vez, ao impeachment de Dilma Rousseff, à prisão de Lula e à eleição de Jair Bolsonaro. O ovo da serpente que teria sido necessário exterminar são os milhões de jovens que saíram às ruas pedindo direitos sociais e o fim da corrupção em junho de 2013.

Marcus Pestana* - Fatos e mitos sobre as jornadas de 2013

Foi uma agradável surpresa abrir os principais jornais do país e encontrar uma tempestade de artigos, entrevistas e matérias sobre as jornadas cívicas de junho de 2013. Tiveram o mérito de reavivar a memória e a reflexão sobre fatos importantíssimos ocorridos no Brasil e que estavam um tanto esquecidos. Parece que uma eternidade nos separa dos acontecimentos de dez anos atrás. Tanta coisa ocorreu. Eleições presidenciais, a maior recessão da história, impeachment, Lava Jato e a crise da democracia representativa tradicional brasileira.

Lembremos. As jornadas de 2013 foram desencadeadas contra o aumento de 20 centavos nas passagens do transporte coletivo de São Paulo. As manifestações de rua começaram a se avolumar. De início com foco e direção definidos. De repente, num fenômeno social inédito na história brasileira, um rastilho de pólvora espalhou a chama por todo o território nacional. A insatisfação social armazenada e reprimida explodiu nas ruas e os 20 centavos perderam o protagonismo em troca de uma agenda difusa de insatisfação com a qualidade dos serviços públicos e com a corrupção.

Não havia palanque, nem dirigentes do movimento. Era um movimento espontâneo e o partido ou organização que tentasse se apropriar era rejeitado. Diferente dos grandes movimentos cívicos anteriores como as lutas pela Anistia, pelas Diretas-Já e pelo Impeachment de Collor, não havia uma pauta clara de reivindicações, uma estratégia de mobilização e uma coordenação centralizada. Qual uma panela de pressão que explode, as manifestações convocadas pelas nascentes redes sociais, eram espontâneas e dispersas.

Morre Alain Touraine, sociólogo da evolução social francesa, aos 97 anos

Francês era especialista na evolução social do seu país e também profundo analista das realidades brasileira e chilena

PARIS e SÃO PAULO | AFP - O sociólogo francês Alain Touraine, especialista na evolução social do seu país na segunda metade do século 20, morreu nesta sexta-feira (9) em Paris, aos 97 anos. A informação foi confirmada à AFP por sua filha, Marisol Touraine, ex-ministra da Solidariedade e Saúde da França.

Intelectual de esquerda, mas com tendência liberal, Touraine foi um meticuloso cronista das mudanças sociais na França a partir dos anos 1950 e também um estudioso da classe trabalhadora chilena e da realidade brasileira, que comentou em colunas na Folha entre o final dos anos 1990 e início dos anos 2000.

Foi autor de dezenas de livros ao longo de uma carreira universitária de mais de quatro décadas. Era viúvo da pesquisadora chilena Adriana Arenas Pizarro, morta em 1990.

Nascido em Hermanville-sur-Mer, no noroeste da França, em 3 de agosto de 1925, ele estudou história.

Embora vindo de uma família nobre e um tanto conservadora, na juventude se interessou muito pelo mundo operário e chegou a trabalhar brevemente em uma mina —experiência que mais tarde o ajudou a escrever um de seus primeiros estudos, sobre mineiros no Chile.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Lula dificulta debate sobre meta de inflação

O Globo

Campanha contra autoridade monetária reduz confiança e impede discussão técnica serena

Os reiterados ataques do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Banco Central (BC) têm dificultado uma discussão essencial que deverá ser travada em breve no Conselho Monetário Nacional (CMN): qual é a meta de inflação ideal para o Brasil? Ao afirmar que o BC deveria tolerar uma inflação mais alta que os 3,25% adotados como meta neste ano, infelizmente Lula contribui para reduzir a confiança do mercado e para a necessidade de metas mais rigorosas.

“Se o presidente não tivesse se envolvido na polêmica, daria para manter a meta de 3,25% até 2026 e aceitar que a desinflação se desse lentamente”, diz o economista Fabio Giambiagi, pesquisador do Ibre-FGV e colunista do GLOBO. “Todo mundo entenderia que a inflação de 2024 e 2025 seria ligeiramente maior.” Mas agora, diz ele, se a meta subir, isso será interpretado como vitória de Lula sobre o presidente do BC, Roberto Campos Neto, aumentando a desconfiança no cumprimento das metas. Ao falar demais, Lula agiu contra o próprio objetivo.