sexta-feira, 7 de julho de 2023

Vera Magalhães - Em 6 meses, espaço do centro se alargou

O Globo

Percepção independe da aprovação da reforma tributária, e decorre da ocupação de espaços desde 8 de janeiro

Ao que tudo indica, o semestre útil em Brasília termina hoje. É de extrema relevância e muito simbólica a discussão da reforma tributária, que estava em debate na Câmara no fechamento desta coluna, mas a análise de que o espaço ao centro se alargou desde o fatídico 8 de janeiro independe dela. Trata-se de ótima notícia para a democracia e para o debate público.

A própria negociação dos últimos dias foi emblemática. A semana que começou como um levante dos governadores contra a reforma tributária — em que a direita vislumbrou mais uma oportunidade de polarizar com o governo — terminou mais próxima do consenso num tema-chave para o desenvolvimento do país que o visto nas últimas três décadas.

Confirmada a aprovação da reforma na Câmara e, depois, no Senado, o governo Lula sairá como vitorioso, inegavelmente, mas não só ele ou Arthur Lira. A possibilidade de diálogo amplo, plural e com forças muitas vezes rivais em torno da agenda econômica é algo que não se via ao menos desde a reforma da Previdência e que foi completamente inviabilizado pela radicalização promovida por Bolsonaro em quatro anos.

Rogério Furquim Werneck - Saber lidar com o dissenso

O Globo

Não há por que transformar opositores da Reforma Tributária em revoltados

É natural que uma proposta de Reforma Tributária tão complexa como a que agora tramita no Congresso venha gerando tanta controvérsia. O que surpreende é que, não obstante o alto grau de dissenso que ainda cerca a PEC da reforma, o presidente da Câmara, Arthur Lira, esteja tão determinado a submetê-la à votação, a toque de caixa, em dois turnos, antes mesmo do recesso parlamentar. É difícil encontrar justificativa razoável para tamanho açodamento.

Vale esclarecer que, há décadas, venho sendo defensor ardoroso de um reordenamento da caótica tributação de bens e serviços no país nas linhas do que, afinal, está sendo tramitado no Congresso. E é muito bom constatar que, afinal, ideias vagas saíram do papel e deram lugar a uma proposta concreta de implementação de um esquema de tributação em bases amplas do valor adicionado, como há tempos se vê em economias mais avançadas, mundo afora.

Luiz Carlos Azedo - Reforma tributária é uma travessia do Rubicão

Correio Braziliense

A reforma tributária é uma mudança na estrutura de arrecadação e financiamento do Estado brasileiro — União, estados e municípios —, a mais importante fator desde a aprovação do Plano Real

A expressão “atravessar o Rubicão” representa uma decisão de alto risco e sem volta, que pode mudar o curso da História, como a de Julio César às margens do pequeno curso d’água na Itália setentrional, que corria para o Mar Adriático, ao Norte de Ariminium (Rimini), em 49 a.C. O general romano estava proibido de entrar em Roma com suas tropas, mas decidiu correr o risco político de pôr os soldados em marcha e desafiar o Senado. Apesar da guerra civil entre suas forças e as de Pompeu, o Grande, dessa audácia nasceu o Império Romano. A expressão em latim “alea jacta est”, ou seja, “a sorte está lançada”, com a qual resumiu sua decisão, é usada até hoje.

A aprovação da reforma tributária tem esse caráter, é uma mudança na estrutura de arrecadação e financiamento do Estado brasileiro — União, estados e municípios —, que está sendo saudada pelos agentes econômicos como o mais importante fator de recuperação da produtividade de nossa economia desde o fim da hiperinflação, com o Plano Real, nos governos Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. Por um dos caprichos da História, coube a um presidente de esquerda, Luiz Inácio Lula da Silva, e ao líder político do Centrão, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tecer a aliança mais estratégica para os rumos da economia brasileira.

Hélio Schwartsman - Revolução tributária

Folha de S. Paulo

Impostos são capazes de moldar comportamentos, para o bem e para o mal

Existem várias maneiras de alterar o comportamento alheio. Elas incluem violência, logro, persuasão e tributos. Estes últimos são particularmente interessantes, porque, ao afetar de uma vez toda a população, permitem verdadeiras revoluções quase sem derramamento de sangue. As pessoas muitas vezes nem percebem que têm suas decisões influenciadas pela carga tributária.

Bruno Boghossian - Bolsonaro escolheu Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Ex-presidente aposta em oposição obsessiva para preservar monopólio do antipetismo

Tarcísio de Freitas mostrou aos súditos de Jair Bolsonaro que o rei estava nu. "Eu acho arriscado para a direita abrir mão da reforma tributária", disse o governador numa reunião do PL, ao lado do ex-presidente.

Os dois buscaram rotas distintas no debate da reforma tributária. Fiel ao próprio personagem, Bolsonaro escolheu o caminho da oposição sistemática para atravessar os quatro anos de Lula. Tarcísio optou por algum verniz ideológico, até para fabricar uma marca que o diferenciasse, aos poucos, do antigo chefe.

Se a colisão era inevitável, é revelador que ela tenha ocorrido menos de uma semana depois que Bolsonaro foi declarado inelegível. A celeridade da trombada pública entre padrinho e afilhado expõe um campo político tomado por desconfianças patológicas e ambições particulares.

Reinaldo Azevedo - Bolsonaro opera no ‘modo destruição’

Folha de S. Paulo

Capitalismo brasileiro tem mesmo de se arranjar com 'o comunista' Lula

Oito meses depois de derrotado nas urnas, o que restou a Jair Bolsonaro, a quem já se dispensou, até em textos que se queriam de fino trato, a condição de líder de uma guinada conservadora virtuosa, ainda que ele fosse um tanto tosco? Só a sabotagem. Qual a sua alternativa para o arcabouço fiscal ou a reforma tributária? Nada. "Os tais textos passaram vergonha?" Bem, eles nem acertam nem erram. Seus autores, sim.

O imbrochável e inelegível resumiu a complexidade do seu credo político no Twitter —transcrevo como está lá. "Não à Reforma Tributária do PT: Lula se reúne com o Foro de SP (criado em 1990 por Fidel, FARC, ...), diz ter orgulho de ser comunista, que na Venezuela impera a democracia, é amigo de Ortega que prende padres e expulsa freiras e seu partido comemorou a minha inelegibilidade. (...) Do exposto, a todos aqueles que se elegeram com nossa bandeira de ‘Deus, Pátria, Família e Liberdade’, peço que votem contra a PEC da Reforma Tributária do lula"

Vinicius Torres Freire - O duelo de titãs afundados

Folha de S. Paulo

Bolsonaro versus Tarcísio ou chutes sobre preços não são o assunto da Reforma Tributária

No jorro de notícias e conversas fiadas sobre a Reforma Tributária, dá-se grande importância à pinimba entre Tarcísio de Freitas e Jair Bolsonaro. Hum.

O capitão das trevas gostaria de derrubar a mudança dos impostos porque, quando não é um parasita, quer depredar "o sistema" ou espalhar imundície por onde quer que exista vida civilizada. Como Freitas passou a negociar um acordo com os adeptos da reforma, os Bolsonaro convocaram a seita deles para dar uma surra digital no governador de São Paulo, até a semana passada um vassalo nominal do bolsonarismo.

O assunto tem ainda menos relevância prática do que essas conversas equivocadas e chutes sobre qual bem ou serviço vai custar mais ou menos com a Reforma Tributária, se o "streaming", o bombom, o remédio, o jet-ski ou sei lá o quê. Não saberemos tão cedo. O assunto central não é esse, é a aprovação do imposto sobre valor agregado com a maior uniformidade possível. O resto vai depender da longa e complicada implementação da reforma, se passar.

Eliane Cantanhêde - Haddad e Tarcísio, cara a cara

O Estado de S. Paulo

Adversários em São Paulo em 2022, Haddad e Tarcísio podem se encontrar novamente em 2026?

A reforma tributária pôs cara a cara o ministro Fernando Haddad (Fazenda) e o governador Tarcísio Gomes de Freitas (SP). Um é do PT, nome forte do presidente Lula e chegou ao segundo turno da eleição à Presidência em 2018. O outro é do Republicanos e estreou na política já como candidato vencedor ao governo do principal Estado do País, graças ao ex-presidente Jair Bolsonaro. Adversários em 2022 em São Paulo, são virtuais herdeiros do espólio de Lula e Bolsonaro e podem se enfrentar de novo em 2026.

A votação da reforma consolidou a posição de Haddad como o maior articulador político de Lula e catapultou Tarcísio à política nacional, como líder de uma nova direita mais moderna e pragmática. O risco dele é perder o que já tem, ou tinha – o apoio de Bolsonaro – e não ganhar o que ainda não tem – a simpatia do centro e da maioria da centro-direita.

Câmara faz história ao aprovar a reforma tributária

Por Raphael Di Cunto, Marcelo Ribeiro, Jéssica Sant’Ana, Larissa Garcia e Rafael Walendorff /Valor Econômico

Brasília - Em uma sessão histórica que durou mais de 15 horas e varou a madrugada, a Câmara dos Deputados aprovou, em dois turnos, a proposta de emenda à Constituição (PEC) 45, a reforma tributária. Após décadas de tentativas fracassadas, prevaleceu o acordo para uma reforma que deve simplificar a cobrança de tributos no país, levar ao fim da guerra fiscal, atrair investimentos e promover o crescimento econômico.

A sessão foi encerrada à 1h53 e será retomada nesta sexta-feira (8) às 10h para a votação de quatro destaques do PL propondo supressão de pontos da reforma. Após a conclusão, o texto seguirá para o Senado.

No primeiro turno, a PEC passou por 382 votos a 118. Já na segunda rodada, o placar foi de 375 a 113. O apoio à proposta superou com folga o quórum de 308 votos para aprovar uma emenda constitucional. Apoiaram o texto inclusive parlamentares de partidos que criticaram o projeto nos últimos dias. No primeiro turno, dos 99 deputados do PL20 votaram a favor da proposta, 75 seguiram a orientação do partido, determinada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, e dois ausentaram-se.

A aprovação ocorreu após uma semana de intensas negociações. Nessa quinta, na reta final, o relator, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), que já tinha acenado com mudanças no texto nos últimos dias, acolheu novas sugestões de setores econômicos, governadores e prefeitos, abrindo caminho para a votação da proposta. O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), liberou a votação remota para facilitar a sua aprovação.

José de Souza Martins* - O réu invisível não foi julgado

Eu & / Valor Econômico

O tempo todo, desde a posse do então presidente, um poder invisível se mostrou por trás das irracionalidades do seu modo de governar, do qual foi protagonista eventual

Em dias recentes, por maioria de votos, “o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) declarou a inelegibilidade do ex-presidente da República Jair Bolsonaro por oito anos (...) pela prática de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação durante reunião realizada no Palácio da Alvorada com embaixadores estrangeiros no dia 18 de julho” de 2022. O caso foi suscitado pelo PDT.

Em seu relatório, o juiz relator, ministro Benedito Gonçalves, ressaltou conexões do ato do primeiro investigado que configuram “conduta ilícita em benefício de sua candidatura à reeleição”. Eleição tem regras. O candidato não é o fulano, mas a personificação do que na lei o candidato pode ser.

Pode-se dizer que o conjunto dos indicadores que levaram à decisão do TSE expõe o sentido antidemocrático de extenso conjunto de posturas e ações não só do primeiro investigado. Mas, em interpretação sociológica, de sua personificação do difuso coletivo de inspiração autoritária de que foi e tem sido ele agente e porta-voz.

Marli Olmos - Paralisar fábricas continua a ser eficaz

Valor Econômico

A julgar pela lista de demandas indústria automobilística ainda vai dar muito trabalho para o governo

No início da década de 1980, sob a liderança de Luiz Inácio Lula da Silva, os metalúrgicos do ABC faziam greves por melhores salários. Hoje, as paralisações das fábricas são conduzidas pelas próprias empresas, sob a alegação de queda nas vendas. O enredo se inverteu. Mas parar linhas de produção continua a ser uma forma eficaz de chamar a atenção da sociedade e, principalmente do governo, que tem demonstrado boa vontade na busca de soluções para amparar o setor.

Na semana passada, a Volkswagen anunciou paralisações em todas as suas fábricas do Brasil. Três dias depois o governo anunciou a liberação de mais R$ 300 milhões para o programa de incentivos fiscais para compra de carros com descontos. Outros R$ 500 milhões já haviam sido liberados no início de junho. Concedidos ao setor como créditos tributários, os recursos foram obtidos por meio da reoneração do diesel.

Armando Castelar Pinheiro* - Narrativas econômicas sobre 2023

Valor Econômico

O mais provável é que uma nova era de mais crescimento e menos inflação se consolide no segundo semestre

George Akerlof, professor na Universidade da Califórnia, Berkeley, ganhou o Nobel em economia em 2001. Robert Shiller dá aula na Universidade de Yale e recebeu o Nobel em economia em 2013. Juntos, escreveram “Animal Spirits: How human psychology drives the economy, and why it matters for global capitalism” (Princeton University Press, 2009).

O livro, como sugere o título, é um esforço de trazer ensinamentos da economia comportamental, em geral trabalhada no campo da microeconomia, para a discussão de temas macroeconômicos, como os ciclos econômicos. Não é um desafio trivial, pois muito do que se sabe sobre os vieses cognitivos em que se baseiam as análises nessa área - e algumas políticas, como as de perfil regulatório - é baseado em estudos sobre o comportamento individual, o que não se transmite tão diretamente para o espaço coletivo.

Claudia Safatle - Avanços na definição da meta de inflação

Valor Econômico

Tirou-se do horizonte a sofreguidão que ficava a cada mês de junho, quando, de forma casuística, o governo, mediante o CMN, decidia qual seria a meta de inflação a ser perseguida

A decisão, tal como ficou, não foi só que a meta para a inflação será contínua, aferida a cada mês com base na inflação acumulada nos 12 meses anteriores. Mais do que isso: a decisão foi de que a meta, agora, é permanente, de 3% com uma banda de variação de 1,5 ponto para cima ou para baixo. Tornou permanente uma meta que era decidida a cada ano. Isso sim foi um grande avanço, embora nada tenha a ver com prazos. Tirou-se do horizonte a sofreguidão que ficava a cada mês de junho, quando, de forma casuística, o governo, mediante o Conselho Monetário Nacional (CMN), decidia qual seria a meta de inflação a ser perseguida pelo Comitê de Política Monetária (Copom). E, como consequência, qual seria a taxa de juros necessária para levar a inflação para a meta.

O Copom já não trabalhava com ano calendário quando, por algum choque de preços, a inflação se descolava da meta.

Vamos aos prazos: 1) O prazo que o Banco Central terá para trazer a inflação, medida pelo IPCA, para a meta, deverá ser definido pelo próprio BC. Isso dependerá de um cardápio de circunstâncias, do tipo de choque que produziu o desvio, se ele é persistente ou não, da situação da economia no momento que o choque aconteceu.

Fernando Gabeira - Vamos falar de Venezuela?

O Estado de S. Paulo

Maduro, com medo de perder o poder, acabou confirmando para o mundo algo de que se dúvida apenas no Brasil: a Venezuela não é uma democracia

Ainda que por caminhos tortuosos, foi bom a Venezuela voltar a ser debatida no Brasil. Afinal, somos vizinhos, temos uma fronteira de 2.199 km, os yanomamis vivem nos dois países, compartilhamos o Monte Roraima, uma atração internacional, e 280 mil pessoas pedem refúgio no Brasil, a maioria delas venezuelana. Isso sem falar na dimensão econômica, a energia da Usina Hidrelétrica de Guri, que abasteceu Roraima até 2019, o comércio intenso entre os dois países, o contrabando de gasolina na fronteira.

No passado, quando visitei Caracas, até a água mineral nos restaurantes vinha do Brasil. Eram tempos melhores. Mais tarde, vi dezenas de caminhões em Pacaraima, na fronteira, parados porque os venezuelanos não estavam mais pagando suas compras. Há ainda em aberto uma dívida pública com o Brasil.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

PEC aprovada na Câmara é apenas o primeiro passo

O Globo

Nenhuma reforma é tão complexa, desafiadora e transformadora quanto a tributária. O trabalho mal começou

A aprovação da reforma tributária na Câmara dá um passo fundamental para a reformulação do caótico sistema de impostos brasileiro. É apenas o primeiro, porém. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45 traça um plano de transição até 2033 para a nova estrutura de tributos. Ele terá de ser seguido à risca. Fora isso, ainda há imperfeições que devem ser corrigidas.

Uma vez que a PEC esteja aprovada no Senado, o primeiro desafio será técnico. Para os dois novos impostos criados — CBS e IBS —, será necessário desenvolver um mecanismo automático de créditos, por meio do qual as empresas possam descontar do que recolherem aquilo que outras já pagaram — só o consumidor final pagará a alíquota cheia. Tais compensações precisam ser implementadas num sistema eletrônico capaz de integrar instâncias fiscais de todo o país. Não será trivial.