terça-feira, 11 de julho de 2023

Paulo Fábio Dantas Neto* - O jogo político e a institucionalidade dos poderes de governo

A amplíssima maioria dos agentes do sistema político, nos três níveis da federação, da imprensa e de importantes setores da sociedade civil comemoram o desfecho da votação da reforma tributária na Câmara dos Deputados e passam a encarar com muito mais otimismo a etapa de tramitação que se iniciará a partir de agora no Senado Federal. A hipótese provável de alterações no texto está sendo recebida na chave positiva de um até desejável aperfeiçoamento e não como risco de bloqueio de um processo que assumiu uma dinâmica política virtuosa. A percepção favorável é tão nítida e o consenso político tão significativo que é razoável supor que contamine positivamente a percepção e as expectativas do eleitorado em relação à economia.

A aprovação por expressiva margem de votos parlamentares justifica plenamente esse sentimento público de regozijo e mesmo de confiança na capacidade do sistema democrático processar uma demanda cuja relevância e urgência como pauta ninguém discute, nem mesmo a minoria que se opôs ao texto aprovado. Afinal, não é todo dia que a política resolve, como começou a resolver agora, uma questão de tal complexidade e potencial de dissenso, que se manteve como tabu por décadas, desde praticamente a fundação da república da Carta de 88. O processo sinaliza, para além de um novo cenário tributário com implicações supostamente virtuosas sobre economia e sociedade, também um tento alentador para a democracia política.

Merval Pereira - Centro ganha espaço

O Globo

Bolsonaro não tem a capacidade de baixar as armas e mudar de atitude, enquanto os governadores de Minas, Romeu Zema, e de São Paulo, Tarcísio de Freitas, sempre foram políticos de direita que não se aproximaram da radicalização

Em política, é precipitado declarar a morte de alguém; diz-se até que o fundo do poço tem uma mola. No momento, porém, o ex-presidente Bolsonaro parece a caminho de um fim de carreira inevitável. Pode até ser o líder de uma pequena facção radical, mas quase certamente não será o líder do maior partido do Congresso, o PL, que já tem dono, o ex-deputado federal Valdemar Costa Neto.

Apesar da recomendação peremptória do ex-presidente, que primeiro queria fechar questão contra a reforma tributária e, sem conseguir, depois orientou a bancada a votar contra, 20 deputados do PL votaram a favor, o que desencadeou uma crise sem precedentes na maior bancada da Câmara. Para ter ideia da força do partido, com 99 deputados federais, o PL, mesmo com a dissidência, continuaria à frente do PT, que, com 68 integrantes, tem a segunda maior bancada.

O primeiro grande racha no partido foi uma reação de um pequeno grupo contra o isolacionismo de Bolsonaro, que relembrou a atitude do PT no início de sua caminhada, quando votava contra qualquer medida do governo tucano, inclusive o Plano Real. O raciocínio dos bolsonaristas hoje é que o PT jamais reconhecerá o apoio de um partido adversário e, portanto, não vale a pena abrir mão de uma oposição radical, que serve para marcar posição.

Míriam Leitão - Tombo na inflação e mais boas novas

O Globo

A desinflação é o início de um círculo virtuoso, com redução de juros em agosto e cenários de crescimento do PIB em mais de 2%

A inflação de junho caiu 0,08%, o que reduziu o acumulado em 12 meses para 3,16%%. Há um ano, a inflação acumulada em 12 meses era de 11,89%. A forte desinflação que houve nesse período é apenas uma das boas notícias da conjuntura econômica. As previsões são de que o país crescerá mais do que se imaginava inicialmente e, no começo de agosto, os juros vão começar a cair, sendo que o primeiro corte pode ser de meio ponto. A queda da Selic é natural diante da redução forte da inflação, aliás, ela subiu exatamente para alcançar esse resultado.

Tudo fica mais fácil na economia quando a inflação está sob controle. O começo dessa queda foi artificial, com a retirada de impostos sobre combustíveis fósseis e imposição sobre os estados de redução do ICMS como parte da campanha eleitoral do governo passado. O ministro Fernando Haddad teve que iniciar seus trabalhos na Fazenda tentando corrigir isso em duas frentes. Enfrentou a pressão contra a reoneração, tendo que fazê-la em etapas, e ao mesmo tempo em que negociava uma compensação para os estados.

Carlos Andreazza - Emendas e emendas

O Globo

O orçamento secreto continua — eis o mantra desta coluna

Não há qualquer problema, per se, na existência de emendas parlamentares; na distribuição de dinheiros provenientes de emendas às regiões de deputados e senadores.

Os legisladores têm a previsão formal de destinar recursos à ponta; ao governo cabendo a gestão do tempo sobre a liberação desses valores. Ante agendas-votações de seu interesse, como a reforma tributária, vício nenhum haverá — conceitualmente — no encaminhamento das granas; mecanismo que compõe a gramática da atividade política, especificamente a dinâmica da linguagem parlamentar. É do jogo.

A criminalização do pagamento de emendas resulta, já resultou, em Jair Bolsonaro.

Nem toda emenda, porém, obedece aos princípios que valorizam — e mesmo justificam — o exercício legislativo.

Dora Kramer - Juntos, não misturados

Folha de S. Paulo

Sociedade entre governo e centrão não se estende a parcerias em campanhas eleitorais

presidente Luiz Inácio da Silva está num relacionamento sério com o Congresso. Disso deu notícia o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) quando anunciou que o governo estaria "aberto" a discutir a inclusão de partidos como PL, PP e Republicanos na estrutura da Esplanada.

Em politiquês castiço isso quer dizer que haverá reforma ministerial para levar a oposição para dentro da situação. Nada de modo muito radical. Serão feitos remanejamentos cirúrgicos, de forma a não atingir aliados da "frente" nem desagradar totalmente o PT, que terá de ceder alguns espaços.

Numa roda de conversa dias atrás, Padilha dizia que a tal reforma levaria a articulação política ao estado da arte. "Minha vida vai melhorar muito", desabafava o ministro. Tal otimismo, contudo, requer calibragem.

Joel Pinheiro da Fonseca - O Brasil corre o risco de dar certo?

Folha de S. Paulo

Um perigoso sentimento surgiu em mim após Câmara aprovar reforma

Um sentimento estranho, perigoso, começou a se esgueirar em meu peito nessa última semana. Teve a ver com a aprovação na Câmara de uma Reforma Tributária cuja necessidade e teor se discutem há 30 anos e que por tanto tempo foi tida por impossível.

Some-se à aprovação outras possibilidades auspiciosas: inflação sob controle e consequente queda paulatina dos juros; marco fiscal aprovado dando previsibilidade para a trajetória dos gastos públicos nos próximos anos; desmatamento da Amazônia caindo paulatinamente, mostrando ao mundo que o compromisso ambiental brasileiro é real; aprovação do acordo UE-Mercosul, abrindo nosso país aos ganhos de troca e aos investimentos europeus.

É cedo para cravar o sucesso desses pontos. Cada um deles pode desandar facilmente, inclusive a reforma. E, no entanto, o sentimento cochicha: e se tudo der certo?

Hélio Schwartsman - Criador e criatura

Folha de S. Paulo

O rompimento, mesmo não sendo uma lei, é tendência saliente

Maluf e PittaAlckmin e DoriaBolsonaro e Tarcísio. Nos três casos, políticos seniores criaram praticamente "ex nihilo" candidaturas que se sagraram vencedoras. Mas a festa não durou muito e logo sobreveio o rompimento. Essa dialética entre criador e criatura é inevitável na política?

Especialmente em política, há pouco que esteja inscrito em pedra. Lula também criou Dilma do nada e, embora tenha havido momentos de tensão no relacionamento entre os dois, eles nunca se desentenderam publicamente. Ainda assim, acho que dá para afirmar que o rompimento, mesmo não sendo uma lei, é tendência saliente. Eu próprio prognostiquei aqui em dezembro que Bolsonaro e Tarcísio se afastariam.

Alvaro Costa e Silva - Bonde da história

Folha de S. Paulo

Lula e Lira lucram com briga entre Bolsonaro e o governador de São Paulo

O que parecia ser um destino natural —liderar a oposição— torna-se um desastre diante da irracionalidade de Bolsonaro. Inelegível em estado de negação, acreditando que poderá concorrer à Presidência em 2026, o ex-presidente jogou aquele que era tido e havido como seu herdeiro político, Tarcísio de Freitas, às feras do extremismo. Com o tempo, a treta entre os dois poderá evoluir para um rompimento definitivo, dando adeus à chapa Tarcísio/Michelle, sonho de certos líderes evangélicos.

Depois de apoiar a Reforma Tributária, o governador de São Paulo virou comunista de carteirinha. A milícia digital não perdoa: cancela. Se existisse alguma lógica, o certo seria classificá-lo como oportunista. Tarcísio não quis perder o bonde da história —coisa que Bolsonaro não se cansa de fazer. Seu atual patrão, Valdemar Costa Neto, terá trabalho para disciplinar o empregado. Isso se ele não levar uma justa causa no caminho.

Eliane Cantanhêde – Quem avisa amigo é

O Estado de S. Paulo

Lula e o conflito entre Defesa e Fazenda por blindados para a Argentina

Às voltas com o Centrão, o presidente Lula também está sob dois fogos cruzados dentro do próprio governo. De um lado, a Defesa insiste no financiamento da venda de 156 blindados Guarani para a Argentina. De outro, a Fazenda pondera que é temerário (bota temerário nisso) financiar qualquer coisa para um país mergulhado numa crise tão aguda.

Cada Guarani produzido pela Iveco Defesa, uma empresa privada, custa em torno de R$ 10 milhões, pouco mais, pouco menos, dependendo do dólar. Façam a conta. A Defesa e, particularmente, o Exército, porém, consideram o negócio importante para estimular a indústria de defesa nacional, que traz tecnologia, qualificação e novos negócios mundo afora.

Luiz Carlos Azedo - Reforma fortaleceu Lula e isolou Bolsonaro

Correio Braziliense

A consolidação da aliança de Lula com Lira em torno da política econômica fortalece o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que era atacado por setores do próprio PT

O encontro do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, na manhã de hoje, definirá se o projeto de reforma tributária aprovado na Câmara será modificado ou não, pois isso depende do perfil do parlamentar indicado para relatar a matéria. No primeiro caso, a reforma terá que voltar à apreciação da Câmara. Em princípio, o Senado é a Casa onde a relação entre os estados ocorre de igual para igual, uma vez que todos têm três representantes. Desde o Império, sustenta o pacto federativo. Isso favorece os governadores que não gostaram dos termos da reforma e podem tentar mudar alguma coisa.

O pomo da discórdia são os incentivos fiscais concedidos, no texto aprovado pela Câmara, para atender aos lobbies de vários setores, com destaque para os transportes, o agronegócio e a saúde privada. Bernard Appy, secretário extraordinário do Ministério da Fazenda para a reforma tributária, comemorou a vitória do governo na Câmara, mas não esconde a expectativa de que o Senado reveja exceções que possam reduzir a carga tributária para todos. Segundo ele, sem as exceções, a carga tributária ficaria abaixo de 25%.

Cristovam Buarque* - Sem mito, nem monstro

Os juízes declararam a inelegibilidade, mas não preencherão o desafio que aflorou: formular propostas alternativas e apresentar candidatos que as represente, levantando as bandeiras necessárias à construção do Brasil sustentável, democrático, justo, sem corrupção

A inelegibilidade de Bolsonaro revela dois perdedores: as forças da direita, porque perderam a possibilidade de apresentar a ilusão do mito a seus eleitores; e as forças de esquerda, porque perderam a chance de apresentar o monstro para assustar aos eleitores que o temem. Lula continua como o favorito, mas terá dificuldade para atrair a chamada terceira via, porque, além de não ter mais o risco do monstro, tem optado por se afastar da frente ampla que lhe deu a pequena vantagem necessária para vencer em 2022. Apesar de trazer o Centrão para o governo, certos gestos e posições tendem a jogar o apoio da terceira via para o segundo turno. Sem perceber que parte desses votarão em candidato da direita que assuste menos do que Bolsonaro.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Senado precisa fazer correções na reforma tributária

O Globo

Senadores têm como missão retirar exageros, tornar transparentes alguns pontos e evitar piorar o texto

É positiva a intenção dos senadores de deixar uma marca no texto da reforma tributária aprovado na Câmara dos Deputados. Há, de fato, correções a serem feitas, mas sem perder de vista a necessidade de levar adiante a aprovação. Um dos pontos que precisam cair é a criação de um novo imposto estadual para produtos primários ou semielaborados, medida contrária ao espírito de simplificação da reforma. Aprovado de última hora durante a votação na semana passada por pressão de parte dos governadores, o artigo é motivo de preocupação para empresários do agronegócio e mineração, dois dos principais setores da economia.

Além de suprimir do texto os excessos, os senadores devem torná-lo mais transparente. Com a reforma, empresários deixarão de pagar impostos de forma cumulativa. Tributos cobrados na compra de insumos, equipamentos ou serviços, como energia ou transporte, serão transformados em créditos. A medida adotada na maioria das economias desenvolvidas é essencial para elevar a competitividade do país. Na versão atual, o texto não deixa claro como esses créditos serão reconhecidos ou em que prazo serão devolvidos. Dado o histórico de judicialização de temas tributários do Brasil, os senadores ajudarão se explicitarem tudo na lei.