quarta-feira, 12 de julho de 2023

Vera Magalhães - CPMI avança entre o horror e a irrelevância

O Globo

Comissão não mostrou ser capaz de encontrar caminho próprio de apuração que a diferencie das linhas já seguidas pela PF ou pelo STF

A CPMI do 8 de Janeiro não completou nem dois meses, e sua evolução errática já demonstra que ninguém mais tem interesse em sua continuidade ou acredita que ela produzirá algo mais relevante que as investigações a respeito da tentativa de golpe perpetrada por radicais bolsonaristas nos primeiros dias do governo Lula.

Encalacrados numa falta completa de plano de voo, deputados e senadores proporcionaram um espetáculo triste ao país, que não se prestou nem ao papel de “flor do recesso”, aquela categoria de notícia de menor importância, mas que, ainda assim, ajuda a preencher espaço em sites, páginas de jornais e emissoras de TV no período de falta de grandes fatos políticos pelo intervalo das sessões no Congresso e no Supremo Tribunal Federal.

Criada pela insistência da oposição, que, sabe-se lá por que, achou que seria possível fazer uma tal inversão de narrativa para responsabilizar o governo Lula pela baderna promovida pelos apoiadores de Jair Bolsonaro, a CPMI não mostrou ser capaz de encontrar um caminho próprio de apuração que não só a diferencie das linhas já seguidas pela Polícia Federal ou pelo STF, mas também justifique os gastos e as horas despendidos em depoimentos inócuos e sessões de bate-boca degradantes.

Luiz Carlos Azedo - Silêncio de Mauro Cid vale por mil palavras

Correio Braziliense

Durante quase seis horas, o ex-ajudante de ordem de Jair Bolsonaro negou-se a responder todas as perguntas, mesmo aquelas mais inofensivas, tipo revelar sua idade

No dia 30 de setembro de 1937, a Voz do Brasil, até hoje o programa radiofônico oficial do governo federal, anunciou uma “bomba”, como se dizia antigamente: o general Góes Monteiro, chefe do Estado-Maior do Exército brasileiro, revelou a descoberta de um plano cujo objetivo era derrubar o presidente Getúlio Vargas. O Plano Cohen supostamente era um projeto de tomada do poder pelo Partido Comunista Brasileiro, com apoio de organizações comunistas internacionais.

Seria uma nova insurreição armada, semelhante à Intentona de 1935, na qual haveria greves de operários, manifestações estudantis, libertação de presos políticos, incêndio de casas e prédios públicos, saques e depredações e eliminação de autoridades civis e militares que se opusessem à tomada do poder. No dia seguinte, diante da “ameaça vermelha”, Vargas solicitou ao Congresso a decretação do Estado de Guerra, promoveu uma intensa perseguição aos comunistas e aos demais opositores políticos, como o governador gaúcho Flores da Cunha. No dia 10 de novembro, suspendeu as eleições marcadas para 1938 e o Brasil amanheceu sob a ditadura do Estado Novo.

Elio Gaspari - Cancellier, a vítima do lavajatismo

O Globo

Preso e humilhado, o reitor da UFSC matou-se

O ministro da Justiça, Flávio Dino, anunciou que investigará se foram praticados abusos na operação que em setembro de 2017 levou à prisão o reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Carlos Cancellier. Foram.

O anúncio de Dino veio logo depois de o Tribunal de Contas da União ter revelado que não encontrou irregularidades na gestão do professor. A morte do reitor Cancellier foi um momento exacerbado dos tempos lavajatistas. Revisitá-los com frieza evitará que se repitam.

Preso e algemado, Cancellier foi libertado em 36 horas e proibido de circular na universidade. Dezoito dias depois, o professor matou-se, atirando-se do alto de um shopping center de Florianópolis. No seu bolso havia um bilhete que dizia:

— A minha morte foi decretada quando fui banido da universidade.

A investigação contra Cancellier partiu de uma denúncia anônima. Em julho de 2017, a delegada da Polícia Federal Érika Marena produziu um relatório de 126 páginas e o encaminhou à Justiça. Marena era uma estrela da Operação Lava-Jato e num filme que a louvava era interpretada pela atriz Flávia Alessandra. Em agosto, a juíza Janaína Cassol autorizou o início da Operação Ouvidos Moucos. No dia 14 de setembro, Cancellier e outros cinco professores foram presos. Eram acusados de um desvio de R$ 80 milhões.

Paulo Sternick* - O tempo mexeu com a gente

O Globo

Subjetividade humana já foi arrancada do indivíduo. Este ser invadido por ondas sufocantes de informações e redes sociais

A ideia inicial era começar o assunto com o provérbio anônimo: somos mais parecidos com o nosso tempo do que com nossos pais. Mas pareceu batido demais para leitores saturados com informação difusa. A vantagem do dito inesperado é dar um flagrante no oculto. Muito difícil escrever qualquer coisa hoje sem uma certa “angústia de influência”, e desconfiar se já não é um lugar-comum esvaziado. Dá impressão de que nada mais é significativo — tudo já foi dito e lido — e pasteurizado por repetição tediosa.

Yuval Harari teme que o sistema operacional da espécie — a linguagem, enfim, o pensamento — esteja sob ameaça de captura pela inteligência artificial. Eu diria que, antes disso, na época atual, a singular subjetividade humana já foi arrancada do indivíduo. Este ser invadido, achatado e banalizado por ondas sufocantes de informações e redes sociais. Ele perdeu sua centralidade única ao vê-la espelhada na cacofonia das expressões humanas ali niveladas. O quarto golpe ao narcisismo, talvez o último, é o absurdo sentimento dos sujeitos se descobrindo clones uns dos outros.

Bruno Boghossian - A reforma do centrão

Folha de S. Paulo

Presidente lança bases de nova relação com o grupo, contrata maioria no Congresso e assume riscos

"Você tem que ter uma maioria, senão você se mata", resumiu Lula ao defender a abertura das portas do governo para o centrão. A decisão de ceder espaços generosos para o sindicato de Arthur Lira pode se tornar um lance político definidor do terceiro mandato do petista.

Lula gostou do que viu na Câmara na semana passada. Os deputados entregaram dois sonhos de consumo de qualquer governante: aprovaram uma mudança na Constituição que parecia inalcançável e destravaram a votação de um item considerado crucial pela equipe econômica.

Wilson Gomes* - Democracia sempre, mas valores primeiro

Folha de S. Paulo

Sistema político, hoje querido, nunca teve todo o sucesso de crítica e de público que imaginávamos

Responda honestamente, para você o que é preferível? Ser governado pela esquerda ou governado democraticamente?

Uma sociedade próspera e com governos eficientes ou um Estado democrático? Uma sociedade em que são protegidos os valores certos ou uma sociedade em que o combinado fundamental que a todos obriga deriva tão somente de constituição liberal-democrata?

Neste vertiginoso século 21, há poucos consensos tão bem estabelecidos quanto a convicção de que é melhor viver sob um regime democrático. Todos amam a democracia, e a tal ponto que quando são, eventualmente, acusados de traí-la, reagem como se tivessem recebido um insulto.

Nem sempre houve esse consenso. Não faz muito tempo, a democracia não só não gozava dessa reputação, como de fato foi muitas vezes abandonada, desfigurada e substituída.

Ainda estão vivos muitos dos que viram quando uma parte relevante dos países do mundo foi desgarrado da democracia durante o turbulento século passado. A civilizadíssima Europa foi redemocratizada à força, na América Latina ditaduras militares caíram de podre depois de quebrar as economias dos países que as adotaram, o mesmo em outras partes do mundo.

Hélio Schwartsman - Ficção ou realidade?

Folha de S. Paulo

Capacidade de distinguir histórias inventadas de fatos é natural entre humanos, mas incentivos sociais podem gerar adesão a mitos

O Conar instaurou um processo para determinar se a propaganda da Volkswagen com Elis Regina viola as regras éticas da organização. Uma das muitas acusações contra a peça é que ela, ao trazer a cantora "de volta à vida", contribuiria para causar confusão entre ficção e realidade. Mas será que humanos somos assim tão propensos a confundir ficção com realidade?

A resposta direta à pergunta é "não". Se há algo que nossa espécie sabe fazer é distinguir histórias inventadas de fatos. E sabemos fazê-lo pela simples razão de que somos consumidores ávidos de ficção.

Martin Wolf* - Ocidente tem de reconhecer sua hipocrisia

Valor Econômico

Países em desenvolvimento sofrem por choques que não promoveram

Migramos para uma era de competição global abrandada pela necessidade de cooperar e pelo medo do conflito. Os principais protagonistas são os EUA e seus aliados, de um lado, e China e Rússia, do outro. Mas o restante do mundo também importa. Abriga 66% da população global e uma série de potências em ascensão, notadamente a Índia, agora o país mais populoso do mundo.

No entanto, as relações entre os EUA e a China são, sem dúvida, dominantes. Felizmente, o governo americano tentou reduzir o atrito, mais recentemente com as visitas do secretário de Estado, Antony Blinken, e da secretária do Tesouro, Janet Yellen.

O objetivo de Yellen era, segundo disse, “instaurar e aprofundar relações” com a nova equipe de liderança econômica em Pequim. Ela enfatizou que isso seria parte de um esforço de estabilizar as relações entre os dois países, de reduzir o risco de mal-entendidos e de estudar áreas de cooperação. Acrescentou que “há uma distinção importante entre descolar, por um lado, e, por outro lado, diversificar cadeias de suprimentos decisivas ou adotar medidas pontuais de segurança nacional. Sabemos que um descolamento das duas maiores economias mundiais seria desastroso para ambos os países e desestabilizador para o mundo. E que seria virtualmente impossível de realizar”.

Maria Clara R. M. do Prado - Moeda não causa inflação

Valor Econômico

Imensa liquidez injetada pelos BCs dos países ricos e juros perto de zero não afetaram a estabilidade de preços

O que é moeda? É uma representação convencionada aceita por toda a sociedade que expressa numericamente o preço ou valor associado a bens físicos, serviços e ativos em geral. Por muitos anos foi considerada basicamente como um meio de troca, uma das funções que lhe atribuíram os livros textos e que está na raiz da Teoria Quantitativa da Moeda, prevalecente nos circuitos monetários em boa parte da segunda metade do século XX.

A ideia de que a inflação só seria controlada através de limites impostos à emissão primária de moeda, a famosa base monetária, guiou os Bancos Centrais desde o final dos anos 70 até o início dos anos 90. Sempre que havia ameaça de aumento da inflação, os BCs agiam para retirar liquidez do mercado e reduzir assim não apenas a base, mas os meios de pagamento. O intuito era impor restrições de gastos ao setor privado e, em especial, ao setor público na convicção de que isto estaria garantido com a “redução” de indicadores hoje jurássicos, como a velocidade-renda da moeda ou mesmo o papel moeda em circulação.

Vinicius Torres Freire - Inflação ainda não acabou

Folha de S. Paulo

Números melhoram, juros de prazo longo caem, mas carestia resiste nos serviços

Na média, os preços caíram 0,08% de maio para junho. A inflação anual, o IPCA acumulado nos últimos 12 meses, baixou para 3,16%. As notícias são boas, mas ainda há focos de incêndio nos preços; o IPCA anual assim baixo é um pouquinho ilusório.

Outras medidas de inflação importam porque o Banco Central vai prestar atenção nisso quando decidir o ritmo da queda da Selic, a taxa básica de juros, de curtíssimo prazo. Importam também porque a vida continua difícil, claro, considerados alguns aumentos de preços muito importantes.

De qualquer modo, não estamos em um processo de baixa de preços sintomático de um esfriamento dramático do consumo ou do ritmo geral da economia; nem o remédio dos juros foi inútil porque a doença começou a passar, como acredita o comando do PT.

Zeina Latif - A tal Reforma Tributária possível


O Globo

O Senado deveria aparar arestas. A ver se o bem comum conseguirá se impor aos interesses oportunistas

Muito se falou em aprovar a Reforma Tributária “possível”. Com razão, pois a reforma “ideal” do ponto de vista econômico — IVA único nacional (e não o dual) e ausência de regimes especiais (inclusive para saúde e educação, já que não são os mais pobres que utilizam o serviço privado) — seria improvável.

Em grande medida, a distância entre o “ideal” e o “possível” decorre de elementos da política que se reforçam mutuamente, como o marcante antagonismo entre a oposição e o governo, e o poder de grupos organizados.

A resistência da oposição, inclusive alimentada pelo ex-presidente Bolsonaro, acabou limitando a capacidade do governo de enfrentar grupos organizados. Se anteriormente eu acreditava que o presidente Lula deveria defender publicamente a reforma, hoje avalio que seu silêncio pode ter sido uma decisão sábia, para não atrapalhar as negociações.

Não é seguro afirmar que um período mais longo de debate da matéria produziria melhores resultados, com menos concessões a diferentes segmentos. Além de o debate ter amadurecido bastante nos últimos anos — com grande mérito de técnicos do governo anterior, sobretudo Vanessa Rahal Canado e Isaías Coelho, e de lideranças da Câmara —, prolongar a tramitação poderia ameaçar a aprovação.

Maílson da Nóbrega* - Reforma tributária: é preciso continuar a luta

O Estado de S. Paulo

O Senado é a casa dos Estados e o revisor das decisões da Câmara. Por isso, não se pode eximir de descartar argumentos insustentáveis contra a reforma

A reforma tributária aprovada pela Câmara é a mudança estrutural mais relevante desde a restauração da democracia. Livrará o País do manicômio da tributação do consumo, causa maior da desindustrialização precoce e da armadilha de baixo crescimento de que padecemos. Acarretará ganhos de produtividade que restaurarão a competitividade dos produtos e serviços, elevando o potencial de crescimento da economia e da geração de emprego e renda. É um grande momento para o Brasil.

Poderia ter sido melhor. A força de grupos de interesse diminuiu sua qualidade. Em vez da adoção da alíquota única prevista no texto original da PEC 45, que prevalece nas versões mais eficientes do Imposto sobre o Valor Agregado (IVA), as reduções da alíquota básica beneficiarão essencialmente as classes mais abastadas. Não há razão econômica ou social para justificar as exceções. Esse foi o preço a pagar, reconheço, para aprovar a reforma. Mesmo assim, há motivos de sobra para festejar sua aprovação.

Paulo Delgado* - A atualidade de ‘Dom Quixote’

O Estado de S. Paulo

Quando quem tira proveito da injustiça se destaca, ao contrário de quem nada ganha sendo justo, é preferível o delírio dos lunáticos a confiar na existência de alguma ordem mundial

Há nações que preparam cuidadosamente seus erros. Numa ambivalência congênita de estratégias incompatíveis para enfrentar reveses, os Estados não se equilibram bem entre poder e legitimidade. Não conseguem afetar os cálculos dos usuários da criminalidade e diminuir a confiança que os violentos têm no seu sucesso. A violência brota sem esforço como coisa fixa. As ações por mudança e a pedra bruta da realidade são duas imagens que não se fundem a ponto de uma superar a outra. Ordem e desordem são dois lados da mesma moeda. Muitas vezes com a colaboração e a negligência das forças de segurança dos governos, permanece vago o fim da insegurança crônica em muitos países.

A mexicana Colima, de 330 mil habitantes, é a cidade mais violenta e insegura do mundo. O México tem as sete primeiras cidades no ranking em que a vida humana vale pouco ou não vale nada. O Brasil é o segundo país com mais cidades violentas. EUA, Colômbia, África do Sul, Honduras, Porto Rico, Equador e Jamaica fornecem as demais da lista das 50 cidades onde os criminosos são mais eficientes que o Estado. Os dados são da ONG mexicana Conselho Cidadão para a Segurança Pública e a Justiça Penal.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Deflação de junho torna iminente a queda dos juros

Valor Econômico

Com a expectativa de preços em declínio, a taxa de juros ficou alta demais

A deflação de 0,08% do IPCA em junho torna praticamente certo o início de um ciclo de corte das taxas de juros pelo Banco Central na próxima reunião. Não deixa evidente a magnitude do corte, porque os serviços continuam pressionando a inflação - aqui, nos Estados Unido e Europa- nem o ponto de chegada do afrouxamento. Importante, no entanto, é que se trata de um fato auspicioso que, somado a vários outros dos últimos meses, deixa entrever a possibilidade de um círculo virtuoso, pelo menos a curto prazo, de algum controle do gasto público, crescimento um pouco maior, inflação cadente e aumento dos investimentos privados.

Embora o presidente Lula gostaria que o BC obedecesse a suas ordens e reduzisse os juros quando ordenasse, foi a insistência em uma política contracionista que abriu finalmente os horizontes de redução. Os movimentos que orientaram a desancoragem das expectativas inflacionárias e o pessimismo são claros e atribuíveis a sentimentos pessimistas sobre ações do governo. A PEC da Transição, com aumento de 1,5% do PIB em gastos, com as investidas do presidente por mais gastos, fizeram os investidores temerem pelo pior. A avaliação de que uma âncora fiscal nada robusta era no entanto uma positiva e pouco esperada preocupação fiscal, a revisão da perspectiva para a nota de crédito soberano do país e a valorização do real mudaram o clima.