quarta-feira, 22 de novembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Prende e solta é incentivo aos criminosos

O Globo

Acusado de assassinar turista em Copacabana havia sido libertado da prisão horas antes do crime

O assassinato do sul-mato-grossense Gabriel Mongenot Milhomem Santos, de 25 anos, durante assalto na Praia de Copacabana na madrugada de domingo embute várias tragédias numa só. Estudante de engenharia aeroespacial, Gabriel era um dos milhares de fãs que vieram ao Rio assistir ao show da cantora Taylor Swift. Foi executado com uma facada no peito quando estava com quatro amigos na praia mais famosa do Brasil, onde imaginava estar em segurança.

Tragicamente, não há acaso no crime. Os suspeitos são velhos conhecidos da polícia. Jonathan Batista Barbosa, de 37 anos, soma sete anotações criminais. Outro acusado, Anderson Henriques Brandão, de 43 anos, cinco. Roubos e furtos eram parte de suas rotinas. Às vésperas do assassinato, Jonathan havia sido preso com outro suspeito, sob acusação de furtar 80 barras de chocolate de uma loja em Copacabana. Mais um crime numa extensa folha corrida em que já constavam um duplo homicídio, tráfico de drogas, violência doméstica, flagrantes por roubo, furto e posse ilegal de arma de fogo.

Bernardo Mello Franco - A destruição como espetáculo

O Globo

Presidente eleito da Argentina se vendeu como um vingador sem medo do ridículo

Um homem de jaqueta de couro sorri para a câmera e exibe uma marreta dourada. À sua volta, a multidão grita em coro: “Destruição! Destruição!”. O homem fixa os olhos na maquete de um edifício histórico. Passa a golpeá-la com fúria, até reduzi-la a migalhas.

O protagonista do vídeo que ganhou as redes é Javier Milei, presidente eleito da Argentina. A maquete representava o Banco Central, que ele ameaçou dinamitar e incendiar quando chegasse ao poder.

A extrema direita cultua a ideia da demolição. Seus próceres prometem desmantelar o Estado, desmontar políticas públicas, desossar instituições que esconderiam seus adversários.

“O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que desconstruir muita coisa”, disse Jair Bolsonaro no terceiro mês de governo.

Zeina Latif - As vozes do povo

O Globo

Sociedade precisa ser mais ouvida. Há um descontentamento social que se revela em sentimento de insegurança e medo de retrocessos

Não sei dizer se “a voz do povo é a voz de Deus”, mas que a sociedade precisa ser mais ouvida, precisa.

As mudanças na sociedade são como placas tectônicas em movimento. Só são percebidas quando ocorrem acidentes, como os terremotos, cujo paralelo seriam as revoltas nas ruas e as surpresas nas urnas.

Há um descontentamento social que se revela em sentimento de insegurança e medo de retrocessos. Esse fenômeno, global, representa um desafio, especialmente para os partidos de centro-esquerda, que têm falhado ao não capturar e acolher as novas demandas sociais.

Nos Estados Unidos, estudo recente do Progressive Policy Institute aponta para mudanças nos anseios de eleitores da classe trabalhadora, que levaram ao seu afastamento do Partido Democrata. Uma trajetória que culminou com o domínio de Trump no Partido Republicano.

Luiz Carlos Azedo - Senado está em rota de colisão com o Supremo

Correio Braziliense

O governo tenta evitar a aprovação da PEC que limita os poderes dos ministros da Corte, mas está fragilizado, porque houve uma mudança de posicionamento de Rodrigo Pacheco

O Senado deve votar, nesta quarta-feira, o Projeto de Emenda à Constituição (PEC) que limita decisões individuais de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e muda regras sobre pedidos de vista em julgamentos. O requerimento para a votação em regime especial, nesta terça-feira, recebeu o aval de 48 senadores; 20 foram contra. Para ser aprovada em plenário, com três quintos dos votos, precisa apenas do apoio de mais um senador. O governo tenta barrar a votação.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), minimizou o conflito com o Supremo, com o argumento de que a PEC não é "retaliação" nem "afronta". Caso seja aprovada, a proposta impedirá que o Supremo suspenda leis que afetem a coletividade, bem como leis ou atos dos presidentes da República, da Câmara e do Senado com o mesmo teor. A regra também vale para decisões cautelares ou "de qualquer natureza" em ações que questionem a constitucionalidade de leis.

Vera Magalhães - A Petrobras na boca do caixa

O Globo

Governo vê empresa como grande financiadora do PAC e amplia pressão sobre Prates

A discussão sobre o preço dos combustíveis, que tem sido a mais frequente modalidade de pressão do Planalto sobre a Petrobras no governo Lula, assim como foi sob Bolsonaro, na verdade é apenas a face mais visível do descontentamento com a condução de Jean Paul Prates na empresa.

Mais importante para Lula que a discussão sobre segurar o reajuste na bomba é saber em que volume e com que velocidade a Petrobras colocará a mão no bolso para financiar os grandes projetos de infraestrutura que são a obsessão do presidente e com que o Tesouro não tem fôlego para arcar sozinho.

Elio Gaspari - Dallas, 22 de novembro de 1963

O Globo

Dois em cada três americanos acreditam que um complô matou Kennedy

Às 12h30 do dia de hoje, há 60 anos, uma bala de fuzil explodiu a cabeça de John Kennedy. Ele tinha 46 anos e era o primeiro presidente americano nascido no século XX.

Uma pesquisa do Instituto Gallup realizada há poucos dias informa que 65% dos adultos americanos acreditam que houve algum tipo de conspiração no atentado. Como um em cada dez americanos duvida que o astronauta Neil Armstrong tenha pisado na Lua em 1969, deve-se dar atenção ao vigor das notícias falsas.

Logo depois do assassinato, o presidente Lyndon Johnson constituiu uma comissão presidida pelo chefe da Suprema Corte, Earl Warren. Ela investigou o crime e concluiu que foi tudo coisa do ex-fuzileiro naval Lee Oswald, um sujeito desajustado que havia vivido na União Soviética. Tudo o que ele fez deu errado, menos uma coisa, que lhe deu dois dias de fama em vida, pois foi assassinado no dia 24.

Martin Wolf - Ameaça iminente de crises fiscais


Valor Econômico

Escolhas fiscais dolorosas parecem estar no horizonte

Há uma antiga provocação sobre o Fundo Monetário Internacional, de que deveria chamar-se “o importante é a parte fiscal” (IMF, it’s mostly fiscal). Por algum tempo, a brincadeira deu a impressão de ter deixado de fazer sentido. Sem dúvida, o Fundo continuou a se queixar da falta de contenção fiscal em países atingidos por crises, como Grécia ou Argentina. No entanto, desde a crise financeira mundial de 2008, ficou relativamente mais relaxado em relação à política fiscal em meio a sua ampla vigilância. Esse, porém, era o mundo do “juro baixo por muito tempo” ou até mesmo do “ainda mais baixo por ainda mais tempo”.

Esse não é mais o mundo em que vivemos. O Fundo, apropriadamente, mudou. Gita Gopinath, primeira diretora-gerente adjunta, soou o alarme, pedindo “um foco renovado na política fiscal e, com isso, uma reinicialização na mentalidade da política fiscal”. O FMI voltou a entrar em modo “o importante é a parte fiscal”.

É inquestionável que a dívida pública atingiu níveis muito altos em comparação aos padrões históricos. Uma atualização de um gráfico do FMI publicado em 2020 mostra o quociente da dívida pública/PIB de países de alta renda em 112% em 2023, abaixo do pico recente de 124% em 2020, ano em que igualou o pico anterior, atingido em 1946. O que torna isso ainda mais notável é que o pico anterior ocorreu após a Segunda Guerra Mundial, enquanto este último ocorreu em tempo de paz. Além disso, o quociente das economias emergentes atingiu 69% do PIB, recorde para esses países.

Lu Aiko Otta - Investimento em ritmo lento, como no passado

Valor Econômico

Números do Orçamento mostram que há dinheiro, mas que esse não foi totalmente gasto

Olhando para os números do Orçamento nestes dez primeiros meses de mandato de Luiz Inácio Lula da Silva, o que se vê são ministérios investindo menos do que poderiam. Até agora, o Orçamento está maior do que a capacidade de execução do governo. É de se perguntar, então, se um eventual contingenciamento de verbas em março de 2024, provavelmente necessário para cumprir a meta de zerar o déficit fiscal, poderia realmente levar à paralisação de obras, como é o temor da ala política do governo.

Conforme levantamento feito por Gil Castello Branco, da organização Contas Abertas, o Orçamento deste ano destina R$ 72,6 bilhões para investimentos. Desses, haviam sido empenhados (reservados para pagamento de um contrato específico) R$ 50,1 bilhões até anteontem. Os valores efetivamente pagos chegaram a R$ 20,3 bilhões.

Fernando Exman - Argentina mergulha em águas turvas

Valor Econômico

Argentinos preferiram as pouco detalhadas propostas de Javier Milei ao risco de ficar à mercê da correnteza peronista representada por Sergio Massa

Milhões de argentinos decidiram mergulhar rumo ao desconhecido. Mesmo sem saber a profundidade de onde pulavam de cabeça, ou seja, as pouco detalhadas propostas do radical Javier Milei, preferiram o risco do que ficar à mercê da correnteza peronista representada por Sergio Massa. Nesta, concluíram, o destino inevitável seria o penhasco.

Candidato-ministro, Massa comanda a economia de um país marcado pelo crescimento da pobreza e da aceleração da inflação. Acabou personificando um governo desastroso, embora prometesse que tudo seria diferente em caso de vitória.

Não convenceu, apesar de ter dado mais sinais do que pretendia fazer na presidência do que o adversário. Assegurava, por exemplo, que enviaria rapidamente ao Congresso os primeiros projetos que dariam ao Estado um novo desenho.

Marcelo Godoy - Sede por regalias

O Estado de S. Paulo

É mais fácil a República devolver o poder aos Braganças do que acabar com os privilégios

José Murilo de Carvalho acreditava que, após 140 anos de existência, havia mais democracia do que República no Brasil. Poucos seriam capazes de associar a segunda à afirmação da igualdade perante a lei, à ausência de privilégios ou ao bom governo e ao cuidado com o bem público.

Tinha razão. E ia mais longe. O historiador da República dizia que a nossa não tinha salvação, ou tinha, mas só por milagre de frei Vicente, aquele que em 1627 escreveu que no Brasil nenhum homem “é repúblico, nem zela ou trata do bem comum, senão cada um do bem particular”. E Murilo concluía: “A República extinguiu o privilégio dos Braganças, mas não conseguiu eliminar os privilégios sociais.”

Fábio Alves - A meta e a eleição de 2026

O Estado de S. Paulo

O sucesso do governo Lula está intrinsecamente ligado ao sucesso do arcabouço fiscal

Com a vitória de Javier Milei e o fracasso dos peronistas na Argentina, eis a lição que o governo Lula e o PT precisam tirar: não podem mirar só nas eleições municipais de 2024, esquecendo o pleito presidencial de 2026, o que requer inexoravelmente manter a credibilidade do arcabouço fiscal nos próximos anos.

A vitória de Milei foi resultado da inflação elevada, do desabastecimento de produtos (devido a congelamento de preços) e da retração da economia. Tudo isso tem origem no descontrole fiscal argentino, respingando na forte desvalorização cambial.

No Brasil, a credibilidade do arcabouço fiscal nos próximos quatro anos será decisiva para um impacto positivo nos preços dos ativos, especialmente para manter baixa a cotação do dólar. Isso será fundamental no controle das expectativas inflacionárias e na capacidade de o Banco Central reduzir a taxa Selic para um nível mais baixo possível.

Wilson Gomes* - Javier Milei e a força dos radicais

Folha de S. Paulo

E se candidatos como ele forem o novo normal na política?

"Um raio nunca cai duas vezes no mesmo lugar", diz um velho ditado que se repete em boa parte do mundo. A convicção por trás disso é que uma situação improvável e desastrosa não se dará novamente no mesmo contexto e para as mesmas pessoas. O pior ficou para trás.

Quando, em 2016, Trump ganhou a eleição americana, foi um "valhei-me, Deus!" geral para a esquerda e o centro liberais no mundo inteiro. Mesmo pesquisadores americanos da comunicação e da ciência política se entreolhavam perplexos ante o inverno que acabava de chegar.

Na noite do domingo em que Bolsonaro ganhou a eleição no Brasil, em 2018, me ocupei de consolar amigos que, apesar de todo o conhecimento profissional sobre política e democracia, eram jovens e ainda não tinham experimentado o sabor amargo de viver sob um governo autoritário no Brasil.

Vinicius Torres Freire - Milei ameaça movimentos sociais, nomeia amigos e lembra Collor

Folha de S. Paulo

Presidente eleito por ora não dá sinal de governo de coalizão e mantém núcleo duro de seu programa

Javier Milei disse a uma rádio que não vai ser chantageado por sindicatos ou movimentos sociais em geral. Mais específico, disse que não vai ser "chantageado pelos violentos" nas ruas —para estes, "a lei", para o que conta com o apoio das forças de segurança.

Seria uma obviedade sem significado maior se não fosse a situação do país, o plano de "ajuste" que virá e a longa e ainda forte tradição argentina de movimentos sociais na rua.

De mais recente sobre o futuro do governo, está se vendo que Milei nomeou e pretende nomear gente sua para os poucos (oito, parece) ministérios que restarão. Já o fez para três cargos ministeriais e para a chefia de gabinete, entre outros cargos de primeiro nível (para alguns dos quais nomeou gente sem experiência alguma). O pessoal do aliado e ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019) ficaria no apoio técnico, como "subs". Para o Banco Central vai Emilio Ocampo, guru da dolarização de Milei.

Bruno Boghossian - Populismo de direita se tornou ator central do atual ciclo político

Folha de S. Paulo

Como tantos outros da espécie, Milei foi favorecido por um processo acelerado de normalização

Javier Milei representa uma espécie peculiar, mas sua eleição é uma prova de que o populismo de extrema direita se consolidou como um dos atores centrais do ciclo político atual.

A ultradireita usa a mesma cartilha há uma década. Milei mostrou que políticos tradicionais ainda são incapazes de reagir às condições econômicas e sociais que favorecem essa plataforma, baseada em promessas de ruptura, planos milagrosos, uma comunicação agressiva e a demolição de identidades partidárias.

Uirá Machado - Vitória de Milei aumenta teste de estresse da democracia na América Latina

Folha de S. Paulo

Diversos países da região sofrem com instabilidade política, e discurso de presidente eleito leva Argentina para essa lista

vitória de Javier Milei na eleição presidencial da Argentina aumenta a sequência de sucessivos testes de estresse da democracia na América Latina, avaliam cientistas políticos ouvidos pela Folha.

"Em diversos países da região, a população tem a percepção de que a política democrática não traz resultados", diz Flávia Biroli, professora da UnB (Universidade de Brasília).

"A pobreza e a violência, por exemplo, são dois temas em uma lista de promessas não cumpridas da democracia, o que leva à frustração com os políticos tradicionais, vistos como corruptos ou incapazes de apresentar soluções para os problemas."

No Brasil, Jair Bolsonaro (PL) venceu em 2018 com uma plataforma abertamente contra o sistema, e Milei fez o mesmo agora na ArgentinaEm ambos os casos, apostaram na retórica do "outsider", alguém que viria de fora para superar os vícios dos políticos profissionais.