sábado, 25 de novembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Trégua em Gaza traz alívio, mas não deve iludir

O Globo

Libertação dos primeiros reféns deve ser celebrada, embora o fim do conflito ainda continue distante

Entrou em vigor ontem a primeira trégua no conflito entre Israel e Hamas na Faixa de Gaza. Pela libertação dos primeiros reféns e pelo alívio aos civis de Gaza, merece ser celebrada. O acordo, mediado por Estados Unidos, Egito e Catar, prevê a libertação de 50 dos cerca de 240 reféns sequestrados pelo grupo terrorista em 7 de outubro e de 150 palestinos presos em Israel. Ontem foram libertados os primeiros 24 reféns — 13 israelenses, dez tailandeses e um filipino —, e Israel soltou 39 prisioneiros. Mais trocas estão previstas até o fim da trégua, marcado para segunda-feira. Pelos termos negociados, Israel a estenderá por mais 24 horas a cada dez reféns libertados. Cada vida salva será uma conquista.

Marco Aurélio Nogueira* - O dramático desafio educacional

O Estado de S. Paulo

A alfabetização funcional pesa como um rochedo nas costas do País, cuja população, para piorar, não se dá conta disso

A constatação está na mesa há décadas: vivemos sob um apagão educacional. São poucos os brasileiros que dominam a Língua Portuguesa e conseguem elaborar um pensamento concatenado. A maioria da população não é composta por leitores sistemáticos, escreve pouco e mal. O despreparo é geral. A alfabetização funcional pesa como um rochedo nas costas do País, cuja população, para piorar, não se dá conta disso. Ouçamos as vozes das ruas, as entrevistas dos jogadores de futebol, a conversa dos motoristas e passageiros dos ônibus, a algazarra das brincadeiras infantis, os papos de bar. É uma sucessão de erros crassos nas linguagens escrita e oral. O cenário causa arrepios.

Cristovam Buarque - Viva o Zé Letrinha

Revista Veja

O país precisa de uma campanha para a educação como a da vacina

A característica mais visível do Brasil é a desigualdade como a população tem acesso aos benefícios econômicos e sociais — renda, moradia, serviços urbanos, saúde, educação e alimentação. Nossa cara é a concentração, não a distribuição. Única característica universal é a vacinação contra os vírus que contaminam sem respeitar fronteiras de classes: para proteger a parcela rica foi preciso vacinar a parcela pobre. Em 1973, ainda no governo militar, o Brasil criou o Programa Nacional de Imunizações. Em 1986, iniciou o sistema de vacinação simbolizado pelo personagem Zé Gotinha, com a estratégia de vacinar as crianças de todas classes sociais no mesmo dia em todo o território nacional. Começava não apenas uma campanha de vacinação, mas uma filosofia e um instinto nacional para vencer a poliomielite e outras doenças transmissíveis. O país venceu a batalha graças ao envolvimento de todos os partidos, meios de comunicação, cientistas, pais e mães, todos irmanados usando a capacidade logística de transporte terrestre, aéreo e marítimo em uma mesma luta, com um propósito comum.

Carlos Alberto Sardenberg -Ao pé do ouvido

O Globo

Câmara e Senado aprovam uma lei, sancionada pelo presidente. E um único ministro da Corte cancela tudo numa canetada?

Conta nossa colega Malu Gaspar, em seu blog no GLOBO, que o presidente Lula recebeu para jantar três ministros do STF na última quinta-feira. Assunto: a aprovação pelo Senado de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita a tomada de decisões monocráticas pelos juízes da Corte.

Os ministros detestaram a decisão do Senado. Querem manter seu poder. Obviamente estavam no Alvorada para reclamar da desarticulação do governo Lula, que era contra aquela PEC. Esses encontros e articulações são considerados normais em Brasília.

Seriam?

Os ministros do STF, Corte constitucional, a toda hora têm nas suas mesas temas que interessam ao governo, ao Congresso e aos políticos, como pessoas físicas. Tudo bem que se encontrem em jantares, festas e viagens?

Pablo Ortellado - ‘Privilégio’

O Globo

Fazer pessoas se sentir culpadas por não sofrer racismo ou machismo não parece ajudar

Privilégio é o jargão político utilizado para se referir a uma vantagem usufruída por alguém por pertencer a algum grupo social dominante. Privilégio, nesse sentido, são as diferentes vantagens que um homem ou pessoa branca têm em relação a uma mulher ou pessoa negra. Fala-se de “privilégio branco” ou “privilégio masculino”.

Esse uso da expressão “privilégio” é derivado de um pequeno, mas influente, artigo de 1989 da professora universitária e feminista americana Peggy McIntosh, “White privilege and male privilege”. Nesse artigo, McIntosh parte de uma espécie de autorreflexão sobre as “vantagens não merecidas” de que ela usufruía na condição de mulher branca — vantagens que suas colegas e amigas negras não conheciam. A partir desse esforço de autorreflexão, ela lista 46 vantagens não merecidas, coisas como “vou ao supermercado com a convicção de que não serei perseguida pelo segurança”, “tenho certeza de que o material didático que meus filhos usarão terá representantes da sua raça” e “posso me atrasar numa reunião sem que meu atraso seja atribuído a alguma característica da minha raça”.

Alvaro Gribel - Emprego recorde, e o PIB mais fraco

O Globo

População ocupada deve chegar a 100 milhões na Pnad de outubro, e o PIB pode vir negativo poucos dias depois

O mercado de trabalho deve bater um recorde histórico na próxima divulgação da Pnad pelo IBGE, no dia 30, referente ao mês de outubro: 100 milhões de empregados. Segundo o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, o rendimento médio real também deve se aproximar de R$ 3 mil, pelo efeito da queda da inflação, e a massa real de rendimentos deve atingir o máximo da série. O curioso é que o IBGE, poucos dias depois, 5 de dezembro, deve divulgar um número fraco do PIB do terceiro trimestre, com risco de queda de 0,5%, segundo Vale. “A economia teve três anos de crescimento mais forte, puxado principalmente pela alta das commodities. Agora, já começamos a ver a desaceleração, a partir desse dado do terceiro trimestre. Como o mercado de trabalho reage sempre depois, ainda veremos esse número bom em outubro. Em 2024, no entanto, o emprego também deve começar a desacelerar”, sintetizou o economista.

Adriana Fernandes - Unindo gregos e troianos

O Estado de S. Paulo

Se o Congresso derrubar o veto à desoneração da folha, caso deve parar no Supremo

O alcance e o tom da reação negativa ao veto do presidente Lula à prorrogação da desoneração da folha antecipam os próximos capítulos desse enredo. O Congresso caminha para derrubar o veto presidencial, e o caso deve parar no STF.

Justo o Supremo, que está em pé de guerra com o Senado, o qual aprovou nesta semana uma PEC que limita os poderes da Corte em decisões monocráticas – inclusive com o polêmico voto do líder do governo no Senado, Jaques Wagner.

A provável judicialização da desoneração deve exacerbar o antagonismo entre os parlamentares que querem conter a ação dos ministros do Supremo e o movimento do Executivo de, no aperto, buscar soluções via STF em vez do Congresso.

Alvaro Costa e Silva - Eduardo Paes contra o efeito Taylor Swift

Folha de S. Paulo

Não há mágica para tratar dependentes químicos

O fim de semana passado prometia ter a cara do Rio com que Eduardo Paes sonha: diversão, alegria, ruas e praias cheias de gente, a confirmar a vocação da cidade como destino de megaeventos. Paes ainda andava radiante com a compra de um super-radar finlandês por R$ 6,8 milhões, capaz de detectar a formação de chuvas a 150 quilômetros de distância, e a ampliação da parceria com a Nasa para acesso a 25 satélites que informam sobre a possibilidade de alagamentos e enchentes.

Veio a onda de altas temperaturas, combinada com o efeito Taylor Swift —um pesadelo de desrespeito, angústia e tristeza, que motivou uma decisão tomada no calor da hora. O prefeito usou suas redes sociais para determinar a elaboração de uma "proposta para que possamos implantar no Rio a internação compulsória de usuários de drogas". Hoje, governa-se com afobação e muitas vezes de forma leviana. Como quem tuíta.

Dora Kramer - Um novo anormal

Folha de S. Paulo

Instituições não devem se sentir traídas, pois a elas não cabe dever de lealdade umas às outras

Por definição independentes e harmônicos, os Poderes da República em tese não deveriam usar de suas prerrogativas nem abdicar de seus deveres institucionais para mandar recados uns aos outros.

Mas, nesses que o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello já definiu como "tempos estranhos", espetadas mútuas tornaram-se parte da cena nacional, completamente contaminada por contendas de natureza política.

A reação tão surpreendente quanto superlativa do STF a uma PEC que limita decisões monocráticas da corte, aprovada na véspera no Senado, inscreve-se nesse novo anormal. O tribunal tomou como provocação —e foi, menos pelo mérito e mais pela motivação do momento.

Demétrio Magnoli - Reféns de Netanyahu

Folha de S. Paulo

Prolongada ocupação do território palestino envenenou Estado judeu

Israel nasceu do horror do Holocausto, como fortificação de defesa dos judeus. Dessa origem derivam relações paradoxais entre os judeus da diáspora e o Estado de Israel. Como explica Bernardo Sorj: "O Estado de Israel se autodelegou a representação do povo judeu, e boa parte das instituições judaicas da diáspora foram transformadas em instrumentos de defesa do Estado de Israel perante a opinião pública. Consequências: o apoio e justificação de toda e qualquer política do governo e a perda de autonomia política."

Sorj destaca uma diferença crucial. Na diáspora, como minoria (e, frequentemente, minoria perseguida), os judeus desenvolveram uma sensibilidade particular para os direitos humanos. Já em Israel, os judeus são maioria –e, desde 1967, cidadãos de um Estado ocupante. Daí que os judeus da diáspora viram-se na posição paradoxal de aceitar, às vezes com indignação ou extrema relutância, a violação, por "seu" Estado, do direito nacional palestino. Tornaram-se reféns políticos dos governos israelenses, que não elegeram.

Marcus Pestana* - A experiência argentina e o futuro da democracia

As grandes ideias vitoriosas ao final do Século XX pareciam ser liberdade e democracia. O socialismo havia desmoronado com a dissolução da URSS, a queda do muro de Berlim e o fim da Guerra Fria. A socialdemocracia vivia o rescaldo do esgotamento fiscal do Welfare State nos anos de 1970 e tentava se reciclar com a 3ª. Via liderada por Bill Clinton, Tony Blair e Fernando Henrique Cardoso. O neoliberalismo, que foi hegemônico nos anos de 1980, com Ronald Reagan e Margareth Thatcher, entrava em declínio. O mundo capitalista experimentava a globalização e a revolução tecnológica da era digital. A China optava pelo capitalismo de Estado e despontava como potência global. Em 2008, o estouro da bolha do mercado imobiliário americano contaminou grandes bancos e a economia mundial mergulhou em crise profunda, recessão e desemprego. 

Diante disto, os paradigmas ideológicos ficaram obsoletos e não conseguiam explicar o mundo contemporâneo. As velhas visões sobre as relações entre sociedade e Estado eram repensadas. Um espaço de convergência surgiu entre o liberalismo e a esquerda democrática moderna. Mitos e dogmas eram revistos. Tudo indicava que no livre jogo da democracia iríamos encontrar as respostas. Dialogar, debater, contraditar, buscar consensos progressivos, avançar a realidade combinando as virtudes da economia de mercado, da democracia e as políticas sociais.