domingo, 18 de fevereiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

As armadilhas da nova política industrial

O Globo

Plano do governo foi apresentado de modo vago, custa caro e não evita os riscos apontados pelos economistas

O programa Nova Indústria Brasil, lançado pelo governo federal em janeiro, foi apresentado em termos vagos, mas com um dado concreto: investimentos de R$ 300 bilhões até 2026, a maior parte do BNDES, para promover o que seus defensores têm chamado de “neoindustrialização”. Tal montante, equivalente a algo como 1% do PIB brasileiro no período, exige pausa para reflexão. Vale a pena? Ou será apenas dinheiro desperdiçado em projetos fadados ao fracasso, como tantas vezes no passado? Ainda não dá para avaliar a destinação dos recursos, mas é possível desde já expor os principais riscos e as principais armadilhas.

É preciso reconhecer que políticas industriais têm reflorescido no mundo. Nos Estados Unidos, o governo Joe Biden destinou US$ 465 bilhões a fábricas de semicondutores e à transição energética. A China é conhecida pelo dirigismo em setores considerados “estratégicos”. Depois do choque da pandemia nas cadeias globais de suprimento, países europeus e asiáticos têm adotado medidas para favorecer a produção local de medicamentos, chips ou outros produtos. O plano brasileiro foi apresentado como mais um no contexto global e segue uma década de reavaliação das políticas industriais no meio acadêmico, com visão mais favorável que no passado. “O novo não está tanto nos argumentos em prol da política industrial, mas sim na melhor mensuração desse tipo de política pública”, escreveu o economista Luiz Guilherme Schymura, diretor do Ibre/FGV, numa síntese da discussão que o instituto realizou sobre o tema.

Entrevista | Cristovam Buarque: "Temo um pós-Lula com a direita reciclada"

Por Carlos Alexandre de Souza, Denise Rothenburg e Vinicius Doria / Correio Braziliense

O ex-reitor da UnB, ex-governador e ex-ministro da Educação chega aos 80 anos com a inquietude de sempre. Ao Correio, o professor faz um balanço crítico de sua trajetória, aponta erros do MEC e avalia o atual governo, a polarização política e a sucessão de Ibaneis no DF

A dois dias de completar 80 anos de idade, o professor, ex-reitor da Universidade de Brasília, ex-governador do Distrito Federal e ex-ministro da Educação Cristovam Buarque faz uma reflexão. “Ainda não me dei conta de que fiquei velho, mas sei que tenho pouco tempo daqui para a frente.” Ele sabe, porém, o que fazer com esse tempo. “Não quero gastar indo atrás de eleitor, quero gastar indo atrás de leitor.”

Escritor compulsivo e pensador inquieto, Cristovam perdeu a conta de quantos livros publicou ao longo da vida, mais de 100. Nesta entrevista ao Correio, o professor revela que vêm mais dois títulos por aí. Aos jornalistas Denise Rothenburg, Carlos Alexandre de Souza e Vinicius Doria, o ex-governador do DF faz um balanço — com muitas autocríticas — de sua trajetória pública e avalia o momento atual da política brasileira.

Lula 3, polarização, emergência climática e transição energética, sucessão do governador do DF, tudo passa pelo olhar crítico do acadêmico, que não pensa mais em voltar para a política. “Quero ficar no banco dos filósofos”, diz ele. Entre cenários otimistas — “Lula vai acertar na economia” — e pessimistas — “Não vamos dar o salto na educação” —, Cristovam não crê em terceira via, defende a união das esquerdas e alerta para a possibilidade de o pós-Lula ser representado pelo que chama de “direita reciclada”.

Luiz Carlos Azedo - Muitos militares não assimilaram a nova doutrina de defesa

Correio Braziliense

A velha doutrina de segurança nacional se encaixava como uma luva na trajetória histórica de combate aos “inimigos internos”, mas entrou em colapso quando os EUA apoiaram o Reino Unido contra a Argentina

Está disponível no site do governo federal (www.gov.br) o Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN) encaminhado ao Congresso em 20 de julho de 2020, ou seja, há quase quatro anos. Como diz a sua apresentação, “é o mais completo e acabado documento acerca das atividades de defesa do Brasil”. Apresentado em meados do governo de Jair Bolsonaro, o texto original fora concluído em 2012. Os ex-ministros da Defesa Nelson Jobim e Raul Jungmann estão entre os que mais se empenharam para que fosse consolidado.

O documento dorme nas gavetas do Congresso, nem os políticos nem os militares quiseram discutir esse assunto: “vocês não mexem conosco que também não mexemos com vocês”. Errado. Enquanto o Congresso se omitia, o ex-presidente Jair Bolsonaro trabalhava dia e noite para desmoralizar o processo eleitoral brasileiro, de onde vem o “governo do povo, pelo povo e para o povo”, com o propósito de implantar um regime “iliberal” e se manter no poder, com apoio das Forças Armadas. Para isso, cevou o Congresso com verbas e tentou subjugar o Supremo Tribunal Federal (STF).

Merval Pereira - A linha tênue

O Globo

Muitas vezes os ataques pessoais a ministros, especialmente os mais visados como Alexandre de Moraes ou Gilmar Mendes, transformam decisões que deveriam ser técnicas em emocionais, como foi o caso da agressão sofrida pela família do ministro Moraes no aeroporto em Roma

A centralidade do Supremo Tribunal Federal (STF) na política brasileira vem aumentando muito nos últimos anos, e o Tribunal passou a ser um participante fundamental no jogo político, inclusive porque assumiu este papel em muitas ocasiões. Não só pelas decisões tomadas, monocráticas principalmente, mas também por entrevistas, depoimentos de ministros fora dos autos.

Mas também foi levado, por circunstâncias além de sua vontade, a participar de decisões que deveriam ter sido tomadas por outros poderes, especialmente o Legislativo. O Supremo, como última instância, passou a ser usado politicamente por grupos que têm agenda, sobretudo na questão de valores, como casamento gay, aborto, censura, assuntos delicados que o Legislativo não se dispõe a enfrentar, por receio de tomar posição, ou inação estrutural.

Outros assuntos, em que o Executivo não pretendia se envolver para não se desgastar, como consumo de droga ou, mais amplamente, a liberação de drogas como a maconha, também foram jogados para decisão do Supremo. O Supremo, pois, foi ocupando espaços, muitas vezes por gosto do poder crescente, e se transformou em parte da política, não em uma instância suprema para dar luz à sociedade. Hoje é procurado pelo Executivo, e o presidente Lula tenta uma aproximação para contrabalançar a pressão do Congresso.

Elio Gaspari - Bolsonaro e sua direita negativa

O Globo

Jair Bolsonaro assumiu a Presidência em janeiro de 2019. Dois meses depois, atacou a neutralidade das urnas eletrônicas. Em maio, compartilhou uma mensagem que dizia:

“A hipótese nuclear é uma ruptura institucional irreversível, com desfecho imprevisível.”

Essa ruptura não podia vir do nada. Ao fim do ano, diante das manifestações ocorridas no Chile, Bolsonaro sacou o que viria a ser seu bordão: “A gente se prepara para usar o artigo 142 da Constituição federal, que é pela manutenção da lei e da ordem, caso eles (integrantes das Forças Armadas) venham a ser convocados por um dos três Poderes.”

Bolsonaro operava uma manobra de pinça. Numa ponta, brandia o apocalipse. Noutra, investia contra o Supremo Tribunal Federal e o Congresso. No dia 8 de janeiro a pinça fechou-se. Felizmente, estava torta.

Fora do poder e declarado inelegível, Bolsonaro convocou uma manifestação para o próximo domingo em São Paulo. Desde sua saída do Planalto, o Brasil continua com seus problemas, mas livrou-se de um presidente apocalíptico. Como cidadão, ele deve avaliar o comportamento de seus aliados. Mensagens coletadas pelo repórter Levy Teles mostram que os maus espíritos do 8 de janeiro continuam lá. O Laboratório de Humanidades Digitais (LAB-HD) da Universidade Federal da Bahia (UFBA) captou alguns exemplos:

“O presidente Bolsonaro está dando um recado: estamos a dias do maior evento de democracia e resgate aos movimentos patrióticos como os 70 dias nos quartéis. Eu estava lá e vocês?”

Míriam Leitão - O risco do golpe para os militares

O Globo

Não haverá garantia de estabilidade democrática se as Forças Armadas não fizerem a depuração correta, separando o joio do trigo

A ordem do general Braga Netto para atacar os colegas confirma o quanto a politização das Forças Armadas é danosa para os próprios militares. Como coordenador de milicianos digitais, o ex-ministro da Defesa dispara ordens: “viraliza”, “senta o pau no Batista Júnior”, “elogia o Garnier”. E critica o “gosto discutível de VB”, como é chamado o general Villas Boas, por “Fernando e Tomás”. Falava de Fernando Azevedo, antigo ministro da Defesa, e do atual comandante do Exército, Tomás Paiva. Azevedo foi barreira nos primeiros movimentos do projeto golpista, Tomás se interpôs na reta final. A cena completa revelada na Operação Tempus Veritatis é de que o país esteve muito perto de uma nova ditadura, mas também de que a conspiração fraturava as próprias Forças Armadas e subvertia as bases da disciplina e hierarquia pelas quais tanto zelam os militares.

Bernardo Mello Franco - O papel dos empresários

O Globo

Áudio de Mauro Cid revelou participação de donos de marcas conhecidas em conspiração contra a democracia

Em gravação encontrada pela Polícia Federal, o tenente-coronel Mauro Cid afirma que empresários encorajaram Jair Bolsonaro a “virar o jogo” depois da derrota nas urnas.

A mensagem trata de uma reunião em novembro de 2022, quando Lula já havia vencido a eleição presidencial. Bolsonaro seguia encastelado no Alvorada, conspirando para dar um golpe e continuar no poder.

Cid cita os donos de três marcas famosas: Luciano Hang, da Havan; Meyer Nigri, da Tecnisa; e Afrânio Barreira, do Coco Bambu. O militar também menciona “aquele cara da Centauro” — para a PF, uma provável referência a Sebastião Bomfim.

Em notas à imprensa, os quatro contestaram o relato e negaram ter participado da trama golpista. Agora a polícia terá que descobrir quem está mentindo.

Dorrit Harazim - Duas raças

O Globo

‘Ele tinha o braço e a perna direita arrancados por uma bomba. A fralda estava ensanguentada’

Acrônimos são aquelas sopas de letras maiúsculas que costumam designar entidades de nomes compridos como IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) ou Unesco (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization). Não existem para provocar emoção ou sentimento — em si, são neutros, indolores, inodoros. Exceto pelas cinco letras de WCNSF. Essas ferem, fazem chorar, causam horror e dor. Significam Wounded Child, no Surviving Family, ou Criança Ferida sem Familiares Vivos. A sigla nem existia antes do ataque terrorista do Hamas de 7 de outubro e da consequente terraplenagem da Faixa de Gaza desencadeada por Israel. Nunca fizera falta, pois em nenhuma guerra anterior a orfandade infantil fora tão maciça.

Eliane Cantanhêde - Os 3 maiores desafios de Lula

O Estado de S. Paulo

Mais do que executores, o Brasil exige um líder na linha de frente contra violência, dengue e covid

Jair Bolsonaro não foi culpado pelo início da pandemia de covid, mas sim pela forma criminosa como atuou a favor do vírus e contra vidas. Luiz Inácio Lula da Silva não é culpado pelas duas primeiras fugas de uma penitenciária de segurança máxima, nem pela disparada da dengue, nem pela volta preocupante da covid, mas ele tem de liderar a reação do governo a tudo isso, para proteger a população e também para não ser acusado de descaso e fortalecer o discurso da oposição bolsonarista.

As fugas de dois criminosos de altíssima periculosidade são um tanto absurdas, inacreditáveis, sem nenhum resquício hollywoodiano, como já aconteceu e como paira sobre o imaginário popular. “Uma série de coincidências negativas”, definiu Ricardo Lewandowski na sua primeira entrevista como ministro da Justiça. Mas alicate? Furar teto? Alambrado? E holofotes não funcionavam, as câmeras estavam desligadas? Que segurança máxima é essa?

Jorge Caldeira* - Liberal ambientalista? Socialista pró-mercado?

O Estado de S. Paulo

Em tempos de mudança produtiva e sociológica, nem sempre as grandes ideologias de ontem guiam as melhores políticas para o amanhã

Uma empresa apareceu em Caçapava. Promete construir uma grande termoelétrica a gás, gerar empregos, trazer progresso. Ambientalistas reagiram. Organizaram protestos, com os argumentos usuais: poluição e riscos ambientais. Fosse há dez anos, o conjunto encetaria julgamentos conhecidos: uma luta contra a economia da Nação. Ocorre que os tempos são de mudanças rápidas e profundas nas estruturas do mercado e da produção econômica. Levam para interpretações além daquelas baseadas nos enquadramentos ideológicos tradicionais, como o julgamento apresentado acima. Com isso, cai o chão lógico e nascem paradoxos, como aqueles do título.

Celso Lafer* - Antissionismo como antissemitismo

O Estado de S. Paulo

A seletividade da denegação da existência de Israel estimula o discurso de ódio e a hostilidade em relação aos judeus

As críticas às políticas de Estados Unidos, Venezuela, Rússia, Irã e Síria frequentam a agenda da opinião pública. Não passam, no entanto, pela denegação de suas existências como Estados. Hoje muitas críticas à atuação de Israel em Gaza vão além do aceso das polêmicas sobre a aplicação das normas do direito humanitário ou da gravíssima situação humanitária em Gaza. Resvalam pela denegação de sua existência. Neste contexto, cabe a pergunta: de que maneira um antissionismo bastante presente na crítica a Israel é uma modalidade contemporânea de antissemitismo?

Celso Ming - Os solavancos globais e o Brasil

O Estado de S. Paulo

O volume cada vez mais imenso de moeda que circula pelo mundo provoca convulsões como a matéria escura no universo: invade tudo e repuxa tudo – a qualquer tossida da economia dos Estados Unidos.

São movimentos aparentemente sutis da inflação em dólares que, no entanto, têm forte impacto sobre os mercados e embaralham as previsões dos analistas e dos administradores de patrimônio.

Na terça-feira, foi a surpresa negativa da evolução do custo de vida (CPI, na sigla em inglês) de janeiro nos Estados Unidos, que veio acima da esperada e mostrou avanço dos chamados núcleos de inflação. Foi o suficiente para acender as luzes amarelas do Fed (o banco central dos Estados Unidos), indicando que terá de adiar pelo menos até junho o início do ciclo de baixa dos juros básicos, hoje entre 5,0% e 5,5% ao ano.

Celso Rocha de Barros - Coleira de Tarcísio

Folha de S. Paulo

Governador empresta prestígio de SP para ajudar ex-presidente a fugir da cana dura

O governador de São PauloTarcísio de Freitas, pretende ser o rosto de uma nova direita brasileira, moderna e moderada. Sua capacidade de desempenhar esse papel sempre dependeu do comprimento da coleira pela qual Jair Bolsonaro o leva. Na semana passada, descobrimos que ela é mais curta do que a do Carluxo.

Na última segunda-feira, dia 12, Bolsonaro convocou uma manifestação para que o resto da direita brasileira lhe dê parabéns por ter tentado um golpe de Estado e fugido pra Disney. Tarcísio de Freitas, Ronaldo Caiado e Ricardo Nunes já confirmaram presença.

Com a manifestação, Jair quer provar que é um político normal como Tarcísio, Caiado ou Nunes. Na verdade, provará que Tarcísio, Caiado e Nunes são tão aberrantes quanto Jair Bolsonaro, um marginal prestes a ser preso por tentar destruir a democracia brasileira.

Quem comparecer à reunião na avenida Paulista terá confessado sua participação na ofensiva golpista de 2022, bem como sua disposição para aderir a atentados semelhantes no futuro.

Bruno Boghossian - Desprivatizar a caserna

Folha de S. Paulo

Golpismo e busca por anistia refletem uma caserna que é feudo de corporativismo, ambições políticas e interesses privados

Assim que Jair Bolsonaro deixou o poder, militares envolvidos na armação de um golpe já sonhavam com uma anistia. Era 2 de janeiro de 2023 quando o tenente-coronel Mauro Cid escreveu que temia ser preso. O general Estevam Theophilo respondeu que o colega deveria ficar tranquilo: "Vou conversar com o Arruda hoje. Nada lhe acontecerá".

Não havia soldado raso na história. Mesmo após a mudança de governo, Cid continuava na fila para assumir um batalhão de Operações Especiais. Theophilo, que semanas antes havia declarado apoio aos planos golpistas, integrava o Alto Comando. O general Júlio Cesar de Arruda era o comandante do Exército —seria demitido por Lula semanas depois.

Muniz Sodré* - Uma atração fatal

Folha de S. Paulo

Dada a oportunidade, pode-se viver a atração por monstro como licença para assassinar

Entra para a história universal do grotesco a autodúvida escatológica do ex-presidente na reunião de 5/7/22: "Como é que eu ganho uma eleição, um fodido como eu? Deputado do baixo clero, escrotizado dentro da Câmara, sacaneado, gozado, uma porra de um deputado". De fato, um atordoante engano, que começa a desvelar-se pela notícia de que mais de mil pessoas com mandados de prisão pelo 8/1 fizeram doações por Pix à anomalia. Segundo a pesquisa Quaest, 43% das pessoas não veem dedo dele na invasão. Ele já convoca para manifestação em fevereiro.

Hélio Schwartsman - O elogio do fracasso

Folha de S. Paulo

Livro faz cartografia dos erros e mostra que alguns são necessários para que saber avance

Ninguém gosta de fracassar, e isso é um problema. Nossa estrutura psíquica evoluiu para nos afastar de erros. Mas, se varrer falhas para baixo do tapete fazia sentido no Pleistoceno, o mesmo raciocínio não se aplica na modernidade e suas instituições. A ciência, por exemplo, é um sistema no qual resultados negativos e hipóteses frustradas são parte indissociável do ecossistema. O saber não avança sem isso. Não obstante, mesmo sabendo disso, cientistas ficam desapontados quando suas previsões iniciais fracassam. Por vezes, até tentam esconder seus erros —o que pode ser desastroso para o sistema.