quinta-feira, 9 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

No TSE, Cármen Lúcia terá de enfrentar desinformação e IA

O Globo

Ministra que assume a Corte em junho se mostra atenta aos riscos trazidos pela tecnologia às eleições

Como era previsto, a ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia foi escolhida para presidir o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por dois anos a partir de junho, em substituição ao ministro Alexandre de Moraes. Ela tem mantido desde já reuniões com empresas de tecnologia, visando à adoção de medidas eficazes para combater a desinformação nas eleições municipais no segundo semestre. Presidente do TSE em 2012 e 2013, Cármen demonstra estar ciente de que hoje os desafios têm outra natureza e dimensão, com o espectro do uso intensivo de inteligência artificial (IA) nas campanhas eleitorais.

“Temos uma situação completamente inédita na história da humanidade, com um grande volume de dados passados nos nossos aparelhos”, afirmou num evento em São Paulo. De acordo com ela, as campanhas de desinformação podem criar uma versão contemporânea dos proverbiais “currais eleitorais” do passado, que ela descreve como “coronelismo digital”.

Merval Pereira – Solidariedade

O Globo

Voltamos a ter um país que se une em torno de uma causa, não importa se o cidadão voluntário é bolsonarista, petista ou anula o voto

Depois da tragédia que atingiu a Região Sul do Brasil, especialmente o Rio Grande do Sul, impossível imaginar que não se torne prioritária uma política de prevenção dos desastres climáticos que nos atingirão com mais e mais frequência nos próximos anos, como alertam os especialistas. Deixar de acreditar que o clima mundial tem sido modificado com uma intensidade que prenuncia graves consequências é ser negacionista radical, com mais razões políticas que científicas. Está na hora de tirar do papel a proposta da ministra do Meio Ambiente de criar uma autoridade nacional de enfrentamento das mudanças climáticas.

As imagens que recebemos das regiões atingidas no Rio Grande do Sul são assustadoras, os danos concretos superam tragédias que já nos afrontaram anteriormente, como Brumadinho e Petrópolis, ou mesmo crises estrangeiras, como o Furacão Katrina em Nova Orleans. Ao mesmo tempo que tragédia tamanha serviu para redescobrirmos a importância da solidariedade, que sempre foi nossa característica, abriu espaço também para a disseminação de fake news, criando uma situação cruel.

Malu Gaspar - A Catástrofe e o despreparo

O Globo

Já faz um tempo que virou moda usar a emergência climática para fazer marketing. Empresas gastam fortunas com relatórios e consultorias que atestem sua responsabilidade ambiental e social, colocando o aposto “verde” em seus produtos sempre que podem — e também quando não podem.

Declarar engajamento na preservação do meio ambiente é obrigatório para quase todos os políticos, inclusive os que trabalham pela destruição. As conferências mundiais sobre o tema se tornaram grandes eventos midiáticos para os quais se enviam caravanas.

Só o Brasil mandou no ano passado a Dubai, para a Conferência do Clima da ONU, 69 deputados, 16 senadores e 12 governadores, que participaram de seminários e painéis de alto nível sobre como salvar a Terra do aquecimento. Tudo fotografado, documentado e disseminado nas redes sociais, como atestado de virtude.

Não que esse tipo de reunião não seja importante. Encontrar soluções para tentar conter os danos das tragédias climáticas e ambientais é urgente e só acontecerá com a troca de experiências e a adoção de uma nova concertação global.

Míriam Leitão - Crise gaúcha e a negação da ciência

O Globo

Quem nega a ciência contrata a morte. Congresso faz sua marcha da destruição, enquanto o Rio Grande do Sul enfrenta um drama

A economia do Rio Grande do Sul deverá sentir os efeitos dessa inundação por muito tempo, mesmo depois de superado o pior da tragédia. É uma economia que enfrentou crises climáticas em três dos últimos cinco anos. Pelo fato de ter acontecido em maio, a perda imediata será menor porque atinge os 20% da safra não colhida, mas a perda de capital é mais difícil de superar. Para a economia do país é uma nova complicação, num quadro já complexo. O Banco Central ontem reduziu o ritmo do corte dos juros, em parte pelo aumento das pressões por mais gasto público, mas deu a impressão de estar dividido politicamente.

Vinicius Torres Freire - O bafafá BC dividido

Folha de S. Paulo

Diretores nomeados pelo governo anterior votam por corte menor da Selic

decisão do Banco Central vai causar algum bafafá político e talvez certo tremelique financeiro. A direção do BC baixou a Selic de 10,75% para 10,5% ao ano, como era esperado na praça do mercado, em vez de 0,5 ponto percentual, toada em que vinha desde agosto do ano passado.

A redução do ritmo de corte da taxa básica de juros causaria os protestos estereotipados e os insultos de sempre —de empresários, PT, governo. O tremelique virá do fato de que a decisão de frear a queda da Selic foi por 5 votos a 4.

Justamente cinco votos dos diretores nomeados por Jair Bolsonaro ante quatro votos dos nomeados por Luiz Inácio Lula da Silva.

Thiago Amparo - No RS, é hora de apontar o dedo

Folha de S. Paulo

Expor responsabilidades não é crueldade, mas honrar as vítimas

É hora de apontar o dedo para a Prefeitura de Porto Alegre, sob a gestão de Sebastião Melo (MDB), que destinou zero real em 2023 para a prevenção contra enchentes e recusou a contratação de 443 funcionários para o DMAE (Departamento Municipal de Águas e Esgotos) —o qual, desde 2013, foi cortado pela metade. Não é surpreendente, portanto, que o sistema de contenção de cheias, datado da década de 1970, não tenha dado conta.

Bruno Boghossian - Questões de popularidade

Folha de S. Paulo

Governo vê sinais de queda estancada, mas tem pontos de atenção pela frente

O governo mal conseguiu um diagnóstico completo sobre a queda da popularidade de Lula, mas agora ensaia um suspiro de alívio. Três pesquisas divulgadas nos últimos dias confirmam que a avaliação piorou mesmo. Sugerem também que a queda pode ter sido estancada.

Os dados indicam a consolidação de um quadro cada vez mais comum em levantamentos sobre popularidade presidencial, com um eleitorado dividido em três partes iguais. A pesquisa Quaest desta quarta (8) mostrou que 33% consideram o governo ótimo ou bom, 31% dizem que ele é regular e 33% classificam a gestão como ruim ou péssima.

Luiz Carlos Azedo - Solidariedade aos gaúchos melhora avaliação de Lula no Sul

Correio Braziliense

A guerra de fake news nas redes sociais, para desgastar o petista, recrudesceu em razão da pesquisa de opinião que mostra aumento da percepção positiva regional em relação ao governo

Enquanto no país inteiro a imagem de Luiz Inácio Lula da Silva e do seu governo continuam em queda, no Sul do país, região onde o ex-presidente Jair Bolsonaro foi vitorioso nas eleições, o presidente da República melhorou sua avaliação, segundo pesquisa Genial/Quaest, divulgada ontem. Lula tinha 25 pontos percentuais de avaliação positiva, subiu para 34 pontos, enquanto a avaliação negativa caiu de 42 para 41 pontos.

No contingente que considerava sua atuação regular, 6% de 31% avaliaram que o governo melhorou. Esse resultado é atribuído à rapidez e intensidade com Lula mobilizou os esforços da União, e não somente do governo, para atender às vítimas das chuvas do Rio Grande do Sul.

Esse resultado mostrou ao governo que a solidariedade como os mais necessitados e a eficiência dos órgãos federais no socorro são capazes de reverter a imagem negativa, não somente no Sul, mas também nos demais estados. E a guerra de fake news nas redes sociais, com intuito de desgastar o governo, ontem, recrudesceu em razão da pesquisa.

Maria Cristina Fernandes - Urubus da tragédia prenunciam embate

Valor Econômico

Catástrofes tanto podem fazer com que a solidariedade invada a política quanto permitir que o oportunismo da extrema de direita se locuplete. É uma escolha

Acorre à tragédia gaúcha uma multiplicidade de explicações, não-excludentes: chuva sem precedentes na história, exploração agrícola que, há séculos, devasta a vegetação que poderia reter a chuva, sistema de prevenção de enchentes deixado à míngua e uma legislação ambiental destroçada pelos poderes locais e por uma bancada de parlamentares que capitaneia o negacionismo climático no país. Nenhuma das explicações pode ser negligenciada na reconstrução do Estado e na chamada à responsabilidade de gestores e parlamentares num jogo em que todos os pontos estão ligados. A cada centavo que se tira dos cuidados acumulam-se prejuízos humanos e materiais no futuro.

Da companhia que os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), fizeram ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva à sua segunda visita ao Estado, surgiram duas iniciativas - uma boa, a PEC para remanejar 5% da verba de emendas individuais para a prevenção de catástrofes ambientais na Câmara, e uma ruim, o “orçamento de guerra”, que brotou no Senado e, antes de ser abortado, ameaçava dar carona a gastos em nada relacionados à tragédia gaúcha.

Maria Clara R. M. do Prado - O Congresso e a catástrofe

Valor Econômico

Emendas parlamentares abrem clivagem orçamentária sem critério de planejamento, fiscalização ou punições

A calamidade que assola o Rio Grande do Sul coloca a nu a incompetência do Congresso Nacional na administração dos recursos que conseguiu subtrair do orçamento da União ao longo dos últimos anos. A denúncia de que apenas uma entre as 6 mil emendas individuais de parlamentares criadas em 2023 tenha sido indicada para ações vinculadas a alterações climáticas é emblemática. Realça a ineficácia na alocação dos recursos, mas não se limita a isso.

As emendas empenhadas pelo Congresso abrem uma clivagem orçamentária em benefício de “obras” e “serviços” dispersas pelo país sem critério de planejamento, sem fiscalização, sem cobranças e sem punições. São fontes de gastos da parte obscura do orçamento, aquela que escapa ao arcabouço, digamos, formal, sujeito diariamente ao estresse de encaixar despesas crescentes em receitas fora de compasso. Digo formal porque a vertente legislativa da absorção orçamentária funciona como um apêndice das contas públicas, como se nada tivesse a ver com o equilíbrio e o ajuste fiscal necessários à harmonia econômica do país.

Maílson da Nóbrega - O país dos privilégios e dos gastos garantidos

Valor Econômico

Estabelecer prioridades eternas é incompatível com as transformações ditadas pela realidade e pela dinâmica institucional

O economista Fernando de Holanda Barbosa apontou, em livro, os privilégios do Brasil (O Flagelo da Economia de Privilégios: Brasil, 1947-2020, FGV Editora, 2021). Eles estão entranhados nos costumes, na lei e na Constituição. Basta ver dois exemplos recentes: a reforma tributária e a restauração de quinquênios para juízes, procuradores e outras carreiras.

A reforma tributária legará um sistema racional de cobrança de impostos sobre o consumo, mas incorporou muitos privilégios. Os serviços, consumidos essencialmente pelos mais ricos, pagarão apenas 40% da alíquota básica, que incidirá sobre bens adquiridos pelos mais pobres. Profissionais liberais, a maioria pertencente às classes mais favorecidas, pagarão 70%. O custo anual da PEC dos Quinquênios, em favor de grupos privilegiados, será de R$ 42 bilhões.

Em ambos os casos, invocou-se o direito adquirido. Como jocosamente lembrou o jornalista Fernando Dantas, o lema da bandeira brasileira - “Ordem e Progresso” - poderia ser substituído por “Direito Adquirido”, o qual, mesmo quando obtido de forma ilegítima, é reconhecido pelo Judiciário. Além disso, recursos são garantidos para certas áreas, mediante a vinculação de impostos a gastos específicos, como ocorre com a saúde e a educação. Nenhum país que leve a sério as finanças públicas inclui esse “direito” na sua Carta Magna, como aqui.

William Waack - Tragédia e estatura

O Estado de S. Paulo

Preocupado com índices de popularidade, Lula 3 vai para mais um difícil teste

Nascido em grande medida do repúdio do eleitorado ao candidato adversário, o governo Lula 3 continua tendo grandes dificuldades para entender a razão do que ele mesmo descreve como problema de popularidade. É o próprio Lula.

O presidente tem desconcertado aliados históricos e velhos companheiros pela morosidade com que joga num campo onde sempre se considerou o maior craque, o da articulação e negociação políticas. Talvez ainda não consiga compreender o quanto esse campo mudou – além das regras do jogo.

José Serra - O conflito da desoneração da folha

O Estado de S. Paulo

No novo mundo digital, proteger o emprego é um compromisso com a coesão social. A questão da desoneração é a ponta do iceberg. É melhor enfrentar a realidade que ela mostra

Há mais de dez anos a economia brasileira convive com uma autêntica batalha entre o governo e os setores econômicos que têm expressivo peso da força de trabalho em seus custos. O motivo poderia parecer até banal: empresários querem pagar menos tributos contra a sanha arrecadadora da burocracia pública.

Mas a questão é muito mais complexa do que parece. O conflito em torno da desoneração da folha – que substitui, desde 2012, a contribuição previdenciária sobre a folha de pagamento de 17 setores por um porcentual do faturamento – vai muito além das posições no Congresso Nacional e da recente incursão no Supremo Tribunal Federal (STF).

Felipe Salto - A política fiscal vai falhar antes de começar?

O Estado de S. Paulo

Se enfiarem o pé na jaca no primeiro ano de vigência do Novo Arcabouço Fiscal, o último que sair terá de apagar a luz

Na Warren Investimentos, projetamos um déficit primário (receitas menos despesas sem considerar os juros da dívida pública) de 0,6% do PIB, ou R$ 70 bilhões, para 2024. Como se vê, ainda distante da meta zero ou mesmo da sua banda inferior, de R$ 28,8 bilhões.

Assim, o desafio do governo é encontrar R$ 41,2 bilhões (70 menos 28,8). Não será trivial e, caso fracasse, o Novo Arcabouço Fiscal (NAF) obriga ao acionamento de gatilhos, medidas automáticas de ajuste fiscal. Disso depende a credibilidade da política fiscal.

Os últimos sinais em matéria de contas públicas foram muito ruins. Refiro-me ao anúncio das metas fiscais de 2025 e à mudança do NAF endereçada pelo próprio governo no Congresso. E são ruins porque apontam para uma disposição para gastar mais, e não menos.