quarta-feira, 29 de maio de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Justiça também precisa aprender a conter gastos

Folha de S. Paulo

É inaceitável que Judiciário, protegido pelo corporativismo, mantenha conduta perdulária com o dinheiro do contribuinte

As despesas do Brasil com o Poder Judiciário atingiram no ano passado a cifra exorbitante de R$ 132,8 bilhões, um recorde na série histórica documentada pelo Conselho Nacional de Justiça desde 2009.

Excessivo em si, o montante torna-se abusivo quando comparado aos R$ 84 bilhões registrados pelo CNJ no início da compilação —cujos valores anuais são corrigidos. Seria despiciendo pesquisar um ganho de eficiência que pudesse justificar essa expansão da ordem de 60% no orçamento do Judiciário.

Segundo o CNJ, 90% do custo se dá com pagamentos a funcionários, juízes, desembargadores e ministros de cortes superiores. Vale lembrar, os magistrados percebem a maior remuneração média entre 427 ocupações em um ranking publicado pela Folha em 2023.

Manuel Castells - Ruptura - A crise da democracia liberal* (continuação)

*2ª parte do primeiro capítulo do livro. Editora Zahar, Rio de Janeiro, 2018

As raízes da ira

A crise da democracia liberal resulta da conjunção de vários processos que se reforçam mutuamente. A globalização da economia e da comunicação solapou e desestruturou as economias nacionais e limitou a capacidade do Estado[1]nação de responder em seu âmbito a problemas que são globais na origem, tais como as crises financeiras, a violação aos direitos humanos, a mudança climática, a economia criminosa ou o terrorismo. O paradoxal é que foram os Estados-nação a estimular o processo de globalização, desmantelando regulações e fronteiras desde a década de 1980, nas administrações de Reagan e Thatcher, nos dois países então líderes da economia internacional. E são esses mesmos Estados que estão recolhendo as velas neste momento, sob o impacto político dos setores populares que em todos os países sofreram as consequências negativas da globalização. Ao passo que as camadas profissionais de maior instrução e maiores possibilidades se conectam através do planeta em uma nova formação de classes sociais, que separa as elites cosmopolitas, criadoras de valor no mercado mundial, dos trabalhadores locais desvalorizados pela deslocalização industrial, alijados pela mudança tecnológica e desprotegidos pela desregulação trabalhista. A desigualdade social resultante entre valorizadores e desvalorizados é a mais alta da história recente. E mais, a lógica irrestrita do mercado acentua as diferenças entre capacidades segundo o que é útil ou não às redes globais de capital, de produção e de consumo, de tal modo que, além de desigualdade, há polarização; ou seja, os ricos estão cada vez mais ricos, sobretudo no vértice da pirâmide, e os pobres cada vez mais pobres. Essa dinâmica atua ao mesmo tempo nas economias nacionais e na economia mundial. Assim, embora a incorporação de centenas de milhões de pessoas no mundo de nova industrialização dinamize e amplie o mercado mundial, a fragmentação de cada sociedade e de cada país se acentua. Mas os governos nacionais, quase sem exceção até agora, decidiram unir-se ao carro da globalização para não ficarem de fora da nova economia e da nova divisão de poder. E, para aumentar a capacidade competitiva de seus países, criaram uma nova forma de Estado – o Estado-rede –, a partir da articulação institucional dos Estados-nação, que não desaparecem, mas se transformam em nós de uma rede supranacional para a qual transferem soberania em troca de participação na gestão da globalização. Esse é claramente o caso da União Europeia, a construção mais audaz do último meio século, como resposta política à globalização. Contudo, quanto mais o Estado-nação se distancia da nação que ele representa, mais se dissociam o Estado e a nação, com a consequente crise de legitimidade na mente de muitos cidadãos, mantidos à margem de decisões essenciais para sua vida, tomadas para além das instituições de representação direta.

Vera Magalhães - A segurança no palanque de 2026

O Globo

Lula escolhe rivalizar com Tarcísio em tema no qual o governo não sofre derrotas no parlamento

A segurança pública será um dos temas centrais da campanha presidencial de 2026, e Lula parece decidido a encarar a disputa com a direita bolsonarista por alguns aspectos espinhosos de um dos temas mais suscetíveis aos vieses ideológicos do eleitorado. Pisa em campo minado, portanto.

A sessão de votação dos vetos presidenciais pelo Congresso ontem escancarou a polarização em torno do assunto, e o placar evidenciou as dificuldades da esquerda para fazer seu discurso ganhar aderência entre os parlamentares — e, portanto, na sociedade, pois o Parlamento nada mais é que uma antena que capta movimentos com grande precisão.

O contraste entre a manutenção de um veto de Jair Bolsonaro à nova Lei de Segurança Nacional que considerava crime a disseminação em massa de notícias falsas em período eleitoral e a derrubada de outro veto, de Lula, à proibição da “saidinha” de presos para visitar familiares, ambos por placares para lá de dilatados, foi uma derrota acachapante para o governo.

Bernardo Mello Franco - Pedagogia do cassetete

O Globo

O governador Tarcísio de Freitas sancionou a lei que institui as escolas cívico-militares em São Paulo. O programa virou bandeira eleitoral do bolsonarismo. Agora será implantado no estado mais rico e populoso do país.

O anúncio mobilizou a bancada da bala, que foi aplaudir o governador no Palácio dos Bandeirantes. O deputado Coronel Telhada definiu o aliado como “exemplo de homem público”. “A cada dia, nos faz mais felizes por sermos do seu time”, derramou-se. Tarcísio disse que os alunos vão “desenvolver o civismo” e “cantar o Hino Nacional”. Faltou explicar no que isso pode contribuir para melhorar o ensino.

Bruno Boghossian -Um governo atropelado

Folha de S. Paulo

Aliança direita-centrão derruba vetos em temas que esbarram em políticas populistas e na agenda moral

O governo teve um dia doloroso no Congresso. Parlamentares derrubaram vetos considerados importantes pela equipe de Lula, o bolsonarismo aproveitou para reanimar alguns de seus principais espantalhos ideológicos, e certos partidos da base aliada tiveram mais uma recaída em seu eterno romance com a direita.

A sessão exibiu sintomas de um problema crônico do governo. O centrão se uniu à oposição para atropelar as orientações do Planalto em temas que esbarram na agenda moral e em visões populistas das políticas públicas —palanques explorados com gosto pelo bolsonarismo.

Vera Rosa - As noites insones de Padilha e Haddad

O Estado de S. Paulo

‘Maracanã’ e ‘Vila Belmiro’ batizam reuniões da articulação política, mas governo precisa ter mais jogo

A polarização que domina o cenário político fez uma curva na Praça dos Três Poderes e desembarcou no Palácio do Planalto. Na noite de ontem, após o Congresso derrubar o veto do presidente Lula ao projeto que restringe a “saidinha” de presos, a derrota da articulação do governo ficou evidente.

Dias antes, ao olhar atentamente para o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, Lula havia estranhado as madeixas do auxiliar. “Padilha, você pintou o cabelo?”, perguntou Lula. “Só se for de branco, presidente”, respondeu ele.

Almir Pazzianotto Pinto - O país do faz de conta

O Estado de S. Paulo

Encontrar recursos financeiros e humanos destinados a tentar resolver o problema angustiante e visível dos menores carentes e abandonados é o desafio inadiável

O Estadão cumpre a missão que se espera de jornal engajado no debate dos graves problemas sociais. O editorial A tragédia das crianças pobres (17/4, A3) recoloca em discussão o drama da infância carente ou abandonada. Deixou de apontar, porém, que não se trata de fenômeno recente. Arrasta-se há mais de 50 anos, como fruto da combinação de vários fatores, entre os quais a urbanização, o crescimento da população, a desagregação familiar.

O livro Geografia da Fome, de Josué de Castro, teve a primeira edição publicada em 1960. Lançou, secundando Os Sertões, de Euclides da Cunha, um contundente libelo contra a miséria. Custou ao autor a cassação dos direitos políticos e o exílio na França, em 1964.

Luiz Carlos Azedo - Só os Estados Unidos podem conter Netanyahu

Correio Braziliense

O caminho da paz não é a limpeza étnica em Gaza e o apartheid na Cisjordânia, continua sendo a solução de dois Estados: Palestina e o Israel

Israel é um Estado como outro qualquer, estabelecido e reconhecido internacionalmente. Por isso mesmo, o mau comportamento de Benjamin Netanyahu, seu primeiro-ministro acusado de genocídio, não deslegitima sua existência, como também o comportamento de governantes desse naipe não deslegitimaria a existência de seus países, como a Coreia do Norte. Entretanto, quando Netanyahu viola o direito internacional, Israel deve ser cobrado por isso. Um dia, seus governantes acabarão punidos, internacionalmente e pelos próprios israelenses. Vamos ser claros: o que está acontecendo em Gaza, com a desmedida retaliação aos ataques do Hamas, é crime de guerra, desrespeito aos direitos humanos e limpeza étnica.

Bruno Carazza - Chambriard anuncia que a Petrobras voltou

Valor Econômico

Nova presidente da Petrobras apresenta credenciais que justificaram sua escolha por Lula

A primeira entrevista de Magda Chambriard, nova presidente da Petrobras, fecha o ciclo de transição da companhia de uma gestão mais inclinada aos interesses do mercado, ao estilo Paulo Guedes, para a administração petista, comprometida com objetivos estatais mais amplos.

Transcorrido um terço deste novo mandato de Lula, a Petrobras alterou sua política de preços de combustíveis, desatrelando-os das cotações internacionais do petróleo, e lançou um novo plano de investimentos, retomando a ênfase em refino, transporte e comercialização, áreas que haviam sido a relegadas a segundo plano no governo Bolsonaro.

Assis Moreira - Desemprego no Brasil continuará a cair, projeta OIT

Valor Econômico

Haverá ligeira baixa do desemprego mundial neste ano, mas preocupação persiste sobre desigualdades

A taxa de desemprego no Brasil continuará em queda neste ano e em 2025, mas ainda ficará acima da média global, pelas projeções da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

A estimativa da organização global que estabelece normas em vista de emprego e renda decentes é de a taxa de desemprego diminuir no Brasil para 7,8% neste ano e para 7,6% no ano que vem, comparado a 8,0% no ano passado e 13,7% em 2020 na crise de covid-19.

Projeções sobre o Produto interno Bruto (PIB) do país pelo Banco Mundial apontam alta de 1,7% neste ano e de 2,2% no ano que vem.

Lu Aiko Otta - Infraestrutura e Haddad contra os fantasminhas

Valor Econômico

Presidente da Abdib vê maluquice na avaliação que seus colegas da Faria Lima fazem do atual quadro econômico do país

Banqueiro por duas décadas, período no qual presidiu o Fator, e agora à frente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Venilton Tadini vê maluquice na avaliação que seus colegas da Faria Lima fazem do atual quadro econômico. Sua visão é diferente.

Os projetos de transição energética, assim como os das áreas de saneamento, rodovias e ferrovias, estão começando a puxar a indústria, afirmou o executivo.

Setores como construção civil e fabricação de equipamentos de transmissão de energia estão “por aqui”, disse ele, colocando a mão acima da cabeça. “É um movimento forte”, assegurou. “Queremos transmitir o que de fato a realidade está mostrando.”

Martin Wolf - Do ‘baby boom’ à falta de bebês

Valor Econômico

Precisamos responder à altura a essas mudanças demográficas profundas que, gostemos ou não, vêm transformando o mundo

As pessoas estão vivendo mais do que nunca. Isso cria tanto oportunidades quanto desafios, como ressaltei recentemente. O adiamento da morte, porém, é apenas uma parte da história demográfica atual. A outra é o declínio dos nascimentos. A combinação de ambas vem criando desafios enormes para o mundo que habitamos.

A ideia de uma “transição demográfica” tem quase um século. As sociedades humanas costumavam ter populações mais ou menos estáveis, nas quais a alta mortalidade era compensada pela alta fertilidade. Na Inglaterra e no País de Gales dos séculos XVIII e XIX, as taxas de mortalidade passaram a ter forte queda. Mas as de fertilidade, não. O resultado foi uma explosão populacional até que, enfim, as taxas de fertilidade também desabaram.

Vinicius Torres Freire - Reforma da Previdência, o retorno

Folha de S. Paulo

Reajuste do salário mínimo e alta de despesas em saúde e educação vão apertar contas do governo

A conversa pública sobre uma nova reforma da Previdência está de volta, faz um mês por aí. Quando não se trata de alterar outra vez a maneira de calcular aposentadorias em geral, se diz que será preciso evitar que o valor do piso dos benefícios do INSS acompanhe o valor do salário mínimo.

Além disso, sugere-se que sejam modificadas as normas da Previdência dos militares, que a idade de aposentadoria das mulheres seja equiparada à dos homens, que a aposentadoria rural do INSS se torne um benefício assistencial, como o BPC —na prática, a aposentadoria rural é um BPC disfarçado. Etc.

Wilson Gomes - Fé é cega, faca amolada

Folha de S. Paulo

Tudo é tragado pelo redemoinho da partidarização e da radicalização 

O debate público brasileiro anda tão encharcado de gasolina que o mínimo atrito de ideias, coisa normalíssima na esfera pública democrática, gera um incêndio de grandes proporções.

A inevitável busca por cliques das versões online dos jornais, em perene crise financeira, e o paywall que nos títulos das reportagens entrega razões para a fúria, mas não os fatos ou argumentos que se situam depois deles; os grandes reservatórios de raiva e ressentimento político que se acumularam desde 2013 neste país e levaram grupos a afiar facas e preparar porretes para quando fosse a sua vez de bater; a transformação digital da discussão política, que converteu interlocutores que acreditavam em divergir com civilidade em militantes e militantes em guerreiros; a extrema tribalização da vida pública, com o aumento dos incentivos que cada grupo oferece para a radicalização e a intolerância —tudo isso contribuiu decisivamente para esse novo modo de debater política à base da "fé cega, faca amolada".

Aldo Fornazieri -Tragédia e indiferença

CartaCapital

Os brasileiros se mostraram solidários para com o sofrimento dos gaúchos, mas não se mostraram dispostos a lutar por mudanças que mitiguem o aquecimento global e a crise ambiental

As múltiplas tragédias que atingem o Rio Grande do Sul desencadearam uma imensa onda de solidariedade por todo o País. Instituições públicas, privadas e da sociedade civil, empresas e trabalhadores, empregadores e empregados, militares e civis, lojas e faculdades, hospitais e escolas, pobres e ricos, milhões de brasileiros se mobilizaram para doar e arrecadar doações. Milhares se voluntariaram para socorrer as vítimas e fazer resgates de todo tipo.

Tudo isso constituiu um movimento de natureza moral muito positivo. Os sentimentos de humanidade, de compaixão, de solidariedade foram e têm sido exercidos em grau muito significativo. O desejável é que este movimento continue em relação a essa tragédia e a novos eventos, sejam eles provocados por catástrofes naturais ou derivados das mazelas sociais.

Aylê-Salassié Filgueiras Quintão* - "Green Paper" da mineração para atenuar dependências externas e ameaças climáticas

Sobre o rescaldo da calamidade no Rio Grande do Sul, em plena discussão acerca da descarbonização do sistema produtivo, da  introdução da energia verde, e preparando-se para a Conferência do Clima, ano que vem, em Belém; no Brasil, retoma-se, concomitante a busca pela auto suficiência em combustíveis fósseis (petróleo, gás natural, carvão), e estimula-se a exploração e a exportação de minerais, sobretudo extraídos na Amazônia, 

As exportações minerais representam na balança comercial brasileira 12% do total.  A China é o grande sorvedouro dessas compras, inclusive de minerais estratégicos e críticos, aqueles que desempenham um papel vital na segurança nacional e na capacitação para competir globalmente. O acesso confiável a matéria prima mineral é fundamental para manter a soberania, a competitividade e até a segurança alimentar, livrando o país da dependência excessiva de um pequeno número de fornecedores globais instáveis.