quarta-feira, 10 de julho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Teimosia de Biden amplia favoritismo de Donald Trump

O Globo

Presidente americano não dá sinal de desistir da reeleição, apesar da pressão e das evidências de declínio cognitivo

O encontro que celebra os 75 anos da Organização do Tratado do Atlântico Norte acontece em Washington com todos os olhos voltados ao anfitrião, Joe Biden. O mundo vive uma situação crítica, com guerras na Ucrânia e no Oriente Médio, a ascensão de regimes autoritários e a pressão sobre a democracia por toda parte. E, apesar de tudo isso, a principal preocupação do governo da maior potência planetária é mostrar que Biden, aos 81 anos, tem plena capacidade cognitiva e silenciar quem exige que desista da reeleição.

O objetivo do debate na TV entre Biden e Donald Trump em junho era acabar com qualquer dúvida a respeito de suas faculdades mentais. A voz rouca e titubeante, as frases sem nexo e os silêncios repentinos surtiram o efeito oposto. Seu desempenho constrangedor e suas aparições posteriores só fizeram crescer a pressão para que abra mão da candidatura. Publicações de prestígio, como The Economist, The Wall Street Journal, The Boston Globe, The Washington Post ou The New York Times — este último duas vezes—, defenderam em editoriais a desistência de Biden. De acordo com pesquisa da CBS e da YouGov, 72% dos eleitores acham que ele não tem a saúde mental e cognitiva necessária para o cargo de presidente, sete pontos percentuais a mais que antes do debate. Num levantamento da Morning Consult, 60% defenderam a troca por outro candidato. Na sondagem New York Times/Siena College, Trump ampliou sua vantagem na preferência dos eleitores, abrindo diferença de seis pontos percentuais (49% contra 43%). Em todos os subgrupos — demográfico, geográfico ou ideológico —, a maioria considera Biden inepto ou senil.

Elio Gaspari - Milei é um provocador

O Globo

Lula perdeu tempo na segunda-feira ao responder às provocações do presidente argentino, Javier Milei, mesmo sem citá-lo. Foi diplomaticamente elíptico, mas, mesmo assim, era isso que Milei queria. O presidente hermano tornou-se uma ausência relevante na reunião do Mercosul em Assunção. Sua ausência teve peso superior a uma eventual presença. Para um presidente performático, melhor negócio não há.

As relações do Brasil com a Argentina sempre tiveram altos e baixos mas, pela primeira vez, numa das pontas está um provocador interessado em tirar proveito do tumulto. Caso típico de fanático sem causa.

O Brasil já se meteu nos assuntos argentinos impedindo que o ex-presidente Juan Perón descesse em Buenos Aires, em 1964. A Argentina, nos anos 1970, dedicou-se à tarefa impossível de barrar a construção da hidrelétrica de Itaipu. (As duas ditaduras só se entenderam quando colaboraram para sequestrar e assassinar brasileiros e argentinos.)

Bernardo Mello Franco - Tarcísio em Camboriú

O Globo

Governador usou encontro da extrema direita para se projetar como candidato em 2026

Na quinta passada, a Polícia Federal indiciou Jair Bolsonaro no inquérito das joias. Dois dias depois, Tarcísio de Freitas foi à quermesse da extrema direita em Balneário Camboriú. No palanque, ignorou o escândalo e se apresentou como um soldado a serviço do capitão.

“Nós tivemos um professor. Nós tivemos a oportunidade e o privilégio de conviver com o presidente Bolsonaro quando ele estava à frente do nosso Brasil. Quanta inspiração! Quanta motivação!”, derramou-se.

O governador descreveu o ex-chefe inelegível como um estadista injustiçado. “Ele nos ensinou a amar o verde e amarelo, a cantar o hino”, exaltou. Em seguida, disse se aconselhar com o padrinho para comandar o estado mais rico do país. “Ele é a pessoa que dá fortaleza para nós. É a pessoa a quem a gente recorre quando está com dúvida, quando está com problema”, adulou.

Luiz Carlos Azedo - Ao negociar dívidas, Pacheco empareda o governo

Correio Braziliense

Haverá uma queda de braços entre a Fazenda e os governadores, principalmente Tarcísio de Freitas (SP), Romeu Zema (MG), Cláudio Castro (RJ), Eduardo Leite (RS) e Ronaldo Caiado (GO).

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), apresentou proposta para renegociar dívida dos estados, o que pode fazer com que o governo perdoe R$ 28 bilhões por ano desses débitos. R$ 764,9 bilhões ficariam congelados. Segundo Pacheco, o objetivo é dar uma solução efetiva ao problema das dívidas dos estados, permitindo que eles façam investimentos e paguem os débitos com a União.

São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Goiás lideram a lista dos maiores devedores. Para Pacheco, “isso gera um grande desconforto, um grande problema nacional, com os estados perdendo sua capacidade de investimento, perdendo suas condições de sobrevivência”. O Programa de Pleno Pagamento da Dívida abre a possibilidade de os estados usarem seus ativos para o abatimento da dívida e propõe mudanças no seu indexador de correção. O senador Davi Alcolumbre (União-AP) será o relator do projeto.

Fernando Exman - Os caminhos para a PEC da Segurança Pública

Valor Econômico

Lewandowski e sua equipe buscaram produzir um texto simples e enxuto

Aguarda-se, em gabinetes dos três Poderes, uma decisão política do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em relação ao destino da PEC da Segurança Pública.

Há urgência para combater o crime organizado. No Rio de Janeiro, facções já passaram a utilizar “drones” na guerra urbana, reproduzindo o terror vivido na Ucrânia e no Oriente Médio. É também crescente a preocupação de autoridades federais com o avanço desses grupos sobre as estruturas municipais de poder no pleito de outubro, sobretudo as câmaras de vereadores. Mas o envio da PEC pode acabar ocorrendo somente em agosto, depois do recesso parlamentar e antes do início formal da campanha eleitoral, evitando assim a contaminação da pauta legislativa no momento que a Câmara corre para concluir a regulamentação da reforma tributária.

Ainda assim, mantido esse cronograma, o governo demonstrará compromisso com o combate de um problema crônico em todas as regiões do país.

Lu Aiko Otta - Sem choque pelo lado das despesas

Valor Econômico

O corte a ser anunciado dia 22 funcionará como um termômetro da disposição do governo em cumprir as metas fiscais

Como na máxima do filósofo espanhol José Ortega y Gasset, o ajuste das contas públicas é ele e sua circunstância. Não será o que se espera, mas o que for possível.

Há exasperação nos bastidores da equipe econômica quando o mercado se agita diante dessa constatação. A leitura é que parece haver uma torcida por um choque no orçamento pelo lado das despesas.

Não será bem assim, avisa-se. A opção é por “fazer o ajuste de maneira justa”, e não partir para o “tudo ou nada” que parece ser cobrado.

Num governo de DNA avesso à austeridade fiscal, emparedado por taxas modestas de popularidade e sem base de apoio em um Congresso Nacional cada vez mais empoderado, o ajuste fiscal tende a ser feito como o consumo de um prato de mingau quente: pelas bordas e aos poucos.

Fábio Alves - O bloqueio, a meta e Lula


O Estado de S. Paulo

Circulou nos bastidores a disposição do governo de anunciar bloqueio de R$ 10 bilhões, o que não seria suficiente

Mesmo com as declarações recentes do presidente Lula e do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o cenário ainda é o de que a pressão de alta sobre as expectativas de inflação e de desvalorização do câmbio deve prosseguir. Isso porque quase ninguém hoje aposta que o governo irá anunciar um bloqueio de gastos no valor necessário para dissipar totalmente o temor de que, até o fim do ano, a meta fiscal de déficit primário zero em 2024 será alterada.

Na semana passada, o dólar chegou perto de R$ 5,70 no auge das críticas de Lula ao Banco Central e de suas declarações indicando resistência a cortar gastos. Com o estresse, Lula interrompeu os ataques ao BC e mudou de tom em relação ao fiscal, autorizando, após reunião com Haddad, o corte de quase R$ 26 bilhões para 2025 em despesas obrigatórias com um pente-fino em cadastros de benefícios sociais.

Zeina Latif - As diferentes respostas da política

O Globo

O populismo não entregou o prometido, vida digna a todos e prosperidade. Melhor buscar concorrência e renovação da política

O embate entre esquerda e direita não parece ser a melhor forma de analisar o cenário político no mundo – e tampouco no Brasil, onde a diferença programática entre os partidos é opaca e as classes populares desconfiam das elites.

Nas últimas eleições parlamentares na Europa, prevaleceu o desejo de mudança por conta da decepção de eleitores com os governantes, acrescido do sentimento de vulnerabilidade diante de temas diversos, como questões ambientais, geopolíticas e de empregabilidade dos trabalhadores pelo uso de novas tecnologias.

Há muita inquietação, inclusive com apelo para o populismo, e não exatamente simpatia pela esquerda.

No Reino Unido, os Trabalhistas derrotaram o Partido Conservador de forma esmagadora, após 14 anos de governo. Não sem razão. Ficou claro para a sociedade o alto custo econômico do Brexit, quadro agravado pela inflação alta e pela insatisfação com a saúde pública na Inglaterra.

Mansueto Almeida* - Contas públicas são desafio ao país

O Globo

Desequilíbrio das contas pode atrapalhar o crescimento, nos levar a um cenário de juros altos e inflação fora da meta

É preciso que todos entendam que temos um problema fiscal no Brasil e que esse desequilíbrio das contas pode atrapalhar o crescimento, nos levar a um cenário de juros altos e inflação fora da meta. Nesse cenário, todos perdem.

O Brasil tem hoje um déficit primário estrutural (receita menos despesas do governo central sem incluir pagamento de juros) por volta de 1% do PIB e, quando se inclui o pagamento de juros, um déficit nominal de mais de 6% do PIB. Com esses números, mesmo com crescimento da economia entre 2% e 2,5% ao ano, a dívida bruta e a dívida líquida do setor público crescerão todos os anos neste governo.

Terminaremos o atual mandato presidencial, em 2026, com a dívida bruta em 82% do Produto Interno Bruto (PIB), crescimento de pelo menos dez pontos em relação a 2022. Esse ritmo de crescimento da dívida não é sustentável no médio e longo prazos.

O ajuste fiscal necessário para colocarmos as dívidas bruta e líquida numa trajetória de queda é de pelo menos três pontos do PIB (R$ 350 bilhões) — e precisa ser feito ao longo dos anos. Fazer ajuste fiscal não é mágica. Envolve, necessariamente, aumento de receita e/ou corte de despesas.

Vinicius Torres Freire - A república não é a do Brasil

Folha de S. Paulo

Política francesa entretém e alarma, mas líder golpista é o maior cabo eleitoral neste país

Alguns brasileiros estamos entretidos com as reviravoltas da política francesa. Alguns estivemos alarmados com as ameaças à liberdade, à igualdade, à fraternidade e à dignidade humana em geral, postas em risco pela possibilidade de vitória do partido Reunião Nacional, de Marine Le Pen, de ultradireita ou o nome que se dê.

Um rótulo político qualquer não vai esconder que se trata de um partido adversário da república, ideia para a qual jamais demos muita bola, mas que na França ainda comove muita gente. A república envolve princípios e direitos reais e muito caros para massas de pessoas; sua instituição periclitou por um século e meio e custou muito sangue e guerra civil.

Faz menos de dois anos, vimos aqui no Brasil assaltos até contra o direito de termos um sistema eleitoral democrático, que é um meio para se chegar a uma democracia substantiva e à república.

Bruno Boghossian - O 'caixa dois' das joias

Folha de S. Paulo

Em áudio obtido pelos investigadores, chefe de departamento diz que alguns presentes não eram registrados oficialmente

Polícia Federal descreve no inquérito das joias o funcionamento de uma máquina que reproduz marcas conhecidas da relação de Jair Bolsonaro com o poder. Uma delas é o uso das estruturas oficiais do governo para fins particulares. Outra é a confusão deliberada entre bens públicos e patrimônio privado.

Esses dois desvios aparecem no que poderia ser descrito como uma espécie de "caixa dois" de presentes recebidos pelo então presidente. Segundo a PF, o departamento responsável pela catalogação desses bens deixava de registrar certos itens quando Bolsonaro manifestava interesse neles.

Hélio Schwartsman - Irredutivelmente autoritário

Folha de S. Paulo

Política de governo paulista para cracolândia abusa de internações involuntárias, que deveriam ser excepcionais

Deu na Folha que o número de internações involuntárias de usuários de crack na capital paulista disparou no último ano. Ao que tudo indica, isso é um reflexo da política de combate às drogas adotada pelo governo de Tarcísio de Freitas.

Há poucas coisas tão complexas e difíceis quanto os transtornos mentais. Se, em condições normais, a marca do ser humano já é a diversidade, ela ganha escala logarítmica quando falamos de doenças mentais.

Aí, cada caso é um caso. O que funciona para um paciente ou mesmo para muitos pacientes não funciona para outro grupo, de modo que o sistema precisa ter abertura para lidar com múltiplas situações.

Wilson Gomes - O dilema de Marine Le Pen

Folha de S. Paulo

Se os franceses se entregarão ao canto dessa sereia, o tempo é quem dirá

É raro, mas acontece muito. Debates tipicamente acadêmicos entre especialistas na nova onda de partidos e movimentos extremistas no mundo se tornam temas de divergências no jornalismo.

Em toda parte, acontece o debate se Marine Le Pen e seu partido devem continuar sendo classificados como de extrema direita ou se, após um enorme esforço de reabilitação de imagem, agora podem ser considerados como uma direita republicana, ainda que nacionalista.

A "desdiabolização", para usar a expressão que os franceses empregam, é um tipo de normalização que consiste na remoção de certas características presentes em uma imagem pública, no deslocamento de outras para o segundo plano ou na adição de novos predicados que tornem o partido ou movimento mais palatável ao gosto médio dos eleitores.

No caso francês, foi crucial a remoção do antissemitismo, antissionismo e do racialismo, a moderação dos radicais do partido, a oferta de políticas sociais e um novo discurso sobre gênero.

É preciso reconhecer que Marine Le Pen fez um esforço explícito e consciente para reabilitar o movimento herdado do pai, Jean-Marie. Sinal de que entendeu que não havia esperanças de superar o sarrafo republicano ainda alto da maioria dos franceses com uma oferta ideológica que seduzia apenas os feios, sujos e malvados.