domingo, 4 de agosto de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Brasil não pode fugir da agenda da produtividade

O Globo

Governo precisa incentivar o aprimoramento de trabalhadores a partir de demandas das empresas

A taxa de desemprego tem caído há mais de um ano. Fechou o trimestre encerrado em junho em 6,9%, melhor marca para o período desde 2014. Dados divulgados pelo IBGE na quarta-feira mostram que o contingente de trabalhadores ocupados nunca foi tão alto, a criação de empregos com carteira assinada bateu recorde, e a renda cresceu. Por óbvio, todos esses resultados merecem ser festejados. É um erro, porém, achar que encerram as preocupações com o mercado de trabalho.

É urgente o governo adotar uma agenda para elevar a produtividade. Nos próximos anos, cairá o contingente em idade de trabalhar em relação aos aposentados, em consequência do envelhecimento da população. Cada profissional terá de ser mais eficiente. Sem isso, a economia crescerá pouco. Nesse quesito, o Estado tem papéis fundamentais. O mais lembrado é a educação de crianças e jovens. Outro crucial é o aperfeiçoamento, em parceria com o setor privado, de quem já trabalha ou busca o primeiro emprego.

Merval Pereira - Diga-me com quem andas

O Globo

O Brasil está fazendo uma escolha, apostando num futuro que nada indica que vá mudar tão cedo, se afastando das principais potências do Ocidente, para se aliar a ditaduras do Oriente Médio, da Rússia e da China

O afastamento cada vez maior da política externa brasileira do grupo das democracias ocidentais, em favor de países com governos autoritários, ou mesmo ditaduras como o Irã ou Cuba, faz com que o Brasil perca a capacidade de ser o intermediário nas negociações internacionais, mesmo as que se desenvolvem no nosso continente, como agora na crise da Venezuela de Maduro.

Depois da conversa telefônica pedida pelo presidente dos Estados Unidos Joe Biden, parecia que Lula estava sendo reconhecido como o líder regional. Mas, poucos dias depois, o governo americano surpreendeu o Brasil com uma nota oficial do Departamento de Estado onde declarava que a oposição vencera as eleições.

A decisão indica que a postura “cautelosa” do governo brasileiro é interpretada em Washington como uma maneira de ganhar tempo em favor de Maduro. Não foi a primeira vez que Lula foi abandonado pelo governo americano. No último ano de seu segundo mandato, o Brasil tentou intermediar um acordo nuclear entre Irã e Estados Unidos, rejeitado pelos americanos. O governo brasileiro divulgou uma carta que o presidente americano enviara a Lula querendo provar que o governo dos EUA fugia de compromissos assumidos. Só que na carta de Obama estava definido que o Irã deveria “reduzir substancialmente” seu estoque de urânio de baixo enriquecimento na transição para o acordo internacional. Como Brasil permitia que o Irã continuasse a enriquecer urânio por um ano antes dessa transição, o governo americano recusou o acordo, fechado mais adiante, nos termos americanos.

Carlos Melo - A paróquia está no centro da política

O Globo

Legislativo hoje coordena interesses dispersos sem maior preocupação com a agenda nacional

Mesmo não sendo consenso entre politólogos, é difícil negar a ineficiência e a elevação de custos no sistema político brasileiro. Transformações institucionais ao longo do tempo — emendas impositivas, atenuação do poder do governo na emissão de MPs e o maior número de partidos — retiraram capacidade de aglutinação e protagonismo políticos do Poder Executivo e não resultaram em ganhos gerais.

No passado, presidentes da República controlavam coalizações multipartidárias com relativa facilidade e grau de sucesso. A discricionariedade na distribuição de cargos e recursos públicos lubrificava suas relações com um Congresso dependente. Porém a tomada do Orçamento federal autonomizou e fortaleceu o Legislativo, que hoje coordena interesses dispersos sem maior preocupação com a agenda nacional.

Leis são aprovadas e vetos derrubados pelo Congresso em acordo com lobbies e o fisiologismo de seus grupos: a dinâmica interna submete o interesse geral. Um emblemático sinal da mudança está na eleição às presidências da Câmara e do Senado: o grande eleitor deixou de ser o presidente da República, que frequentemente tinha na Câmara um lugar-tenente. Em condições normais, a agenda ficava sob seu controle.

Míriam Leitão - Avanços e riscos do governo Lula

O Globo

Governo Lula tem vitorias a comemorar na economia e política ambiental e correção de rotas a fazer em áreas que podem alimentar discurso da oposição

Com um ano e meio no cargo e olhando o futuro, já é possível fazer um balanço de avanços e riscos para o governo Lula. Ele acerta na economia e acumula pontos na área ambiental, contudo, na política externa e no pantanoso terreno da corrupção, seus erros e hesitações alimentarão o discurso da oposição no embate de 2026. Será preciso fazer correções de rotas nessas áreas. No caso da Venezuela, já começou a ser feita.

O espectro de Joe Biden perseguirá o presidente Lula se ele disputar a reeleição e já era tempo de pensar em herdeiros políticos no seu campo, até porque quatro mandatos para uma mesma pessoa, ainda que seja possível, não fazem bem à democracia alguma.

Elio Gaspari - A voz bolivariana no PT

O Globo

É visível que desde domingo o governo de Lula se equilibra como uma Rebeca Andrade na prova das barras assimétricas

Alguma coisa aconteceu no coração do governo. No dia 17 de julho, o presidente venezuelano Nicolás Maduro disse que o resultado da eleição de domingo passado poderia levar a um “banho de sangue” com “uma guerra civil fratricida”. Ele batalhava por um terceiro mandato.

No dia 22, durante uma entrevista a agências internacionais de notícias, Lula declarou-se “assustado” com a fala do colega:

“Eu já falei para o Maduro duas vezes, e o Maduro sabe, que a única chance de a Venezuela voltar à normalidade é ter um processo eleitoral que seja respeitado por todo o mundo”.

Recebeu um imediato contravapor de Maduro que, sem citá-lo, recomendou-lhe tomar chá de camomila.

No dia 28 veio a eleição, e foi o que se viu.

Na terça-feira, dia 30, Lula assustou quem o ouvia ao dizer que “não tem nada de grave, nada de anormal” e recorreu a um precedente nacional:

“Sempre que tem um resultado apertado as pessoas têm dúvidas. Aqui no Brasil você viu o que aconteceu. Mesmo quando o Aécio (Neves) perdeu para a Dilma e entrou com recurso para anular a eleição”.

Luiz Carlos Azedo - Venezuela é um caso perdido para Lula

Correio Braziliense

É uma espécie de feitiço contra o feiticeiro. O ativismo diplomático de natureza ideológica de Lula, na América Latina, desde a posse, coleciona fracassos

Quem quiser que se iluda: a não ser que haja uma grande rebelião popular, Nícolás Maduro se consolidará como ditador da Venezuela. Usará de todos os recursos institucionais de que dispõe para sua permanência no poder por mais seis anos, reprimirá duramente a oposição e contará com apoio internacional suficiente para sustentar essa posição. Ainda que enfrente grande reação no Ocidente democrático, liderada pelos Estados Unidos. Os esforços do Brasil, do México e da Colômbia para que o resultado das urnas seja respeitado fracassaram.

A Venezuela conta com forte apoio dos seus militares e do eixo euroasiático formado por Rússia, China, Coréia do Norte e Irã, além do apoio de Bolívia, Cuba, Honduras e Nicarágua. Esse sistema de alianças garantirá a sobrevivência do regime venezuelano, mesmo diante do bloqueio econômico que certamente sofrerá dos Estados Unidos e da União Europeia, além de Argentina, Chile, Costa Rica, Panamá, Peru, República Dominicana e Uruguai, países com os quais rompeu relações diplomáticas. Os esforços do Brasil e da Colômbia, que ainda tentam uma saída negociada para a crise venezuelana, estão fracassando.

Eliane Cantanhêde - Todas as estratégias falharam

O Estado de S. Paulo

Lula atrai um tsunami de críticas por um Maluco, quer dizer, Maduro, sem luz no fim do túnel

Nenhuma estratégia está funcionando, não há luz no fim do túnel tenebroso da Venezuela. Nicolás Maduro, isolado e alucinado, é como uma bomba relógio de um massacre da oposição. Assim como sanções e pressões internacionais não deram em nada nas guerras da Rússia e de Israel, também não terão efeito no caos venezuelano.

Insanos não têm limite e, quanto mais encapsulados, mais Putin, Netanyahu e Maduro se sentem livres para destruir. De outro lado, adianta “manter o diálogo”?

Sete países bateram de frente com Maduro no primeiro momento, mas só conseguiram a expulsão de seus diplomatas em Caracas, deixando ao relento seus nacionais e os opositores de Maduro refugiados em embaixadas.

Lourival Sant’Anna - Mais um vexame do Brasil

O Estado de S. Paulo

As duas principais correntes políticas brasileiras – o lulismo e o bolsonarismo – são antidemocráticas

A relutância de Lula em admitir a fraude na Venezuela lançou uma luz sobre o apagão intelectual e moral da diplomacia brasileira. Uma política externa se move por dois vetores: interesses nacionais e valores da sociedade. A cumplicidade com a autocracia viola ambos.

Nicolás Maduro tem ameaçado invadir a Guiana. Regimes autocráticos precisam de inimigos externos para justificar sua perpetuação no poder e enquadrar os opositores como traidores da pátria. Além disso, o PIB da Guiana cresceu 184%, entre 2019 e 2023, segundo o FMI, graças ao petróleo.

Rubens Barbosa - Lula deve optar entre defesa da democracia e interesses do PT

O Estado de S. Paulo

A eleição na Venezuela representa o maior teste para a política externa do governo Lula

Apesar do princípio constitucional de não interferência em assuntos internos de outros países, os governos do PT fizeram o contrário, como se observa agora na Venezuela. Apoiou Hugo Chávez e Nicolás Maduro nas eleições e respaldou politicamente e minimizou as restrições à democracia dos dois governos, apesar das evidências de medidas autoritárias e de o Mercosul ter suspendido a Venezuela por desrespeito à cláusula democrática. Autoridades brasileiras ressaltaram o papel de Lula para a realização das eleições, para a transparência do processo eleitoral e para a negociação do acordo de Barbados.

Muniz Sodré - Efeito borboleta

Folha de S. Paulo

Nos EUA, a candidatura de Kamala Harris parece avivar chamas da democracia

"A gente se move facilmente no que é grande e distante / difícil é apreender o que é próximo e singular", ironiza um epigrama do austríaco Franz Grillparzer. É outra luz de compreensão para o momento político norte-americano, em que a candidatura de Kamala Harris parece avivar chamas da democracia em meio ao seu declínio incipiente na maior potência mundial. Para o escritor angolano João Melo, a eventual vitória de Harris será boa para a sociedade americana e para o mundo, não por qualquer razão geopolítica, mas pelo "efeito borboleta" nos demais países.

Sylvia Colombo - Maduro não saiu de disco voador

Folha de S. Paulo

Declarado vencedor em pleito contestado, ditador é resultado do contexto e da história do país

É muito bom ver tanta mobilização dos meios de comunicação e da opinião pública internacional em torno da delicada situação da Venezuela. Mas vejo por aí muitos adjetivos relacionados a Nicolás Maduro e a Hugo Chávez que os descolam totalmente da História, com H maiúsculo, do país.

Seriam ambos dois homens maus que desembarcaram de alguma nave alienígena, por mero acaso, justo neste lindo país caribenho, para impor um regime de terror?

Não é bem assim. O chavismo e sua versão ainda mais autoritária, o madurismo, são frutos de um longo processo cujas raízes precisam ser investigadas para que se compreenda bem o fenômeno.

Chama a atenção, por exemplo, nos dias de hoje, a excessiva presença das Forças Armadas em decisões e em postos importantes do poder. Mas isso não é uma novidade. Esse papel tem sido reiteradamente ocupado por elas e, muitas vezes, com anuência de parte da sociedade, que ainda as considera uma força estabilizadora e, às vezes, transformadora.

Celso Rocha de Barros - O PT diante de Maduro

Folha de S. Paulo

Por que apoiar caricatura que seus adversários fazem de você?

Nicolás Maduro declarou-se vencedor da eleição do domingo passado, mas resolveu que ninguém pode ver os votos. Ele garante que estão lá com ele, que estão sendo bem tratados, e que se o povo venezuelano e a comunidade internacional deixarem ele continuar sendo presidente, nenhum voto será ferido.

O governo Lula, assim como os governos de esquerda do Chile, da Colômbia e do México, pediu que Maduro mostrasse as atas de votação, como exigido pela oposição venezuelana. Até o momento do envio dessa coluna, Maduro ainda não havia conseguido falsificar atas suficientes para mostrar.

Se as atas de votação mostrassem a vitória de Maduro, ele já as teria mostrado.

No sistema brasileiro, criticado por Maduro e Bolsonaro, os boletins de urna estavam disponíveis na internet 24 horas depois de encerrada a votação.

Bruno Boghossian - Maduro vai sobreviver?

Folha de S. Paulo

Regime venezuelano entra em modo de dependência de um binômio cooptação-repressão

Nicolás Maduro entrou num modo de sobrevivência típico de regimes autoritários que atravessam momentos agudos de contestação. Sem condições de exercer um poder lastreado na legitimidade eleitoral, o ditador passou a se agarrar exclusivamente ao conhecido binômio formado por cooptação e repressão.

A sustentação de governos antidemocráticos depende, em larga medida, da insatisfação popular manifestada em protestos e da disposição dos órgãos de segurança para esmagá-los. A interação desses fatores foi descrita pela cientista política Eva Bellin no caso de ditaduras do Oriente Médio e pode ser aplicada à situação da Venezuela.

Hélio Schwartsman - País dos privilégios

Folha de S. Paulo

Livro tenta atualizar clássico de Raymundo Faoro que mostrou como certos grupos extraem para si benefícios da sociedade

Sou fã de Bruno Carazza desde os tempos em que ele mantinha um blog no qual tentava introduzir medidas objetivas para analisar questões de direito. É com satisfação, portanto, que o vejo agora envolvido no ambicioso projeto de escrever uma trilogia que atualiza "Os Donos do Poder", o clássico de Raymundo Faoro, que mostrou como alguns estamentos sociais conseguem sequestrar o poder do Estado brasileiro para beneficiá-los. O título da obra de Bruno é "O País dos Privilégios", da qual acaba de sair o primeiro volume.

Vagner Gomes de Souza - As escolhas políticas na sucessão carioca

Voto Positivo

Nos tempos de ausência da democracia, o Vice-presidente Aureliano Chaves afirmou que o “Vice não é nada!” um momento que provavelmente marcaria seu afastamento do regime militar até apoiar a Aliança Democrática sob a cabeça de chapa de Tancredo Neves que teve a consciência política da moderação ao convidar José Sarney para seu companheiro de chapa. Diferente do bordão de Jô Soares (“Vice não é nada. Tirando Aureliano, que fala, o resto, ó!…”); numa eleição majoritária a escolha da candidatura a Vice pode em muito contribuir para influenciar os resultados eleitorais. O comportamento político e eleitoral da sociedade pode ser observado nesses momentos de anúncio. Muitas vezes a escolha se faz de uma forma “mecânica” o que não indica que tenha resultados perceptíveis.