sábado, 17 de agosto de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

PEC da Anistia é prova do fosso entre Congresso e eleitores

O Globo

Depois de descumprir lei eleitoral, congressistas se deram perdão e mudaram legislação em causa própria

A aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Anistia pelo Senado é um sinal eloquente da falta de sintonia entre o Parlamento e os eleitores. Num segundo turno com votação folgada (54 votos favoráveis ante 16 contrários), os senadores emendaram a Constituição para promover mais uma anistia aos partidos políticos. Legislando em causa própria, perdoaram irregularidades cometidas em eleições, autorizaram as legendas a usar o Fundo Partidário para pagar multas, criaram um sistema de refinanciamento camarada para dívidas e concederam imunidade tributária aos partidos, a seus institutos e fundações. Por fim, contrariando o anseio do eleitorado, reduziram o financiamento a candidaturas de negros. A mensagem que fica para a sociedade não poderia ser pior. Caso o cidadão não obedeça à lei, tem de arcar com as consequências. Se os congressistas e seus partidos não cumprem o que eles mesmos determinaram, ora, simplesmente mudam a lei.

Fábio Zanin - Entidade vê tentativa de desgastar Judiciário em críticas a Moraes

Painel / Folha de S. Paulo

Associação Brasileira de Juristas pela Democracia afirma haver intenção política de beneficiar os que atentam contra a democracia e o Estado Democrático de Direito

A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) criticou em nota reportagem da Folha que mostrou que o ministro Alexandre de Moraes, do STF, ordenou por mensagens e de forma não oficial a produção de relatórios pela Justiça Eleitoral para embasar decisões contra bolsonaristas no inquérito das fake news.

A associação afirma que o juiz eleitoral "possui poder de polícia, independentemente de provocação ou formalidades, restrita às providências necessárias para inibir práticas ilegais."

Segundo a entidade, o compartilhamento de informações de um crime eleitoral com outras esferas do Poder Judiciário, "inclusive para fins de investigação criminal comum ou para embasar futura ação penal, não possui formalidade prevista em lei ou regimentos."

Hélio Schwartsman - O papel da imprensa

Folha de S. Paulo

Jornais generalistas devem publicar tudo o que passe no teste da veracidade aferível e do interesse público

Leitores me escreveram para recriminar a Folha pela publicação da troca de mensagens entre auxiliares do ministro do STF Alexandre de Moraes. Na visão desses missivistas, a notícia dá fôlego à extrema direita, configurando, portanto, uma ameaça à democracia e, por isso, não deveria ter sido divulgada.

A discussão é boa. Num mundo unidimensional, onde as causas e seus efeitos fossem todos cognoscíveis de antemão, eu próprio faria coro a essa tese. Mas não vivemos num mundo assim. A realidade que nos circunda é complexa, multifacetada, sujeita a reviravoltas e resiste a interpretações e previsões simplistas.

Dora Kramer - Erosão de poder

Folha de S. Paulo

Afinidade com Venezuela leva Brasil a erodir seu capital de liderança regional

A aliança que se formou em torno do candidato Luiz Inácio da Silva (PT) em 2022 teve o objetivo de impedir a reeleição de Jair Bolsonaro (PL) e consertar estragos feitos durante a gestão do então presidente, sob a égide da afirmação democrática.

Dados os malefícios produzidos no período de 2019 a 2023, havia muito a fazer. Dentre as tarefas, a recuperação do papel e da imagem do Brasil no mundo. Político de prestígio internacional, Lula começou bem a missão, mas logo enveredou pelo perigoso terreno das afinidades ideológicas aliadas ao excesso de pretensão sobre seu real tamanho na cena externa.

Demétrio Magnoli - Um Moro no Supremo

Folha de S. Paulo

Moraes fornece ao bolsonarismo narrativa perfeita ao converter TSE em tentáculo de inquérito

É a mesma novela, em outra versão. Sergio Moro, o redentor, fundou um partido de juízes e procuradores, violou as tábuas da lei e, no fim, desmoralizou a maior investigação sobre a corrupção política no país. Alexandre de Moraes, o vingador, nomeou-se investigador, promotor e juiz, converteu o TSE em tentáculo de seu inquérito sem fim e, ao final, desmoraliza o processo sobre a conspiração golpista, fornecendo ao bolsonarismo uma narrativa perfeita.

Tudo "oficial", "regular", "regimental", proclama Moraes, como alegava Moro –e, como seu inspirador, colhe aplausos corporativos e partidários. Moro apontava aos procuradores os indícios que deveriam procurar, a fim de produzir as provas judiciais de um processo com resultados predeterminados. Moraes ordenava ao TSE a fabricação de relatórios sob medida contra alvos selecionados, transformando-os em provas destinadas a embasar suas próprias decisões. Nos dois casos, o ritual político esculpiu o rito legal.

Carlos Alberto Sardenberg - Pelas vias tortas

O Globo

O devido processo legal no Brasil é tão intricado que praticamente impede a busca da justiça

Não é apenas que se tolera a coisa errada para alcançar resultado que se considera certo. É pior. O que sobra do debate em torno dos fatos da semana é o seguinte: no sistema jurídico e político brasileiro, só dá para fazer a coisa certa pelos métodos errados.

E, se é assim, vamos mal. E não é de hoje.

O gabinete do ministro Alexandre de Moraes fez muitas coisas erradas. Mas o que queriam? — dizem seus defensores. Se fosse para seguir tudo direitinho, não haveria como combater a tempo e com a força necessária a ameaça de golpe contra a democracia.

Pablo Ortellado - Os bastidores dos inquéritos são expostos

O Globo

A sequência sugere que Alexandre de Moraes primeiro formou sua opinião, depois encomendou provas para respaldá-la

A Folha de S.Paulo publicou uma série de reportagens que revelam trocas de mensagens entre um juiz auxiliar do gabinete de Alexandre de Moraes no STF e a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE, de agosto de 2022 a maio de 2023. Essas mensagens mostram como provas para processos no STF foram solicitadas informalmente ao TSE em conversas no WhatsApp. Juristas debatem se essas comunicações podem configurar ilegalidade, comprometendo a validade dos processos, como ocorreu com a Lava-Jato.

Mais que a questão legal, porém, as mensagens expõem os problemas decorrentes da mistura de funções nos inquéritos contra os movimentos antidemocráticos. Esse arranjo surgiu para contornar a inação da Procuradoria-Geral da República (PGR) diante das mobilizações golpistas. As movimentações incluíram campanhas nas mídias sociais para minar a confiança nas urnas, acampamentos em frente aos quartéis, bloqueios de estradas, atos de sabotagem e até a invasão das sedes dos Poderes.

Carlos Andreazza - Contra o consenso

O Estado de S. Paulo

Se fosse normal, por que toda a movimentação escamoteada?

Este artigo começa com uma pergunta aos advogados – àqueles que aplaudem os procedimentos de Alexandre de Moraes. Como se sentiriam se – sobre inquérito relativo a um cliente – descobrissem a existência do trânsito a seguir?

O do juiz que ordena, por fora, que o delegado produza relatório sob medida, segundo as suas orientações, donde inscrita a convicção prévia do magistrado sobre o sujeito investigado; para que ele, o juiz, recebendo o laudo, remetido como se peça formulada espontaneamente, robusteça-esquente decisão que apenas formalizará. O policial, porém, informa que nada de criminoso encontrou na pescaria encomendada contra o objeto – o seu cliente, doutor. O juiz então manda que use a criatividade. O delegado responde que dará um jeito. E riem.

Como reagiriam, os advogados, à simulação – contra um seu cliente – de ato formal para legitimar medidas cautelares tais quais apreensão de passaporte e bloqueio de contas bancárias?

Emendas: STF, por unanimidade, aprova suspensão de repasses; Lira contra-ataca

Correio Braziliense

Corte endossa decisão de Dino de proibir pagamentos. Presidente da Câmara tira da gaveta PECs para limitar poderes de ministros

O embate entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso, deflagrado após a proibição às emendas impositivas, se acentuou, nesta sexta-feira, com novos rounds. Por unanimidade, a Corte endossou a decisão monocrática do ministro Flávio Dino de suspender o repasse dos recursos, por falta de transparência. Em reação, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tirou da gaveta propostas que limitam os poderes dos magistrados.

A liminar de Dino suspende a execução da emendas impositivas até que Câmara e Senado estabeleçam procedimentos para garantir a transparência e rastreabilidade dos recursos. No julgamento em plenário virtual, encerrado nesta sexta-feira, os outros 10 ministros avalizaram a determinação do colega de Corte.

No contra-ataque, Lira enviou à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) a proposta de emenda à Constituição (PEC) que restringe decisões monocráticas de ministros do STF. O autor da PEC é o senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR), e o texto foi aprovado no Senado em 2023. 

A proposta veda decisões monocráticas que suspendam a aplicação de lei ou ato normativo com efeito geral ou, ainda, que suspenda ato dos presidentes da República, do Senado e da Câmara.

Em nota, a presidente da CCJ, Caroline de Toni (PL-SC), anunciou que vai pautar a PEC contra o STF e que se trata de uma demanda da oposição. "O que decidimos, por meio de lei, passou pelo crivo de 513 deputados e 81 senadores e não pode ser desconstituída em minutos, com a canetada de um único homem. Daremos a celeridade devida à PEC 8/21 na CCJ", disse.

Lira ainda reabilitou uma outra PEC, também do ano passado, que autoriza o Congresso a derrubar decisões do STF que "exorbitam o adequado exercício da função jurisdicional", ou seja, as determinações que os parlamentares considerem invasiva às prerrogativas do Congresso. Esse texto é de autoria do deputado Reinhold Stephanes (PSD-PR), aliado ferrenho do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Aldo Fornazieri - No reino da imoralidade

CartaCapital

O orçamento secreto é o mais escandaloso e inescrupuloso abuso do Congresso. Ofende o interesse público e viola a Constituição

A principal razão para que as sociedades aceitem as restrições do Estado consiste em que este garanta os direitos dos cidadãos. Esta é a pedra fundamental do Estado republicano e democrático, o seu princípio e fim. Isto porque, se a sociedade fosse deixada ao seu bel-prazer, se veriam o domínio dos mais fortes e a instauração do espetáculo da violência, da devassidão, da corrupção e da miséria. O Estado republicano e democrático tem o dever de inibir a violência e o domínio dos mais fortes e, além de garantir a liberdade, deve prover a sociedade com bem-estar, equidade e justiça.

A atual legislatura do Congresso Nacional, sob o comando de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, é uma das mais afoitas da história em promover abusos e privilégios, além de violar direitos. Basta citar alguns exemplos notórios: o marco temporal para a demarcação de terras indígenas, a tentativa de criminalizar os usuários de drogas, as investidas contra os movimentos sociais, a desavergonhada iniciativa de anistiar os partidos, e por aí vai.

Luiz Gonzaga Belluzzo - Homenagem ao amigo Delfim

CartaCapital

Ele reconheceu a importância das instituições que buscam equilibrar a voz das urnas e o poder do mercado

No momento de sua morte, sinto-me no dever de recomendar o livro de Antônio Delfim Netto, O Mercado e a Urna. São 150 páginas dedicadas a explicar as relações entre a lógica econômica do capitalismo e as aspirações dos cidadãos à autonomia diante das esferas do poder e do dinheiro e a uma vida boa e decente. Alguém poderia sugerir – e não estaria errado – se dissesse que, nos momentos de transformação, a luta política vai escolher as normas e os valores que, afinal, vão presidir os nossos destinos coletivos e individuais.

O professor Delfim Netto e eu divergimos muito no passado, pois no tempo da ditadura militar estivemos em campos opostos. Nos tempos de hoje, depois da anistia que nos concedemos mutuamente, mantivemos um diálogo afetuoso (ainda que às vezes dissonante) sobre as questões econômicas, brasileiras e internacionais. Em suas colunas na mídia – sobretudo em CartaCapital –, mas também em suas aulas e palestras, Delfim aderiu plenamente à ideia de que a democracia é fundamental para corrigir os desmandos do mercado. Democracia no sentido mais amplo, com inclusão social e diminuição da desigualdade econômica. Por isso, ele diz que o único instrumento para corrigir as desigualdades sociais são as urnas. Despido de partidarismos, Delfim transformou-se juntamente com o Brasil. Prosseguiu sua vida como homem público, muito influente tanto na opinião conservadora quanto na de esquerda. Ele dizia no passado que era socialista fabiano.

Marcus Pestana - O legado da redemocratização brasileira

Em 15 de janeiro de 1995, Tancredo Neves derrotou Paulo Maluf, no Colégio Eleitoral, elegendo-se Presidente da República por 480 votos contra 180. Este é o ponto terminal da ditadura e de uma longa trajetória de lutas da sociedade brasileira onde se destacaram a luta pela anistia ampla e geral, as movimentações estudantis e o renascimento da UNE, a memorável campanha das Diretas-JÁ, o ressurgimento do sindicalismo do ABC, a chama acesa mantida pela imprensa alternativa, a resistência cultural, as vitórias do MDB. Após 21 anos de batalhas, a democracia florescia, Tancredo e Ulysses à frente.