segunda-feira, 16 de setembro de 2024

Marco Aurélio Nogueira. A democracia desafiada. Recompor a política para um futuro incerto.

Rio de Janeiro, Ateliê de Humanidades, 2023.

INTRODUÇÃO

O presente livro se propõe a interpelar a sociedade e o modo como vivemos, privilegiando alguns de seus aspectos principais, hoje submetidos a amplo debate público. Não pretende oferecer uma teoria abrangente, que dê conta dos múltiplos aspectos da vida como ela é. Trata-se de um ensaio. Não há nele nenhum estudo de caso. Poderei me deixar sensibilizar pelos fatos que transcorrem em meu país, o Brasil, mas o interesse não estará aí. Meu propósito é assumidamente modesto e circunscrito: chamar atenção para certos gargalos que asfixiam a vida atual e sugerir caminhos para compreendê-los.

No centro dos capítulos que se seguirão está a questão da democracia. Trata-se de uma escolha sustentada pela convicção de que não teremos um futuro promissor sem arranjos democráticos sustentáveis. Podemos e devemos discutir de “qual democracia” estamos a falar, que peso deverão ter nela os princípios liberais e socialistas, de que modo será feita a participação dos cidadãos, se os partidos políticos devem ter maior relevo do que as redes sociais, qual o melhor regime para a tomada de decisões, e assim por diante. Mas não há como renunciar à democracia como valor estratégico. Sem isso estaremos sempre a um passo da escuridão autoritária.

Somos protagonistas de uma grande transição. Ela se estrutura sobre três eixos dominantes: (a) a vida nacional se globalizou; (b) o capitalismo industrial se converteu em capitalismo informacional; e (c) a modernidade se radicalizou e se tornou hipermodernidade. Cada um desses eixos tem repercussões fortíssimas no dia-a-dia, na organização social, nas formas da política, no Estado, na economia e na cultura, no corpo e na alma das pessoas.

Nos diferentes capítulos do livro, pretendo explorar a hipótese de que essa grande transição está se materializando mediante o avanço de alguns processos perturbadores: a fragmentação, que problematiza a coesão e o pacto social; a individualização, que exacerba o distanciamento entre os indivíduos e os grupos de referência; a aceleração, que altera o ritmo existencial; e a digitalização, que modifica o modo como interagimos uns com os outros e nos relacionamos com a tecnologia.

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

É imperativo o combate a fraudes no auxílio-doença

O Globo

Explosão na concessão do benefício com novo aplicativo não se explica apenas pela demanda represada

Toda medida para reduzir a burocracia na concessão de serviços à população é bem-vinda. Mas é fundamental que não abra brechas para fraudes. A partir de maio de 2023, a Previdência lançou o Atestmed, um aplicativo que facilita a obtenção de auxílio-doença para segurados do INSS. O novo serviço permitiu a 1,5 milhão obter o benefício apenas com o atestado médico, sem esperar a perícia médica. Em consequência, os gastos com auxílio-doença dispararam. Em 2022, antes do Atestmed, somaram R$ 27,6 bilhões. No ano seguinte, aumentaram para R$ 33,4 bilhões. De dezembro de 2022 a julho de 2024, os benefícios concedidos cresceram 57%, de 1,08 milhão para 1,69 milhão. Mantida a tendência, as despesas com auxílio-doença alcançarão R$ 40 bilhões neste ano.

António Guterres - O relançamento da cooperação global

Valor Econômico

A Cúpula do Futuro é oportunidade para construir instituições e ferramentas mais eficazes e inclusivas para a cooperação internacional, em sintonia com o século XXI e com o nosso mundo multipola

Estão em curso, em Nova York, as negociações finais para a Cúpula do Futuro que acontecerá este mês, durante a qual chefes de Estado irão negociar a reforma dos alicerces da cooperação internacional. As Nações Unidas convocaram esta Cúpula única devido a um fato evidente: os problemas mundiais estão avançando mais rapidamente do que as instituições que foram criadas para resolvê-los.

Basta olhar à nossa volta. Os conflitos ferozes e a violência estão infligindo sofrimentos terríveis; as divisões geopolíticas são abundantes; as desigualdades e as injustiças estão por todo lado, corroendo a confiança, agravando os ressentimentos e alimentando o populismo e o extremismo. Os velhos desafios relacionados à pobreza, à fome, à discriminação, à misoginia e ao racismo estão assumindo novas formas. Entretanto, enfrentamos ameaças novas e existenciais, desde o caos climático descontrolado e a degradação ambiental até as tecnologias, como a Inteligência Artificial, que se desenvolvem num vácuo ético e jurídico.

Fernando Gabeira - Debate nos EUA ajuda a entender política no Brasil

O Globo

O aprendizado psíquico sobre o candidato é essencial, da mesma maneira o entendimento do fascínio que ele exerce

Assisti ao debate Kamala xTrump como se estivesse num laboratório. Meu tema de pesquisa: como neutralizar candidaturas que o milionário inspira nos trópicos. Lendo “Os bastidores”, livro de Martin Amis, encontrei a lei que na realidade inspira minha pesquisa. É a Lei Barry Manilow. Amis a formula assim: todas as pessoas que conheço detestam Barry Manilow, e todas as pessoas que não conheço gostam dele. As que não conheço são muito mais numerosas.

Cada vez que um candidato desse tipo avança nas pesquisas, há duas tendências: falar mal dele entre nós ou tentar entender o que acontece. Elas podem coexistir. Mas, considerando a Lei Barry Manilow, não adianta apenas falar mal.

Um dos argumentos que dinamizam certos candidatos de fora da política é se apresentarem como empresários de sucesso. Eles e seus eleitores ignoram que as leis que regem uma empresa privada, com seu conselho diretor, são diferentes das leis que movem a máquina pública e as câmaras legislativas. A experiência não pode ser transplantada mecanicamente. Há um talento específico para governar, que nem sempre existe no empresário.

Demétrio Magnoli - Políticas identitárias estão em declínio nos EUA

O Globo

De olho nos eleitores, Kamala Harris recusou-se a desempenhar o papel de símbolo

Há uma semana, no debate, Kamala Harris tratou Donald Trump como um adolescente inseguro. Em certo momento, indagada sobre os ensaios do rival de discutir sua autodescrição racial, escapou à armadilha, passando-lhe uma reprimenda:

— É uma tragédia termos alguém que quer ser presidente e que constantemente, ao longo de sua carreira, tentou usar a raça para dividir o povo americano.

A resposta revela o declínio das políticas identitárias nos Estados Unidos.

Há 16 anos, na sua campanha presidencial, Barack Obama descreveu-se como mestiço, enfatizando as distintas origens de seu pai queniano e de sua mãe, uma americana branca do Kansas. Obama falou com ardor sobre as lutas pelos direitos civis e celebrou a figura de Martin Luther King, apresentando-se como candidato pós-racial. Mesmo assim, não conseguiu fugir ao rótulo de “presidente negro” aplicado pelo consenso identitário em voga.

Preto Zezé - Rio de Janeiro, minha terra adotiva

O Globo

Acredito que o estado, apesar de enfrentar adversidades como qualquer outro lugar do país, possui um potencial imenso

Com alegria, recebi a notícia de que fui agraciado pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) com a aprovação, na quinta-feira da semana passada, da concessão da Medalha Tiradentes.

A medalha, maior homenagem do parlamento estadual, foi proposta pelo presidente da Alerj, deputado Rodrigo Bacellar (União Brasil), a quem agradeço publicamente, assim como a todos daquela Casa que aprovaram essa reverência.

Meu desejo, como novo cidadão do Rio de Janeiro, é que possamos reduzir as distâncias que separam os trabalhadores das riquezas e das oportunidades.

Bruno Carazza - Propostas, promessas e cidades inteligentes

Valor Econômico

‘Smart cities’ são nova ilusão vendida por aspirantes a prefeito

Para quem, por gosto ou dever de ofício, acompanha eleições municipais, é interessante observar como vão mudando os modismos nas promessas dos candidatos a prefeito.

Por muito tempo imperou o “rodoviarismo”, com anúncios de obras de ampliação de avenidas, construção de viadutos e abertura de túneis para fazer fluir o trânsito que prendia boa parte da população em engarrafamentos.

Mais recentemente, na farra dos grandes eventos da Copa do Mundo e das Olimpíadas, a onda eram os grandes sistemas de transporte público, como o BRT e o VLT. Muitos bilhões de dólares depois, alguns equipamentos foram entregues com atraso, enquanto outros permanecem como monumentos ao descaso com o dinheiro público, como atestam as milhares de pilastras do monotrilho da linha 17 do metrô de São Paulo ou o abandono dos trilhos do VLT de Cuiabá, recentemente removidos para começarem a construção de um BRT.

Sergio Lamucci - Um ciclo de alta de juros na contramão do exterior

Valor Econômico

Expectativas desancoradas, câmbio desvalorizado, incertezas fiscais e monetárias e atividade aquecida devem levar o BC a aumentar a Selic nesta semana

O Banco Central (BC) brasileiro deverá começar um ciclo de alta dos juros na quarta-feira, no mesmo dia em que o Federal Reserve (Fed, o BC americano), tudo indica, vai anunciar a redução da taxa básica. A política monetária por aqui, desse modo, tende a ir na contramão do movimento dos juros nos EUA e de outras economias avançadas, como a zona do euro. A avaliação dominante é de que o Comitê de Política Monetária (Copom) não será agressivo no aumento dos juros, que já partem de um nível elevado, apesar de o BC ter cortado a Selic de 13,75% para 10,5% ao ano entre agosto de 2023 e maio de 2024.

Humberto Saccomandi - Rejeição à imigração reforça o extremismo na Europa e ainda pode eleger Trump nos EUA

Valor Econômico

A ascensão do extremismo político é facilitado pela incompreensão dos governos ao nível de rejeição das populações à imigração

Chamou a atenção no debate presidencial da semana passada nos Estados Unidos a afirmação de Donald Trump de que imigrantes haitianos estavam comendo animais de estimação de americanos numa pequena cidade do Estado de Ohio. A fake news foi logo desmentida pelos mediadores. Mas, por trás desse episódio bizarro, está o tema que pode dar a vitória a Trump nas eleições de novembro: a rejeição crescente dos eleitores à imigração em grande escala. Isso ocorre tanto nos EUA como na Europa. E a falta de resposta dos governo, especialmente os de esquerda, vem favorecendo a ascensão da extrema direita.

Camila Rocha - SP sem planejamento frente à crise climática

Folha de S. Paulo

Adotar medidas para atenuar efeitos deletérios é bastante factível considerando os recursos disponíveis

Dois atos foram convocados em São Paulo em virtude da emergência climática. O primeiro anuncia em sua chamada: "Não existe luta pelo meio ambiente sem revolta popular". O segundo, divulgado como "Marcha pela Justiça Climática", mobiliza apelos como: "Esse calor não é normal! Não queimem nossas vidas!". Ambos foram marcados para domingos de setembro, no Masp.

Os protestos revelam a necessidade de ações urgentes diante da crise climática que avança a olhos vistos. No sábado (14), o renomado climatologista brasileiro Carlos Nobre escreveu um texto para a Folha cujo título não poderia ser mais direto: "Mundo pode não ter mais volta e isso me apavora".

Lygia Maria - Universidade não é tribunal de ideias

Folha de S. Paulo

Censura no meio acadêmico revela não só autoritarismo, mas incompetência na produção de conhecimento

Não é só o Judiciário, notadamente o Supremo Tribunal Federal, que vem cerceando a liberdade de expressão nos últimos anos. O ambiente acadêmico também tem sido autoritário nessa seara, o que causa perplexidade.

Afinal, sabe-se que o poder de polícia estatal tende sempre a buscar a ampliação de seu controle sobre a sociedade —se não o alcança plenamente, isso se deve ao sistema de freios e contrapesos e à esfera do debate público das democracias liberais.

Marcus André Melo -Trump é sintoma de quê?

Folha de S. Paulo

Se uma minoria nas democracias avançadas tem preferências políticas radicais, por que apenas nos EUA ela já chegou ao poder?

O debate sobre o modelo institucional americano sofreu inflexão notável nas duas últimas décadas: as instituições políticas passaram a ser pensadas em chave negativa. Durante muito tempo o desenho institucional americano emulava, para muitos, o britânico como modelo ideal. A crítica limitava-se a apontar sua incompletude: o desenho era exemplar, mas fora insuficientemente implementado no Sul do país.

"Tyranny of the Minority" (2023), de autoria de Levitsky e Ziblatt, é o último exemplo dessa crítica revisionista. Há poucos argumentos que já não estejam discutidos por Robert Dahl no clássico instantâneo "How democratic is the american constitution?", ou Levinson e Balkin, em "Democracy and dysfunction".

Carlos Pereira - Inviabilização da impunidade

O Estado de S. Paulo

Evidências de ação coordenada em atos antidemocráticos diminuem as chances de anistia

A defesa da anistia para os condenados pelos atos antidemocráticos do 8 de Janeiro não passa de uma estratégia política para livrar Jair Bolsonaro, tanto pela decisão do TSE de declarar sua inelegibilidade por oito anos, como por eventuais condenações do ex-presidente pelo STF por seu envolvimento direto em uma suposta trama golpista.

Mas, como destacado no artigo de Pablo Ortellado, o grande receio é o de que a reprovação dos eleitores aos atos de 8 de janeiro esvaneça com o passar do tempo. O PL da anistia dos condenados ganharia assim maior viabilidade política no Legislativo, o que aumentaria as chances de perdão dos crimes cometidos pelos envolvidos.

Ortellado argumenta que seria fundamental que a Justiça comprovasse que havia um propósito golpista na invasão dos três Poderes. Bem como que tais ações, em conjunto com os bloqueios de rodovia e de acessos às refinarias e a derrubada das linhas de transmissão de energia foram coordenadas pelos líderes do movimento golpista, incluindo o ex-presidente. Algo, que, segundo Ortellado, não foi plenamente comprovado e/ou detalhadamente divulgado para a sociedade até o momento.

José Casado - Pato manco

Revista Veja

Lira se atropelou na sucessão na Câmara. Deixou feridos e rachou o Centrão

O deputado Arthur Lira, do partido Progressistas de Alagoas, está descobrindo na seca de Brasília aquilo que o escritor espanhol Lorenzo Villalonga aprendeu observando ondas do Mediterrâneo, nas Ilhas Baleares. Villalonga resumiu com maestria: o presente é apenas um ponto entre a ilusão e a saudade.

Faltam cinco meses para Lira deixar a presidência da Câmara. Quando fevereiro chegar, ele sai da cadeira que garante uma posição privilegiada na linha sucessória da República, logo depois do vice. Não é por acaso seu destaque em plano elevado, no centro e de frente para o Plenário Ulysses Guimarães, assim chamado em homenagem ao deputado que passou à história como referência no exercício do poder parlamentar. “Em política, até a raiva é combinada”, ele dizia com um ar de malícia.

James Hawes - Extremismo DOC

CartaCapital

A vitória eleitoral da AfD é, antes de tudo, um fenômeno sociocultural da porção leste da Alemanha

A mídia está cheia de muros corta-fogo (Brandmauer) em ruínas na Alemanha. As eleições estaduais na Turíngia deram a primeira vitória à extrema-direita desde 1945, na região em que os nazistas conquistaram pela primeira vez o poder regional, em 1929, e na data em que Adolf Hitler invadiu a Polônia em 1939. “O Leste fará isso.” A campanha da Alternativa para a Alemanha (AfD, na sigla em alemão) misturou os temas habituais do populismo de direita com a sugestão de que o Leste do país é onde a verdadeira Alemanha resiste aos horrores liberais do multiculturalismo e da energia eólica.