terça-feira, 22 de outubro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Agenda da China não deve ditar o rumo do Brics

O Globo

Na presidência do bloco, Brasil precisa evitar que seja transformado numa coalizão antiocidental

A agenda oficial da reunião do Brics — bloco formado por dez países a partir da aliança original entre Brasil, Rússia, Índia e China — nesta semana em Kazan, na Rússia, envolve temas caros à diplomacia brasileira: reforma da governança global, multilateralismo, combate à fome e à desigualdade, desenvolvimento sustentável. Nos bastidores, porém, é nítida a tentativa de consolidar o Brics como veículo para aglutinar um polo antagônico ao Ocidente, sob liderança da China, com apoio da Rússia. O Brasil, que ocupará a presidência do bloco em 2025, faria bem em tentar bloquear o avanço dessa agenda extraoficial.

Merval Pereira - Lula e o PT

O Globo

Se for candidato à reeleição em 2026, será quase na base do sacrifício, porque não terá idade para enfrentar uma campanha eleitoral disputada. Mas ele é a única chance de a esquerda ser competitiva

Enquanto os médicos, e o próprio presidente, não se esquivam de avaliar como “grave” o acidente doméstico no banheiro que ocasionou um sangramento na cabeça de Lula, muitos petistas tentam tapar o sol com a peneira, garantindo que tudo está bem. Se dependesse desses, Lula teria viajado para a reunião na Rússia, o que seria uma extravagância perigosa.

Já houve época em que políticos não gostavam de revelar as doenças, com medo de prejudicar suas carreiras. O exemplo mais notável historicamente foi o então ministro da Justiça, Petrônio Portella, no governo Figueiredo. Grande articulador, fundamental na negociação para a abertura e a anistia aos presos políticos na ditadura, Portella poderia ter sido a saída civil da ditadura militar na abertura do regime, mas se recusou a ir para o hospital quando teve um infarto e morreu em casa.

Míriam Leitão - Muito além da eleição municipal

O Globo

Quando aumenta a força política do crime na Amazônia, ou candidatos exibem falas contra mulheres quem está perdendo é o país

Nestas eleições municipais, o que está sendo definido como “a derrota do PT” é muito mais grave do que a sorte de um partido ou de uma tendência política. Na Amazônia, houve o crescimento forte de grupos criminosos na política, com a aliança entre o crime ambiental e as facções do Sudeste que migraram para lá. Quando o candidato do PL em Fortaleza, André Fernandes, fala um “dane-se” para o aumento do feminicídio, ou diz com orgulho não ter tomado vacina, o risco é que, em uma grande capital do Nordeste, o país retroceda em duas agendas fundamentais: a luta contra o feminicídio e em favor da cobertura vacinal.

Pedro Doria - A Califórnia regulamentou IA

O Globo

Empresas não precisam aplicar as mesmas regras fora do estado, porém a tendência é que as incorporem a suas políticas internas

Muitos parlamentos pelo mundo, incluindo o nosso, estão ainda imobilizados perante a inteligência artificial. Mas, curiosamente, nas últimas semanas o Poder Legislativo da Califórnia aprovou pelo menos uma dezena de leis que o governador Gavin Newsom sancionou. Poderia ser apenas um estado americano a mais, só que não é. Hollywood fica na Califórnia, e o Vale do Silício também. Alguns dos principais interessados no tema, neste momento, são de lá. Newsom é de San Francisco, cidade em que algumas das principais companhias de IA têm sede. Por ser um político local, foi eleito com as doações de dinheiro de meio Vale. O jeito como a Califórnia regula IA impactará legisladores em todo o mundo.

Maria Cristina Fernandes - O apagão visto por quem sobe em poste

Valor Econômico

Se for para mudar o modelo que aí está não adianta cassar a empresa

O nome pomposo, Eduardo de Vasconcellos Correia Annunciato, virou Chicão ainda no Senai, onde entrou aos 14 anos para fazer o curso técnico de elétrica/eletrônica. A culpa é do corpulento 1,88m que colide com o jeito manso com que abre o celular para mostrar o vídeo recebido dias atrás. A imagem traz o vapor saindo de um poço com esgoto onde um termômetro marcava 71,7 graus centígrados. É nesse poço que um técnico de manutenção de uma empresa terceirizada teria que entrar para consertar um cabeamento subterrâneo.

Ao longo de uma hora e meia em que Chicão discorre sobre a manutenção da rede elétrica da cidade, a cena se repete. Anseios como o enterramento dos fios não guardam nenhuma relação com a rede como ela é. O jogo de empurra entre governantes, empresa e agências reguladoras ganha concretude no relato do presidente do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo.

Pedro Cafardo - O grande salto e as sequelas da inclusão financeira da baixa renda

Valor Econômico

Inclusão financeira abriu o mercado de crédito para largas parcelas da sociedade, mas tem como principal efeito colateral o endividamento

Há duas semanas, Carlos B, um publicitário de São Paulo, foi almoçar em Pinheiros, deixou o carro em um estacionamento ao lado do restaurante e, ao sair, tentou pagar a conta ao manobrista com uma nota de R$ 20. “Desculpe, senhor, mas não aceitamos dinheiro; o senhor poderia pagar com pix ou cartão?” Carlos fez um pix, mas ficou se perguntando: “Estão extinguindo o dinheiro?”.

Esse caso é um simples sinal do avanço da inclusão financeira da sociedade brasileira, mas não apenas nas classes mais abastadas. O processo de inclusão avançou de forma extraordinária para as pessoas de baixa renda nas últimas duas décadas. Uma pesquisa feita por quatro economistas da FGV*, com apoio e dados do Banco Central, mostra que 92% dos adultos brasileiros de baixa renda têm acesso a contas correntes e a sistemas de pagamento.

Eliane Cantanhêde - De quem é a culpa?

O Estado de S. Paulo

O PT atrapalha o governo, o governo atrapalha o PT ou um atrapalha o outro?

Não foi à toa, convenhamos, que o presidente Lula decidiu antecipar a troca de comando do PT. Não faz sentido o partido do presidente da República, vira e mexe, bombardear o ministro da Fazenda e a política econômica, uma das raras áreas que vêm surpreendendo positivamente e dando boas notícias para, e sobre, o governo, apesar das dúvidas quanto à inflação e ao controle de gastos.

Faz menos sentido ainda que o PT classifique como “feito histórico” mais uma reeleição de Vladimir Putin, que invadiu a Ucrânia, envie sua presidente Gleisi Hoffmann e 30 petistas para badalar o regime chinês e trate a tragédia da Venezuela como normal, reconhecendo a vitória do ditador Nicolás Maduro no primeiro instante de uma eleição fraudada e depois ratificando o aval do Foro de São Paulo a essa “vitória”.

Carlos Andreazza - Fundo eleitoral paralelo

O Estado de S. Paulo

Na PEC da Transição, ali se acertou a permanência do esquema do orçamento secreto. Versão 2.0

Não viu quem não quis. Quem fez acordo. E agora a perplexidade ante a forma como a perversão das emendas parlamentares desequilibrou as eleições municipais. Estava já tudo posto desde 2023, quando da constituição das leis Orçamentária Anual e de Diretrizes Orçamentárias para 2024. E não sem denúncia.

Estava já tudo posto – para ser exato – ao fim de 2022, quando da formulação dessas leis combinadas à da (esquecida) PEC da Transição. Ali se acertou a permanência do esquema do orçamento secreto. Versão 2.0.

Não houve 8 de janeiro – zero trauma – para a transição do orçamento secreto de Bolsonaro para Lula. Foi suave. A suavidade do processo não conseguindo camuflar que se formalizava a continuação do bicho. Não viu quem não quis. Houve acordo.

Rubens Barbosa - Brics e o movimento anti-Ocidente

O Estado de S. Paulo

O Brasil deveria aproveitar a presidência do bloco em 2025 e enunciar sua posição de equidistância dos antagonismos em formação, na defesa de seus interesses

A reunião do Brics, que se realiza as partir de hoje em Kazan, na Rússia, marca uma nova etapa na trajetória do grupo. Criado em 2006, por iniciativa da Rússia, o bloco foi constituído por Brasil, China, Índia e Rússia, e pouco depois incorporou a África do Sul. Em setembro de 2023, por influência da China, passaram a fazer parte também Emirados Árabes, Egito, Irã, Arábia Saudita, Etiópia.

A participação do Brics na economia global é uma consequência de seu peso econômico (32,1% do PIB global contra os 29,9% do G-7, metade da população mundial e 25% do comércio internacional). A China tornou-se a segunda potência global, a Índia e o Brasil estão entre as dez maiores economias do mundo, a Rússia é uma potência nuclear e a África do Sul, a maior economia da África.

Luiz Carlos Azedo - Lula é o grande ausente na reunião do Brics

Correio Braziliense

O Brasil é um dos fundadores do Brics, como a Índia e a África do Sul, mas quem dará as cartas no grupo na reunião de hoje é a China, aliada à Rússia

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva será o grande ausente da 16ª Cúpula dos líderes do Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), que começa hoje, em Kazan, na Rússia. Para o presidente russo Vladimir Putin, o evento tem importância estratégica, porque sinaliza para o mundo que seu isolamento não foi um objetivo alcançado pelo Ocidente, com as sanções econômicas adotadas por Estados Unidos, Inglaterra e União Europeia, por causa da invasão da Ucrânia pelas tropas russas.

Lula foi impedido de participar do encontro em razão de um acidente doméstico — uma queda no banheiro —, no qual bateu com a cabeça e teve que levar cinco pontos. Ele foi impedido de viajar porque ainda se encontra sob observação médica. Esse tipo de acidente é muito perigoso e pode provocar lesões celebrais. Entretanto, politicamente, sua ausência é providencial, diante de algumas questões incômodas que serão tratadas nessa reunião, como os pedidos de adesão da Venezuela de Nicolás Maduro; da Nicarágua de Daniel Ortegra; e do Afeganistão dos Talibãs. O Brasil é contra.

Paulo Sérgio Pinheiro - De Gaza ao Líbano: um mundo de impunidade

Folha de S. Paulo

Acontecimentos recentes solapam a aplicabilidade universal de normas e mecanismos internacionais decisivos para a proteção das populações civis

Uma perturbadora erosão gradual e constante das normas universais do direito internacional tem ocorrido nas últimas décadas. Diversos conflitos armados recentes têm desintegrado completamente os sistemas de proteção da população civil.

No mais grave e longevo desses conflitos, o Estado de Israel, à guisa de se defender do Hamas, em um ano destruiu na Faixa de Gaza todas as escolas, hospitais, universidades, mesquitas, igrejas, arquivos, museus. Cerca de 1,9 milhão de habitantes foram deslocados de suas casas. Quase 2% da população foi morta pelos bombardeios israelenses —60% dessas 42 mil vítimas são crianças, mulheres e idosos a partir de 60 anos.

Paul Krugman - O que Lincoln pode nos dizer sobre o 'Maga'

The New York Times / Folha de S. Paulo

Bilionários ressentidos que financiam Trump podem estar motivados não por interesse financeiro, mas pelo 'vírus da mente woke'

Algo está claramente acontecendo com Donald Trump. Mesmo há um ano, não acho que ele teria começado um comício com 12 minutos de comentários desconexos sobre o falecido golfista Arnold Palmer, concluindo com uma discussão sobre o tamanho do pênis de Palmer.

E embora você possa desejar não ter ouvido sobre isso, é importante. Trump pode mais uma vez controlar o arsenal nuclear dos Estados Unidos e, além disso, seu comportamento errático deve servir de alerta para empresários que minimizam sua agenda econômica destrutiva, acreditando que, se eleito, ele ouvirá a razão e recuará nas piores de suas propostas.

Joel Pinheiro da Fonseca - Boulos X Nunes não é Lula X Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Não colou estratégia de deputado do PSOL de associar prefeito ao extremismo bolsonarista

Outro dia, numa mesa de bar, discutíamos a eleição para a Prefeitura de São Paulo. Alguns defendiam o voto em Boulos, apenas um em Nunes. Perguntaram a esse uma proposta do prefeito que ele achasse boa. Não soube dizer. Então foi ele que perguntou aos demais quais propostas de Boulos os tinham convencido. Também não conseguiram citar nem sequer uma. E são todas pessoas bem informadas, que assistiram a vários dos debates em que cada candidato empilhou proposta em cima de proposta. Mesmo assim, não sobrou nada. Uma verdade que insistimos em esquecer: não votamos em propostas, votamos em pessoas.

Dora Kramer - De enjeitado a cortejado

Folha de S. Paulo

PT não tem força para competir, mas tem peso para influir na eleição da Câmara

Vejam vocês como a política é mesmo aquela nuvem do clichê: muda ao sabor dos ventos —e aqui já abusando do lugar-comum porque é assim que a banda toca nesse ambiente cheio de chavões.

Até outro dia a presidência da Câmara dos Deputados era uma questão a ser resolvida por obra exclusiva da vontade do deputado Arthur Lira (PP-AL), que, não se duvidava, faria o sucessor. O PT, a despeito de ocupar o posto máximo da República, estava fora do jogo.

Alvaro Costa e Silva - A hora e a vez do capitão

Folha de S. Paulo

Até agora o ex-presidente teve o tempo a seu favor, mas a ampulheta acaba de virar

Ao mesmo tempo em que tolera o pacote anti-STF —movimento liderado por bolsonaristas para promover, ao arrepio da Constituição, a desarmonia entre os Poderes—, Arthur Lira tem dito a aliados que vai descascar ainda neste ano o pepino em forma de projeto de lei que concede perdão aos condenados pelos atos golpistas do 8 de Janeiro.

Lira terá de fazer mágica para não atrapalhar a eleição de seu candidato, Hugo Motta, à presidência da Câmara. Como favorecer o PL, que quer a aprovação do texto da anistia, e não enfurecer o governo? À exceção de quem está preso ou foragido, o mais interessado no tema é Bolsonaro. Justamente para evitar a cadeia ou a fuga do país.

Hélio Schwartsman - Vote em Arnaldinho do PCC

Folha de S. Paulo

É preciso combater a infiltração do poder político pelo crime organizado, mas essa deveria ser tarefa de partidos, não da Justiça

Vote em Arnaldinho do PCC. Não sei se algum dos milhares de candidatos a prefeito ou vereador usou um slogan parecido na campanha deste ano, mas não me surpreenderia se tivesse. São crescentes os sinais de infiltração do crime organizado em estruturas do Estado brasileiro, notadamente em nível local.

Precisamos fazer algo a respeito, mas não penso que a resposta dada pela Justiça Eleitoral fluminense seja a solução. Este ano, contrariando entendimento do próprio TSE, desembargadores do Rio vetaram candidaturas de suspeitos de ligação com organizações criminosas, mesmo que não tenham sofrido condenação por isso.

Ricardo José de Azevedo Marinho* - O último decênio em perspectiva

A história recente do último decênio exige uma avaliação contundente dos sentidos políticos de um conjunto de eventos que nem sempre são discutidos com o rigor que necessitam o que acaba por gerar a incompreensão de nossa experiência. Muito se escreveu e falou, por exemplo, sobre os acontecimentos de junho de 2013, com interpretações ora entusiastas, ora apocalípticas, que viram na sequência de protestos que sacudiram a cena do país, com o redespertar da nossa geografia política. Ao consultar vozes incontornáveis em nosso debate público, a Revista VERSUS (N° 11, novembro de 2023 - https://versus.ccje.ufrj.br/versus-hoje/) ouviu estudiosos sistemáticos sobre o tema, desde sua eclosão até o seu primeiro decênio. Lá Julio Aurélio Vianna Lopes (Fundação Casa de Rui Barbosa) e Marco Aurélio Nogueira (professor titular da UNESP, e autor do incontornável A democracia desafiada: recompor a política para um futuro incerto, 2023), eles analisam a experiência dos governos e sua complexa relação com a sociedade, expressas nos diferentes teatros das ruas. Desde Junho de 2013 às ruas foram compostas por muitos movimentos, de orientações políticas distintas e com agendas próprias. Para Marco Aurélio Nogueira: “Por conta da efeméride, ou seja, dos dez anos de 2013, houve uma série de artigos e entrevistas que fazem uma conexão mecânica entre 2013 e a situação atual, passando particularmente pelo governo Bolsonaro. Como se 2013 tivesse botado um ovo de serpente. Penso que esta é uma visão equivocada, mecanicista, que despreza vários outros acontecimentos que tiveram alto poder de determinação na ascensão do bolsonarismo (a crise econômica, a perda de base parlamentar do governo Dilma, a falta de políticas claras).” Na revista, se discute os principais embates das gestões nesse decênio, construindo um panorama amplo e complexo de nossa experiência política recente.

Poesia | Marcelo Mário de Melo - Coringando

No baralho da amizade 

queria ser o Coringa 

entrando em todos os jogos 

tirando mofo e mandinga 

passando por todos naipes 

num alegre pinga-pinga.


Coringando pela vida 

entre os amigos diletos 

iluminando os caminhos

na ciranda dos afetos

fazendo a roda crescer

pais irmãos filhos e netos.

 

Em mandato de amizade 

encontros de alegria

olho no olho e risada

os temperos da poesia

guloseimas e bebida

na noite e no claro dia. 

 

Queria essa coringagem

sem amarra nem bitola 

com o nariz do palhaço

e o coelho na cartola

ouro pau copa e espada

Coringa passando a bola.

 

No espelho de Narciso 

essa é uma boa imagem.

Dr. Freud me desculpe

mas vou fazer ancoragem 

consciente-inconsciente

bate-bola sem blindagem.

 

Do Coringa da Amizade

vamos vestir o seu manto

pelas esquinas da vida

dissolvendo desencanto

em confraternização

alegria e acalanto.