domingo, 27 de outubro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Déficit de empresas estatais aumenta preocupação fiscal

O Globo

Depois de saneamento, rombo voltou no governo Lula e atingirá maior valor nos últimos dez anos

Não bastasse o desequilíbrio nas contas do governo, as estatais federais encerraram os primeiros oito meses do ano com déficit de R$ 3,4 bilhões, o equivalente a 0,04% do PIB, segundo o Banco Central. A projeção, mantida a tendência até dezembro, é que fechem 2024 com R$ 3,7 bilhões no vermelho, o pior resultado em dez anos (em 2014, as estatais registraram déficit de R$ 3,5 bilhões, em valores corrigidos). Consideradas também as estatais estaduais e municipais, o rombo equivale a 0,1% do PIB (ou R$ 7,2 bilhões), o mais alto na série histórica iniciada em 2002.

O valor de 0,1% do PIB pode parecer pequeno, mas faz diferença num momento em que o governo pena para cumprir uma meta fiscal que varia de déficit de 0,25% a superávit de 0,25%. “Esse déficit alguém tem que pagar, e quem vai pagar somos nós, evidentemente”, afirmou o economista Cláudio Frischtak, presidente da Inter.B Consultoria, ao comentar o assunto no Jornal Nacional.

O voto americano entre ‘virtù’ e fortuna - Luiz Sérgio Henriques*

O Estado de S. Paulo

O mais certo é apontar as dificuldades da política diante da velocidade das mudanças

Um lance de dados jamais abolirá o acaso, segundo o verso famoso, e tudo indica que o desfecho da eleição presidencial norte-americana seguirá o vaticínio nele implícito. Por força de dispositivo imaginado numa era anterior à plena afirmação da democracia de massas, de nada adiantará a soma total de votos de cada um dos candidatos, valendo antes a vitória nos colégios estaduais por margens provavelmente mais estreitas do que nunca. Nos tais Estados-pêndulo, alguns milhares de votos, que podem ser o fruto de circunstâncias fortuitas, acabarão por ter consequências que irão muito além dos Estados Unidos.

O que se move sob nossos pés? - Alberto Aggio*

Revista Será?

Há algo que se move sob nossos pés e que parece se manifestar nessas eleições municipais de 2024, gerando certo desconcerto. Trata-se de um movimento que não é evidenciado em discursos eleitorais, manifestos políticos ou mesmo em “cartas ao povo”. Ele se expressa, agora, no posicionamento do eleitorado mais pobre sancionando candidatos da extrema-direita, especialmente nas grandes cidades, embora nossa história recente não o desconheça por completo, pois ele havia anteriormente se inclinado para o outro lado do espectro político.

É um movimento que não vem de agora e que ainda não encarnou em nenhum ator político específico, embora seja instrumentalizado a cada contenda eleitoral. Antes inclinado à esquerda, mas não reivindicando nenhuma organicidade, hoje ele sofreu, ao que tudo indica um deslocamento integral, tomando um rumo invertido nas últimas eleições. Não surpreende então que notórios intelectuais de esquerda tenham julgado esse deslocamento como um fenômeno de inconsciência ou simplesmente como uma questão comunicacional, já que implicou na perda de uma massa significativa de eleitores.

Entrevista | Jairo Nicolau, cientista político: ‘Faltam à esquerda líderes para dialogar com o Brasil atual’

Por Hugo Henud / O Estado de S. Paulo

Para Jairo Nicolau, professor da FGV, a ausência de novas lideranças na esquerda capazes de se conectar com o novo perfil do eleitorado explica o desempenho eleitoral aquém do esperado desse campo político: ‘Eleitor vota em líderes, não em partidos’

A esquerda brasileira enfrenta um desafio crucial: a falta de renovação de lideranças capazes de dialogar com o novo perfil do eleitorado, especialmente em um País onde as personalidades políticas têm mais peso que os programas partidários. A avaliação é do cientista político e professor da FGV, Jairo Nicolau, que aponta que o eleitor se conecta mais com figuras carismáticas capazes de traduzir seus anseios do que com ideias ou plataformas de governo. ‘O brasileiro escolhe candidatos por afinidade pessoal, não por propostas’, afirma Nicolau, destacando que, enquanto nomes à direita ocupam esse espaço, partidos como PT e PSOL vêm perdendo terreno em segmentos nos quais antes tinham força, como periferias, jovens e evangélicos — o que explica o desempenho eleitoral aquém do esperado dessas siglas nas eleições municipais.

Em entrevista ao Estadão, Nicolau avalia que, embora o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), saia fortalecido destas eleições, esse desempenho não garante, necessariamente, sucesso nas eleições majoritárias de 2026. Como exemplo, o cientista político cita João Doria, que governou São Paulo de 2019 a 2022 e chegou a lançar sua pré-candidatura à Presidência naquele ano, mas não conseguiu viabilizar-se na disputa. “Prefiro relativizar a ideia de que vitórias ou nomes fortes com articulações — como é o caso de Tarcísio — nas eleições municipais sejam preditores de sucesso nas eleições seguintes”, pontua.

Quanto à projeção para 2026 e aos “recados” das urnas nestas eleições, Nicolau ressalta que o alto volume de recursos destinados por meio de emendas parlamentares, direcionadas por deputados federais e senadores a seus redutos eleitorais, representa um obstáculo à renovação política, ao colocar esses políticos em vantagem competitiva para a reeleição daqui a dois anos. “Nunca tivemos uma legislatura como esta, em que deputados e senadores distribuem tanto recurso para suas bases”, completa.

Confira a seguir a íntegra da entrevista concedida ao Estadão:

O futuro, hoje - Merval Pereira

O Globo

As eleições municipais estão mostrando a força eleitoral do Centrão, o verdadeiro vencedor na política nacional

As eleições municipais chegam ao fim hoje marcando uma mudança importante na política partidária brasileira, colocando a centro-direita no topo da preferência dos eleitores, e reduzindo a importância da esquerda, que está no governo central, mas já não tem o controle da situação como em outras épocas.

O presidente Lula evitou envolver-se nas disputas regionais por ter uma ampla base de apoio no Congresso que é dominada pela centro-direita, embora essa tendência não seja respeitada na formação ministerial, nem na tomada de decisões. O terceiro mandato de Lula vem sendo marcado por essa contradição, não é nem de esquerda, nem de centro, muito menos de direita. Mas vagueia entre tendências, sem ter condições políticas de ditar o rumo.

O segundo turno e a opção pela direita – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Com o mau desempenho dos candidatos progressistas, o presidente Lula deve ser o maior derrotado do segundo turno, ainda que não tenha se envolvido intensamente nas disputas, mesmo em São Paulo. O PL bolsonarista pode conquistar 10 prefeituras

Cerca de 34 milhões de eleitores estão aptos a votar neste segundo turno das eleições municipais. Vão às urnas em 51 municípios brasileiros com mais de 200 mil habitantes, dos quais 15 são capitais. São Paulo, com 9,3 milhões de eleitores, tem a disputa mais nacionalizada: o prefeito Ricardo Nunes (MDB) concorre à reeleição com o apoio do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Chega ao dia da eleição como franco favorito. Guilherme Boulos (PSol), seu adversário, é apoiado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Somente uma virada histórica dos eleitores paulistas poderia mudar esse rumo.

Linha de montagem - Bernardo Mello Franco

O Globo

Separados por uma peruca, aliados do capitão tentam vencer em Cuiabá e Belém; em Curitiba, candidata bolsonarista promete entregar Saúde a "Doutora Cloroquina"

Um candidato que se diz inimigo do sistema ensaia um discurso messiânico, descola um partido de aluguel, monta uma campanha de guerrilha nas redes e promete libertar o povo dos políticos tradicionais.

Aconteceu em 2018, quando um extremista que defendia a ditadura chegou à Presidência. Aconteceu em 2024, quando um coach de passado nebuloso quase foi ao segundo turno na maior cidade do país.

Pablo Marçal reciclou a fórmula de Jair Bolsonaro com algumas vantagens comparativas. Não dependeu de generais, não precisou de um Carluxo e não teve nem os 7 segundos de horário eleitoral que o finado PSL ofereceu ao capitão.

Os novos recados do eleitorado - Míriam Leitão

O Globo

As urnas e as pesquisas mostraram mudanças, especialmente em relação ao voto evangélico, feminino e dos jovens

A escolha de prefeitos termina como começou: com muita emoção e uma vasta incerteza. Em dez das 15 capitais, a eleição está bem apertada. Qual é a chance de uma virada em relação à ordem dos candidatos que foram para o segundo turno? Baseado em dados, Felipe Nunes, da Quaest, diz que em 20 anos, houve virada em 26% das disputas, uma a cada quatro. E onde chover? Aumenta a abstenção, principalmente dos mais pobres e dos mais velhos, elevando a dúvida sobre o resultado.

A imprevisibilidade faz bem à democracia. As urnas trazem recados novos. Os jovens estão mais conservadores, as mulheres têm inclinações políticas diferentes das dos homens, a direita fraturou-se de olho em 2026, a esquerda precisa pensar no seu destino, os evangélicos começam a não querer ser um rebanho eleitoral e a abstenção continua sendo uma variável importante.

A Enel é um legítimo bode - Elio Gaspari -

O Globo

Desde o século passado, quando começou o processo de privatização de serviços públicos, armou-se um debate sobre o tamanho do Estado

O ministro Rui Costa, da Casa Civil, anunciou que o governo prepara um projeto para alterar as normas de funcionamento das 11 agências reguladoras de serviços públicos. A ideia é boa e acontece num momento em que São Paulo rivaliza com os apagões cubanos. No Rio, o laboratório Saleme tem um dono e servidores presos por conta de laudos falsos para transplantes de órgãos. Numa outra ponta da questão, os servidores do IBGE estão mobilizados contra a criação de uma fundação anexa à entidade.

Esses três fatos nada têm a ver entre si, mas compartilham a mesma origem: o enfraquecimento do Estado brasileiro. Desde o século passado, quando começou o processo de privatização de serviços públicos, armou-se um debate sobre o tamanho do Estado. Sem dúvida, ele deve ser pequeno, porém parrudo. O tempo passou e ele não encolheu, mas perdeu musculatura.

Pesadelo - Dorrit Harazim

O Globo

E se a candidatura democrata implodir ante Trump da mesma forma que Hillary desmoronou de última hora em 2016?

Onde foi parar a euforia esperançosa que brotara no Partido Democrata dos Estados Unidos no verão de 2024? Durou fullgás por três meses, a partir da sofrida, tardia, substituição do octogenário Joe Biden pela energética Kamala Harris na disputa pela Casa Branca. À época, a corrida eleitoral parecia ter readquirido alguma sanidade em meio à aberração da maior potência econômica e militar do planeta voltar a ter Donald Trump no páreo.

Na Convenção Democrata de agosto, Kamala foi recebida com alívio — não havia tempo para a frente ampla formada de emergência testar alternativas. Kamala saíra-se bem no primeiro, único e temido debate com Trump, até porque o adversário se mostrara particularmente incoerente naquele confronto. O vigor físico da democrata, que também dá plantão duplo como vice-presidente do país, contrastava com o peso (em quilos e idade) do adversário.

Um novo teste do antibolsonarismo nas urnas – Bruno Boghossian

Folha de S. Paulo

Urnas vão ajudar a medir intensidade e durabilidade de sentimento de rejeição ao rótulo de Bolsonaro

O segundo turno em algumas capitais vai ajudar a medir a intensidade e a durabilidade do antibolsonarismo. A existência desse sentimento no nível local pode ser considerada um sinal de que a rejeição não se limita à figura de Jair Bolsonaroque impactou a eleição de 2022, e afeta candidatos que abraçam o rótulo político do ex-presidente.

O desempenho forte de candidatos bolsonaristas nestas eleições municipais reforçou a leitura de que o ex-presidente ainda é capaz de dar impulso a personagens de sua órbita ideológica. A passagem para o segundo turno, por outro lado, evidencia que esse benefício muitas vezes vem acompanhado de uma espécie de restrição antimajoritária.

Boulos violou cordão sanitário anti-Marçal – Celso Rocha de Barros

Folha de S. Paulo

Não foi uma violação como as de Nunes ou Tarcísio, que ainda apoiam Bolsonaro após o 8 de janeiro, mas foi feio

Quando parecia que nada mais surpreenderia o eleitor paulistano em 2024, Guilherme Boulos aceitou o convite para ser sabatinado por Pablo Marçal.

O ex-coach, cujo mindset mostrou-se insuficientemente energizado para conduzi-lo ao segundo turno, havia convidado tanto Boulos quanto seu adversário, Ricardo Nunes, para uma sabatina. Durante a live com Boulos, Marçal admitiu que não esperava que nenhum dos dois aceitasse o convite. Boulos foi.

Dancinhas anômicas sem regência equilibrada – Muniz Sodré

Folha de S. Paulo

Anomia é termo mais adequado do que desequilíbrio mental para abordar o comportamento de Donald Trump

A imprensa norte-americana achou no mínimo estranho o comportamento de Donald Trump num evento em Pensilvânia, quando ele dançou sozinho durante trinta minutos. Houve quem fosse além, suspeitando do estado mental. E ele agora se diz "pai" de um método de fertilidade, sem que se saiba por quê. Kamala Harris, que agora o chama abertamente de fascista, perguntou se ele estaria mesmo bem da cabeça.

O julgamento do século - Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

Livro disseca batalha judicial que opôs estado do Tennessee nos EUA ao ensino do darwinismo

Nunca menospreze o poder mobilizador das guerras culturais. Em 1925, os EUA pararam para acompanhar o julgamento de John T. Scopes, o professor de biologia da cidadezinha de Dayton, acusado de violar uma lei do estado do Tennessee que proibia o ensino do darwinismo.

Todos os ingredientes de uma boa guerra estavam ali: religião contra ciência, autonomia dos estados contra a Constituição Federal, o povo do sul contra os ianques. Não é à toa que o episódio tenha sido apelidado de "julgamento do século" e, na fórmula mais ácida de H.L. Mencken, "julgamento do macaco".

O efeito Trump no Brasil – Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Economia brasileira até poderia ganhar algo, diz estudo, mas 'trumponomics' causa outros danos

A economia brasileira pode até ter crescimento pouquinho maior e passageiro, de curto prazo, caso Donald Trump vença e implemente o grosso do seu plano econômico. É o que se depreende de estudo publicado em setembro pelo Peterson Institute for International Economics, de Warwick McKibbin e colegas.

Os Estados Unidos seriam o país mais prejudicado, além de China, México e Canadá, consideradas as economias do G20, blocos regionais e o grupo do "resto do mundo", no que diz respeito ao PIB (Produto Interno Bruto). Beneficiados maiores: Turquia e Rússia.

O trabalho leva em conta apenas três aspectos do plano confusamente declarado de Trump:

Bom voto! - Eliane Cantanhêde

O Estado de S. Paulo

Melhor aposta: direita deve consolidar sua vitória também no segundo turno, mas rachada

Com segundo turno em 15 capitais, seis parecem decididas, mas nunca é demais lembrar que ninguém morre e ninguém ganha jogos e eleições de véspera e este domingo promete muitas emoções também porque pesquisas indicavam nove empates técnicos até sexta-feira, antes dos últimos debates – que podem ser decisivos quando a disputa é acirrada, mas raramente provocam reviravoltas estonteantes. Candidatos, candidatas, padrinhos, partidos e milhões de eleitores com o coração nas mãos.

Em São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL) demorou, mas aprendeu e estava firme, seguro e com boa movimentação em cena no debate da Rede Globo. Pode ter sido tarde, porque ele tem um rival poderoso, a rejeição, e o favorito, Ricardo Nunes (MDB), chegou à campanha com as condições objetivas favoráveis de quem disputa a reeleição. Nunes entrou no debate pelo empate, Boulos precisava repetir os 5 x 0 do Botafogo no Peñarol.

Lula, a ordem mundial e Brasil meio emperrado - Rolf Kuntz

O Estado de S. Paulo

O presidente pode falar mal do FMI. Mas ainda lhe faltaria explicar por que as projeções do mercado brasileiro são tão parecidas com as do fundo

O presidente Lula da Silva insiste em remontar a economia mundial, buscar alternativas ao dólar e dar proeminência aos países do “sul”, uma entidade ainda mal definida, mas pouco avançou, até agora, na tarefa de resgatar o Brasil da mediocridade. Com crescimento previsto de 3% neste ano, 2,2% no próximo e 2,5% em 2029, o País continua no pelotão de trás da corrida econômica, segundo as novas projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Em coro com outros políticos brasileiros, o presidente pode falar mal do fundo, acusá-lo de servir aos Estados Unidos, de agir contra os interesses do mundo emergente e em desenvolvimento e de impor políticas desastrosas. Mas ainda lhe faltaria explicar por que as projeções formuladas no mercado brasileiro são tão parecidas com as do FMI – e às vezes piores em alguns detalhes.

A luz rascante de Vladimir não se apagou - Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense, 26.10.2024

O cinema russo e o novo cinema alemão influenciaram o cineasta, porém o que marca seus documentários é a saga sertaneja do pau à pique ao concreto armado

A morte de Vladimir de Carvalho, um dos mais aclamados documentaristas brasileiros, me surpreendeu, embora agora saiba que estava convalescendo de um infarto há três semanas, mas, nesta quinta-feira, não resistiu ao colapso renal. Não passava pela minha cabeça que esse paraibano cabra da peste, aos 89 anos, pudesse ter um infarto “passarinhando” pelas quadras do Plano Piloto. Há pouco tempo, compartilhei uma de suas caminhadas, à noite. “Deixe o Uber pra lá, vamos andando; a gente conversa mais um pouco”, me desafiou, lépido e sorridente, como um garoto.

Nesta sexta-feira, durante o velório no Cine Brasília, ex-alunos, a turma do cinema e seus velhos camaradas do antigo PCB compartilhavam a mesma surpresa. Era mais velho, mas parecia sempre o mais novo entre seus amigos e companheiros. Principalmente quanto às ideias, não era um náufrago do passado. Apesar de fazer parte do grupo de comunistas que atenderam ao chamado de Juscelino e vieram para Brasília, no rastro de Oscar Niemeyer e Darcy Ribeiro, alguns para implantar a Universidade de Brasília (UnB), da qual Vladimir seria professor titular de Cinema.

Antonio Cicero: a obra final - Cristovam Buarque*

Metópoles

Antonio Cicero viveu plenamente com lucidez, afeto e dignidade até o seu último momento

É lamentável que o avanço técnico já permite prolongar a semivida dependendo de aparelhos, mas ainda não temos avanço moral para permitir cada pessoa escolher se quer interromper esta semivida artificial do corpo sem consciência, sem autonomia, sem vida plena, sem criação, transmitindo sacrificios em vez de afeto aos familiares. Também lamentável, as crenças religiosas aceitarem a ciência enfrentando a Deus ao prolongar semivida artificial, mas considerem pecado uma pessoa escolher terminar seu sofrimento no momento em que a vida fica insuportável e deixa de ser plena. Dificil considerar a vontade de Deus condenando uma pessoa à vida que ficou insuportável e por isto, com a lucidez que Deus ainda lhe deixa, decida interromper o sofrimento em alguns dias ou meses, antes que ela chegue naturalmente. Quem está mais perto de Deus, a ciência que prorroga o sofrimento de uma vida artificial ou a moral e a lei que permite ao doente usar seus últimos dias com lucidez para antecipar a morte com dignidade e sem dor?