quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Tarcísio comete seu maior erro na segurança pública

O Globo

São Paulo se destacava por combate ao crime com baixa letalidade policial. Atual governo marca uma inflexão

Questionado sobre a crise na polícia do estado, o governador de São PauloTarcísio de Freitas (Republicanos), respondeu: “Olhe os números”. Não se poderia esperar conselho mais oportuno. Tarcísio terá muito a ganhar quando seguir o próprio conselho e reconhecer os erros da política de segurança pública que ele e seu secretário Guilherme Derrite têm adotado. De janeiro a dezembro, a PM paulista matou 712 pessoas, segundo dados do Ministério Público — o dobro do registrado no mesmo período de 2022. Diversos episódios recentes formam um quadro preocupante.

É preciso reconhecer que, durante mais de duas décadas, São Paulo se destacou pelos melhores índices brasileiros na segurança pública. Sucessivos governos reduziram a criminalidade, ao mesmo tempo que baixavam a letalidade policial. Estrutura de comando e profissionalismo estiveram sempre entre as metas da polícia. E a maioria dos policiais do estado continua a desempenhar trabalho competente, preocupado com a segurança dos cidadãos. Mas a chegada de Tarcísio e Derrite marcou uma inflexão.

Desde o início, Tarcísio foi ambivalente sobre o uso de câmeras corporais, equipamento que, como revelou reportagem do Fantástico, protege não apenas o cidadão de agressões, mas os próprios policiais de acusações indevidas. A influência de Derrite, presente nas forças táticas, tem sido nefasta. Quando o comando é leniente com a truculência, os policiais mais violentos se sentem livres para agir sem freios.

Repetindo o que não deu certo - Merval Pereira

O Globo

O crescimento da economia sem uma reforma estrutural deverá levar à alta da inflação e, em consequência, ao aumento da taxa de juros

O Congresso Nacional deixou a máscara cair (máscara?) e chantageia o governo de maneira explícita, ameaçando não aprovar o pacote fiscal devido às exigências do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino para liberar as emendas parlamentares. Os R$ 50 bilhões definidos pelos próprios parlamentares para suas emendas somam uma quantia absurda, especialmente num momento em que o país aguarda medidas para equilibrar a economia.

Além do crescimento do PIB acima do esperado pelo mercado, podendo chegar a 3,5% neste ano, do crescimento do emprego e da menor quantidade de população “nem nem” (não trabalham nem estudam), o IBGE anunciou que caíram ao nível mais baixo desde a série histórica iniciada em 2012 a pobreza e a extrema pobreza. São notícias a comemorar. Seria o momento ideal para que o governo decretasse um pacote de corte de gastos que lhe desse credibilidade diante dos cidadãos e do mundo financeiro.

A tradição é a da impunidade - Míriam Leitão

O Globo

O Brasil já quebrou um precedente histórico por ter indiciado militares que tramavam um golpe. Na história, nenhum foi punido

Os militares indiciados pela Polícia Federal por envolvimento com a tentativa de golpe de Estado vão enfrentar outro procedimento judicial, interno, que pode levá-los à expulsão das Forças Armadas e à perda das patentes, condecorações e soldos, segundo o historiador Carlos Fico, da UFRJ. Ele disse que há dois caminhos possíveis: uma representação do procurador-geral militar à Justiça Militar ou a criação de um Conselho de Justificação interno das Forças. Nesse caso, eles não serão julgados por golpismo, mas por “desobediência e conspiração contra a hierarquia militar”.

Na avaliação de Carlos Fico, nesse caso que vive agora, o Brasil já quebrou um precedente histórico, por ter decidido investigar e indiciar 24 militares, da ativa e da reserva. Durante toda a República, houve inúmeros atentados de militares contra a democracia, mas, segundo o professor, nunca houve um único caso em que militares golpistas fossem punidos. Carlos Fico concluiu um livro, que será lançado no ano que vem, chamado “A utopia autoritária brasileira”, resultado de uma pesquisa que realiza há alguns anos sobre todos os casos de golpismo militar durante a República.

As maçãs podres’ de Tarcísio - Malu Gaspar

O Globo

Os casos recentes de violência policial em São Paulo puseram na berlinda a ação do secretário de Segurança Pública, Guilherme Derrite, e obrigaram o governador a se posicionar. Questionado mais de uma vez, Tarcísio de Freitas (Republicanos) disse que Derrite fica no cargo porque faz um bom trabalho: “Olha os números que você vai ver que está”.

Ele não disse a que números se referia, mas é de supor que falasse da queda nos homicídios (menos 3,3% até agora em relação a 2023), dos furtos (que diminuíram 4%) e dos roubos (que caíram 15%). Como engenheiro, porém, ele sabe que estatísticas ajudam a provar qualquer coisa, a depender do gosto do freguês.

Até a semana passada, São Paulo registrava 712 mortes decorrentes de intervenção de PMs, ante 460 em todo o ano de 2023 — alta de 55%. Quer dizer que a matança compensa? Não necessariamente.

Acuada, extrema-direita abre flanco ao Susp - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Animosidade da bancada da bala não é aposta em dobro, mas esperneio ao cerco. Quanto mais pressionada, mais exaltada a extrema-direita fica. Por isso, o momento parece oportuno para a PEC da Segurança Pública

“Um policial jogou um cabra de uma ponte. Por quê? Porque o cara chega à conclusão de que não vai adiantar merda nenhuma levar aquele cara para a delegacia”. Gilson Cardoso Fahur tem 61 anos, é sargento reformado da Polícia Militar e deputado federal pelo PSD do Paraná, filiado, portanto, às hostes do presidente do partido, Gilberto Kassab, do governador do Estado, Ratinho Jr., e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MG).

Tinha diante de si o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, convocado para uma audiência pública na Câmara dos Deputados na tarde de terça-feira. Fahur não se limitou a justificar o ato de barbárie da PM paulista, que jogou de uma ponte um entregador de aplicativo, sem passagem pela polícia, que estava numa moto e não obedeceu a uma ordem policial para parar. Comentou ainda a morte de Gabriel Renan Soares, de 26 anos, atingido pelas costas.

Economia não está crescendo acima de seu potencial - José Luis Oreiro

Valor Econômico

Ainda parece existir uma ociosidade considerável no mercado de trabalho brasileiro

Os dados do PIB do terceiro trimestre de 2024 divulgados anteontem pelo IBGE mostram uma economia que apresenta uma notável performance em termos de crescimento. Com efeito, o PIB brasileiro apresentou um crescimento de 0,9% com respeito ao segundo semestre de 2024 e de 4% na comparação com igual período do ano anterior. Considerando que o crescimento médio da população brasileira foi de 0,52% ao ano no período compreendido entre 2010 e 2022, segundo dados do Censo Demográfico, o crescimento do PIB per capita terá sido de 3,48% na comparação entre o terceiro trimestre de 2024 e o terceiro trimestre de 2023, provavelmente um dos melhores resultados obtidos nos últimos 13 anos.

Se a economia brasileira conseguir manter um crescimento do seu PIB per capita à taxa de 3,4% ao ano, o Brasil poderá dobrar a sua renda per capita a cada 20 anos, o que fará com que, no espaço de 30 anos, o país alcance o atual nível de renda per capita da Espanha.

Inflação insiste em superar a meta - Maria Clara R. M. do Prado

Valor Econômico

Envelhecimento da população e a retração cada vez mais acentuada do processo de globalização requerem adaptação do sistema de metas

Dezembro caminha para o fim e a inflação do ano, medida pelo IPCA, dá mostras de que ficará mais uma vez acima da meta. Não será a primeira vez, como se sabe. Desde que o sistema de meta de inflação foi introduzido no país, em 1999, em raras ocasiões o objetivo foi alcançado. Mais recentemente, a variação do IPCA tem se alojado dentro da banda - limites fixados para mais ou para menos a partir da meta - mas isso não deveria contar. Banda serve para acomodar situações excepcionais, não corriqueiras.

Os limites da meta de inflação, mais conhecidos como intervalo de tolerância, atendem à lógica que tem orientado a forma como o sistema é adotado no Brasil: fixa-se uma meta inatingível acompanhada de ampla margem, larga bastante para abrigar as discrepâncias inflacionárias que perduram no país, mas nem sempre suficiente.

Alguma coisa está fora da ordem no Congresso – Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Mercado se dá conta de que o problema não é Haddad, mas o Centrão. Muito da alta do dólar tem a ver com a desconfiança de que a maioria do Parlamento não está interessada no equilíbrio fiscal — quer é privilégios

Uma canção de Caetano Veloso diz assim: "Eu não espero pelo dia/ Em que todos/ Os homens concordem/ Apenas sei de diversas/ Harmonias bonitas/ Possíveis sem juízo final/ Alguma coisa/ Está fora da ordem/ Fora da nova ordem/ Mundial".

Quando a gente olha para a política e a economia brasileiras, a impressão é exatamente essa, embora a ordem mundial esteja uma bagunça, nesse interregno entre a eleição de Donald Trump e o final de mandato do Joe Biden nos Estados Unidos.

No Congresso, economia e política estão juntas. Novas regras para as emendas parlamentares estabelecidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) exigem transparência e rastreabilidade das emendas, conforme as diretrizes constitucionais do Orçamento da União. O governo só liberou R$ 7,8 bilhões em emendas, dos R$ 25 bilhões que estavam sustados pelo STF. O restante precisa cumprir as novas regras.

Em retaliação, os deputados do baixo clero, principalmente os do PSD e do União Brasil, partidos que participam do governo, resolveram boicotar a aprovação do ajuste fiscal proposto pelo governo e negociado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, com os líderes e os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

O conserto da política - William Waack

O Estado de S. Paulo

A briga entre o Legislativo e Supremo Tribunal Federal pelo sistema de governo

O problema das emendas parlamentares entre STF e Congresso deixou há muito de ser questão de transparência no uso do dinheiro público, embora também seja. Os dois poderes estão engalfinhados em torno da definição de sistema de governo.

O ministro Flávio Dino, referendado pelo plenário, escreveu que o atual sistema não é parlamentarista, nem presidencialista, nem semipresidencialista. É algo “singular”, cujo grau de ingerência do Congresso no orçamento público não se equipara a nenhum outro.

Suspeita-se, diz o ministro, que esse sistema de emendas possui uma “face oculta” (a falta de transparência) que leva a “perpetuação do poder” e “continuísmo político”. O que torna “inevitável e compulsória” a ampliação dos controles institucionais – leia-se controle pelo STF.

Governo deve dançar tango com o mercado - Felipe Salto

O Estado de S. Paulo

A hora é de muito cuidado e de reversão da má impressão causada inicialmente pelo pacote de gastos

Não se pode esconder o Sol sob peneiras. O mercado financeiro e a opinião pública em geral reagiram mal aos anúncios na área fiscal. O desafio é desfazer os erros de comunicação e de intensidade (baixa) das medidas para avançar no ajuste das contas públicas.

De fato, a divulgação do pacote de contenção de gastos públicos foi atrapalhada. A mistura de medidas referentes à reforma da tributação da renda – esta que precisa ser debatida e endereçada – com ações efetivas do lado do gasto resultou em frustração. Para alguns, uma desejada confirmação de viés, vale dizer, pois podem até correr o risco de ignorar a parte boa do pacote.

O pacote fiscal e o PIB trimestral - Roberto Macedo

O Estado de S. Paulo

Enquanto a sociedade não pressionar suas instituições a se unirem por um maior crescimento econômico, ele não vai acontecer

O pacote fiscal federal vem sendo muito comentado desde que saiu, enquanto o Produto Interno Bruto (PIB) do terceiro trimestre de 2024 saiu antes de ontem. Começando pelo primeiro, como a maioria dos analistas, também me surpreendi ao ver as várias medidas voltadas para as despesas orçamentárias acompanhadas da notícia da zeragem do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil por mês. Mas, pensando bem, do presidente Lula da Silva só se pode esperar esse tipo de coisa, pois seu foco é atrair votos para sua reeleição em 2026. Na linha do “gasto é vida” deve ter sido muito difícil convencê-lo a assinar o restante do pacote, e foi necessária essa proposta populista compensadora que equivale a um gasto tributário, ao implicar em perda de arrecadação. E ela não será avaliada agora pelo Congresso. Ficou para o ano que vem.

A pobreza maior do Brasil tem cara de criança - Vinicius Torres Freire

Folha de S. Paulo

Na média do país, 27,4% são pobres; entre as crianças, até 14 anos, 44,8% do total

Mais de um quarto dos brasileiros são pobres. Na média. Para ser preciso, 27,4% das pessoas, em 2023. Entre as crianças, quem tem até 14 anos, essa taxa deprimente é de 44,8%. Entre quem tem mais de 60 anos, 11,3%. São dados do IBGE.

Não é o único dos grandes desvios da média que explicitam discriminações crônicas e de causas profundas, "estruturais". Por exemplo, 21,2% das pessoas entre 15 e 29 anos são "nem-nem" (não está em escola, não trabalha). Mas qual é o rosto típico dos "nem-nem"? Mais de 45% dessas pessoas são mulheres pretas e pardas.

Múltiplos bloqueios ao ajuste fiscal - Maria Hermínia Tavares

Folha de S. Paulo

É notável que proposta do governo de centro-esquerda atinja programas sociais

Não poderiam ser piores as reações ao pacote fiscal anunciado pelo governo na semana passada. Economistas de oposição, analistas de risco, jornalistas especializados e a grande imprensa em seus editoriais —importantes na formação das opiniões do setor financeiro (vulgo "o mercado")— não pouparam críticas. Visaram as propostas, consideradas tímidas, e a maneira como foram anunciadas, misturadas a mudanças no Imposto de Renda.

Sem dizer com clareza como poderiam ser proposições arrojadas —e politicamente viáveis— para enfrentar de vez o problema fiscal do Estado brasileiro, os críticos de fato traduzem —e realimentam— as desconfianças na firmeza dos compromissos econômicos do governo no qual a centro-esquerda lidera uma coalizão partidária bem mais ampla.

Otto e o óbvio – Ruy Castro

Folha de S. Paulo

Bolsonaro não governou nem um dia em quatro anos; estava ocupado preparando o golpe

Nelson Rodrigues gostava de contar esta história. Otto Lara Resende, morador da Gávea, ia todos os dias pelo Aterro do Flamengo para o jornal em que trabalhava, no centro da cidade. Um dia, ao passar pelo Morro da Viúva, olhou casualmente à direita e viu um corpo estranho na enseada: uma pedra gigante com uma casinha no cocuruto. Era o Pão de Açúcar. Embora morasse no Rio desde 1945 e todos os empregos que tivera o obrigassem a passar em frente a ele, Otto nunca se dera conta de sua existência. Atônito, meteu o pé no freio. Os pneus faiscaram e obrigaram os motoristas atrás dele a fazer o mesmo.

Cadê a crise do Brasil? - Vicente Nunes

Público (Portugal)

Economia brasileira cresce 0,9% no terceiro trimestre, na comparação com os três meses imediatamente anteriores. Produto Interno Bruto foi puxado por investimentos e está no maior nível da história.

O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil terá, neste ano, o melhor resultado dos últimos 10 anos, com exceção de 2021, quando houve a recuperação da pandemia do novo coronavírus. Dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que a soma de todas as riquezas produzidas pelo país registrou avanço de 0,9% no terceiro trimestre ante os três meses imediatamente anteriores. Na comparação anual, o salto foi de 4%. Esse forte crescimento está conjugado com o menor índice de desemprego da história (6,2%).

Chama a atenção a qualidade da expansão do PIB: está sendo puxado por investimentos, ou seja, a formação bruta de capital fixo. Significa dizer que os empresários decidiram ampliar as fábricas porque têm a certeza de que, mais à frente, terão para quem vender seus produtos. Capacidade maior de oferta resulta em menor pressão inflacionária no futuro. Pelos cálculos do IBGE, os investimentos aumentaram 2,1% entre julho e setembro frente ao trimestre anterior e 10% sobre os mesmos três meses do ano passado.

Cruzando acontecimentos e datas históricas – Ivan Alves Filho

As datas marcam acontecimentos e os acontecimentos são as estruturas em movimento. Ou os fatos em seu contexto. Daí a utilidade de cruzar alguns momentos significativos da trajetória brasileira, mais exatamente no período compreendido entre os anos 20 e 40 do século passado. Isso, com o objetivo de entender um pouco mais a respeito da natureza dessa fase tão conturbada e decisiva da vida nacional. Semana de 22, fundação do Partido Comunista, Revolta do Forte de Copacabana, Coluna Prestes, Revolução de 30, criação da ANL, Levante de 35, Estado Novo são alguns momentos cruciais dessa época. 

Vamos examinar isso de perto. 

Em dezembro de 1927, Astrojildo Pereira, então secretário-geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB), fundado em 1922, vai à Bolívia conversar com Luiz Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança. Seu objetivo é muito claro: atrair Prestes para as hostes do Partido Comunista. Em seguida, Astrojildo Pereira parte para Moscou, já que integrava o Secretariado da Internacional Comunista (IC). Composto por 56 membros, o Secretariado da IC era a instância máxima da revolução mundial. Astrojildo permanece em Moscou até 1929, quando retorna ao Brasil.