Não há alternativa à dependência de fertilizantes russos
O Globo
Investida tarifária de Trump para pressionar
Putin expõe lado vulnerável do agronegócio brasileiro
As tarifas de 50% impostas por Donald Trump sobre
produtos indianos acenderam um alerta no Brasil. Trump impôs a sobretaxa como
forma de pressão para a Índia parar de comprar petróleo da Rússia. Dado o caráter
mercurial da política tarifária americana, o receio é que, na tentativa de
asfixiar a economia russa para forçar Vladimir Putin a assinar a paz com a
Ucrânia, Trump mais uma vez volte os olhos ao Brasil. Estamos expostos em dois
setores: transporte e agropecuária. Três em 10 litros de óleo diesel vendidos
aqui são importados (a Rússia responde por 60%). Nos fertilizantes químicos,
matéria-prima do agronegócio,
a dependência é crítica: o Brasil importa 90%, tendo a Rússia como maior
fornecedor, com 30%.
Com o estouro da guerra na Ucrânia em 2022,
os russos foram alvo de sanções e passaram a vender diesel e petróleo com
desconto. Importadores brasileiros não foram os únicos a aproveitar. Se Trump
impuser restrições ao diesel russo, não faltam fornecedores alternativos. “O
risco de desabastecimento no Brasil é próximo de zero”, diz o consultor de
energia Adriano Pires. O maior problema será o custo alto e o impacto
inexorável na inflação de um país onde o transporte rodoviário predomina.
A questão mais preocupante são os
fertilizantes. A demanda brasileira tem crescido acima da global. A Rússia é um
dos dois maiores produtores, e há poucos fornecedores alternativos. No curto
prazo, uma saída seria importar mais de China, Canadá, Marrocos ou Egito. Mas,
num momento em que outros países serão forçados a fazer o mesmo, haverá
escassez e preços altos. O próprio agronegócio americano está preocupado. Quase
metade do nitrato de ureia e amônio usado nos Estados Unidos vem da Rússia. No
ano passado, o país importou mais fertilizantes russos que antes da guerra na
Ucrânia.
A produção de fertilizantes exige uso
intensivo de energia. Além de contar com reservas minerais, os russos têm gás
barato para queimar. No curto e no médio prazos, não há saída: não só o Brasil,
mas o mundo todo depende da Rússia para produzir alimentos. Mesmo que o Brasil
explorasse o potássio que tem (em áreas de risco ambiental), dificilmente seria
autossuficiente no médio prazo (foi esse, vale lembrar, o argumento usado pelo
governo Jair Bolsonaro para fazer acenos a Putin quando o conflito eclodiu na
Ucrânia). Para fábricas de fertilizantes se tornarem viáveis, o preço do gás
teria de cair à metade. “Para diminuir a dependência, só com subsídio”, diz
José Carlos Hausknecht, sócio da MB Agro Consultoria. “Mas até isso é difícil.
Que empresa privada poria bilhões numa fábrica se a sobrevivência do negócio
depende de vários governos honrarem o compromisso de manter gás barato?”
O governo até tem tentado incentivar o setor.
A Petrobras anunciou investimentos de R$ 6 bilhões no segmento até o fim da
década, e uma de suas subsidiárias deu o primeiro passo para retomar a produção
de fertilizantes. Mas ainda são iniciativas tímidas.
Em três das quatro principais classes de fertilizantes, o Brasil depende de importações para suprir 90% da demanda. Não seria problema se o mundo não estivesse sujeito ao temperamento volátil de Trump. Não haverá solução rápida nem fácil, mas a relevância estratégica do agronegócio exige uma política consistente para fertilizantes. Tal desafio está claro desde o início da guerra na Ucrânia. A volta de Trump o torna mais urgente.