sexta-feira, 19 de dezembro de 2025

Opinião do dia - Adam Przeworski*

Qual o significado do julgamento de Jair Bolsonaro para a democracia brasileira?

O que impressiona no julgamento não é apenas que Bolsonaro foi condenado, mas que oficiais militares de alto escalão também o foram. Isso é inédito no Brasil. E as Forças Armadas estão em silêncio. O julgamento mostra que Bolsonaro não sai impune, que a sua base potencial de apoio para desestabilizar a democracia foi desativada e que as Forças Armadas não vão desempenhar um papel político.

Bolsonaro foi condenado a 27 anos e 3 meses de prisão, mas a Câmara discute um projeto que pode livrá-lo de punição. O que significaria a anistia?

Seria um desastre. A lição de uma anistia seria clara: pode-se levar a cabo ações criminosas contra a democracia e sair impune. Encorajaria o próprio Bolsonaro e qualquer outro líder político a tentar isso.

*Adam Przeworski (1940), professor de Ciência Política da Universidade de Nova York. Entrevista: Anistia a Bolsonaro seria um desastre e encorajaria novos golpes, O Globo, em 28/9/2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Inexiste solução simples para a inoperância da Enel

Por Folha de S. Paulo

Caducidade envolve processo intricado e de duração incerta; venda é opção, mas contrato já vence em 2028

Repetem-se problemas de anos anteriores, que deixaram sequelas irreparáveis na relação da concessionária com poder público e consumidores

Depois de mais uma demonstração de inoperância da Enel, incapaz de restaurar de forma tempestiva o acesso à energia de milhares de residências após o vendaval que atingiu a região metropolitana de São Paulo, criou-se um raro alinhamento entre prefeitura, governo estadual e Ministério de Minas e Energia para cobrar a caducidade da concessão.

O ciclone extratropical do último dia 10 deixou mais de 2,2 milhões de imóveis sem energia, e após mais de uma semana muitos assim permaneciam. Repetem-se problemas exasperantes de anos anteriores, que deixaram sequelas possivelmente irreparáveis na relação da concessionária com o poder público e, sobretudo, com os usuários paulistanos.

País precisa que Câmara mude postura. Por Fernando Luiz Abrucio

Valor Econômico

Há uma sensação crescente de que existe uma casta congressual cujo desejo maior é se blindar de qualquer controle

A Câmara Federal passa pela sua maior crise desde o início da redemocratização. Tal problema deveria ser uma preocupação não só dos deputados, cuja imagem junto aos eleitores está piorando, o que pode levar muitos a não se reelegerem, mesmo com todo o dinheiro público em suas mãos. Um Legislativo com mau desempenho e frágil legitimidade não é bom para a democracia, que precisa de representantes que possam conversar com a sociedade, moderar o poder presidencial e discutir os grandes temas do país. Hoje, a Câmara está longe do sonho de Ulysses Guimarães de ser a Casa do povo.

A deterioração institucional da Câmara começou com a presidência de Eduardo Cunha. Ele de fato iniciou a alteração do presidencialismo de coalizão que existia até então, com predomínio do Executivo. O balanço do poder começou a pender mais para o Congresso Nacional, que obteve maiores poderes orçamentários e de veto ao presidente. Sua liderança criou seguidores e muitos fãs entre os parlamentares, porém, também gerou um caminho de fortalecimento contínuo do antirrepublicanismo da Casa, por meio do corporativismo exacerbado e do crescimento de condutas irregulares com o dinheiro público.

Marco temporal. Por José de Souza Martins

Valor Econômico

As leis que do assunto tratam no Brasil desconhecem a dimensão humana e a função humana dos conceitos

Cara fechada, de poucos amigos, o sujeito sentou-se ao meu lado, ocupando o lugar da janela para a longa viagem, de uns 650 km, por estrada de terra, entre Barra do Garças e São Félix do Araguaia, no Mato Grosso. A estrada, que eu já havia percorrido outras vezes, cruzava ampla região de pastagens, o pasto ressequido, pontilhado de troncos enegrecidos da antiga mata derrubada e queimada.

Depois de um bom tempo, senti-me encorajado a puxar conversa com o vizinho, sem êxito. Só consegui que me respondesse quando lhe perguntei se tinha fazenda da região. Resmungou, contrariado, que sim. Tentei saber mais alguma coisa, tipo de empreendimento, como fora formada a fazenda. Ele nem sabia dizer exatamente onde ela ficava. Estava indo para uma vaga localização para encontrar as terras que dizia serem suas.

O jogo ‘assim, assado’ da política e das ruas. Por Andrea Jubé

Valor Econômico

Presidente explicou aos jornalistas as regras do jogo, ao confirmar que vetará o PL da dosimetria

No café com jornalistas, na quinta-feira (18), em uma fala didática, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva explicou as regras do jogo, ao confirmar que vetará o PL da dosimetria. “O Congresso tem o direito de fazer as coisas. Eu tenho o meu direito de vetar. Depois, eles têm o direito de derrubar o meu veto, ou não. É assim que é o jogo”.

Nos últimos dias, petistas reclamavam que, no mesmo dia em que dezenas de milhares de brasileiros, militantes e cidadãos comprometidos com a democracia, voltaram às ruas - atendendo convocação da esquerda - para protestar contra a aprovação, pelos deputados, do PL da dosimetria, Lula encontrou-se, fora da agenda oficial, com o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).

No Senado, Papai Noel chegou mais cedo para os golpistas. Por Bernardo Mello Franco

O Globo

Papai Noel chegou mais cedo para os golpistas. A poucos dias do Natal, Jair Bolsonaro e seus comparsas foram presenteados com uma generosa redução de penas.

O Senado aprovou o famigerado PL da Dosimetria. O projeto pode reduzir em até dois terços o tempo que o ex-presidente teria que passar na cadeia. Também serão beneficiados militares e civis que participaram dos ataques à democracia.

Os aliados do capitão nem tentaram disfarçar o casuísmo. Uma emenda apresentada por Sergio Moro deixou claro que o texto foi redigido sob medida para favorecer os condenados do 8 de Janeiro. O ex-ministro, que se vendia como paladino da Justiça, agora usa o mandato para resgatar criminosos do xadrez.

Como falar de política no Natal. Por Pablo Ortellado

O Globo

Convívio preocupa porque aumentam as chances de briga por divergências políticas

As festas de fim de ano se aproximam e, com elas, a perspectiva de convívio com a família estendida. Para muitos brasileiros, esse convívio preocupa porque aumentam as chances de briga por divergências políticas.

Pesquisa recém-lançada pelo Internet Lab e pela Rede Conhecimento Social mostra que metade (50%) dos brasileiros evita falar sobre política nos grupos de família para evitar briga. Segundo pesquisa da Quaest, 17% dos brasileiros relatam ter cortado relações com familiares e amigos devido ao voto nas eleições de 2022. Outra pesquisa, do Datafolha, mostra que 54% relataram ter vivido situação de constrangimento, ameaça física ou verbal em razão de posições políticas — 15% receberam ameaça verbal e 7% ameaça física. Em tempos de polarização, será possível falar de política no almoço de Natal?

Escândalo do INSS azeda o Natal de Lula. Por Vera Magalhães

O Globo

Não é a primeira vez que o nome de Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, é citado em casos espinhosos para o PT

O governo estava em clima de confraternização natalina, comemorando a recuperação nas pesquisas e o saldo da batalha do tarifaço, quando foi pego no contrapé pela nova fase da investigação do escândalo do INSS, que atingiu o número 2 do Ministério da Previdência, o vice-líder do governo no Senado e chegou bem perto da família de Lula.

Quando revelado, no primeiro semestre, o caso de descontos ilegais nos benefícios previdenciários de milhões de aposentados e pensionistas do INSS foi responsável por uma queda na popularidade de Lula e reavivou, na cabeça de grande parte do eleitorado, a associação entre ele e seu partido, o PT, com casos de corrupção. A pesquisa Quaest divulgada nesta semana coloca o enfrentamento da corrupção como uma das áreas mais mal avaliadas do governo. Para 55% dos entrevistados, a forma como a administração lulista lida com o assunto é ruim ou péssima.

Supostos negócios de Lulinha com Careca do INSS são dor de cabeça para Lula. Por Luiz Carlos Azedo

Correio Braziliense

Estava tudo sob controle na CPMI, até aparecerem indícios de que Antônio Carlos Camilo Antunes, o Careca do INSS, teria negócios que envolveriam o filho do presidente da República

“Filhos, porque qui-los”, diria Apparício Fernando de Brinkerhoff Torelly, o humorista Barão de Itararé, parafraseando o ex-presidente Jânio Quadros. A frase ilustra o dilema político e moral dos presidentes que, no exercício do cargo, veem familiares cruzarem a linha tênue entre o público e o privado. No caso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Operação Sem Desconto e seus desdobramentos na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do INSS criam um novo cenário para a atuação do colegiado, corrosivo para a imagem do governo e de grande risco eleitoral, por causa do suposto envolvimento de seu filho Fábio Luís Lula da Silva com o operador central do esquema de desvio de recursos de aposentados e pensionistas, Antônio Carlos Camilo Antunes, o “Careca do INSS”.

2026 já começou: o jogo eleitoral atrás do PL da Dosimetria. Por Roberto Fonseca

Correio Braziliense

O episódio da dosimetria comprova que decisões legislativas de alto impacto são moduladas não apenas pelo mérito, mas pela disputa por narrativa, pela necessidade de preservar a governabilidade e pela busca incessante de vantagens eleitorais

A votação e aprovação do chamado PL da Dosimetria no Senado expuseram, mais uma vez, como as engrenagens da política brasileira giram sob a lógica permanente da eleição que se aproxima. A praticamente 10 meses do pleito presidencial, cada gesto em Brasília se mostra calculado, de olho em 2026. Ao permitir, em nome da agenda econômica, a votação de um projeto duramente criticado por flexibilizar penas para condenados pelos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, a base governista, especialmente o PT, aceitou o custo político de deixar avançar um texto que o presidente Lula confirmou que vai vetar mais adiante, mirando também dividendos eleitorais futuros.

Modestas esperanças em 2026. Por Fernando Gabeira

O Estado de S. Paulo

Todo esse quadro que se configura no fim de 2025 torna o ano seguinte problemático, pois não há no horizonte eleitoral esperança de solução para os problemas

O ano que acaba trouxe algumas surpresas. Uma delas foi a suposição de que Donald Trump seria um ator importante na política brasileira. Ele escreveu uma carta condenando o julgamento de Bolsonaro e, em seguida, decretou o tarifaço, suspendeu vistos de ministros, enquadrou Alexandre de Moraes na Lei Magnitsky. Meses depois, quase tudo isso estava revogado e as relações entre Brasil e Estados Unidos entraram na normalidade. Foi uma vitória do presidente Lula e da diplomacia brasileira. E uma grande derrota para o bolsonarismo, que depositava em Trump suas últimas esperanças. Não foi uma simples derrota porque o movimento de Eduardo Bolsonaro apoiando o tarifaço já havia desgastado sua corrente política com a opinião pública brasileira. O resultado de tudo isso foi o fortalecimento de Lula, que já vinha recuperando sua popularidade e agora desponta como favorito nas eleições de 2026.

Sobrenome é desafio de Flávio. Por Raquel Landim

O Estado de S. Paulo

Os Bolsonaros são incontroláveis. A chance de outro nome da direita vencer Lula é muito maior

O senador Flávio Bolsonaro abandonou a votação do projeto de redução de penas dos condenados do 8 de Janeiro em Brasília, que beneficia inclusive seu pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro, para circular em São Paulo.

Seu objetivo é tentar convencer empresários e banqueiros de que é um candidato mais viável do que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, para chegar ao Palácio do Planalto.

Pediu ajuda ao coach Pablo Marçal, candidato derrotado à Prefeitura de São Paulo, hoje inelegível por abuso do uso dos meios de comunicação. “Vamos apoiar o Flávio Bolsonaro para presidente do Brasil. Chega de PT, chega de Lula. Ele ( Flávio) é o Bolsonaro que a gente sempre sonhou”, afirmou Marçal a uma plateia de cerca de mil pessoas em um de seus eventos.

Com ódio a Lula, mercado pode acabar indo de Flávio Bolsonaro. Por Marcos Augusto Gonçalves

Folha de S. Paulo

Embora Tarcísio de Freitas seja o preferido, quem apoiou Jair Bolsonaro não terá pudor de ficar, se necessário, com o filho

Por ora atual presidente é favorito nas pesquisas, com méritos e realizações para mostrar, embora nem tudo seja uma maravilha

O chamado mercado, ao que consta, não gostou que Flávio Bolsonaro tenha sido indicado por seu pai para a disputa presidencial de 2026. Tampouco que a recente pesquisa Quaest tenha mostrado o ungido à frente do governador Tarcísio de Freitas, o preferido da finança e seus pares.

Faz sentido. O mercado gostava de Jair Bolsonaro e de seu fabuloso Paulo Guedes, o mitômano que faria —diziam as cartomantes— uma revolução liberal no Brasil.

Natural então que agora prefira-se o capitão do Bandeirantes, com a vantagem de ele governar o principal estado do país e respeitar certa institucionalidade. Não é tão despreparado e tosco quanto seu demiúrgo e não parece inclinado a aventuras antissistema.

Sabendo-se que o mercado rejeita qualquer coisa que cheire a Lula, social-democracia, distribuição de renda e programas sociais, Tarcísio parece, aos olhos dessa elite, uma boa promessa, um produto de direita que poderia ser vendido como "moderado". O desrespeito a direitos e a letalidade policial descontrolada não têm importância. A educação cívico-militar e os aspectos questionáveis do setor, também não. E do grande escândalo de corrupção na Fazenda estadual nem se fala mais.

O bolsonarismo e o sequestro da política. Marco Aurélio Ruediger

Folha de S. Paulo

Com a morte de Olavo de Carvalho e a ausência de Paulo Guedes, mergulha-se no discurso messiânico; o personagem se desespera, pois se esvazia

Lideranças da extrema direita protocolarmente lhe prestam solidariedade, mas já precificaram sua importância residual decrescente

Em "Da Brevidade da Vida", Sêneca criticava as pessoas que vivem ocupadíssimas, que correm de um lado para o outro, respondem a mil demandas, mas nada fazem do que realmente importa, pois o que fazem não permanece. Há uma dinâmica peculiar ao Brasil que se assemelha e sequestra a política substantiva.

Aqui, invariavelmente, temas cruciais soterram uns aos outros em sequência. Como exemplo, numa semana começamos prevendo que o assunto dominante seria a COP30, com suas expectativas e frustrações; passamos para o Banco Master dois dias após, tema que provavelmente retornará; em seguida, houve a queda de tarifas; por fim, a indicação ao STF. Porém, depois, de forma surpreendente, veio o caso da tornozeleira de Bolsonaro.

Poderia ter sido muito pior. Por Hélio Schwartsman

Folha de S. Paulo

PL da Dosimetria passa mensagem ruim ao sugerir que STF errou ao condenar golpistas dentro dos parâmetros legais

Proposta legislativa tem entretanto o mérito de não constituir uma anistia ampla, como queriam os bolsonaristas

Sou um abolicionista penal. Por mim, só manteríamos atrás das grades criminosos irremediavelmente violentos, incapazes de viver em sociedade. Para os demais, teríamos de encontrar penas diferentes do encarceramento.

Minha posição pode parecer utópica, mas é só o prolongamento de uma tendência já em curso há uns três séculos. Na Inglaterra de Shakespeare, a sanção usualmente aplicada a condenados por traição era enforcamento, afogamento e esquartejamento —e, idealmente, o réu deveria chegar ainda respirando à última parte do castigo. Hoje, à exceção dos EUA, todos os países desenvolvidos pararam de utilizar a pena de morte, e os índices de criminalidade são uma fração do que eram no passado.

Dosimetria, um conto do vigário. Dora Kramer

Folha de S. Paulo

Redução de penas foi aprovada mediante truques de interpretação, acertos questionáveis e falsas alegações

Não haverá moderação enquanto as correntes radicalizadas sobreviverem à custa do uso das armas de guerra

A aprovação no Congresso Nacional do projeto de lei que reduz as penas dos condenados por tentativa de golpe de Estado não apaga as seguintes distorções: o caráter casuístico da matéria, a deslavada troca de interesses entre governo e oposição, o atropelo do regimento e a falsidade da alegação de que o gesto marcaria o início da pacificação entre as correntes radicalizadas do país. Mero conto do vigário.

Por que eu escrevo. Por Ruy Castro

Folha de S. Paulo

Entre outros motivos, porque não sei fazer mais nada

Um futuro pesquisador não encontrará uma única linha inédita nas minhas gavetas

Minha colega Mirian Goldenberg tirou-me as palavras da boca outro dia. Disse que, com ou sem a IA, ela continuará a escrever. É exatamente o que eu queria dizer. Há quase 100 anos não faço outra coisa e é difícil dispensar velhos hábitos. Além disso, não sei fazer mais nada —nunca dirigi um carro, mal consigo trocar uma lâmpada e não sei cozinhar nem macarrão. O tempo em que podia estar desenvolvendo essas habilidades foi gasto lendo pessoas que escreviam bem e tentando aprender com elas.