quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Opinião do dia – A Constituição

"Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte, para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil".

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O Preâmbulo da Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05.10.1988.

Discurso de Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, por ocasião da promulgação da constituição federal, 05 de outubro de 1988

“ Exmo. Sr. Presidente da República, José Sarney; Exmo. Sr. Presidente do Senado Federal, Humberto Lucena; Exmo. Sr. Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Rafael Mayer; Srs. membros da Mesa da Assembléia Nacional Constituinte; eminente Relator Bernardo Cabral; preclaros Chefes do Poder Legislativo de nações amigas; insignes Embaixadores, saudados no decano D. Carlo Furno; Exmos. Srs. Ministros de Estado; Exmos. Srs. Governadores de Estado; Exmos. Srs. Presidentes de Assembléias Legislativas; dignos Líderes partidários; autoridades civis, militares e religiosas, registrando o comparecimento do Cardeal D. José Freire Falcão, Arcebispo de Brasília, e de D. Luciano Mendes de Almeida, Presidente da CNBB; prestigiosos Srs. Presidentes de confederações, Sras. e Srs. Constituintes; minhas senhoras e meus senhores:

Estatuto do Homem, da Liberdade, da Democracia.
Dois de fevereiro de 1987: “Ecoam nesta sala as reivindicações das ruas. A Nação quer mudar, a Nação deve mudar, a Nação vai mudar.” São palavras constantes do discurso de posse como Presidente da Assembleia Nacional Constituinte.

Hoje, 5 de outubro de 1988, no que tange à Constituição, a Nação mudou.

A Constituição mudou na sua elaboração, mudou na definição dos poderes, mudou restaurando a Federação, mudou quando quer mudar o homem em cidadão, e só é cidadão quem ganha justo e suficiente salário, lê e escreve, mora, tem hospital e remédio, lazer quando descansa. Num país de 30.401.000 analfabetos, afrontosos 25% da população, cabe advertir: a cidadania começa com o alfabeto.

Chegamos! Esperamos a Constituição como o vigia espera a aurora. Bem-aventurados os que chegam. Não nos desencaminhamos na longa marcha, não nos desmoralizamos capitulando ante pressões aliciadoras e comprometedoras, não desertamos, não caímos no caminho. Alguns a fatalidade derrubou: Virgílio Távora, Alair Ferreira, Fábio Lucena, Antonio Farias e Norberto Schwantes. Pronunciamos seus nomes queridos com saudade e orgulho: cumpriram com o seu dever.

A Nação nos mandou executar um serviço. Nós o fizemos com amor, aplicação e sem medo. A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito: rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio, o cemitério.

A persistência da Constituição é a sobrevivência da democracia. Quando, após tantos anos de lutas e sacrifícios, promulgamos o estatuto do homem, da liberdade e da democracia, bradamos por imposição de sua honra: temos ódio à ditadura. Ódio e nojo.

Amaldiçoamos a tirania onde quer que ela desgrace homens e nações, principalmente na América Latina.

Assinalarei algumas marcas da Constituição que passará a comandar esta grande Nação.
A primeira é a coragem.

A coragem é a matéria-prima da civilização. Sem ela, o dever e as instituições perecem. Sem a coragem, as demais virtudes sucumbem na hora do perigo. Sem ela, não haveria a cruz, nem os evangelhos. A Assembléia Nacional Constituinte rompeu contra o establishment, investiu contra a inércia, desafiou tabus. Não ouviu o refrão saudosista do velho do Restelo, no genial canto de Camões.

Suportou a ira e perigosa campanha mercenária dos que se atreveram na tentativa de aviltar legisladores em guardas de suas burras abarrotadas com o ouro de seus privilégios e especulações.

Foi de audácia inovadora a arquitetura da Constituinte, recusando anteprojeto forâneo ou de elaboração interna. O enorme esforço é dimensionado pelas 61.020 emendas, além de 122 emendas populares, algumas com mais de 1 milhão de assinaturas, que foram apresentadas, publicadas, distribuídas, relatadas e votadas, no longo trajeto das subcomissões à redação final. A participação foi também pela presença, pois diariamente cerca de 10 mil postulantes franquearam, livremente, as 11 entradas do enorme complexo arquitetônico do Parlamento, na procura dos gabinetes, comissões, galeria e salões.

Defesa de Temer compara Janot a um 'pistoleiro'

Defesa de Temer compara Janot a 'pistoleiro' de conduta 'imoral e ilegal'

Reynaldo Turollo Jr. | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Em defesa enviada nesta quarta (4) à Câmara dos Deputados, os advogados do presidente Michel Temer subiram o tom no ataque ao ex-procurador-geral Rodrigo Janot e o chamaram de "antiético, imoral, indecente e ilegal".

"À maneira do pistoleiro que, contratado para matar alguém, não aceita a rescisão do trato pelo mandante, porque 'já garrou raiva' da vítima, o ex-chefe do Ministério Público Federal agiu novamente com pressa, premiou outro delator [o operador Lúcio Funaro] e lançou nova flecha, cujo primeiro alvo foi a língua portuguesa, seguida pelo direito e pelos próprios denunciados", escreveu a defesa do peemedebista.

Procurado pela reportagem, o ex-procurador-geral não comentou as afirmações.

A peça entregue à Câmara, de 89 páginas (leia a íntegra aqui ), rebate a segunda denúncia apresentada ao STF (Supremo Tribunal Federal) por Janot, que acusou Temer de chefiar organização criminosa e obstruir a Justiça.

Também foram denunciados, sob acusação de integrar a organização criminosa liderada por Temer, os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral) e os ex-deputados Eduardo Cunha (RJ), Henrique Alves (RN), Geddel Vieira Lima (BA) e Rodrigo Rocha Loures (PR), todos do PMDB.

A primeira denúncia da PGR (Procuradoria-Geral da República) contra Temer, oferecida ao STF em junho, foi suspensa pelos deputados em agosto.

No início do documento, os advogados do presidente, Eduardo Carnelós e Roberto Soares Garcia, invertem a acusação e afirmam que membros do Ministério Público Federal, liderados por Janot, "tramaram" em conjunto com os delatores da JBS "e outros também confessos criminosos integrantes de seu bando para construir uma acusação a ser formulada contra a autoridade máxima do país".

Temer acusa Janot de tentar golpe

Em documento de 89 páginas entregue ontem à Câmara, a defesa do presidente Temer classificou a atuação do ex-procurador-geral Rodrigo Janot, que apresentou a denúncia de obstrução de Justiça e organização criminosa contra ele, de “indecente e ilegal”. Os delatores da JBS Ricardo Saud e Joesley Batista são chamados de “Iscariotes”. O advogado do presidente afirma que a denúncia contra Temer é “tentativa de golpe”, “armada e forjada”. Os ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco também apresentaram defesa. A Câmara deve apreciar a denúncia até o fim deste mês.

Defesa de Temer diz que denúncia é ‘golpe’

Advogado do presidente classifica atuação de Janot como ‘indecente e ilegal’ e também ataca Joesley e Funaro

Leticia Fernandes e Cristiane Jungblut | O Globo

-BRASÍLIA- A defesa do presidente Michel Temer entregou ontem à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara um documento de 89 páginas recheado de críticas ao ex-procuradorgeral da República Rodrigo Janot, cuja atuação foi qualificada como “indecente e ilegal”; aos delatores Joesley Batista e Ricardo Saud, da JBS, que o presidente chamou de “Iscariotes”; e ao operador Lúcio Funaro, descrito na peça como “malfeitor contumaz”.

Ao entregar o documento, o criminalista Eduardo Carnelós, responsável pela defesa do presidente, classificou a denúncia como “armada, forjada” e uma “tentativa de golpe” contra Temer. Segundo Carnelós, não há nada que indique prática de crimes por parte do presidente, denunciado por obstrução à Justiça e organização criminosa. Ele afirmou que há um sentimento de que a atual procuradora-geral, Raquel Dodge, não tem o mesmo “ímpeto” acusatório de Janot.

STF: Ficha Limpa vale antes de 2010

STF determina que punição pode retroagir a decisões tomadas anteriormente à publicação da lei; ministros divergem sobre questão e placar é de 6 a 5

Rafael Moraes Moura Breno Pires | O Estado de S. Paulo.

BRASÍLIA - Com o plenário dividido, o STF decidiu que o prazo de inelegibilidade fixado pela Lei da Ficha Limpa pode ser aplicado até mesmo para candidatos que tenham sido condenados antes da publicação da lei, em 2010.

O Supremo Tribunal Federal decidiu ontem, por 6 a 5, que o prazo de oito anos de inelegibilidade fixado pela Lei da Ficha Limpa pode ser aplicado a candidatos que tenham sido condenados antes da publicação da legislação, em 2010.

Os ministros decidirão hoje o alcance do entendimento firmado no julgamento. O relator do caso, ministro Ricardo Lewandowski, alertou para o risco de prefeitos, vereadores e deputados atualmente no exercício dos mandatos serem cassados.

STF deverá dar ao Congresso palavra final sobre punições

STF deve condicionar punições ao Congresso

Tendência na Corte é que medidas contra parlamentares, como no caso de Aécio, dependam de aval posterior

Carolina Brígido | O Globo

-BRASÍLIA- O Supremo Tribunal Federal (STF) deve decidir na próxima semana que medidas cautelares impostas pela Corte a deputados e senadores — como o afastamento do mandato ou o recolhimento noturno domiciliar — só poderão ser postas em prática se a respectiva casa legislativa aprovar em votação posterior.

A decisão deve liberar o Senado para votar o caso de Aécio Neves (PSDB-MG), que, no mês passado, sofreu punições determinadas pelo STF. A regra que deve ser firmada será genérica, valendo tanto para o senador tucano como para decisões futuras do tribunal contra parlamentares.

O argumento da maioria dos ministros deve ser o de que o Poder Judiciário não pode interferir na atividade parlamentar sem o aval do Congresso. A tendência, portanto, é o tribunal estabelecer a mesma regra aplicada hoje sobre prisões preventivas de deputados e senadores — que precisam ser validadas por votação do Congresso antes de serem cumpridas — a todas as medidas cautelares que impeçam a atividade parlamentar.

No caso de Aécio, além do afastamento e do recolhimento noturno, ele também foi impedido de conversar com investigados e de deixar o país.

Essas medidas estão expressas no Código de Processo Penal como alternativas à prisão. A lei também cita a visita periódica a um juiz, proibição de acesso a certos lugares, pagamento de fiança e monitoramento eletrônico. Os ministros devem decidir se parte delas, ou se todas essas medidas, devem ser autorizadas pelo Congresso no caso de decisão do Supremo.

Eunício diz que Senado pode rever decisão se STF mantiver Aécio afastado

Talita Fernandes | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), disse nesta quarta-feira (4) que o plenário da Casa pode reverter cautelares impostas a Aécio Neves (PSDB-MG) se o STF (Supremo Tribunal Federal) decidir mantê-las.

"Se a posição do Supremo for manter, é natural que o Congresso delibere", disse.

A declaração ocorre um dia depois de o Senado adiar para o próximo dia 17 a análise de um ofício que pode reverter as determinações impostas pela Justiça a Aécio.

Senadores decidiram aguardar o resultado de um julgamento marcado pelo STF para o dia 11 de outubro. Está na pauta da corte a análise de uma ação direta de inconstitucionalidade que pede que medidas cautelares impostas a parlamentares passem pelo aval do Congresso.

O caso tem impacto direto na situação de Aécio.

A primeira turma do STF proibiu o tucano de exercer atividades parlamentares e de deixar sua casa do período da noite.

Câmara aprova fundo público de R$ 2 bi para campanhas

Eleição do ano que vem também terá cláusula de barreira; fim de coligações proporcionais valerá em 2020

A Câmara aprovou ontem à noite a criação de um fundo público de R$ 2 bilhões para financiar campanhas já a partir das eleições do ano que vem. Anteontem, foram confirmados a cláusula de barreira e o fim das coligações proporcionais. Já o Supremo Tribunal Federal tornou mais rigorosa a Lei da Ficha Limpa. Por seis votos a cinco, os ministros decidiram que o veto a candidaturas de políticos condenados em segunda instância vale também para os que tiveram sentença antes da aprovação da lei, em 2010. A decisão será aplicada a outros processos que tramitam nos tribunais de todo o país. O julgamento que pode autorizar ou não candidaturas avulsas, de pessoas não filiadas a partidos, foi adiado para hoje.

Fundo financiará 2018

Após polêmica, Câmara aprova financiamento de campanha com recursos públicos

Cristiane Jungblut | O Globo

-BRASÍLIA- Depois de meses de polêmica e no limite do prazo, a Câmara aprovou ontem à noite, em votação simbólica, o texto principal do projeto que cria um fundo eleitoral para as eleições de 2018 com recursos públicos. Os deputados aprovaram o projeto de autoria do Senado que cria o Fundo Especial de Financiamento de Campanha. Já batizado de “fundão”, ele será abastecido por um percentual das emendas parlamentares de bancada previstas para 2018 e ainda dos recursos provenientes da compensação fiscal dada até agora às emissoras de rádio e televisão pela veiculação da propaganda partidária eleitoral. Mas, deputados de alguns partidos ficaram insatisfeitos com o encaminhamento da questão e com a forma de financiamento do fundo e exigiram votação nominal, com a intenção de derrubar o que foi aprovado. O destaque foi rejeitado por 223 votos a favor da manutenção do texto original do Senado, e 209 contra.

Pelos cálculos dos congressistas, o fundo teria cerca de R$ 2 bilhões para 2018. No fim da noite ainda estavam sendo votados pedidos de alteração ao texto. A insatisfação principal era contra o uso dos recursos de emendas parlamentares. A aprovação do fundo público teve como principais cabos eleitorais PMDB, PT e PCdoB, uma vez que o financiamento privado está proibido por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

O projeto do fundo foi aprovado dentro de um acordo político que leva em conta a promessa de que Temer vetará dois pontos que desagradam aos deputados: os critérios de distribuição dos recursos para os partidos, que beneficiam demais o PMDB, e ainda a previsão de que verbas do Fundo Partidário — que já existe — financiariam apenas campanhas majoritárias.

Congresso promulga emenda constitucional e cláusula de barreira valerá para 2018

Emendas foram aprovadas em votação relâmpago, em menos de meia hora, nesta terça-feira, pelo Senado

Thiago Faria | O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O presidente do Congresso, senador Eunício Oliveira (PMDB-CE), promulgou nesta quarta-feira, 4, a emenda constitucional que acaba com as coligações a partir de 2020 e adota a cláusula de desempenho a partidos, que já valerá a partir do ano que vem. A promulgação foi feita em sessão solene, que contou com a presença do ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, que está licenciado do mandato de senador.

As emendas foram aprovadas em votação relâmpago, em menos de meia hora, na noite desta terça-feira, 3, pelo Senado. Um dos poucos itens de consenso entre os parlamentares, as duas medidas foram as primeiras a terem a votação concluída no pacote de reforma política em discussão no Congresso. O placar no Senado, que não modificou o texto aprovado pela Câmara na semana passada, foi unânime em dois turnos: 62 a 0 no primeiro e 58 a 0 no segundo.

O texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) já havia sido aprovado pelos senadores em novembro do ano passado, mas como foi modificado pela Câmara, precisou passar por nova votação no Senado. Uma das alterações feitas pelos deputados foi a exclusão das chamadas federações, grupo de partidos que se uniriam por “afinidade ideológica e programática".

Câmara aprova fundo eleitoral com verba pública para 2018

Reforma política. Projeto que destina R$ 1,7 bilhão de recursos públicos para campanhas de 2018 vai à sanção de Temer; sessão foi marcada por tumulto na Câmara

Isadora Peron | O Estado de S. Paulo.

BRASÍLIA - A Câmara aprovou projeto de lei que cria um fundo público de R$ 1,7 bilhão para financiar as campanhas eleitorais de 2018. O texto segue para a sanção de Michel Temer. Para que os partidos tenham acesso aos recursos públicos no pleito do próximo ano, as novas regras precisam ser chanceladas pelo presidente até sábado, um ano antes da eleição. A proposta estabelece que pelo menos 30% do valor das emendas de bancadas seja destinado à reserva eleitoral. A segunda fonte de recursos será a transferência dos valores de compensação fiscal cedidos às emissoras de rádio e TV que transmitem inserções partidárias em anos sem eleição – o horário eleitoral durante a campanha está mantido. De acordo com o texto aprovado, o valor será “ao menos equivalente” às duas fontes estabelecidas, o que abre margem de manobra para novos aportes. O fundo substitui o financiamento empresarial de campanha, vetado pelo STF. Valor será de R$ 1,7 bi; lei deve ser sancionada até sábado para entrar em vigor

Mudanças eleitorais não são nada triviais

Tomadas de forma geral, têm potencial para alterar o processo decisório de políticas públicas

Leonardo Barreto*, O Estado de S.Paulo

As mudanças eleitorais aprovadas não são triviais. Tomadas de forma geral, têm potencial para alterar o processo decisório de políticas públicas. Os parlamentares focaram a funcionalidade do sistema, atacando a fragmentação, sempre considerada excessiva. As regras de financiamento público, a proibição de coligações (a partir de 2020) e a cláusula de desempenho devem afetar a distribuição de poder e a forma como é exercido.

Haverá fortalecimento das grandes legendas e das cúpulas partidárias. As maiores agremiações receberão mais recursos para campanha e verão a concorrência das pequenas e médias diminuir, pois elas terão dificuldade para atingir o quociente eleitoral e a cláusula de barreira. A tendência, no médio prazo, é que muitas até deixem de existir. No curto prazo, as maiores bancadas vão começar a receber egressos dos partidos nanicos em busca de condições mínimas de sobrevivência eleitoral.

Para as novas legendas, a situação ficou apertada. Como não disputaram eleição, as siglas surgidas após 2014 dependerão quase exclusivamente de financiamento de pessoas físicas e recursos dos próprios candidatos, pois a parte no fundo público será ínfima. Caberá às cúpulas partidárias decidir quem vai receber recurso.

O resultado amplo deve ser um processo parlamentar mais centralizado, controlado e previsível. As votações serão decididas mais “no atacado” e menos “no varejo”, com a valorização das lideranças de bancada como organizadores do Parlamento.
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*Doutor em Ciência Política

Reforma será seleção natural para partidos

Fim de coligações e cláusula de barreira, aprovados pelo Congresso, podem reduzir número de legendas à metade

Ranier Bragon | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O primeiro e talvez único fruto dos vários meses de debates da atual reforma política começará a ser testado em outubro de 2018 e pode se tornar uma espécie de seleção natural no mundo partidário.

Hoje há 35 legendas registradas na Justiça Eleitoral e outras dezenas em fase de criação.

Câmara e Senado aprovaram nesta semana, de forma definitiva, duas regras para tentar barrar a proliferação dos partidos.

A primeira é a proibição, a partir de 2020, de que partidos se coliguem nas eleições para o Legislativo, uma prática eleitoreira antiga que chega, principalmente em municípios, a colocar na mesma chapa os nacionalmente antagônicos PT e DEM. Essa união tem o único objetivo de que a chapa consiga votos suficientes para atingir o chamado "quociente eleitoral", condição mínima para que a coligação consiga cadeiras no parlamento.

As lições de 1989 para 2018 | Roberto Freire

- Blog do Noblat

A um ano das eleições de 2018, o Brasil começa a viver a expectativa pelo momento determinante do voto que definirá os rumos da nação pelos próximos quatro anos, enquanto vamos nos aproximando da reta final do governo de transição resultante do impeachment. Em uma quadra tumultuada da vida nacional, é imperioso que todos aqueles verdadeiramente comprometidos com a democracia e a superação da crise tenham responsabilidade com o país e ofereçam alternativas viáveis e projetos concretos para a retomada do crescimento, a geração de empregos e o resgate da autoestima e da confiança do brasileiro em seu próprio futuro.

Um olhar abrangente sobre o que está por vir deve passar, necessariamente, pelos ensinamentos que podemos extrair do passado. Há pouco menos de 30 anos, em 1989, o Brasil experimentava um clima de grande euforia cívica com a primeira eleição direta para a Presidência da República desde o fim do regime militar. Com a redemocratização e a promulgação da Constituição Cidadã de 1988, a efervescência política que tomou conta do país trouxe otimismo e uma grande esperança à sociedade.

Na disputa presidencial de 1989, da qual honrosamente participei como candidato pelo PCB – foi um dos momentos mais marcantes e uma das grandes emoções que tive em mais de 40 anos de vida pública –, houve entre nós aqueles que defendiam a união das forças do campo democrático em torno de uma candidatura à Presidência, provavelmente a de Ulysses Guimarães, do PMDB, reconhecido como símbolo maior da luta pelas Diretas e o “Senhor Constituinte”. Uma das vozes que se levantou nesse sentido foi a de Luiz Werneck Vianna, cientista social e até hoje um arguto observador e analista da realidade brasileira, que nos alertava para os riscos de uma pulverização de candidaturas naquele pleito.

A lenta evolução das regras eleitorais | Murillo de Aragão

- Blog do Noblat

Quase todo ano o mundo político propõe alguma mudança no sistema político nacional, aí compreendidos tanto o sistema eleitoral, com suas regras, quanto o sistema partidário. É uma longa guerra de fricção entre uma sociedade desencantada com a política e um mundo político complacente com suas franquias.

A necessidade de mudança é grande, mas como a vontade de mudar é quase nenhuma, vivemos no mundo de Tancredi, personagem de Giuseppe Lampedusa no magistral “O Leopardo”: algo tem que mudar para que as coisas continuem como estão. Tem sido assim nas últimas décadas. Ocorrem avanços e retrocessos ao sabor dos acontecimentos e das conveniências.

Para não ir longe, aponto o ano de 2010 como um marco no sistema político-eleitoral por causa da aprovação da Lei da Ficha Limpa pelo Congresso Nacional. Foi, por conta da pressão da sociedade, uma grande conquista. Mas, adiante, em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) decretou que não existe perda de mandato para ocupante de cargo majoritário que mude de partido. A medida, ainda que guarde certa coerência, desmoralizou – ainda mais – o sistema partidário nacional.

Naquele ano, o Congresso Nacional, no âmbito de uma minirreforma eleitoral, estabeleceu teto de despesas por candidatura. Foi uma medida importante que abriu caminho para a redução dos pornográficos gastos de campanhas eleitorais no Brasil. Ainda em 2015, o STF decidiu acabar com o financiamento empresarial das campanhas, eliminando, assim, o “doping” financeiro e principal instrumento de manipulação de resultados eleitorais no país. As duas medidas foram muito importantes.

Coronelato sem nanicos | Maria Cristina Fernandes

- Valor Econômico

Como reduzir o número de partidos sem democratizá-los

A deliberação de 15 minutos e sem votos contrários da reforma política no Senado encobriu a insurgência, agora inscrita no texto constitucional, contra qualquer tentativa de intervenção na vida partidária. Acossados por resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que os obrigava a substituir comissões provisórias por direções eleitas, os parlamentares aprovaram dispositivo que lhes dá autonomia para escolher a forma e a duração de seus comandos partidários.

As normas da casa da mãe Joana, agora abrigadas na Constituição, beneficiam, principalmente, o partido do presidente da República e as duas legendas que comandam o centrão. Desde que entrou em vigor a resolução do TSE, o PMDB aumentou em 50% o número de comissões provisoriamente escolhidas. Na outra ponta, o estreante Partido Novo não tem uma única instância municipal no país que não seja eleita pelo voto de seus delegados. PP e PR são recordistas absolutos em coronelato partidário, sendo que este último tem 4.296 comissões municipais em todo o país que funcionam na base do eu-mando-você-obedece.

O dispositivo não resume a emenda constitucional promulgada ontem no Senado mas a insurgência explica o resto do texto. A adoção da cláusula de desempenho e o fim das coligações partidárias poderão, de fato, enxugar o número de legendas, mas não será suficiente para torná-las mais democráticas ou limpas. O clube dos cinco maiores partidos do Congresso (PMDB, PT, PSDB, PR e PP) é também aquele dos campeões de inquéritos da Lava-Jato.

Economia segue descolada da política | Jarbas de Holanda

Ao longo da terça-feira, coincidiram uma elevação significativa do índice da Bovespa, que fechou com um salto de 3,23%, ultrapassando com folga os 76 mil pontos (de par com queda da cotação do dólar para menos de R$ 3,15) e a persistência da ameaça de preocupante crise entre os poderes Judiciário e Legislativo – gerada por polêmica decisão da 1ª Turma do STF e que se agravaria com a rejeição dela pelo plenário do Senado. O que foi evitado no começo da noite pela prevalência da avaliação pela maioria dos senadores de que o próprio pleno do Supremo a modificará no próximo dia 11, desautorizando o desrespeito à autonomia constitucional do Congresso na aplicação de penas restritivas do exercício do mandato de parlamentares federais. Avaliação – baseada em entendimentos entre os presidentes do Senado e do STF – que, se confirmada, diluirá tal tensão e que, em caso contrário, a realimentará e potencializará, com reflexos negativos também para a governabilidade.

Ignorando essa ameaça, o mercado financeiro reforçou o descolamento entre os dois campos. Puxado por forte alta das ações do setor elétrico (privatização da Eletrobras) e da Petrobras (anúncio do ministro de Minas e Energia de que deverá ser privatizada mais à frente), ele ampliou a aposta nos recentes bons indicadores macroeconômicos – PIB, recuo do desemprego, inflação, juros.

Renovar é impreciso | José Roberto de Toledo

- O Estado de S.Paulo

Será o ‘Fundo Cívico RenovaBR’ o caminho para melhorar a representatividade?

Que melhorar muito a representatividade na política brasileira é a prioridade zero de qualquer reforma que mereça esse nome, não resta dúvida. Em um Congresso cuja renovação a cada quatro anos é a de prenomes (ou a adição de “Jr.”, “Neto” e “Bisneto” ao sobrenome), urgem mecanismos para eleger deputados que não sejam só herdeiros do poder. Será o “Fundo Cívico RenovaBR” o caminho?

Multimilionários do mercado financeiro e da publicidade parecem crer que sim. Prometem investir R$ 30 milhões do próprio bolso para selecionar, treinar e subsidiar 150 candidatos às eleições de 2018 – e, com sorte, eleger uns 50 deles. Deixando a questão legal para os parágrafos à frente, analisemos sua praticidade. A começar pelo que mais importa numa eleição: o dinheiro.

R$ 30 milhões para 150 candidatos é pouco, muito pouco, pouco mesmo. Na média, os 513 deputados eleitos em 2014 declararam (ou seja, caixa 1) ter arrecadado R$ 1,4 milhão. É sete vezes mais do que os candidatos do RenovaBR receberiam, a princípio. Essa diferença não é o único problema dos novatos.

Ficha Limpa retroage |Luiz Carlos Azedo

- Correio Braziliense

A decisão pode promover um expurgo na política, alijando da disputa eleitoral não somente muitos prefeitos e vereadores eleitos nas últimas eleições, mas também candidatos às eleições de 2018

O alcance da Lei da Ficha Limpa foi ampliado ontem pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu estender a aplicação da medida aos políticos condenados por abuso de poder em campanhas eleitorais antes de 2010, quando a lei entrou em vigor, por 6 votos a 5. Esse efeito retroativo é consequência do fato de a Corte ter ampliado de 3 para 8 anos o período de inelegibilidade dos políticos, o que alcança vários prefeitos eleitos em 2014, que agora correm o risco de terem os mandatos cassados pela Justiça Eleitoral. Prevaleceu o voto do ministro Luiz Fux, que classificou a decisão como uma “condição de moralidade”.

Edson Fachin. Luís Barroso, Rosa Weber e a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, votaram a favor da medida, contra os votos de Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello. Na próxima quinta-feira, porém, será discutida a aplicação da pena aos prefeitos eleitos em 2010 que haviam sido condenados e cumpriram a pena de três anos de inelegibilidade. Para alguns ministros, eles não poderão ser cassados, já que cumpriam os requisitos exigidos à época da candidatura. Segundo Fux, a ausência de condenação (ficha limpa) é um dos requisitos para registro de candidatura.

Balcão do Planalto | Míriam Leitão

- O Globo

Para ficar no cargo, Temer deprecia a política e aumenta o risco fiscal. O Brasil vive pela segunda vez a exibição vergonhosa do balcão de negócios do Planalto. O presidente, a cada denúncia, abre as portas para parlamentares que vão, com maior ou menor grau de despudor, vender seus votos em troca de alguma moeda: o apoio a projetos, a liberação de recursos, a defesa de interesses. O presidente dá a desculpa de que receber políticos é sua forma de governar.

Isso deprecia ainda mais a política e reduz a confiança na economia. Como o mercado tem estado em alta, o governo Temer acha que tudo o que fizer para se manter no poder não vai provocar uma onda negativa nos preços dos ativos. Está enganado. Há fatores externos, muito autoengano, e especulação na elevação da bolsa e na valorização do real. Mas, se houver algum evento que reduza a liquidez internacional, o mercado muda de humor e passa a ver os problemas aos quais está indiferente agora.

Na política, às vezes há pequenos avanços, como a aprovação da minirreforma com o fim das coligações proporcionais e cláusula de barreira. Mas, em geral, o que se vê é uma sucessão de absurdos em sequência, como a tentativa de usar o Refis para parcelar o pagamento das dívidas de investigados da Lava-Jato. Não fosse derrubada, passaria a ser conhecida como Refis da Corrupção.

A fé move montanhas de dinheiro | Vinicius Torres Freire

- Folha de S. Paulo

Dois de cada três benefícios de assistência a pescadores eram obtidos por meio de fraude em 2013 e 2014, descobriu o governo. É fraude no "bolsa pescador", dinheirinho para ajudar essas pessoas a viver nas temporadas em que a pesca é proibida. Sempre foi uma bagunça. Se o benefício continuou a ser fraudado no mesmo ritmo, o desvio chegaria hoje a R$ 1,5 bilhão.

Mas o que é uma fraude bilionária perto de um Refis andando nu pelo Congresso e sendo apalpado por deputados da Frente Parlamentar Evangélica? As emendas à medida provisória do Refis depenaram o projeto do governo.

Refis é o nome "pop" de mais um desses programas de parcelamento e perdão de impostos e outras dívidas federais atrasadas.

Em menos de seis meses, parlamentares já passaram a mão em uns R$ 9,5 bilhões de receitas do Refis, que serão distribuídas entre empresas, talvez igrejas e entre os próprios parlamentares devedores do fisco.

Custo-benefício | Zeina Latif *

- O Estado de S.Paulo

Não há mais como deixar a fatura para as próximas gerações

O conceito “relação custo-benefício” é ensinado aos alunos de Economia nos primeiros semestres da faculdade. Como os recursos são escassos, os governantes precisam levar em conta os impactos de cada opção de política pública nas suas escolhas. Não fazê-lo implica má alocação de recursos e menor bem-estar social.

Não há no Brasil uma tradição de fazer avaliação de custo-benefício das políticas públicas. Os próprios economistas costumam ignorar essa lição quando propõem aumentar os gastos do governo sem critérios, ignorando as restrições orçamentárias e as consequências para a economia. Na maioria das vezes, gastamos os recursos públicos às cegas, sem estabelecer metas e prazos. Somos perdulários.

O problema é que não há mais como deixar a fatura para as próximas gerações. A “regra de ouro”, prevista na Constituição, proíbe a emissão de dívida pública para pagar gastos correntes (como aposentadorias, salários e remédios), sendo que o Tesouro Nacional já está esbarrando nessa restrição. Aumentar impostos, além de difícil politicamente, não resolveria o problema, inclusive porque a “regra do teto” (limita o crescimento dos gastos à inflação do ano anterior) ficará cada vez mais restritiva já nos próximos anos. É necessário cortar gastos urgentemente, com a devida atenção para a relação custo-benefício de cada política pública.

Encontro marcado com o estouro do teto | Ribamar Oliveira

- Valor Econômico

Emenda do teto abre caixa de Pandora de indagações e riscos

A Carta da Conjuntura deste mês, assinada pelo diretor do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), Luiz Guilherme Schymura, da Fundação Getulio Vargas (FGV), considera que é preciso que a sociedade se prepare para "o momento bastante provável em que o teto de gastos do Executivo federal será rompido".

Schymura faz esse alerta depois de observar que, mesmo em um cenário em que o Congresso Nacional aprove a idade mínima para a Previdência Social, que o salário mínimo passe a ser corrigido apenas pela inflação e que os gastos com saúde e educação também acompanhem a inflação, ainda assim "o espaço fiscal do gasto discricionário terá desaparecido bem antes de 2025".

Com base nessas alterações no marco institucional e nas projeções do Ibre para as principais variáveis macroeconômicas, o espaço para as despesas discricionárias do Executivo teria que cair de 2% do Produto Interno Bruto (PIB), para - 1,8% do PIB, em 2025, segundo cálculos da pesquisadora Vilma Pinto, do Ibre/FGV.

Derrota da política | Demétrio Magnoli

- O Globo

Governo espanhol não se entregou à persuasão de catalães, chamando-os a boicotar o plebiscito ilegal, apesar de pesquisas indicarem que secessão contava com menos de 45% de apoio

No domingo passado, o plebiscito separatista catalão alcançou o primeiro lugar entre os rótulos empregados por contas de Twitter ligadas ao Kremlin. O pico verificou-se após um mês de intensa atividade centrada no tema. Os perfis em inglês dedicados à guerra da informação russa anunciaram, exultantes, uma nova etapa da “crise da democracia ocidental” e o iminente colapso da União Europeia. Enquanto a polícia espanhola entrava em confronto com os manifestantes, a expressão “plebiscito catalão” misturava-se às palavras “Franco” e “franquismo”. Na Catalunha, o único vitorioso foi Vladimir Putin.

“Fake news”: o nacionalismo catalão pratica, há quase duas décadas, o esporte preferido pelo Kremlin. Na esfera da narrativa histórica, a Guerra da Sucessão Espanhola (1702-14), um conflito dinástico entre as casas de Bourbon e de Habsburgo, é reescrita como uma guerra popular de secessão da Catalunha — e seu resultado como início da dominação espanhola sobre a nação catalã. No campo político, a Espanha atual é descrita como uma potência autoritária e opressiva: ignora-se tanto a Constituição democrática de 1978 quanto os estatutos de autonomia regional que dela resultaram. No terreno econômico, acusa-se ritualmente o governo central de explorar a riqueza catalã (“a Espanha nos rouba”), como se o nível de transferências fiscais da Catalunha não estivesse em linha com o de regiões prósperas de outros países europeus.

O altar da salvação nacional -Editorial | O Estado de S. Paulo

A gravidade da crise política, institucional e moral que atinge o País pode ser medida pela extravagância das soluções que diferentes setores da sociedade começam a defender para superá-la. Em comum, essas ideias exalam profundo desprezo pelos políticos, que seriam, na visão de seus proponentes, o cerne da corrupção nacional. Ou seja: retire-se a política dos políticos, entregando-a a instituições supostamente acima de qualquer suspeita, dispensadas de aval eleitoral em razão de sua alegada legitimidade intrínseca, e então, como consequência lógica, restaura-se a moralidade. Tudo isso, note-se, em nome da salvação da democracia e da Constituição, justamente as grandes vítimas dessa cruzada que se pretende saneadora.

Os dois artigos da página A2 de hoje – que chegaram num mesmo dia à Redação – são exemplos desses argumentos, que têm florescido graças ao ambiente insalubre do brejal em que se transformou a atividade política. É por essa razão que decidimos publicá-los: para que sirvam como ilustração do pensamento que, ao que tudo indica, tem o potencial de vicejar dentro das instituições às quais se referem – o Judiciário e as Forças Armadas – e também entre os cidadãos desencantados com os políticos.

O artigo intitulado O Judiciário e o discurso do golpe, por exemplo, considera natural a judicialização da política, isto é, a ação de magistrados em seara que deveria estar reservada apenas aos representantes eleitos pelo voto direto. De acordo com esse raciocínio, a representação política no Brasil perdeu seu sentido em razão da corrupção e do descolamento em relação aos anseios da sociedade. Logo, não restou ao Judiciário outra coisa a fazer senão assumir o papel do Parlamento – e isso, na concepção exposta no artigo, não seria usurpação de poder alheio, e sim cumprimento do dever. A legitimidade da judicialização da política estaria assentada na presunção de que, ante o vácuo deixado pela desmoralização do mundo político, se tornou incumbência irrenunciável dos magistrados assumir o papel de intérpretes dos interesses da sociedade.

Senado tem de preservar o bom senso - Editorial | O Globo

Julgamento próximo no STF leva Senado a adiar decisão sobre Aécio, mas deve-se considerar que a Corte pode decidir contra o senador, e nada de anormal haverá nisto

Oque parecia uma grave crise institucional prestes a explodir foi atenuada, ou pelo menos adiada, depois do bem-vindo entendimento entre a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, e o do Senado, Eunício de Oliveira, com base no agendamento, pela ministra, da apreciação de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) quarta que vem.

A decisão da Primeira Turma do Supremo, por três votos a dois, de afastar da Casa o senador tucano Aécio Neves (MG) e ainda mantê-lo em “recolhimento noturno”, deflagrou uma reação corporativista multipartidária. O que, curiosamente, não ocorrera há poucos meses, quando o ministro Edson Fachin suspendeu o senador, um dos alvos da delação de Joesley Batista, ao lado do presidente Temer.

Neste meio tempo, houve mudanças no PSDB, partido de Aécio, confirmando a liderança do senador, no partido, no grupo contrário à permissão a que a acusação da Procuradoria-Geral da República a Temer receba sinal verde na Câmara para ser enviada ao Senado. Pode ser que a tropa de choque de Temer tenha se juntado a tucanos e outros para defender o aliado Aécio.

Crise contornada – Editorial | Folha de S. Paulo

Com certo esforço e um tanto de bom senso, evitou-se nesta terça-feira (3) um atrito imediato entre o Senado e o Supremo Tribunal Federal, no controvertido caso do afastamento do senador Aécio Neves (PSDB-MG).

Não se trata, aliás, de simples interrupção de um mandato parlamentar. Em votação apertada (3 votos contra 2), a primeira turma do STF adotara, contra o tucano, medidas punitivas complementares, como a proibição de que se ausente do domicílio no período noturno e de que entre em contato com um grupo de investigados.

Na prática, as determinações são comparáveis a uma prisão preventiva em regime semiaberto, sem que esteja configurada a condição de réu em processo criminal.

Certamente, são fortes e graves as suspeitas que recaem sobre Aécio Neves. Não foi nada convincente, por exemplo, a explicação dada pelo parlamentar a respeito do pedido de R$ 2 milhões que fez ao dono da JBS, Joesley Batista, segundo o que se transcreveu de suas conversas telefônicas.

Outra chance para o Supremo – Editorial | O Estado de S. Paulo

O Senado poderia ter seguido o que manda a lei e derrubado a esdrúxula decisão do Supremo Tribunal Federal que afastou o senador Aécio Neves do cargo e lhe impôs restrição de movimentos e de direitos políticos. Essa seria a atitude coerente a tomar, na sessão da terça-feira passada, em razão da óbvia interferência indevida do Judiciário em prerrogativa exclusiva do Legislativo. E a respeito desse desfecho não poderia haver nenhuma queixa, pois estaria sendo respeitado rigorosamente o que está escrito na Constituição.

Mas o Senado é uma casa política, razão pela qual pesou os prós e contras de uma decisão que certamente tornaria ainda mais embaraçosa a situação já bastante constrangedora em que o Supremo se envolveu pela imprudência de três de seus ministros. E então, por 50 votos a 21, aprovou um requerimento que adiou a votação para o dia 17 de outubro, seis dias depois, portanto, da data marcada pelo Supremo para julgar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) que versa sobre a necessidade de aval do Legislativo para a aplicação, pelo Judiciário, de medidas cautelares contra parlamentares, como as adotadas contra o senador Aécio Neves.

Reforma política muda pouco, mas traz avanços | Editorial | Valor Econômico

Com muito mais razões do que nas tentativas anteriores, a reforma política termina como mais um remendo provisório - à espera de uma nova reforma. Votações finais ocorrem ainda esta semana no Senado, mas a maior parte da miríade de ideias estapafúrdias de ocasião foram felizmente sepultadas. Sob pressão da lei, a maior e quase exclusiva preocupação dos parlamentares foi a de assegurar a reeleição e a prerrogativa de foro da qual muitos continuarão necessitando. A outra motivação foi como conseguir dinheiro para bancar uma campanha que lhes garantisse isso.

Uma solução de compromisso trouxe a aprovação de mudança fundamental, a do fim das coligações partidárias, que cortará o oxigênio à profusão das legendas de aluguel que se espalharam pelo sistema político e contribuiram para a exaustão negocial dos governos de coalizão, tornaram cada vez mais instáveis os arranjos de maioria para as votações no Congresso. Além disso, com a medida, que só valerá para as eleições de 2020, terminará a fraude institucionalizada a que o eleitor era submetido, a de votar em um candidato de um partido e eleger um outro, desconhecido, ou com programa oposto.

Meu pai, o que é a liberdade? | Moacyr Félix

- É o seu rosto, meu filho,
o seu jeito de indagar
o mundo a pedir guarida
no brilho do seu olhar.
A liberdade, meu filho,
é o próprio rosto da vida
que a vida quis desvendar.
É sua irmã numa escada
iniciada há milênios
em direção ao amor,
seu corpo feito de nuvens
carne, sal, desejo, cálcio
e fundamentos de dor.
A liberdade, meu filho,
é o próprio rosto do amor.

- Meu pai, o que é a liberdade?

A mão limpa, o copo d’água
na mesa qual num altar
aberto ao homem que passa
com o vento verde do mar.
É o ato simples de amar
o amigo, o vinho, o silêncio
da mulher olhando a tarde
- laranja cortada ao meio,
tremor de barco que parte,
esto de crina sem freio.

- Meu pai, o que é a liberdade?

É um homem morto na cruz
por ele próprio plantada,
é a luz que sua morte expande
pontuda como uma espada.
É Cuauhtemoc a criar
sobre o brasileiro que o mata
uma rosa de ouro e prata
para altivez mexicana.
São quatro cavalos brancos
quatro bússolas de sangue
na praça de Vila Rica
e mais Felipe dos Santos
de pé a cuspir nos mantos
do medo que a morte indica.
É a blusa aberta do povo
bandeira branca atirada
jardim de estrelas de sangue
do céu de maio tombadas
dentro da noite goyesca.
É a guilhotina madura
cortando o espanto e o terror
sem cortar a luz e o canto
de uma lágrima de amor.
É a branca barba de Karl
a se misturar com a neve
de Londres fria e sem lã,
seu coração sobre as fábricas
qual gigantesca maçã.
É Van Gogh e sua tortura
de viver num quarto em Arles
com o sol preso em sua pintura.
É o longo verso de Whitman
fornalha descomunal
cozendo o barro da Terra
para o tempo industrial.
É Federico em Granada.
É o homem morto na cruz
por ele próprio plantada
e a luz que sua morte expande
pontuda como uma espada.

- Meu pai, o que é a liberdade?

A liberdade, meu filho,
é coisa que assusta:
visão terrível (que luta!)
da vida contra o destino
traçado de ponta a ponta
como já contada conta
pelo som dos altos sinos.
É o homem amigo da morte
Por querer demais a vida
- a vida nunca podrida.
É sonho findo em desgraça
desta alma que, combalida,
deixou suas penas de graça
na grade em que foi ferida...
a liberdade, meu filho,
é a realidade do fogo
do meu rosto quando eu ardo
na imensa noite a buscar
a luz que pede guarida
nas trevas do meu olhar.
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Moacyr Félix, in 'Canto para As Transformações do Homem'