segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Cristovam Buarque*: O Brasil é redondo

- O Globo

Durante séculos, os navegantes tinham razão em evitar o oceano, por causa dos limites da Terra plana. Tinham razão, mas estavam errados, porque a Terra era redonda. Estamos fazendo o mesmo no Brasil: enfrentamos nossos problemas sem perceber que as soluções propostas são baseadas em ilusões. Nossa democracia precisa redondear o Brasil, buscando soluções que combinem a razão imediatista dos eleitores com a lógica necessária ao enfrentamento de nossos problemas. Diante de tanta violência e do descrédito da polícia, o eleitor tem razão em querer armas para se defender. Mas, apesar da razão, o eleitor está errado, porque estas mudanças não levarão ao fim da violência.

A razão de que mais armas diminui violência se baseia em falsas premissas, como ao dizer-se, olhando para o horizonte, que a Terra é plana. O argumento de que as armas irão apenas para as mãos dos homens de bem não se sustenta, porque antes do primeiro crime os atuais bandidos tinham bons antecedentes. Com mais armas nas mãos, disputas entre vizinhos com bons antecedentes poderão se transformar em guerras, quando eles puderem usar as armas guardadas em casa; a raiva transforma a posse em porte, automaticamente, mesmo que ilegal. O direito à posse vai levar os bandidos a assaltarem casas de bons cidadãos em busca de armas, em vez de dinheiro; diante do risco de uma arma guardada, entrarão atirando. A generalização da posse de armas vai provocar duelos dos cidadãos de bem reagindo ao assaltante que entrará atirando.

Fernando Gabeira: Procure lembrar

- O Globo

Estou muito velho para ficar desapontado, reclamando de governos. Mas nem tanto para iniciar um leve combate

‘Tente esquecer em que ano estamos.”

De vez em quando, ouço Luiz Melodia, que sempre me apoiou nas campanhas claramente perdidas, antes mesmo do começo. O verso foi escrito num contexto amoroso, no qual os amantes se esquecem do mundo. Infelizmente, não posso seguir o amigo, nesse verso de “Pérola negra”.

Minha tarefa é exatamente procurar lembrar em que ano estamos. Não é fácil. Para quem viveu longamente, muitos anos disputam o lugar de modelo, referência para compreender o que se passa. Pouco servem diante da singularidade de 2019.

A chegada de um novo grupo ao poder trouxe consequências imprevistas. O novo chanceler Ernesto Araújo escrever que o aquecimento global é uma invenção do marxismo global.

Não conheci Osvaldo Aranha, embora tenha visitado seu túmulo no Sul. Entrevistei, ainda jovem, Augusto Frederico Schmidt, leio constantemente sobre a trajetória de Afonso Arinos, San Tiago Dantas. E há ainda os grandes diplomatas de carreira. Nenhum desses homens, creio, seria capaz de se antepor tão ousadamente às evidências científicas colhidas pela humanidade.

Araújo é um intelectual. Fiquei até agradecido por aconselhar a leitura de Clarice Lispector. Não sei bem o que ela estava fazendo no seu discurso. Mas é sinal de bom gosto. A própria Clarice ficaria perplexa como se estivesse diante de um búfalo ou de uma galinha.

Realmente, tenho de me esforçar muito para entender a política ambiental de Bolsonaro. Antes de partir para Davos, aprovou para o Serviço de Florestas um homem que quer liberar a caça de animais silvestres no Brasil.

Cacá Diegues: Um Oscar novo

- O Globo

A inteligência e o entretenimento se somam em Hollywood para formalizar o reconhecimento de uma nova cultura

Há certos assuntos que a humanidade vive e discute há muito tempo. A migração, por exemplo, não é um tema de prática e teoria novas, embora, em anos recentes, tenha se tornado referência nos debates sobre o presente e o futuro do ser humano no planeta. A migração está na origem do reino do ser humano sobre a Terra, se levarmos em conta os movimentos de populações inteiras pelo globo afora, em todos os tempos. O homo sapiens surgiu em algum lugar da África e se deslocou para outros continentes até chegar à América, sua mais recente e grande migração. O ser humano, seja por que motivo for, nunca ficou parado para sempre num mesmo pedaço de terra.

Hoje, repetindo o passado, assistimos a um movimento trágico de populações africanas que se deslocam de suas origens, fugindo da fome e da guerra, duas formas brutais de extermínio humano, rumo sobretudo à Europa, a esperança mais próxima. Em alguns países alvos desses movimentos, como a Alemanha, já se organizaram as formas de recepção e acolhimento desses povos, de acordo com as leis locais e as características socioeconômicas de cada um. Em outros, como alguns centro-europeus, o horror ao migrante se revela em sinais brutais de racismo e xenofobia, de recusa sistemática dos necessitados, que acabam desajustados nas fronteiras ou no fundo sinistro do Mediterrâneo.

Em países mais longínquos, ondas migratórias se deram desde muito tempo atrás, fazendo parte da própria formação da nação, mesmo que setores políticos reacionários não as desejem e tentem negá-las. Como nos Estados Unidos ou no Brasil. No caso americano, o Oscar deste ano nos revela surpreendente superação de preconceitos multiétnicos.

Marcus André Melo*: Os coelhos do gentil-homem

- Folha de S. Paulo

O padrão de representação política deu lugar à pura cacofonia

As redes sociais representam uma nova espécie de política literária, no sentido que lhe empresta Alexis de Tocqueville (1805-1859) em o “Antigo Regime e a Revolução”. Explico: na França pré-revolucionária, a sociedade tornara-se excepcionalmente politizada, qualquer episódio cotidiano deflagrava —à semelhança de textões nas redes sociais hoje —vivas elocubrações.

“Todos aqueles que a prática cotidiana da legislação estorvava apaixonaram-se rapidamente por essa política literária. Não houve um pequeno proprietário devastado pelos coelhos do gentil-homem seu vizinho que não gostasse de ouvir dizer que a razão condenava indistintamente todos os privilégios, que todos os homens deveriam ser iguais.”

Cotidianamente todos os “faits divers” da política engendram cacofonia. Esta hiperpolitização é produto de várias causas estruturais combinadas, das quais comento apenas três.

A primeira é que o acesso amplo a informações instaura uma hipertransparência das ações públicas e privadas de agentes políticos, politizando a informação, cujo preço relativo aumenta, o que cria fortes incentivos para seu controle.

A segunda é que as redes sociais têm reduzido brutalmente os custos da ação coletiva ao possibilitar, a baixíssimo custo, a interação instantânea de milhares de pessoas, o que só seria possível no passado através de instituições intermediárias como igrejas, sindicatos e associações. A participação política alargou-se de forma colossal: sem sair de casa, um cyberativista pode ter grande incidência política.

A terceira, derivada desta última, é mais relevante para nossos propósitos aqui: o monopólio da representação política pelos partidos está fortemente tensionado.

Tocqueville enxergou a relação substitutiva entre ação de cidadãos e partidos. No caso francês, os primeiros foram mobilizados pelo que chamou de “políticos literários”; no nosso país e fora dele, pelos novos literatos de rede social, que inclui gente do próprio governo:

Celso Rocha de Barros*: Bolsonaro e as milícias

- Folha de S. Paulo

Sem o trabalho do Coaf, já teríamos milicianos fazendo churrasco no Palácio

A esta altura, é difícil não concluir que Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, é enrolado com milícias. O jornal O Globo descobriu que, quando o escândalo dos depósitos suspeitos veio à luz, Queiroz se escondeu na comunidade do Rio das Pedras, berço das milícias cariocas, onde sua família operaria um negócio de transporte alternativo (atividade tipicamente controlada por milicianos).

A jornalista Malu Gaspar, da revista piauí, apurou que Queiroz foi colega de batalhão de Adriano da Nóbrega, foragido da polícia e acusado de liderar a milícia Escritório do Crime, sob o comando de um coronel envolvido com a máfia dos caça-níqueis (outra atividade típica de milícia).

A polícia e o Ministério Público cariocas suspeitam que o Escritório do Crime matou Marielle Franco, a da placa que os bolsonaristas volta e meia rasgam às gargalhadas. Adriano da Nóbrega é foragido da polícia.

E, antes que os bolsonaristas digam que não acreditam em polícia, Ministério Público ou imprensa que não entreviste Bolsonaro de joelhos, lembrem-se do que disse Flávio Bolsonaro, o zero-um: Fabrício Queiroz, segundo o filho do presidente da República, lhe indicou a mãe e a mulher de Adriano da Nóbrega para cargos de assessoria em seu gabinete.

Repetindo: essa é a versão oficial, em que o único pecado da família presidencial foi amar demais o Queiroz.

A versão oficial confessa, portanto, o seguinte: o presidente da República emprestou R$ 40 mil para um enrolado com milícias cuja filha, Nathalia Queiroz, era funcionária fantasma de seu gabinete. Sim, fantasma: Nathalia trabalhava como personal trainer no Rio de Janeiro enquanto seu ponto era assinado no gabinete do então deputado federal Jair Bolsonaro.

O empréstimo foi pago pelo enrolado com milícias por meio de um depósito na conta da primeira-dama.

Mesmo na versão oficial, é um PowerPoint do Dallagnol bem curto: três círculos, duas linhas, milícia-Queiroz-Bolsonaro.

Com base só na versão oficial, portanto, pode-se dizer, sem medo de errar: se o Coaf não tivesse feito seu trabalho, já teríamos milicianos fazendo churrasco no Palácio da Alvorada, brindando com os generais, escolhendo Moro para zagueiro do time na pelada.

Se essa é a versão oficial, imagine o que deve ser a versão verdadeira.

Temos algumas pistas.

Leandro Colon*: Primeiro mês de Bolsonaro

-Folha de S. Paulo

Relação com novo Congresso será teste para presidente começar a provar que tem capacidade política

A quatro dias de completar um mês no cargo de presidente, Jair Bolsonaro coleciona episódios que expuseram suas limitações e os pontos frágeis do governo.

Há duas opções diante deste cenário: 1. Corrigir eventuais falhas para que a gestão entre em um voo de cruzeiro o quanto antes. 2. Ignorar os sinais preocupantes emitidos na decolagem e tratar com normalidade o que deveria ser alvo de reflexão.

As impressões até agora passadas por Bolsonaro e aliados palacianos apontam que a segunda alternativa é a mais plausível, sinalizando alta probabilidade de turbulências.

Sem aviso prévio, por exemplo, o governo editou o decreto que fragiliza a Lei de Acesso à informação ao permitir que servidores comissionados —os de confiança e de livre nomeação— possam classificar documentos como ultrassecretos e secretos. Um golpe na transparência.

E qual foi a reação governista à repercussão negativa? Defender a medida com argumentos vagos, como fez o vice-presidente, Hamilton Mourão, que assinou a mudança na condição de presidente interino.

Vinicius Mota*: Voucher, charter, pasmaceira

- Folha de S. Paulo

Experiências oferecem a chance de atacar problemas crônicos e dar mais opções a famílias

Que tal o governo oferecer aos pais duas opções para matricularem as crianças na escola? Poderiam escolher entre uma instituição pública e uma particular. Neste caso, o Estado pagaria a mensalidade do aluno com o dinheiro que deixou de gastar com ele na rede oficial.

A ideia de conceder um vale, ou voucher, para o ensino seduz parte dos liberais brasileiros e agora tem um patrocinador poderoso no Ministério da Economia, Paulo Guedes.

Em especial onde há escola pública com baixo desempenho, a chegada da competidora privada tenderia a elevar o nível das duas instituições. Se funciona com outros serviços, também dará certo na instrução básica, dizem defensores da iniciativa.

É possível que estejam certos e que estejam errados. O mais provável é que estejam certos em determinados contextos, mas errados em outros, como sugere a coletânea dos melhores estudos a esse respeito.

Bruno Carazza: De Davos a Brumadinho

- Valor Econômico

Governos e empresas sabem que o crime compensa

Bolsonaro é um homem de poucas palavras. Não é à toa que o Twitter é o seu principal canal de comunicação. Tendo a honra de abrir a edição 2019 do Fórum Econômico Mundial, em Davos, o novo presidente brasileiro julgou por bem transmitir sua mensagem em apenas 6 minutos e 40 segundos. Entre o "Boa tarde a todos" e o "muito obrigado", foram exatas 720 palavras, ou 4.554 caracteres com espaços (esta coluna tem 5,6 mil).

Pior do que abrir mão da rara oportunidade de estar frente a frente com a elite política e empresarial mundial é ver a dura realidade brasileira desmentir suas palavras em pouco tempo.

"Somos o país que mais preserva o meio ambiente. Nenhum outro país do mundo tem tantas florestas como nós. (...) Os setores que nos criticam têm, na verdade, muito o que aprender conosco", disse o presidente em Davos. Nem bem aterrissou na Base Aérea de Brasília na manhã de sexta-feira, o presidente já anunciava no Twitter, às 15h20, providências para socorrer as vítimas do rompimento de mais uma barragem da Vale, desta vez em Brumadinho, Minas Gerais.

Em Davos, Bolsonaro confundiu fluxo com estoque. O fato de termos sido agraciados com uma vasta extensão de florestas em nosso território não significa que preservamos o meio ambiente. No Estado que tem na mineração a base de sua economia (a ponto de ter sido batizado de Minas Gerais), o Brasil demonstra novamente que não tem nada a ensinar ao mundo sobre conservação.

As dificuldades em criar um arcabouço institucional eficiente para a exploração sensata do meio ambiente é um típico exemplo da lógica da ação coletiva, tese elaborada por Mancur Olson (1932-1998). O desenvolvimento sustentável beneficia a todos, inclusive as próximas gerações. No entanto, empresas extrativistas em geral têm objetivos de maximização de lucros no curto prazo - jogam, portanto, contra o interesse coletivo.

Angela Bittencourt: Semana será da Vale, Bolsonaro e Congresso

- Valor Econômico

Câmara e Senado renovados elegem presidentes na sexta

A tragédia em Brumadinho (MG), a recuperação médica do presidente Jair Bolsonaro, o início de mais uma legislatura no Congresso Nacional e a trégua de três semanas na paralisação do governo dos Estados Unidos e todos os seus desdobramentos vão orientar os negócios no Brasil e no mercado internacional nesta última semana de janeiro. Não vai ter refresco. Na terça e na quarta, o Federal Reserve (Fed, o Banco Central americano) realiza a primeira reunião de política monetária de 2019.

Esta segunda-feira é da Vale. O rompimento da barragem da Mina Feijão expõe a companhia aos investidores locais e estrangeiros. Os recibos de ações (ADR) caíram mais de 8% em Nova York, na sexta. As informações sobre o desastre ambiental e humano, no Brasil, provocaram imediata inversão das ações que subiam. Aqui, as ações da mineradora foram poupadas pelo feriado do aniversário da cidade de São Paulo que paralisou a bolsa brasileira - a B3.

Nesta segunda-feira, portanto, o mínimo que se pode esperar é a correção dos preços das ações da mineradora que devem ser alinhados aos ADRs, de Nova York. Por lá, porém, novos ajustes estão engatilhados porque novidades surgiram depois do fechamento da sessão na bolsa americana.

Cida Damasco: No rastro da lama

- O Estado de S.Paulo

Desastre de Brumadinho deve frear tentativas de afrouxar leis ambientais

São dezenas de mortos, centenas de desaparecidos, inúmeras dúvidas e ilações, e uma única certeza. A tragédia de Brumadinho escancara o quanto o Brasil está despreparado para um ciclo de crescimento com responsabilidade social, que deve ser o objetivo de qualquer país que se preze. Nem bem Minas e o País se distanciaram da tragédia de Mariana, ocorrida em 2015, e as mesmas cenas se repetem à vista de todo mundo.

Num “déjà vu” desanimador, a mesma Vale insiste nas mesmas explicações inaceitáveis. As mesmas autoridades prometem identificar e punir os culpados o mais rápido possível, além de tomar providências para evitar que novos acidentes aconteçam – controles, fiscalizações, auditorias e assim por diante. Muitas delas, inclusive, que fizeram vistas grossas à demora da Vale em assumir suas responsabilidades no caso de Mariana e, mais ainda, à expansão da produção da empresa em Minas, apesar dos riscos apontados por especialistas.

Além disso, no clima de guerra política que atravessou a campanha eleitoral e persiste no início do mandato de Bolsonaro, cada lado tenta buscar culpados entre seus opositores, numa simplificação quase infantil do problema. Nas redes sociais, sobram ataques, por exemplo, à privatização da empresa na gestão FHC, como se o Estado brasileiro, em todas as suas esferas, cuidasse bem de seu patrimônio. Estão aí, para quem quiser ver, os exemplos de obras públicas deterioradas nas grandes cidades, como os viadutos e pontes de São Paulo, e um sem número de outras inacabadas, que apodrecem antes de serem concluídas.

Ricardo Noblat: Cabeça a prêmio

- Blog do Noblat | Veja

No lugar errado e na hora errada

Está aberta a contagem regressiva para a renúncia ou afastamento de Fabio Schvartsman do cargo de presidente da Vale. Fosse o Brasil o Japão, ele já teria anunciado a renúncia, pedido desculpas ao distinto público e se dito pronto para arcar com as consequências do caso. Ou cometido o suicídio.

Mas, não. Depois de ter assumido o cargo sob a invocação de “Mariana nunca mais”, Schvartsman por enquanto ainda fala em criar “um colchão de segurança” para que nunca mais algo de parecido se repita. É pouco, quase nada.

Ex-presidente da Klabin, a maior produtora e exportadora de papéis do país, ele está certo ao dizer que não é engenheiro, não tem obrigação de entender sobre segurança de barragens, e que fora informado por seus colegas de diretoria que estava tudo bem lá pelas bandas de Brumadinho.

De fato, Schvartsman é um financista, e por isso foi trabalhar na Vale depois que a tragédia de Mariana derrubou seu antecessor. Teve um excepcional desempenho. Este ano, a Vale deverá pagar aos acionistas os maiores dividendos de sua história.

Disputa por cargos na Câmara divide PSL

Divergências ameaçam acordo anunciado por partido para apoiar reeleição de Maia

Camilla Turtelli Felipe Frazão Mariana Haubert / O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - A uma semana da eleição para a presidência da Câmara, o PSL está “rachado” por causa de disputas internas por cargos de comando na Casa. Dono da segunda maior bancada (52 deputados), o partido do presidente Jair Bolsonaro anunciou apoio à reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ), mas, pela divisão prevista no acerto, há mais postulantes do que vagas. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a mais importante da Câmara e prometida por Maia ao PSL em troca de apoio, é alvo da maior disputa.

Núcleo da base governista, o PSL, partido do presidente Jair Bolsonaro, vive uma fase de disputas internas que dividem integrantes da segunda maior bancada da Câmara, a uma semana da eleição e da posse da nova direção da Casa. A divisão dos cargos de comando na Câmara é o novo foco de atrito, além de desavenças que marcam o relacionamento na bancada desde a campanha eleitoral do ano passado.

Há mais postulantes do que cargos, segundo a divisão prevista no acordo para dar apoio à reeleição do deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). Para conseguir a promessa dos 52 votos do PSL, Maia cedeu à direção do partido a 2.ª vice-presidência da Mesa Diretora, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), a mais importante da Câmara, e a Comissão de Finanças e Tributação (CFT).

As suspeitas envolvendo o deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) – o nome do filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro aparece em relatório do Coaf por conta de movimentações financeiras consideradas atípicas – também acirraram as discussões e deixaram mais nítidas as divisões entre deputados. A avaliação é que esses rachas, que incluíram conversas vazadas cuja autoria estimulou desconfiança mútua entre os parlamentares, podem comprometer a base do presidente no Congresso e até dificultar a tramitação de projetos de seu interesse.

A presidência da CCJ é a mais disputada, com ao menos quatro pretendentes. A advogada Bia Kicis (PRP-DF), cuja filiação está “prometida” ao PSL; o deputado Coronel Tadeu (SP), ex-policial militar do Batalhão de Choque; o delegado da Polícia Federal Marcelo Freitas (MG); e o advogado Felipe Francischini (PR), filho do ex-delegado da PF e ex-líder do PSL Fernando Francischini. Os já filiados ao PSL estão insatisfeitos com a candidatura prévia de Bia Kicis. Argumentam que ela não poderia ter uma função de destaque por não estar no partido ainda, embora sua indicação seja defendida por membros da cúpula do partido. A jornalista Joice Hasselmann (SP) também deve disputar uma posição de destaque, que pode ser a presidência da Comissão de Finanças ou a vice-liderança do partido na Casa.

Outro filho do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (SP) – que já se referiu ao baixo clero do partido como “favelados” – deseja manter influência sobre a política externa e articula, segundo aliados, sua candidatura à presidência da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN).

Há preocupação com uma possível postulação do deputado Coronel Chrisóstomo (RO) à 2.ª vice-presidência da Câmara. A vaga estaria reservada ao presidente nacional do partido, deputado Luciano Bivar (PE), que anunciou o acordo com Maia sem consultar o restante da bancada. Uma candidatura avulsa de Chrisóstomo pode criar mais atritos no PSL e ameaçar o poder do grupo de Bivar, porque, com votação secreta, poderia receber votos de opositores e adversários para emplacar uma derrota ao governo.

Sem consulta à bancada, escolha de líder gerou críticas

Camilla Turtelli Felipe Frazão / O Estado de S. Paulo

Até a escolha de um deputado do próprio PSL para a liderança do governo na Câmara causou ciúmes. A bancada não foi consultada pelo presidente Jair Bolsonaro. A equipe da Casa Civil, à frente da articulação política, defendia que o posto fosse exercido por outra legenda, como forma de incluir mais partidos à base aliada.

Escolhido por Bolsonaro, o deputado de primeiro mandato Major Vitor Hugo (GO) é desafeto do atual líder da legenda na Câmara, Delegado Waldir (GO). A indisposição decorre das eleições. Vitor Hugo acusou o diretório estadual do PSL em Goiás, comandado por Waldir, de monopólio de verbas do fundo eleitoral, mas o processo não foi aceito.

“O PSL é a pedra fundamental da base do governo. Inclusive, eu postei isso no polêmico grupo do WhatsApp. Algumas acomodações de divergências vão acontecer e a gente vai começar a legislatura muito unido e efetivamente sendo o núcleo duro de apoio ao presidente”, diz o líder do governo.

Há ainda a formação dos grupos regionais. Em São Paulo, o deputado Junior Bozella, com base no litoral sul do Estado, é uma espécie de representante dos paulistas, enquanto o delegado da PF Felício Laterça coordena demandas dos parlamentares do Rio.

Bozella chegou a postular a presidência da Câmara, mas recuou. Já o delegado Laterça deve disputar a liderança com o delegado Waldir.

Eleição no Congresso inclui disputa por 682 cargos de até R$ 20 mil

Vagas para abrigar indicações de aliados estão entre os atrativos da disputa prevista para sexta

Daniel Carvalho, Angela Boldrini / Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Não são apenas os cargos de comando da Mesa Diretora e de comissões e a possibilidade de pautar questões legislativas estratégicas para os planos do governo Jair Bolsonaro que estão em jogo na eleição para presidente da Câmara e do Senado, na próxima sexta-feira (1º).

Além dos postos que serão ocupados por deputados ou senadores, estes parlamentares têm um vasto número de vagas à disposição para abrigar indicações de aliados.

Eles podem empregar —afora os servidores concursados— 682 cargos de confiança (485 na Câmara e 197 no Senado) com salários que variam de R$ 2.500 a R$ 19,9 mil.

A eleição no Congresso ocorrerá num momento em que Bolsonaro deverá estar em recuperação médica, após cirurgia a que deve ser submetido nesta segunda (28).

O presidente tem dito que não trabalha por nenhum dos candidatos que disputam os comandos das duas Casas. O início da nova Legislatura, porém, é fundamental para seus planos políticos —inclusive para negociar a reforma da Previdência, considerada crucial para sua gestão.

Segundo levantamento da coordenação de registro funcional da Câmara, feito a pedido da Folha, somente o gabinete do presidente da Casa tem direito a 82 CNEs (cargos de natureza especial), que são aqueles postos que dispensam a realização de concursos públicos —ou seja, o deputado emprega quem ele quiser.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), candidato à reeleição, diz que a quantidade não chega a tanto. “O número é menor: 46 na presidência, 33 nas outras vagas [da Mesa] e na suplência, 11”, afirma Maia.

A Câmara informou que estes números menores são da resolução original que trata do assunto, de 2007, mas o documento indica uma série de alterações desde então. A última é de julho do ano passado.

Deputado do PDT leva proposta de reforma da Previdência ao governo

Benevides leva proposta de reforma da Previdência ao governo

Por Marina Falcão | Valor Econômico

RECIFE - O deputado federal eleito Mauro Benevides Filho (PDT), coordenador do plano econômico do candidato derrotado à Presidência Ciro Gomes (PDT), vai apresentar uma proposta para a Previdência à equipe econômica do presidente Jair Bolsonaro.

Benevides Filho vai se encontrar amanhã de manhã, em Brasília, com o secretário da Previdência, Rogério Marinho, e com o secretário-adjunto, Leonardo Rolim para um conversa.

Secretário de Planejamento do Estado do Ceará, Benevides Filho assumirá o cargo de deputado no dia 1º de fevereiro e, segundo tem dito a interlocutores, exercerá a função até que a reforma da Previdência seja aprovada. Se o governo acatar suas sugestões, Filho se comprometerá a fazer a defesa da reforma na bancada do PDT no Câmara, que conta com 30 deputados.

A proposta a ser apresentada por Benevides Filho prevê um regime de três pilares, que mescla capitalização e repartição. O primeiro pilar consiste em separar a assistência social da conta da Previdência, incluindo pessoas que recebem até um salário mínimo e os trabalhadores rurais. Esses teriam direito ao benefício previdenciário contribuindo ou não.

O segundo grupo, formado por trabalhadores que recebem até R$ 5 mil, ficaria no regime de repartição, que seria alvo de ajustes para redução do déficit. O terceiro grupo, que inclui pessoas com salário acima de R$ 5 mil, iria para um regime de capitalização, que contaria com contribuição patronal além da contribuição do trabalhador. Pela proposta, o déficit no regime de capitalização é igual a zero, já que as aposentadorias somam o total do bolo gerado.

Queiroz indicou sete funcionários para a Alerj

Ex-assessor mostrava poder na escolha de cargos para o gabinete de Flávio Bolsonaro, mas era discreto no dia a dia da Casa. Da porta para fora, porém, já até impediu assalto na vizinhança e botou bandido para correr

Igor Mello / O Globo

Pivô da crise que atingiu o deputado estadual e senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), o ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz foi o responsável pela nomeação de pelo menos sete funcionários do gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio.

A influência de Queiroz beneficiou a própria família e ajudou a estabelecer ligações com o entorno do miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega —seu amigo dos tempos de 18º BPM, conforme admitiu nesta semana.

Adriano é apontado pelo MP como líder do grupo paramilitar que controla a comunidade de R iodas Pedras e principal articulador do Escritório do Crime, que reúne matadores de aluguel. Ele foi um dos alvos da Operação Os Intocáveis, deflagrada pelo Grupo de Atuação Especial no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP e pela Polícia Civil, e encontra-se foragido.

A primeira nomeação na conta do ex-assessor, que atuava como motorista e segurança de Flávio Bolsonaro, foi ade Márcio da Silva Gerbatim, em maio de 2007— menos de dois meses depois da chegada de Queiroz à equipe de Flávio. Márcio é ex-marido da atual mulher de Queiroz, Marcia Aguiar, também indicada por ele para o gabinete.

APADRINHADOS
Em setembro de 2007, Queiroz emplacou mais dois nomes na Alerj. No dia 6, Danielle Mendonça da Costa Nóbrega, mulher de Adriano, passou a trabalhar no gabinete de Flávio. Raimunda Veras Magalhães, mãe de Adriano, também ocupou cargos ligados a Flávio entre março de 2015 e novembro do ano passado. Antes de ir para o gabinete do senador eleito, Raimunda esteve lotada na liderança do PP — partido do senador eleito naquele momento.

Recuperar os investimentos: Editorial | O Estado de S. Paulo

O esforço da equipe do presidente Jair Bolsonaro para mostrar a dirigentes de corporações internacionais reunidos no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, que o governo está preparando o País para oferecer condições ainda melhores para o ingresso de investimentos estrangeiros pode contribuir para o Brasil recuperar posições no ranking dos grandes receptores de capital externo. No ano passado, o fluxo de investimentos diretos estrangeiros para o Brasil caiu 12% em relação a 2017, razão pela qual o País perdeu duas posições (caiu do 7.º para o 9.º lugar) na classificação dos principais destinos desses investimentos. O motivo apontado para a queda é o quadro político e econômico do País que prevaleceu no ano passado, marcado pelas incertezas geradas pelo processo eleitoral. Agora, o governo precisa, de fato, mostrar que tudo isso foi superado e que conseguirá fazer as reformas indispensáveis para assegurar o equilíbrio financeiro do setor público e a retomada do crescimento econômico.

A perda de posições pelo Brasil poderia ter sido mais acentuada se outros países também não tivessem registrado queda expressiva no fluxo de investimentos estrangeiros. O Monitor das Tendências Globais de Investimentos divulgado em Davos pela Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad), na véspera da abertura do Fórum Econômico Mundial, mostrou que, no ano passado, os investimentos globais encolheram 19%, caindo para o total de US$ 1,18 trilhão. Esse nível é o mais baixo desde a eclosão da crise financeira mundial em 2008.

Rever tributo sobre lucro é necessário, mas tem riscos: Editorial | Valor Econômico

O anúncio, feito pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, de que o governo pretende trabalhar para reduzir de 34% para cerca de 15% a tributação sobre o lucro das empresas brasileiras foi um dos destaques da passagem das autoridades nacionais pelo Fórum Econômico Mundial, realizado em Davos, na Suíça. A medida já vinha sendo estudada no governo Michel Temer, foi defendida abertamente pelo antecessor de Guedes, o ex-ministro Eduardo Guardia, que, contudo, não enviou ao Congresso uma proposta efetiva.

O atual chefe da equipe econômica explicou que pretende compensar essa desoneração por meio da cobrança de imposto de renda sobre a distribuição de dividendos aos acionistas das empresas. E também com a eliminação ou redução do benefício dos juros sobre capital próprio.

A diminuição da tributação sobre o lucro acompanha uma inequívoca tendência internacional, reforçada com a atuação do atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

O Brasil tem uma das maiores cargas tributárias incidindo sobre o lucro gerado pelas empresas em comparação com economias mais relevantes do mundo, como os membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), grupo do qual o país pretende fazer parte.

Diplomacia pode pôr em risco o acesso a mercados árabes: Editorial | O Globo

Não faz sentido Brasil entrar em conflito distante de seus interesses e perder espaço no comércio

O período de transição de governo, em dezembro, já demonstrou ao presidente Jair Bolsonaro que declarações suas e de membros da equipe passaram a ter um grande peso. Mexem com mercados, repercutem no exterior.

E o país pode pagar um preço por isso. Um exemplo claro é Bolsonaro no caso da mudança da embaixada brasileira em Israel, de Tel Aviv para Jerusalém, desnecessária provocação aos palestinos em particular e aos árabes em geral. Uma juvenil demonstração de que pode repetir os EUA neste movimento. Não pode.

O presidente ainda estava em Davos, na terça, quando a Arábia Saudita anunciou a suspensão de importações de cinco frigoríficos brasileiros, sob alegações técnicas. Mas o recado foi evidente: confirmar a mudança da embaixada, o que significa reconhecer toda a Jerusalém como capital de Israel, levará a retaliações no comércio.

E o país tem muito a perder — bilhões de dólares em exportações e em milhares de empregos no agronegócio e seus segmentos. O Brasil é o maior exportador de carne halal, termo que significa “lícito”. Os frangos são abatidos conforme ritual, o que também acontece com alimentos kosher, para judeus. Também se exporta carne bovina da mesma forma.

Mais um desastre: Editorial | Folha de S. Paulo

Tragédia em Brumadinho atesta incapacidade do Estado em obrigar empresas a garantir a segurança

Ainda demorará um tanto até que o impacto humano e ambiental do rompimento da barragem em Brumadinho (MG), na sexta-feira (25), possa ser propriamente avaliado. Algumas lições preliminares, entretanto, já podem ser extraídas desse lamentável desastre.

A primeira deriva do fato acabrunhante de que não se trata de tragédia inédita no gênero. Há apenas três anos o país consternou-se diante das 19 mortes e da incrível devastação desencadeadas pelo colapso de uma barragem da Samarco, que varreu do mapa a localidade de Bento Rodrigues (MG).

Pouco ou quase nada se fez desde então. A não ser, por óbvio, as suspeitas medidas usuais: instalaram-se comissões para tratar do assunto. Resultado? Nenhum.

Inventar comissões e endurecer a legislação não necessariamente resolverão o problema se a deficiência se concentrar no cumprimento das normas, e não na sua criação ou reformulação.

Existe no país uma Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB). Nessa seara, só a abrangência do cadastramento obrigatório avançou: de 4.437 registros, em 2013, chegou-se a 24.092 em 2017.

Carlos Drummond de Andrade: No Meio do Caminho

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.