segunda-feira, 6 de junho de 2022

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Editoriais

STF tem de derrubar lei que facilita devastação da Mata Atlântica

O Globo

Enquanto o mundo está de olho na devastação da Amazônia, segue em curso também um golpe na Mata Atlântica, desferido pela sanção presidencial à lei que modifica o Código Florestal e concede aos municípios o poder de estabelecer as regras de uso e ocupação de margens de rios e mananciais nas Áreas de Preservação Permanente (APPs). Se o meio ambiente já sofre apesar das restrições impostas por leis federais, imagine-se o que poderá acontecer se cada prefeito ou câmara de vereadores, nos 5.570 municípios, puderem modificar regras de ocupação de APPs nas cidades. Contra isso, PT, PSB e Rede impetraram uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF), cujo relator é o ministro André Mendonça.

Em sua campanha pela derrubada de florestas, o presidente Jair Bolsonaro parece dar prioridade à Amazônia. Mas defendeu a instalação de resorts inspirados no polo mexicano de Cancún ao longo da Costa Verde, região de Angra dos Reis, onde chegou a ser multado, quando ainda era deputado, por pescar em área de preservação. Depois de ser eleito presidente, em 2018, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) suspendeu a multa de R$ 10 mil.

Cristovam Buarque*: A república hipócrita

Blog do Noblat / Metrópole

Por que se indignam depois de cada violência física da polícia, mas toleram o sofrimento e a morte de milhões de brasileiros pela fome?

Por quase toda história da escravidão, o senhor podia, legalmente, matar ou torturar seu escravo, mas não se conhece manifestação favorável a estes gestos por parte de qualquer dos dois imperadores que governaram o Brasil naquele tempo. Depois de 133 anos de República, 37 de democracia cidadã, ainda vemos licença para maus ou incompetentes policiais assassinarem descendentes sociais dos escravos, quase todos descendentes também biológicos; e o Presidente, eleito por 56 milhões de cidadãos, manifestando simpatia pelos que matam, com o argumento de que estão defendendo a ordem, mesmo argumento dos escravocratas. A maldade do governante aumentou, apesar de eleito.

Diferentemente, porém, dos brasileiros livres de antes, que aceitavam o direito de matar para alguns, agora a população se divide entre os que defendem este direito como parte da tarefa de policiais e muitos que se manifestam contra por considerá-los maus ou incompetentes para cumprirem suas obrigações. Incapazes de serem bons policiais, como seus colegas, sem atirar balas perdidas matando crianças, sem assassinar cidadãos decentes, cujo crime é o endereço em que mora ou passava, ou mesmo matar bandidos, em um país sem pena de morte.

Fernando Gabeira: Hipocrisia nas críticas à Lei Rouanet

O Globo  

Muito discutida nas redes sociais a história dos cantores sertanejos que fazem shows milionários custeados por dinheiro público. Logo eles, severos críticos dos artistas que se utilizaram da Lei Rouanet para financiar seus espetáculos.

Hipocrisia à parte, os mecanismos usados pelos cantores bolsonaristas é sofisticado e visa, exatamente como o famoso orçamento secreto, a burlar a transparência.

A Lei Rouanet está escrita, tem mecanismos de controle e prestação de contas. Nesse sentido, é mais avançada. Isso não significa que, no passado, com ou sem ela, não tenham acontecido shows discutíveis, como o de Ivete Sangalo na inauguração de um hospital no Ceará. O dinheiro teria sido mais adequadamente gasto em esparadrapo, seringas e aspirinas.

Mas tudo isso é apenas detalhe diante da grandeza do tema “política cultural”. Se não avançarmos um pouco mais, corremos o risco de nos perdemos nesse bate-boca.

Na semana passada, numa conversa com Carlos Minc e André Trigueiro para a TV, afirmei que um dos grandes impactos positivos para mim na Rio-92 foi a afirmação de que preservar a diversidade cultural era tão importante como preservar a própria biodiversidade.

Miguel de Almeida: Pastores sem compaixão por mortos

O Globo

Como vivemos no mesmo mundo, é razoável supor que os pastores bozofrênicos tenham acompanhado as duas dezenas de mortes na Vila Cruzeiro, depois de mais uma letal operação policial.

Difícil também, pode-se afirmar com 99% de certeza, que os mesmos religiosos não estejam informados da morte por asfixia de um motoqueiro no interior sergipano, idem por policiais.

Desnecessário perguntar se tais pastores ouviram as declarações entusiasmadas de apoio do notório Bozo à ação na Penha carioca e à minimização da morte no camburão de gás no Nordeste.

Seria instrutivo, até reconfortante, saber o que os líderes espirituais evangélicos sentiram ao ver as imagens agônicas de Genivaldo dentro da viatura. Condoeram-se? Ficaram ao menos boquiabertos, pasmados, com os gritos do seu semelhante clamando socorro?

Por certo, rapidamente puxaram outra imagem no Instagram. E deram um like na imagem de um cãozinho fofo. Calaram-se, enfim.

Irapuã Santana: País precisa de propostas em vez de radicalização

O Globo

Na primeira coluna do ano, abordei o clima em que está inserida nossa sociedade, vislumbrando um aumento da polarização, da cultura de cancelamento, do comportamento tribal das bolhas e da interdição ao debate de ideias.

Infelizmente, essas previsões estão se confirmando ao longo destes cinco meses desde a publicação do texto. No entanto o problema chegou a um nível que não imaginaria. Em 2018, ao não votar no candidato da esquerda, o eleitor se tornava automaticamente fascista. No outro extremo do espectro político, a mesma coisa aconteceu, sendo tachado de comunista aquele que escolheu não votar no atual presidente.

Hoje, a classificação e a exigência chegaram mais cedo num tom bem acima. Quem não se posicionar para um lado ou para o outro no primeiro turno, dentro da perspectiva de seus respectivos grupos, atenta contra a democracia. E não para por aí: é necessário passar um cheque em branco aos candidatos, sem externar críticas e divergências, tendo em vista que tal comportamento daria força ao adversário, visto como inimigo mortal.

Marcus André Melo*: Perplexidade na Colômbia

Folha de S. Paulo

Bipartidarismo secular, ausência de populismo e partilha de poder moldaram democracia colombiana

Na Colômbia, um outsider será provavelmente eleito presidente. E isso em um país marcado por um partidarismo sem paralelo na região. Mas um olhar atento revela que esse resultado não é paradoxal.

Três fatores marcam historicamente o sistema político colombiano. O primeiro é que dois partidos —Conservador e Liberal— dominaram a política por um século e meio, engendrando um hiperpartidarismo peculiar. A excepcional animosidade entre eles levou a confrontos com mais de 100 mil mortos, em 1902, e 170 mil mortos entre 1948 e 1960 (no episódio conhecido como La Violencia, o qual gerou uma especialidade temática: a "violentologia"). E isso antes da criação das Farc (1964).

Celso Rocha de Barros: Quilombo nos Parlamentos

Folha de S. Paulo

Coalizão lança movimento para promover candidatos negros nas eleições deste ano

Acontece nesta segunda (6), na Ocupação 9 de Julho, em São Paulo, o lançamento da iniciativa Quilombo nos Parlamentos. Trata-se de um movimento de promoção de candidatos negros nas eleições deste ano, organizado pela Coalizão Negra por Direitos. O evento contará com a presença de gigantes da história do movimento negro brasileiro, como Milton Barbosa, Sueli Carneiro, Hélio Santos e Cida Bento.

A iniciativa reúne candidatos de vários partidos de esquerda e centro-esquerda: PT, PSB, PSOL, PDT, PC do B, PDT e Rede Sustentabilidade. O objetivo é ampliar a proporção de negros no Congresso brasileiro. No momento, há apenas 21 parlamentares brasileiros que se declaram "pretos". É menos do que 5% dos congressistas. Etnicamente falando, se o Congresso Nacional estiver representando algum país, não é o Brasil.

Ana Cristina Rosa: O pior da elite nacional

Folha de S. Paulo

O que ouvi na cafeteria não foi, infelizmente, um discurso isolado

Meu desjejum de 29 de maio numa cafeteria da Asa Sul, área nobre de Brasília, revelou o pior da elite brasileira: má educação, preconceito, indiferença e alienação quanto à realidade nacional. Tudo o que eu queria era tomar um café e conversar com uma amiga de longa data, a jornalista Claudia Dianni. Mas o dono do comércio local tinha outros planos. E, depois de interromper nosso papo, desatou a falar feito doido.

Em meio à suposta tentativa de vender um queijo dito especial, desfiou uma ladainha de preconceitos tão arraigados que foi incapaz de reconhecê-los como problema. Começou perguntando minha origem para, em seguida, desfazer da cor dos meus olhos.

Felipe Moura Brasil: Os bons companheiros de Bolsonaro e Lula

O Estado de S. Paulo.

Por que Queiroz, que silenciou como Dirceu, teria de amargar o abandono de Palocci?

A morte de Ray Liotta em 26 de maio trouxe de volta a reverência mundial ao filme Os Bons Companheiros, de 1990, dirigido por Martin Scorsese, no qual o ator interpretou a versão adulta do mafioso Henry Hill, que narra sua própria trajetória em Nova York. A quem quiser entender as facções políticas do Brasil atual, aproveito para relembrar, também, as lições dadas por Jimmy Conway, vivido por Robert De Niro, ao então novato Henry, em versão adolescente interpretada por Christopher Serrone, quando ele é solto após sua primeira passagem pela cadeia.

“Parabéns. Aqui está o seu presente de graduação”, diz o veterano, colocando dinheiro no bolso do garoto, no corredor de saída do tribunal.

“Pelo quê? Eu fui em cana”, reage Henry, surpreso.

Denis Lerrer Rosenfield*: A morte

O Estado de S. Paulo

O Brasil vive um período delicado. Um jogo político com a morte. A sociedade não pode pactuar com tal tipo de ‘brincadeira macabra’.

A morte é o destino dos seres humanos, ao fim de um ciclo natural de vida, que se apresenta como uma espécie de enigma da condição humana. De toda maneira, as pessoas se acostumam gradativamente com essa ideia através da idade e de doenças sucessivas. Logo, passa a ser tida por normal, embora essa normalidade seja a do corpo inerte tomado por bactérias e vermes. A religião veio a ser uma forma de conforto, graças a ideias como a de “salvação”, “outro mundo” e “vida eterna”, entre outras acepções. Pascal, célebre filósofo católico, dizia que a vida era uma forma de “distração”, de “divertimento”, usufruída pelas pessoas procurando esquecer a morte inexorável.

Estados totalitários, aqui, inovaram. Tiraram a morte do seu ciclo natural e conferiram-lhe uma significação propriamente política, de poder, submetendo agrupamentos humanos por raça, religião ou mera diversidade à violência extrema. No nazismo, seres humanos, como judeus, homossexuais, ciganos e testemunhas de Jeová, considerados como “subumanos”, terminaram, por via de consequência, seus dias em câmaras de gás e nos crematórios. Extirpados da categoria dos humanos, a morte violenta lhes foi imposta.

Roberto Livianu*: Um novo Nero entre nós?

O Estado de S. Paulo

Temos assistido ao triste espetáculo diário do incentivo ao conflito e ao armamentismo irresponsável da população brasileira.

As Forças Armadas sempre cumpriram papel crucial, de organismo de defesa do País, protegendo nossas fronteiras e, nas últimas décadas, apoiando o Estado Democrático de Direito. Nossa Constituição coloca o presidente na posição de chefe das Forças Armadas com a clara expectativa de que exerça esse poder pelo povo, para o povo e em nome do povo – jamais permitindo a instrumentalização e o abuso. Aliás, o respeito à Constituição e aos princípios da separação dos Poderes e da prevalência do interesse público é compromisso visceral republicano.

Mas nem sempre foi assim, pois já vivenciamos momentos em que nossos presidentes do passado usaram as Forças Armadas com fins políticos, rompendo a ordem democrática e institucional. O marechal alagoano Deodoro da Fonseca instalou a República por golpe militar em 15 de novembro de 1889. O ex-sargento gaúcho Getúlio Vargas, em 1937, implantou o Estado Novo, governando de forma ditatorial até 1945; e o marechal cearense Castelo Branco foi o escolhido pelos golpistas militares de 1964 para assumir o primeiro governo federal do período da ditadura, que duraria 21 anos.

Eis que, passados 37 anos do fim da ditadura, o capitão paulista reformado, hoje presidente Bolsonaro, tem sinalizado na direção da tirania, ao reapresentar a tese do voto impresso auditável, já examinada pelo Congresso Nacional e rechaçada – parecendo desprezar a votação ocorrida. É ato totalitário pôr em dúvida a realização de eleições em 2 de outubro, assim como questionar a confiabilidade do sistema de urnas eletrônicas, utilizado em mais de 40 nações do mundo, por meio do qual ele mesmo foi eleito oito vezes, sem nunca ter reclamado antes.

Bruno Carazza*: Haddad, o novo Genoino?

Valor Econômico

Apoio de Lula e esquerda unida adianta só no 1° turno

Luiz Inácio Lula da Silva teve seu batismo nas urnas em 15 de novembro de 1982, quando com número 3 (o 13 seria adotado logo depois) apareceu na cédula de votação para o cargo de governador de São Paulo na primeira eleição do recém-criado Partido dos Trabalhadores.

Fundado pela união de sindicalistas com acadêmicos, artistas e lideranças católicas que tinham em comum a oposição ao regime militar e ideologia de esquerda, o PT possui DNA fortemente paulista. Apesar de ter se nacionalizado em 42 anos,, ironicamente o PT nunca venceu o Estado de São Paulo.

Desde o 4º lugar na estreia de Lula em 1982, o PT escalou figuras históricas e nomes promissores do partido para disputar o Palácio dos Bandeirantes: Eduardo Suplicy (4º em 1986), Plínio de Arruda Sampaio (4º em 1990), José Dirceu (3º em 1994), Marta Suplicy (3º em 1998), José Genoino (2º em 2002), Aloizio Mercadante (2º em 2006 e 2010), Alexandre Padilha (3º em 2014) e Luiz Marinho (4º em 2018). Os petistas, porém, nunca chegaram nem perto de assumirem o comando da mais poderosa unidade federativa brasileira.

Alex Ribeiro: Dez propostas para o regime de metas

Valor Econômico

Economistas pregam revisão do arcabouço de política monetária

O regime de metas de inflação está em vigor há 23 anos no Brasil e serviu como uma boa âncora para atravessar várias crises. Mas nossos resultados são piores que os de nossos vizinhos. A inflação superou a meta em 74% dos anos, ante 61% na Colômbia, 52% no Peru e 43% no Chile.

Quem cita esses números são os economistas Ricardo Barboza, do FGV Ibre, e Mauricio Furtado, do BNDES, em um texto para discussão com dez propostas para melhorar o funcionamento da política monetária no Brasil.

Algumas sugestões são polêmicas e, certamente, não terão apoio de todos. Mas o trabalho tem o mérito de levantar o debate sobre a necessidade de uma avaliação periódica do regime de metas.

Trabalhadores que ganham até um salário mínimo chegam a 38%

No fim do governo Temer, proporção era de 30%. Criação de vagas foi acompanhada de achatamento salarial

Por Fernanda Trisotto / O Globo

BRASÍLIA - A falta de experiência e a pouca idade fizeram com que Beatriz Pinheiro, de 20 anos, ficasse um ano procurando emprego quando saiu de um programa de jovem aprendiz ao terminar o ensino médio. Moradora de Planaltina, cidade-satélite de Brasília, ela demorou, mas conseguiu um trabalho em 2020: operadora de caixa em um supermercado na capital federal. O pagamento? Um salário mínimo.

Os R$ 1.212 que recebe por mês vão para bancar as contas da casa que divide com o namorado. As maiores despesas são as fixas — aluguel, água e luz — que ela não tem como deixar de pagar, para não correr o risco de ter os serviços cortados. Mas o salário rende cada vez menos, e trabalhando em um supermercado ela sente a pressão dos preços diariamente:

— Um dia você repara num produto que custa R$ 10, mas na semana seguinte já está R$ 20 ou R$ 25. Tem mês que o salário dá para bancar tudo, mas tem meses que preciso correr para o cartão de crédito.

Casos como o de Beatriz não são isolados: o Brasil é, cada vez mais, o país do salário mínimo. O total de profissionais brasileiros que ganham até o piso era de 27,6% dos trabalhadores no último trimestre de 2015 e foi a 30,09% no mesmo período de 2018, no fim do governo Temer.