sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Fernando Abrucio* - Reconstruir o país pelo equilíbrio

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Brasil só vai ter futuro melhor se incorporar mais grupos em sua governança, estabelecendo diálogo entre eles

O aspecto que chama mais a atenção na comemoração dos 200 anos de Independência é a falta de uma celebração coletiva e plural da sociedade brasileira. O que sobrou são poucos festejos oficiais, sendo que Bolsonaro fez pior do que a ditadura militar: usa os recursos do Estado para dividir a nação e fazer campanha personalista em prol de sua reeleição.

A questão é que o sectarismo bolsonarista impede a reflexão sobre a trajetória passada e recente do país, destrói as instituições e enfraquece o sentimento de pertencimento nacional. Para sair dessa enrascada, o Brasil só vai ter um futuro melhor se incorporar mais grupos em sua governança, estabelecendo diálogo entre eles e criando um novo equilíbrio político.

Sair da situação sectária e sem diálogo em que estamos é fundamental para reconstruirmos as instituições políticas e as políticas públicas atingidas por Bolsonaro. Há uma longa lista de tarefas. Em primeiro lugar, setores governamentais foram, em maior ou menor grau, desmontados.

Esses são os casos do Sistema Único de Saúde (SUS), da política educacional, da longa tradição diplomática, da burocracia e da legislação ambientais, da área de cultura, da proteção das comunidades indígenas, dos serviços e programas de assistência social, dos programas habitacionais, do embrionário modelo do Sistema Único de Segurança Pública e das ações no campo dos direitos humanos. Quase todo o Estado brasileiro sofreu um processo de deterioração institucional.

Em cada uma dessas políticas públicas será necessário apaziguar o conflito gerado pelo bolsonarismo, retomar o diálogo com os atores estratégicos, trazer de volta o que havia de bom e corrigir o que precisa se adequar às novas demandas do século XXI. De todo modo, o objetivo é sair da lógica das guerras culturais e estruturar os programas governamentais de forma profissional, baseando-se em evidências e no expertise de técnicos governamentais e especialistas que trabalham há anos com o assunto.

Vera Magalhães - O crime ruidoso acua e compensa

O Globo

Quando abusos de um populista são endossados por um público grande e radicalizado, as instituições têm receio de agir

Jair Bolsonaro foi um mestre ao arquitetar o 7 de Setembro e fazer com que ele ocorresse exatamente segundo o que planejou. Mais de um mês antes, disse que a micareta seria na Praia de Copacabana, que favoreceria a mistura proposital dos militares e do povo. Disseram que o Exército não aceitaria, o prefeito Eduardo Paes tentou resistir, mas, no fim, tudo ocorreu como ele designou.

O presidente formulou discursos sem xingamentos, mas cheios de mensagens subliminares, conhecidas como “apitos de cachorro”. Estava lá a ameaça velada de trazer para as tais “quatro linhas” aqueles que estão agindo fora dela, ou seja, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Isso não foi casual, tampouco sinal de moderação, algo impossível no bolsonarismo e no caldo altamente radicalizado que está sendo curtido nas redes — e que deu as caras nas ruas de Brasília e do Rio, nas mensagens presentes em cartazes e guindastes.

Nos dias anteriores aos atos, mensagens nos grupos públicos bolsonaristas de WhatsApp já avisavam aos “patriotas” que não haveria agressões aos ministros do Supremo porque o Judiciário, que seria aliado da esquerda, estaria “provocando” Bolsonaro com atos como a proibição de celulares e armas no dia da eleição, na expectativa de que a reação do presidente ensejasse interpretações de que ele pretende dar um golpe.

César Felício* - O #EleNão bolsonarista

Valor Econômico

Mobilização e radicalização andam de mãos dadas

O 7 de setembro, de um certo modo, foi o equivalente ao #EleNão do bolsonarismo. O golpismo teve ampla guarida no público vestido de verde e amarelo anteontem na praia de Copacabana, como mostrou o levantamento de um núcleo da USP, publicado no site do jornal “O Globo”, mas esta não foi a tônica das ruas.

Muito mais forte na retórica do presidente Jair Bolsonaro foi a diatribe contra o nove-dedos, o carniça, o cachaceiro, o ladrão, o comunista, o ameaçador das tradições, o pervertedor das famílias.

A aposta nas ruas implica naturalmente em radicalismo, não há outra maneira de se conseguir uma mobilização. Prega-se aos convertidos. Bolsonaro ontem reuniu uma plateia de aficcionados - 91% dos presentes votaram nele em 2018, de acordo com a pesquisa divulgada pelo “O Globo”. O saldo mais concreto em termos eleitorais é uma energização da base que leva o seu eleitor a se empenhar mais na persuasão ou intimidação de quem pensa diferente.

José de Souza Martins* - Álibis políticos da corrupção

Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

O homem comum tem dificuldade para perceber que em países como o Brasil há ladrões honestos, isto é, os que são corruptos nos procedimentos que redundam em seu enriquecimento

O destino político do Brasil tem sido hipocritamente decidido pelo retorno cíclico da suposta honestidade de alguns contra a suposta corrupção de outros. Em havido, até, governantes eleitos na presunção autoproclamada de que são honestos, de uma imaculada honestidade que salvará o país da suposta roubalheira dos demais. Corrupto é sempre o outro. Temos até corruptos bentos. Ninguém explica, porém, que corrupção é essa nem que honestidade é essa. E políticos provavelmente íntegros e melhores têm deixado de ser candidatos e até de ser eleitos porque não conseguem provar e convencer que não são desonestos. Coisas de um país do avesso.

Para entender esse país anômalo, cada vez mais rico e mais pobre ao mesmo tempo, cujas irracionalidades econômicas, sociais e políticas são produzidas, apoiadas e estimuladas pelo próprio governo, é preciso compreender sua estranha e persistente formação.

Sua base histórica é o município. Desde os primeiros anos da Conquista, tornou-se ele a base da estrutura política brasileira e fundamento da superestrutura da administração pública, mesmo quando ela se desdobrou nos poderes das províncias, dos estados e da nação. Criou uma cultura política.

Claudia Safatle - Mobilidade social e populismo

Valor Econômico

Parece que elevador social do mundo desenvolvido quebrou

Cresce no mundo a preocupação com o encolhimento das oportunidades de trabalho da classe média na estrutura de ocupações, por avanço tecnológico. Há, porém, um aumento nas ocupações do estrato alto (associadas com o pensamento crítico, solução de problema, criatividade, interação com pessoas) e, em menor escala, nas do estrato baixo (transporte, serviços simples, cuidados pessoais).

É a polarização do trabalho que, em íntima associação com o aumento da mobilidade social descendente da classe média, formam a raiz do populismo que se instalou em parte do mundo, cujos líderes eram e são: Donald Trump (EUA), Boris Johnson (Reino Unido), Alexis Tsipras (Grécia), Viktor Orbán (Hungria), Recep Erdogan (Turquia), Vladimir Putin (Rússia), Rodrigo Duterte (Filipinas), Evo Morales (Bolívia), Pedro Castillo (Peru), Andrés Manuel López Obrador (México), Hugo Chávez e Nicolás Maduro (Venezuela), Cristina Kirchner e Alberto Fernández (Argentina), Gabriel Boric (Chile), Lula e Jair Bolsonaro (Brasil).

Essa é a síntese de trabalho elaborado por José Pastore e apresentado em debate recente na Fipe (Fundação instituto de Pesquisa Econômica). Na Europa, nos EUA, na América Latina e no Brasil, em particular, o fenômeno se repete e fragiliza a democracia.

Eliane Cantanhêde - O Dia da Pátria que não houve

O Estado de S. Paulo

Bolsonaro jogou a rede e colheu o 7 de Setembro, o bicentenário e toda a mídia

O presidente Jair Bolsonaro não só implodiu a Constituição e as leis, sequestrou o 7 de Setembro e o bicentenário da Independência do Brasil e pôs a estrutura, os recursos, os funcionários públicos e as Forças Armadas a serviço da reeleição como também capturou toda a mídia nacional e os jornalistas com a armadilha da “princesa” e o “imbrochável”.

Não há uma só referência do presidente ao Dia da Pátria e à Independência na quarta-feira, em que rádios, televisões, internet e nós, editores, comentaristas, colunistas, repórteres, fotógrafos e cinegrafistas demos ao candidato Bolsonaro uma exposição que nenhum de seus concorrentes terá em toda a campanha, na cobertura e na propaganda eleitoral.

“Trending topics” do Twitter e citado até no The New York Times, o “imbrochável”, difícil de traduzir, foi o sucesso do Dia da Pátria. Tão abjeto quanto o presidente comparar sua mulher e a dos adversários e convocar solteiros a casar com “princesas”. Ou quanto o então presidente Lula se referir-se ao “ponto G” feminino numa entrevista com o americano George W. Bush em São Paulo. Isso tudo diminui homens, mulheres e o País.

Laura Karpuska* - A bandeira é nossa.

O Estado de S. Paulo

Excluir quem não apoia o governo é uma tentativa de desmonte da nossa identidade nacional

Na quarta-feira pela manhã passei próximo à Avenida Paulista. Ambulantes vendiam bandeiras do Brasil para apoiadores do presidente que iam chegando aos poucos. Era uma onda verde-amarela.

Comemoramos 200 anos da nossa independência, mas a celebração era partidária. Era pró-Bolsonaro. A exceção talvez tenha sido a feliz reinauguração do Museu do Ipiranga. O resto foram eventos com tom golpista e repletos de falta de decoro.

A apropriação das cores da bandeira por um grupo político não é apenas uma infelicidade para quem quer torcer na Copa pela Seleção, mas não quer ser confundido com um apoiador do presidente. É também uma forma de enfraquecer nosso tecido social.

Simon Schwartzman* - O Golpe da Independência

O Estado de S. Paulo

É triste quando um povo celebra sua identidade e sua história desfilando tanques e cultivando cadáveres.

Cem anos atrás, o Brasil comemorava um século da independência com uma grande exposição internacional no Rio de Janeiro, em que se celebrava a entrada do País na modernidade do rádio e da eletricidade. Havia nela o Pavilhão da Estatística, dedicado à “ciência da certeza”, que apresentava os resultados do censo brasileiro de 1920, o primeiro em quase 50 anos (*). Fake news, nunca mais! 1922 foi, também, o ano da Semana de Arte Moderna, em que pintores e escritores se propunham a mostrar o Brasil como ele era e falava de verdade, do Macunaíma de Mário de Andrade aos operários de Tarsila do Amaral, livres das amarras da pintura clássica e do português castiço das velhas elites educadas em Coimbra.

O tema era o Brasil do futuro, e ninguém olhava muito para o dia em que, cem anos antes, a Família Real dera um golpe de Estado contra a revolução liberal portuguesa, que limitava seus poderes, e colocara a coroa brasileira na cabeça do herdeiro, Pedro I, “antes que um outro aventureiro o faça”, como diz a lenda. Mas a República Velha não se movia, e o povo, que havia assistido bestializado ao fim do Império, continuava sem entender o que República e mundo moderno lhe traziam.

Vinicius Torres Freire – Dinheiro grosso está calmo na eleição

Folha de S. Paulo

Parece que a atitude média dos donos do dinheiro é: 'depois do tombo, deste chão não passamos'

campanha eleitoral parece não ter efeito negativo algum em indicadores financeiros, até agora: taxa de câmbio ("preço do dólar"), taxas de juros de prazo mais longo, Bolsa, por exemplo. Nos últimos dois meses, houve discreta melhora. Parece que a atitude média dos donos do dinheiro é: "depois do tombo, deste chão não passamos". Até novembro, ao menos.

As taxas de juros de prazo mais longo, dois anos em diante, baixaram. Tanto que a direção do Banco Central deu um grito nos povos dos mercados, para que não ficassem tão animadinhos com a perspectiva de queda precoce da Selic. As taxas de câmbio reais saíram do fundo do poço de meados de 2020. Até o Ibovespa saiu do buraco de julho, embora ainda longe do pico do ano, em abril.

Negociadores de dinheiro grosso dizem que a eleição, em si, pode ser um "não evento". Embora não tenham programa animador ou, no que interessa para a finança, programa quase algum, os candidatos principais, Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) teriam histórico "conhecido".

Bruno Boghossian - O roubo do ano

Folha de S. Paulo

Em busca de voto não ideológico, campanha do PL precisa tomar 1 milhão de eleitores por semana

Jair Bolsonaro precisa roubar mais do que um punhado de votos de Lula para ter a chance de um novo mandato. Se a disputa for ao segundo turno, o presidente só vence se conquistar 100% dos indecisos, virar todos os votos nulos e ainda tomar do petista 4 milhões de eleitores. Sem os nulos, a tarefa é mais difícil: Bolsonaro teria que atrair 9 milhões de eleitores que estão com Lula —mais de 1 milhão por semana.

Não há caminho possível para Bolsonaro nesta corrida que não passe pela tomada de pelo menos alguns territórios pintados de vermelho. A missão é particularmente complicada numa eleição marcada por uma cristalização do voto e um alto índice de rejeição ao presidente.

Hélio Schwartsman - O nó górdio do TSE

Folha de S. Paulo

Grilagem do bicentenário por Bolsonaro põe TSE em encrenca

Como previsto, Bolsonaro transformou as comemorações do bicentenário em comício eleitoral. Nunca entendi o fascínio humano por números redondos. Não vejo por que 200 anos mereçam celebração mais vistosa que 193 anos, por exemplo. Eu particularmente prefiro números primos a redondos. O fato, porém, é que Bolsonaro não só grilou a data cívica como também pôs a estrutura do Estado, Forças Armadas incluídas, a serviço de sua candidatura. Como previsto, partidos representaram contra ele, e o TSE vai ter de decidir.

Reinaldo Azevedo - Pobres, democracia e imprensa

Folha de S. Paulo

Sociedade está desaparelhada para enfrentar assalto às instituições

O Datafolha vai dizer daqui a pouco se a cruzada criminosa de Jair Bolsonaro no 7 de Setembro interferiu de forma importante na decisão do eleitorado. Estava em curso já um movimento de discreta aproximação entre os líderes das pesquisas. Tendo havido uma aceleração, pode-se especular que a "demonstração de força" tenha surtido efeito.

TSE não vai cassar a chapa encabeçada pelo presidente. Ou sobreviria o caos. O populismo em tempo de redes é novo, mas a prática é antiga: acuar as instituições ou cooptá-las, a exemplo da Procuradoria-Geral da República. Os inquéritos hoje sob a relatoria de Alexandre de Moraes são a única barreira de contenção. Moraes se tornou um dos alvos da imprensa.

A extrema-direita populista que fala diretamente às massas por intermédio das redes sociais, sem qualquer mediação, populariza, como é sabido, teses e pautas as mais obtusas e reacionárias. O algoritmo virou senhor da razão e critério para aferir a verdade.

Luiz Carlos Azedo - A Rainha Elizabeth II deu sobrevida ao império

Correio Braziliense

O fracasso do Brexit e a guerra da Ucrânia abalam a economia do Reino Unido, agora sem sua icônica rainha. A estabilidade política é vital à manutenção da Commonwealth sob a liderança de Charles III

“Chegou no porto um canhão/ De repente matou tudo, tudo, tudo/ Capitão senta na mesa/ Com sua fome e tristeza, esa, esa/ Deus salve sua rainha/ Deus salve a bandeira inglesa”. Sul da Bahia, década de 1930, um aventureiro sem nome nem passado, sete vezes baleado, sorridente, trovador e feroz, intromete-se na luta dos grandes coronéis pela posse da terra e do cacau. Está disposto a acirrar a guerra de interesses econômicos e tomar o lugar do coronel Santana, sua mulher e seu dinheiro. Precipita um banho de sangue, no qual sucumbem sertanejos simples e os próprios usineiros. O homem parece conseguir o seu intento, mas seu destino também está assinalado pelos deuses.

O enredo do filme Os Deuses e os Mortos, de Ruy Guerra, com trilha sonora de Milton Nascimento, autor da descrição acima, tem como pano de fundo o colonialismo britânico, daí a exaltação à rainha. Lançado em 1970, o filme era uma alegoria do regime militar e da atuação dos Estados Unidos, que haviam substituído o império britânico como força hegemônica no mundo após a II Guerra Mundial. O filme foi saudado pelo The New York Times como um “western tropical”, que misturava o japonês Akira Kurosawa com o italiano Sérgio Leone, tendo a temática do cacau na saga descrita por Jorge Amado.

Bernardo Mello Franco - A rainha e o capitão

O Globo

No sexto mês de governo, Jair Bolsonaro acusou o Congresso de tratá-lo como uma Elizabeth II sem coroa. O capitão estava invocado com um projeto de lei para dar aos parlamentares o poder de indicar diretores de agências reguladoras. “Querem me deixar como a rainha da Inglaterra?”, esbravejou.

A fala do presidente reproduziu um engano comum: a ideia de que a rainha britânica só teria papel decorativo. No Reino Unido, o governo é exercido por representantes eleitos, mas o monarca tem atribuições relevantes. É o chefe de Estado, exerce funções diplomáticas e serve de anteparo em crises políticas.

Em 70 anos no trono, Elizabeth II conviveu com 15 primeiros-ministros. Todos cumpriram o ritual de visitá-la semanalmente para relatar problemas, pedir conselhos e dividir decisões. Essas audiências inspiraram peças e filmes, mas nunca foram gravadas, filmadas ou vazadas à imprensa. Permanecem como a caixa-preta do reino, na definição do jornalista e biógrafo Andrew Marr.

Flávia Oliveira - Nunca esquecer

O Globo

Rainha foi a gestora que manteve de pé a Firma e liderou o mais bem-sucedido projeto de marketing da monarquia no planeta

Sou consumidora voraz das histórias e da produção audiovisual sobre a folhetinesca monarquia britânica. Aos 11 anos, em julho de 1981, passei horas diante da TV assistindo ao casamento de Diana Spencer com o príncipe Charles. O vestido de tafetá e renda marfim, com mangas bufantes e cauda de 7,6 metros, povoou meu imaginário a ponto de, uma década depois, ter eu mesma fugido do branco total radiante na minha cerimônia religiosa. Acompanhei delícias e dores — mais estas que aquelas — da princesa de Gales até a derradeira madrugada em Paris, em 1997. Quatro anos atrás, madruguei para acompanhar o casamento do então príncipe Harry, caçula do agora rei, com Meghan Markle. Emocionou-me, por familiar, a emoção de Doria Ragland, uma mãe negra americana, sem cônjuge, na cerimônia que uniu à filha um integrante da monarquia britânica.

De férias em Londres, em 2012, durante os Jogos Olímpicos, passeei por salões e pelo gramado de Buckingham. Festejavam-se os 60 anos de reinado de Elizabeth II. Nos meses de calor, quando a rainha se retirava para a residência de verão, o palácio se abria à visitação de súditos e turistas. Ali comprei a mais cara peça da coleção de canecas de viagens que iniciei em 1993. Custou dez libras esterlinas — moeda forte é outra coisa. Conto tudo isso para revelar a consumidora voraz que sou da saga folhetinesca da família real britânica sob o comando de Elizabeth II. E, claro, maratonei “The Crown”, a série da Netflix.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Elizabeth II foi mais que uma mera rainha da Inglaterra

O Globo

Ela soube dar um rosto moderno à monarquia — instituição que estava ameaçada quando subiu ao trono

Apenas o francês Luís XIV ficou mais tempo no trono que Elizabeth Alexandra Mary Windsor, a rainha Elizabeth II do Reino Unido, morta ontem aos 96 anos. Ao longo dos 70 anos, sete meses e dois dias de seu reinado, houve sete papas, 16 primeiros-ministros britânicos, 14 presidentes americanos e 18 brasileiros (sem contar interregnos). Foram 17 Copas do Mundo e 18 Olimpíadas. No início havia dúvidas de que aquela jovem de 25 anos conseguiria dar sobrevida à instituição que andava moribunda depois da Segunda Guerra. Elizabeth II desafiou as expectativas e deu um rosto moderno à monarquia britânica.

Pelo sistema político sui generis em vigor no Reino Unido (e nos demais países por onde se espalham súditos do trono britânico), o papel do monarca é simbólico, cerimonial, quase decorativo. Mas Elizabeth II foi mais que uma mera “rainha da Inglaterra”, na expressão pejorativa consagrada para designar os governantes sem poder. Conciliou a obrigação de manter distância de disputas políticas à necessidade de conferir a seu país — uma potência em declínio — um novo papel no Pós-Guerra. Viajou o mundo (Brasil inclusive), levando a mensagem de que os britânicos, ainda que não comandassem mais o “Império onde o sol nunca se põe”, continuavam relevantes.