sábado, 1 de outubro de 2022

João Gabriel de Lima* - A luta por ideias na democracia

O Estado de S. Paulo

Nas democracias, os derrotados aguardam o próximo pleito. Que siga sendo assim

Um dos projetos mais interessantes dos quais participei neste ano foi o “votômetro” – iniciativa que juntou a Universidade de Lisboa, o jornal português O Observador e a FGV do Rio. Debates como o de anteontem podem sugerir que a política se resume a troca de ofensas, o que não é verdade. A pergunta que interessa é: o que cada candidato representa no debate público brasileiro? O votômetro, um teste de afinidade entre eleitores e presidenciáveis, se propõe a respondê-la.

O votômetro segue metodologia desenvolvida na Europa, adaptada ao Brasil. “Em busca de exatidão, cotejamos os programas registrados no TSE com declarações de campanha e a prática dos candidatos”, diz o cientista político Jorge Fernandes, coordenador da empreitada. Ele explica a metodologia no minipodcast da semana.

Examinaram-se as propostas dos quatro líderes nas pesquisas: Luiz Inácio Lula da SilvaJair BolsonaroCiro Gomes e Simone Tebet. O diagrama resultante, com dois eixos – um leva de “mais Estado” a “menos Estado”, o outro de “liberal cosmopolita” a “conservador nacionalista” –, define três posições bem claras.

Antonio Cláudio Mariz de Oliveira* - Eleições – que prevaleça a vontade do eleitor

O Estado de S. Paulo

Quem vencer hoje assumirá o seu cargo? A grandiosidade do evento da escolha de um novo presidente será conspurcada?

Não me perguntem o porquê. A verdade é que eu me emociono com eleições. Especialmente no dia da votação, ao participar dela e apreciar a movimentação na zona eleitoral, sinto uma boa e agradável sensação de ser integrante de uma comunidade naquele momento voltada para o bem comum, para o coletivo, para o aperfeiçoamento da sociedade. Vote-se em quem for, todos ali estão imbuídos da ideia de estarem escolhendo o melhor. Mas isso pouco importa; importa, sim, que todos estão em busca do que lhes parece representar a solução ideal para os problemas nacionais.

Fala-se que o voto é a expressão máxima da democracia. É possível que seja. No entanto, na minha avaliação, o voto é a expressão máxima da igualdade. Com efeito, ele nivela e iguala todos. O voto não tem sexo, não distingue cor, não separa religiões, as raças se agregam.

Maria Cristina Fernandes - O desmonte da propaganda bolsonarista

Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

Concebida para a desconstrução de agendas e valores, a propaganda bolsonarista se mostrou ineficaz na divulgação do governo e acabou por reforçar a agenda de seu principal adversário

A duas semanas do primeiro turno, o presidente Jair Bolsonaro apareceu no horário eleitoral para falar do GraphoGame, um aplicativo para auxiliar na alfabetização de crianças. A fala do presidente-candidato foi seguida por uma criança que falava como aprendeu a formar palavras com o aplicativo. Sugeria uma solução para recuperar o atraso da educação das crianças na pandemia que poderia ter sido adotada dois anos atrás não fosse a incúria governamental. Foi uma das poucas propostas surgidas numa campanha marcada pelos valores que o bolsonarismo acredita professar e pela desconstrução daqueles de seus adversários.

O atraso não era sinal, mas sintoma. Revelava o ruído da comunicação de um grupo político que não chegou ao poder para governar, mas para desfazer. Num dos programas de sua reta final de campanha, Bolsonaro surgiu orgulhoso para apresentar como feito a retirada de 4 mil radares das estradas brasileiras. Na tentativa de pautar a agenda pública com propostas ou feitos do seu governo, reforçou a agenda alheia. Foi isso que aconteceu com o Auxílio Brasil, por exemplo. Mesmo que as peças publicitárias deixassem claro que o programa tinha chegado para substituir o Bolsa Família, a ênfase só reforçou a agenda do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que permaneceu à frente, em todas as pesquisas, no público que recebe o benefício.

Rodrigo Zeidan* - Civilização versus barbárie


Folha de S. Paulo

É hora de jogar a extrema direita na sarjeta da história, de onde nunca deveria ter saído

Este domingo (2) é o dia mais importante da história democrática brasileira; nada mais, nada menos. É o dia em que a sociedade vai se comprometer com a democracia, tirando do poder o pior governo da nossa história.

Que isso signifique que o PT estará de volta ao poder está longe de ser ideal, mas não é uma escolha difícil. Na verdade, é bem simples: Lula já fez um bom governo, de 2003 a 2006, e, mesmo que seu segundo governo tenha sido péssimo, ele não se compara ao desastre atual.

A destruição institucional do governo Bolsonaro é inacreditável. Parece que foi ontem quando, em uma reunião ministerial, o ministro do Meio Ambiente propôs passar a boiada enquanto a mídia estaria preocupada com a pandemia. E o pior? O governo fez exatamente o que ele propôs.

Hélio Schwartsman - O enigma

Folha de S. Paulo

Ele foi desastroso no manejo do vírus e ineficaz ao lidar com os desgastes

O grande mistério sociológico por trás deste pleito é por que Jair Bolsonaro está em vias de ser derrotado, apesar de ser o governante de plantão e de ter recebido do Congresso autorização para gastar bilhões de reais na reeleição. O colega Marcus André Melo sugere que a Covid é parte importante da explicação, por inverter a lógica normal de eleições e criar um viés contra os candidatos à recondução.

A lista de líderes defenestrados após a pandemia, independentemente de como tenham se saído no manejo da crise, impressiona. Ela inclui ex-mandatários de EUA, Chile, Israel, Colômbia, Reino Unido, Suécia, Itália. As exceções que me vêm à mente são França e Portugal.

Alvaro Costa e Silva - Armadilhas até o fim

Folha de S. Paulo

No debate, três candidatos uniram-se a Bolsonaro para atacar Lula

Angústia demais, emoção de menos. Uma irritante estabilidade tem marcado a campanha presidencial desde agosto: nem Lula nem Bolsonaro se movimentaram nas pesquisas além da chamada margem de erro. Se bem que o primeiro cresce, pontinho a pontinho, enquanto o segundo está estagnado, com a cabeça batendo no próprio teto. O voto útil, o voto envergonhado ou amedrontado e a abstenção de sempre vão decidir a parada.

O empenho de Lula pela vitória no primeiro turno é garantia de suspense até o fim. Aos poucos, o ex-presidente formou uma onda, uma frente eclética, com significativas adesões de última hora, um leque vermelho que vai de FHC e Joaquim Barbosa a Xuxa e Angélica. O que pode atrapalhar é o salto alto de alguns petistas.

Cristina Serra - Tire o oxigênio de Bolsonaro

Folha de S. Paulo

Tire o que ele negou a tantos brasileiros em seus derradeiros sopros de vida

Neste domingo temos a chance de fechar o ciclo maldito iniciado em 1964 e que se renovou em 2016. No golpe contra Dilma, na Câmara, o voto-vômito de Bolsonaro, na fúria daquele abril, assinalou o triunfo do padrão golpista, que nos rebaixa como país desde a fundação da República.

No Brasil do século 21 não dá mais para tolerar militares que se acham tutores do poder civil, que se sentem à vontade para ameaçar eleições, para elogiar um regime que matou, torturou e roubou utopias e a brisa das liberdades por 21 anos.

A derrota de Bolsonaro, de sua indigência moral e mental e de seu gangsterismo fascistóide, tem que ser, também, a volta definitiva dos fardados aos quartéis. Para que nunca mais seja profanado o plenário onde Ulysses Guimarães, em 1988, mirou o futuro: "Traidor da Constituição é traidor da pátria. (...) Temos ódio à ditadura. Ódio e nojo".

Demétrio Magnoli - É útil o voto útil?

Folha de S. Paulo

Derrota por margem esmagadora no 2º turno destruiria o discurso golpista de Bolsonaro

Simone Tebet qualificou como "antidemocrático" o chamado da campanha de Lula pelo voto útil. No seu estilo, Ciro Gomes foi além, definindo-o como "fascistoide". As acusações não fazem sentido: persuadir eleitores a mudarem seu voto é próprio da competição eleitoral democrática. A questão legítima é sobre a utilidade, nesse caso singular, do voto útil.

O sistema de dois turnos baseia-se no acordo implícito de que os eleitores sufragam seus candidatos preferidos no turno inicial e, no turno final, operam por eliminação. O argumento da chapa de Lula é que, devido à narrativa golpista de Bolsonaro, a eleição em curso distingue-se de todas as anteriores: nessa encruzilhada da democracia brasileira, um desenlace decisivo neste domingo (2) cortaria, antecipadamente, a agitação golpista do bolsonarismo.

As sondagens eleitorais recentes parecem indicar algum êxito dessa estratégia persuasiva. De fato, basta um movimento discreto do eleitorado rumo a Lula para encerrar imediatamente a disputa.

Cláudio Couto* - Pedir voto útil é apenas pedir voto

Folha de S. Paulo

Cabe ao eleitor decidir se acatará ou não o apelo dos candidatos

Há uma coisa óbvia a respeito das eleições, mas que precisa ser lembrada: políticos em campanha sempre pedem votos. Se pedem votos, pedem aos eleitores que votem neles, não em seus concorrentes. Isso é da essência da disputa eleitoral e, portanto, da democracia. Um candidato só é mais votado porque seus eleitores não votaram em outros, dos quais se faz um esforço legítimo para "roubar" votos.

Logo, pedir voto útil a eleitores nada mais é do que dizer o que sempre se diz em campanhas eleitorais: "Votem em mim, não em meus adversários".

Na democracia, cabe apenas ao eleitor decidir se acatará o apelo dos candidatos. Se deixa de votar em sua alternativa favorita, nada mais faz do que exercer sua liberdade de escolha. E pode ter razões várias para decidir que, nas circunstâncias de uma eleição, valha mais a pena optar por uma candidatura que, sob conjunturas diferentes, não seria escolhida —ao menos não no primeiro turno.

Ascânio Seleme - O primeiro turno não dá cheque em branco a Lula

O Globo

Por mais habilidoso que seja, se o petista não negociar, não abrir portas e construir pontes, sua administração correrá riscos enormes e permanentes

Não compartilho da tese de que uma eventual vitória de Lula amanhã lhe conceda um cheque em branco para governar. Quem tem este entendimento acredita que uma solução rápida impediria negociações de apoios no segundo turno que resultariam em concessões e ampliação de compromissos do candidato. Essa tese parte do princípio de que, sem esses entendimentos, Lula sairia muito forte do pleito e em condições de governar sozinho. Concordo com a primeira parte deste raciocínio, quem vence no primeiro turno sai mesmo muito forte. Mas discordo de que possa governar sozinho.

No finalzinho do Século XX, que aconteceu nem faz tanto tempo assim, o Brasil elegeu por duas vezes o presidente Fernando Henrique no primeiro turno. As vitórias não o tornaram arrogante nem lhe deram um cheque em branco. FH entendeu que tinha o apoio da nação para consolidar o Real e fazer as reformas que o país precisava àquela altura, mas nem por isso atropelou o Legislativo ou ignorou o Judiciário. Pelo contrário, sentiu-se ainda mais responsável pelo acerto. Acerto que exigia entendimentos políticos amplos e sólidos e absoluto respeito às leis.

Ricardo Henriques - Suspirar pela Democracia

O Globo

Acima de tudo, precisaremos, como dizia Anísio Teixeira em 1947, fazer ‘da educação o serviço fundamental da República’

“Falamos em Democracia, temos aspirações democráticas, sentimentos democráticos. Suspiramos pela Democracia, mas nunca lhe quisemos pagar o preço”. Esta frase poderia ter sido escrita hoje, na véspera da mais importante eleição desde a redemocratização, tal a precisão do diagnóstico sobre o que está em jogo no país. Mas é de 1947, e consta de um discurso de Anísio Teixeira (1900-1971) na Assembleia Constituinte Estadual da Bahia, num momento em que o Brasil havia acabado de sair de uma Ditadura.

Sendo o autor um dos maiores educadores brasileiros de todos os tempos, não é difícil imaginar qual seria, em sua visão, o preço que nunca quisemos pagar: “o preço da Democracia é a educação para todos, educação boa e bastante para todos, a mais difícil, repetimos, das educações: a educação que faz homens livres e virtuosos”.

Anísio foi profundamente influenciado pelo pensamento do filósofo e pedagogo norte-americano John Dewey (1859-1952), que enfatizava ser a educação universal não apenas um direito, mas condição necessária para a construção de uma democracia estável. Não por acaso, em seu discurso, Anísio citava outro educador dos Estados Unidos, Horace Mann (1796-1859), principal liderança do Common School Movement, que defendia a tese – revolucionária à época – de que todas as crianças deveriam estar matriculadas em escolas públicas e gratuitas.

Pablo Ortellado - Band-aid bom, remédio ruim

O Globo

Nada alimentará mais o bolsonarismo que um governo do PT

Se tudo acontecer como sugerem os institutos de pesquisa, Lula receberá o maior número de votos amanhã, talvez até mesmo vencendo Bolsonaro no primeiro turno.

Nos últimos dias, ele ganhou apoio de atores importantes fora de sua zona de influência: apoiadores históricos de Ciro Gomes, políticos tucanos, economistas liberais e intelectuais não petistas. A ideia de uma frente ampla, para impedir que o populista autoritário consiga um segundo mandato e consolide, assim, a erosão institucional, finalmente se concretizou. Para o bem e para o mal, esse processo se deu sob a liderança de Lula e do PT.

Durante todo o mandato de Bolsonaro, diversas iniciativas tentaram construir uma aliança de frente ampla para contê-lo, algumas tentando o impeachment do presidente. O PT avaliou que o impeachment atrapalhava sua estratégia eleitoral e, embora alguns líderes tenham formalmente declarado simpatia pela ideia, o partido na prática boicotou as iniciativas. O objetivo era, de um lado, impedir que uma mobilização pelo impeachment forjasse novas lideranças com potencial eleitoral e, de outro, impedir que a entrada de Hamilton Mourão fortalecesse o governo, que passaria a ter uma liderança conservadora mais hábil e pragmática.

Eduardo Affonso - A arte de perder (2)

O Globo

A má notícia é que vai se aproximando a hora de ter de encarar o segundo governo Bolsonaro ou o terceiro governo Lula

Amanhã, 2 de outubro, ao cair da tarde, teremos uma boa e uma má notícia. A boa é que podemos estar chegando à reta final desta corrida maluca pela Presidência. A má é que vai se aproximando a hora de ter de encarar o segundo governo Bolsonaro ou o terceiro governo Lula.

Vejamos pelo lado bom: não tem como Bolsonaro II ser pior que Bolsonaro I — ainda que lhe sobrem vontade e talento para isso. Mas não há indícios de uma Covid-23, que o ajude a dizimar mais uma parte da população. As instituições já estão vacinadas (e com dose de reforço) contra seu autoritarismo e sua compulsão golpista. E haverá oposição — daquele tipo que leva adiante pedidos de impeachment e não aposta no “quanto pior, melhor” para depois ficar com o butim da terra arrasada. Oposição como a que o PT sempre fez quando lhe foi conveniente fazer.

Carlos Alberto Sardenberg - Escutem o coração e a razão

O Globo

É bom que haja vários candidatos no primeiro turno. São várias oportunidades para o eleitor encontrar seu lugar

No tempo da ditadura, a gente podia votar para deputado e senador. Eleições controladas, claro, a começar pela escolha limitada aos dois partidos autorizados pelo regime: a Arena, governo, e o MDB, oposição consentida. A cada eleição, as esquerdas encaravam dilemas: votar no MDB, anular ou boicotar o pleito?

Argumentos pró e contra: votar no MDB sedimentava o caminho da oposição, mas também legitimava o sistema.

Anular parecia bom, mas nem tanto, porque o regime certamente impediria a divulgação do número e do teor desses votos.

Pregar o boicote total — não compactuar com a farsa eleitoral — também parecia bom, mas arriscava ser um enorme fracasso, mesmo porque era difícil fazer essa propaganda.

Finalmente, havia a regra não escrita de que o MDB jamais poderia fazer a maioria, pois, se fizesse, haveria cassações de mandatos em número suficiente para devolvê-lo à minoria.

Nas primeiras eleições, prevaleceu entre as esquerdas a tese do voto nulo, com a palavra de ordem “abaixo a ditadura” escrita na cédula. Sim, a cédula era de papel, e a gente tinha de escrever nome ou número do candidato. Ou o protesto.

Nos debates nos grupos de esquerda, um colega sempre se colocava a favor do voto no MDB. Derrotado, dizia que seguiria a orientação central, mas manifestaria seu desacordo. Assim, escrevia na cédula: “abaixo a ditadura, mas sou contra o voto nulo”.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Conflitos não tiraram força do debate na TV

O Globo

Ainda que propostas pareçam ter ficado em segundo plano, foi possível conhecer melhor os candidatos

São muitas as razões para que debates presidenciais tenham uma atmosfera carregada. Atingem o grande público, sem muita paciência para discussões detalhadas sobre políticas públicas. Quando envolvem muitos candidatos, limitam o tempo dos confrontos de maior interesse, entre os líderes nas pesquisas. Raciocínios elaborados costumam dar lugar a slogans e lugares-comuns. A conversa civilizada é substituída pelos ataques por vezes agressivos. Mentiras e as acusações de mentiroso brotam de todos os lados. Os eleitores ávidos por informações que ajudem a escolher o futuro do país ficam em segundo plano.

O debate de quinta-feira na TV Globo não foi diferente. Mas, mesmo em meio a toda sorte de ruído, algumas ideias e propostas ficaram claras. Luiz Inácio Lula da Silva, candidato do PT e líder nas pesquisas de intenção de voto, prometeu acabar com o garimpo ilegal e controlar o desmatamento, defendeu as cotas raciais e, noutros temas, manteve um discurso que só agrada à sua base mais fiel. Falou na criação de comitês de cultura nas capitais, iniciativa que, caso saia do papel, dificilmente seria representativa da sociedade. Em resposta a uma pergunta de Simone Tebet (MDB), Lula voltou a falar em fortalecer o BNDES, Banco do Brasil, Caixa Econômica e outros bancos estatais. A crença no protagonismo do Estado na economia ficou explícita quando disse que “são as coisas que funcionam nesse país”. Se for eleito e seguir por esse caminho, colherá os mesmos resultados desastrosos do passado.