sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Vera Magalhães - Vigiar e punir também é tarefa do Congresso

O Globo

Para além de fazer ou não CPI, Legislativo terá de punir os seus e votar um arcabouço legal capaz de proteger a democracia

O relativo distanciamento do Legislativo das investigações da tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro tem data para acabar. A partir da eleição dos comandos da Câmara e do Senado, na semana que vem, o Congresso terá de se dividir entre a agenda do dia a dia e a necessária atuação para apurar e punir os responsáveis e também para construir um arcabouço legal que proteja a democracia e desencoraje novos ataques.

A primeira grande questão será quanto à criação da CPI do 8 de Janeiro no Senado. O requerimento da senadora Soraya Thronicke já tem as assinaturas necessárias para a instalação. Houve, nesse caso, uma irônica inversão de papéis: Rodrigo Pacheco diz que, se reeleito, lerá o requerimento imediatamente. E Randolfe Rodrigues (Rede), sempre um dos maiores defensores de CPIs, terá de convencer a Casa a não instalá-la caso essa seja mesmo a definição do governo, como disse Lula em entrevista.

O temor do governo é que a CPI se transforme, com décadas de atraso, no julgamento dos militares que não foi promovido na redemocratização. E que isso incendeie ainda mais o clima, sobretudo no Exército.

O argumento para tentar evitar a CPI será que, diferentemente do que ocorreu na pandemia, as investigações estão sendo feitas no Executivo, na polícia do Distrito Federal, na Justiça e que até Augusto Aras colocou o Ministério Público Federal para atuar desta vez.

Bernardo Mello Franco - Um rival para o rei Arthur

O Globo

Depois de mandar no governo Bolsonaro, Arthur Lira quer dar as ordens no governo Lula. Se depender do PT, não enfrentará muita resistência. Com apoio do partido, o presidente da Câmara deve ser reeleito com folga na quarta-feira. Só falta contar os votos e tirar o champanhe do gelo.

Em 2021, Lira se elegeu em primeiro turno com o aval de 302 deputados. Agora ambiciona chegar perto dos 500 votos num colégio de 513. Até aqui, só Chico Alencar se voluntariou a enfrentá-lo. Ele admite que não tem chances, mas resolveu se lançar para marcar posição.

“É preciso livrar a Câmara de quem busca mais e mais poder para manter o Executivo como refém de seus interesses”, defende o deputado do PSOL. “Lira é um Eduardo Cunha repaginado. Quer ser uma espécie de imperador do Brasil: o rei Arthur”, provoca.

Luiz Carlos Azedo - O impeachment de Dilma foi uma queda anunciada

Correio Braziliense

O maior problema de Lula não é o chumbo trocado com o ex-presidente Michel Temer, são os aliados do ex-presidente que destituíram Dilma, sem os quais não teria sido eleito

Logo após a aprovação do impeachment da presidente Dilma Rousseff pelo Senado, por 61 votos a 20, fiz ao então senador Lindberg Faria (PT-RJ), hoje deputado federal, aquela pergunta básica de repórter sobre o “day after” da derrocada petista: “E agora?”. Ele respondeu: “Vamos fazer desse limão uma limonada, estávamos na defensiva, agora já temos um discurso para as eleições: ‘foi um golpe'”. A limonada demorou seis anos; nesse ínterim, o presidente Michel Temer pôs a casa em ordem, e o presidente Jair Bolsonaro, depois, fez uma bagunça muito maior, mesmo.

Agora, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva toma a limonada. Como narrativa eleitoral, a tese do golpe contra Dilma serviu para a unificação da esquerda no primeiro turno; no segundo turno, quando venceu com menos de 1% dos votos, exatamente 0,9%, passou a ser um estorvo para os novos aliados. Depois de eleito, por isso mesmo, chamar o impeachment de Dilma Rousseff de “golpe de Estado” é uma tolice política, além de um desrespeito às regras do jogo do nosso Estado Democrático de Direito.

Leite sofre pressão por PSDB crítico a PT e Bolsonaro

Por Gustavo Schmitt / O Globo

Governador gaúcho assumirá a legenda já sob a expectativa de aliados de que retome a postura antipetista, marca da sigla no passado, e reconquista a parte da bancada e os governadores que se aliaram ao ex-presidente

Próximo de assumir o comando do PSDB, o governador Eduardo Leite já é pressionado por aliados a endurecer o discurso contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, ao mesmo tempo, afastar a sigla do bolsonarismo. O gaúcho dever ser eleito na próxima semana como o novo vice-presidente nacional, mas na prática já deve passar a dar as cartas por meio de uma comissão provisória.

A formalização como presidente da legenda deve ocorrer só no fim de maio, quando será feita a convenção nacional tucana. Na terça-feira desta semana, Bruno Araújo se despediu da presidência do PSDB numa carta na qual dizia que a sigla precisa "aprender com os erros do passado".

A referência, de acordo com pessoas próximas, dizia respeito ao abandono do antipetismo pelos tucanos e à crise de identidade da legenda, cuja maior parte da bancada e dos governadores se alinharam a Bolsonaro na última legislatura. Até mesmo Leite defendeu voto no ex-presidente no segundo turno da eleição de 2018. Quatro anos depois, preferiu não revelar sua escolha para não correr o risco de ser punido nas urnas. Acabou reeleito e conseguiu avançar nos votos de eleitores mais alinhados à esquerda e de apoio crítico de petistas.

Bruno Boghossian - O pacote antigolpe e a impunidade

Folha de S. Paulo

Endurecer leis e mudar segurança só funciona se criminosos forem identificados e condenados

Quando o país amanheceu no dia 8 de janeiro, uma lei em vigor já definia como crime a tentativa de depor um governo. A polícia do Distrito Federal tinha mais de 10 mil agentes em seus batalhões, uma tropa militar estava à disposição do Palácio do Planalto e as principais plataformas de redes sociais diziam fiscalizar ataques à democracia em suas páginas.

Naquele domingo, os golpistas ignoraram a lei, enfrentaram a PM, fizeram pouco caso da tímida presença do Exército e usaram as redes livremente para divulgar, ao vivo, o crime que era cometido.

Ruy Castro - Cuidado com os 'homens de bem'

Folha de S. Paulo

Incrível como tantos patriotas de Bolsonaro se envolvem com crimes de toda espécie

O patriota com camiseta de Bolsonaro que vandalizou o relógio no Palácio do Planalto tem três passagens pela polícia em Goiás, por ameaça física, tráfico de drogas e receptação de carros roubados. A patriota que, enrolada na bandeira do Brasil na invasão do STF, gabou-se de ter emporcalhado o banheiro dos ministros, também tem uma condenação por tráfico, em Santa Catarina. E outro patriota capturado nos distúrbios, munido de bombas, estilingues e material para coquetel molotov, era foragido por ter matado um homem a facadas no Pará em 2018.

Hélio Schwartsman – Um tipo penal que gera grandes controvérsias

Folha de S. Paulo

É mais fácil condenar crimes individuais do que aferir um dolo ultraespecífico

Genocídio é provavelmente o mais controverso dos tipos penais. Ele gera polêmica desde a primeira tentativa de utilização, no Tribunal de Nuremberg (1945-46). Quem conta maravilhosamente bem essa história é Philippe Sands em "East West Street", livro que já comentei aqui. Por que o enquadramento por genocídio faz tanto barulho? Basicamente, ele leva para os tribunais a distinção entre indivíduo e grupo, ou entre abordagens universalistas e identitárias, que se tornou palco central das guerras culturais.

Quem criou o conceito de genocídio foi Rafal Lemkin, um advogado polonês de origem judaica. A obra em que ele trata do tema é "Axis Rule in Occupied Europe". Lemkin fez um intenso trabalho de lobby com juízes e promotores de Nuremberg para que a cúpula nazista respondesse por genocídio. O termo até apareceu na etapa de indiciamento dos réus, mas, para desgosto de Lemkin, não foi usado nas fases posteriores.

Eliane Cantanhêde - Extermínio deliberado?

O Estado de S. Paulo.

Bolsonaro combateu os Yanomamis a vida toda; o STF liderou a resistência

Pelos dicionários, e não precisa nem de aspas, genocídio é o extermínio deliberado de um povo, definido por etnia, religião, raça ou delimitação geográfica. Logo, se houve exatamente uma tentativa de exterminar, de dizimar a reserva e o povo Yanomamis, houve uma tentativa de genocídio, certo? Quem sabe para não “atravancar o progresso”...

Com o relatório final da CPI da Covid e a avalanche de falas e ações de Jair Bolsonaro sobre os Yanomamis e indígenas em geral, desde deputado e principalmente no governo, é difícil considerá-lo inocente. Na sua visão muito particular de mundo, Brasil, ambiente, educação, saúde, cultura, diplomacia, ele nunca escondeu o desprezo da vida toda pelos indígenas e quilombolas. Uma frase resume tudo: “Índio gosta é de celular e internet”.

Flávia Oliveira - Sempre foi genocídio

O Globo

A tragédia dos ianomâmis de Roraima nunca cessou

O Brasil adormeceu no último sábado assombrado com uma brutalidade recorrente, ora transmitida em rede nacional. A tragédia dos ianomâmis de Roraima, remanescentes dos mil povos indígenas que habitavam Pindorama até a chegada dos invasores portugueses, nunca cessou. Em 1500, pesquisadores estimam que o território abrigava pelo menos 3 milhões de habitantes nativos; dois terços viviam no litoral. Em século e meio foram reduzidos a não mais de 700 mil. Por homicídio ou aculturação forçada, foram dizimados. Sempre foi genocídio.

— Por meio direto ou por dissolução na ideia de população brasileira, o projeto sempre foi genocida — diz a historiadora Ana Flávia Magalhães Pinto, professora na Universidade de Brasília (UnB), recém-indicada diretora-geral do Arquivo Nacional.

Em 1970, quando publicou “Os índios e a civilização”, resultado de mais de uma década de pesquisas, o antropólogo Darcy Ribeiro, grande intelectual e político brasileiro que completaria 100 anos em 2022, já denunciava o desaparecimento de 88 de 230 etnias encontradas na virada do século passado. Somente em 1991, o IBGE incluiu os indígenas no Censo Demográfico. Desde então, a participação dos nativos na população total, impulsionada pela autodeclaração e pelo reconhecimento de direitos fundamentais, saiu de 0,2% para 1,6%. Em 2010, o Brasil tinha 896.917 indígenas, dos quais 572.083 em área rural — os dados do Censo 2022 ainda não estão disponíveis.

Como funciona a psicologia da extrema direita brasileira

Por Laura Greenhalgh / Valor Econômico / Eu & Fim de Semana

Especialistas analisam o fenômeno que vem levando grande parte da população a aderir a uma realidade paralela

 Olha aqui, os policiais não estão fazendo nada e o Congresso está invadido. Que lindo. São brasileiros que enfrentaram bombas, nem sei de onde vêm esses tiros... só sei que estou aqui, feliz da vida. Mônica, João, isso é para vocês.”

A mensagem é de uma mulher de meia-idade, que foi a Brasília participar dos atos golpistas de 8 de janeiro. Sua voz é comovida, porém, calma e pausada. Serve de fundo para as cenas de caos na Praça dos Três Poderes que ela capturava pelo celular. “Está pacífico...”, repete ao narrar o vídeo da sua epopeia. Talvez tão relevante quanto saber quem é a mulher e o que a levou a integrar aquela horda de vândalos depredadores seria entender o sentido profundo desta frase: “Mônica, João, isso é para vocês”.

Quem seriam os herdeiros da sua aventura? Filhos, netos, amigos chegados, não se sabe. Alistando-se num exército de demolidores da democracia, no anseio de uma intervenção militar que desse fim a um governo legitimamente eleito e recém-empossado, a mulher parecia viver o transe da sua relevância. Tanto que tratou de transferi-la em tempo real, pelo celular, para destinatários muito especiais. Falava como combatente. Arriscou-se para chegar à capital federal. Resistiu. Invadiu. Acredita que seu esforço será garantia de um futuro melhor para Mônica e João.

Enquanto a “patriota” postava o vídeo, o Congresso e o Palácio do Planalto estavam sob o signo da barbárie. Não tardaria a acontecer o mesmo com o Supremo Tribunal Federal. O que se viu naquela tarde foram cenas de violência e selvageria, protagonizadas por invasores que quebravam espaços públicos de dentro para fora, muitos com a destreza de gente treinada em táticas de assalto. O terror que assombrou o Brasil e o mundo destoava por completo do estado de graça da mulher do vídeo. Calcula-se em 4 mil o número total de participantes da tentativa de golpe. Feitas mais de 1.400 audiências de custódia, havia em torno de mil indivíduos com prisão preventiva decretada, no momento da conclusão deste texto.

José de Souza Martins* - A Fiesp e uma nova indústria

Eu & Fim de Semana / Valor Econômico

O projeto de desenvolvimento econômico com desenvolvimento social do novo governo brasileiro converge para a posição do presidente da instituição

Os desencontros destes dias na Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) expressam dilemas que são, antes de tudo, os suscitados por uma circunstância histórica que já não comporta o simplismo evolutivo e a certeza nas decisões econômicas.

Em horas assim, o empresário é posto diante do desafio de decidir até mesmo contra o que considera a segurança de suas convicções. Tanto quanto outras categorias sociais, é ele um protagonista de falsa consciência. A das insuficiências e equívocos que indicam um alheamento em relação às condições da ação empresarial. Esse é um tema clássico das ciências sociais.

Em situação como essa, o empresário se divide, como estamos vendo. De um lado, porque ele tem que pensar antes a economia de seus investimentos, e não a do sistema econômico.

Estevão Taiar - A cruzada de Alckmin contra o custo Brasil

Valor Econômico

Economistas de viés mais liberal temem que políticas que já mostraram poucos resultados positivos sejam repetidas

Os pronunciamentos públicos do vice-presidente Geraldo Alckmin são marcados há anos por elementos que se repetem com alguma frequência. Piadas típicas do interior paulista mesclam-se com a defesa de que a economia e a indústria brasileiras ganhem “competitividade”, já que “ficou caro produzir no Brasil”.

“Com-pe-ti-ti-vi-da-de”, diz o experiente político, de forma pausada, e com destaque para cada sílaba. Virou quase uma marca registrada de Alckmin, como se ele quisesse reforçar a importância do termo.

À frente do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), o vice-presidente terá a oportunidade de finalmente colocar em prática uma agenda horizontal de competitividade para a economia e a indústria brasileiras. Isso, claro, desde que consiga evitar erros de governos passados.

Em seu discurso de posse no Mdic, Alckmin afirmou, por exemplo, que “nós superaremos a lógica de soma zero que coloca setores econômicos uns contra os outros”. “Partiremos da premissa de que o importante neste século é agregar valor à nossa produção, seja no campo, seja na indústria, seja no comércio”, acrescentou.

Ricardo Mendonça* - Lula, o Exército e seu novo comandante

Valor Econômico

Escolhido para comandar a Força, Tomás Paiva atuou em episódios deletérios ao petista

Em meio à delicada crise de confiança descortinada após a intentona bolsonarista de 8 de janeiro, o presidente Lula demitiu o general Júlio César de Arruda do comando do Exército e nomeou Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva.

Três dias depois, o presidente criticou o antecessor Jair Bolsonaro, afirmou que as Forças Armadas não podem servir a interesses políticos e garantiu que o novo comandante pensa “exatamente” como ele.

 “Eu escolhi um comandante do Exército que não foi possível dar certo, eu tirei e escolhi outro comandante. Tive uma boa conversa com o comandante [Tomás Paiva] e ele pensa exatamente com tudo o que eu tenho falado sobre a questão das Forças Armadas”, disse Lula.

Será?

Uma consulta um pouco mais detida ao livro “Poder Camuflado”, que escrutina a atuação política de militares “do fim da ditadura à aliança com Bolsonaro”, como diz o subtítulo, recomendaria mais prudência do que euforia ao petista.

José Eli da Veiga* - Negócios sustentáveis

Valor Econômico

Tomara que no atual governo haja forte empenho para que os ODS voltem a merecer o devido respeito

Tem sido ótimo o contributo da plataforma “Prática ESG”, lançada há dez meses pelo dueto Valor e O Globo, para difundir comportamentos empresariais menos insustentáveis. Para se dar conta, bastará que o leitor aproveite este fim de semana para uma olhada no caderno especial mensal, publicado no último dia 18.

As oportunidades oferecidas pela transição energética, assim como os sérios obstáculos que a retardam, foram objeto de quatro abrangentes reportagens. Uma outra destacou promissoras iniciativas em favor da diversidade com inclusão (D&I). E não poderia ter havido algo mais chamativo do que o enunciado “ESG é incompleto”, vindo de um especialista em estratégias de negócios da Universidade de Warwick (Inglaterra).

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Governo tenta reescrever verdade sobre impeachment

O Globo

Chamar de ‘golpe’ decisão legítima do Congresso Nacional contribui para disseminar desinformação

Até as paredes depredadas do Palácio do Planalto sabem que a ex-presidente Dilma Rousseff foi afastada por um processo de impeachment, movido pelo Congresso Nacional de acordo com todas as regras previstas na Constituição e na legislação, referendadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Apesar disso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e integrantes de seu governo têm insistido em desafiar a verdade e em se referir ao episódio como um “golpe”.

Foi o que Lula voltou a fazer depois de encontro com o presidente do Uruguai, Luis Alberto Lacalle Pou, ao se referir ao ex-presidente Michel Temer como “golpista”, expressão que já empregara antes. Mais grave ainda, a narrativa do “golpe” foi reproduzida por documentos oficiais — disseminando desinformação, que o governo diz combater. Ao noticiar a mudança de comando na Empresa Brasil de Comunicação (EBC), o site do governo cita “o golpe de 2016”. Que golpe é esse que ninguém viu?