terça-feira, 2 de maio de 2023

Merval Pereira - Interesses de cada um

O Globo

Governo precisa dar o exemplo cortando custos de uma máquina pública inchada, para contribuir com o equilíbrio fiscal

O presidente Lula, no afã de cumprir promessas de campanha mirabolantes (dar condições de os pobres comerem picanha todo dia é bom exemplo), busca soluções heterodoxas para financiar seu programa de governo, já que cortar custos não faz parte do seu dicionário.

Ao juntar na mesma Medida Provisória a atualização da tabela de isenção do Imposto de Renda e a taxação de grandes fortunas no exterior e ao anunciar a correção do salário mínimo acima da inflação, ele procura materializar suas promessas populistas que encontram dificuldades de ser implementadas pela debilidade de nossa economia.

Jogou para o Congresso a responsabilidade de aprovar as medidas, que já estão valendo, deixando aos parlamentares a tarefa ingrata de, recusando-as, serem os culpados diante da opinião pública ao impedirem que o governo coloque “o pobre no Orçamento e os super-ricos no Imposto”, como lembrou o secretário executivo do ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo.

Míriam Leitão - Plataformas contra a lei

O Globo

O projeto ficou sob intenso ataque no final de semana, inclusive das plataformas digitais, e pode nem entrar em votação nesta terça-feira

O PL 2630 passou o fim de semana e o feriado sob ataque. Mas o pior deles foi o feito pelas plataformas, especialmente o Google. Fizeram anúncios contra, e até aí tudo bem, é do jogo democrático, mas bloquearam e reduziram o alcance dos perfis e dos posts que são a favor do projeto que regula a comunicação digital no Brasil, o chamado PL das Fake News.

– Isso é censura. É a plataforma decidindo o que vale e o que não vale no debate público na definição de uma política pública, no país que nem é o país-sede das plataformas. É abuso de poder – afirmou Nina Santos, especialista em comunicação digital, e representante da Sala de Articulação contra a Desinformação.

Doutora pela Universidade de Paris, Nina Santos faz pós-doutorado no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital e tem acompanhado em detalhes a tramitação do projeto da regulação das plataformas digitais. O alerta que ela faz contra a atitude de interferir no debate é gravíssimo. Publicar anúncio defendendo a posição das plataformas é normal, mas usar o fato de que controlam as ferramentas para calar as vozes das quais discordam é inaceitável.

– Eles estão bloqueando anúncios a favor do PL 2630. Bloquearam, no domingo, o anúncio do Sleeping Giants no Youtube. Tem um perfil chamado “Regular para proteger", uma campanha da Avaaz, que foi bloqueado no Twitter. É enfim, uma série de bloqueios, além da diminuição do alcance das postagens a favor da regulação. O alcance está caindo brutalmente — alertou Nina Santos.

Gustavo Binenbojm - Remédio e veneno nas redes sociais

O Globo

Discussão da regulação avança no Congresso Nacional, mas precisamos nos vacinar contra a tentação da censura

Projeto de Lei 2.630/2020, aprovado no Senado, tramita na Câmara dos Deputados em regime de urgência e caminha a passos largos para possível aprovação. Os ataques às sedes dos Poderes em 8 de janeiro, urdidos livremente nas plataformas digitais, e os crimes bárbaros contra escolas, viralizados em grupos de mensagens, precipitaram a agenda do Parlamento brasileiro no enfrentamento de questões sobre as quais o mundo está debruçado. Não são triviais, nem há uma bala de prata redentora. As soluções propostas apresentam trade-offs claros que precisam ser sopesados antes da decisão final.

Foi-se o tempo em que teóricos da comunicação, como Manuel Castells ou Eugênio Bucci, acreditavam na neutralidade das redes. Sabe-se hoje que algoritmos sofisticados interferem decisivamente no que vamos ler, ver e ouvir, induzindo comportamentos de consumo e posturas existenciais mais amplas. A curadoria de conteúdos está longe de equiparar-se a uma varredura desinteressada sobre o mérito das discussões. Exclui ou enfatiza pontos de vista que potencializam a capacidade da plataforma de atrair atenção e, por conseguinte, gerar lucros. Por fim, os conteúdos impulsionados mediante pagamento e campanhas maciças de desinformação, promoção de ódio, violência e ataques à democracia colocam em xeque o modelo de negócios baseado na pura autorregulação privada. Ela parece ter falhado ou, ao menos, revelou-se insuficiente.

Luiz Carlos Azedo - O que é como antes no mundo do trabalho

Correio Braziliense

O trabalho avulso remunerado pela via dos aplicativos é uma realidade, porém não absorve o exército de desempregados e subempregados formado a partir da redução de seus postos de trabalho

O pior já passou, com o resgate da democracia e das políticas sociais após a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas ninguém se iluda: ainda vivemos tempos sombrios, de radicalização e totalitarismo, em contraposição à amizade e ao humanismo, como diria a filósofa judia alemã Hanna Arendt. Como há um século, o fenômeno nos remete ao fascismo e à guerra, tendo novamente como palco central a Europa. Novo é o contexto em que isso ocorre, de mudanças sem precedentes, impulsionadas pela tecnologia digital e pela inteligência artificial, que às vezes parecem opor o trabalho e o progresso à centralidade da democracia, o que é uma das raízes do totalitarismo.

Por óbvio, o pano de fundo dessas reflexões é o Primeiro de Maio, comemorado ontem por trabalhadores de todo o mundo. No Brasil, proposta pelas centrais sindicais, a relação entre o trabalho e as redes sociais migrou da agenda sindical para a de governo, às vésperas da votação na Câmara do substitutivo do deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) que regulamenta a atuação das big techs, projeto vulgarmente chamado de Lei das Fake News, prevista para hoje. O presidente Lula criou um grupo de trabalho dentro do governo para discutir propostas de regulamentação do trabalho por aplicativos e de um plano nacional de igualdade salarial entre mulheres e homens.

Cristovam Buarque* - E agora, Cabral?

Correio Braziliense

Em abril, fez 523 anos que os marujos de Pedro Álvares Cabral deram os primeiros passos oficiais de europeus nas terras que viriam a se chamar Brasil. Desde aquelas primeiras marcas nas praias até hoje, ocupamos 8,5 milhões de km², habitados por 220 milhões de pessoas; nos transformamos no 5º maior e no 6º mais populoso país do planeta, com uma economia entre as dez maiores. Não fizemos feio, mas e agora, Cabral?

Por 350 anos, mantivemos um sistema escravocrata que serviu de base à economia e à sociedade, e nos deixou fósseis sociais na pobreza, no racismo, na baixa produtividade, na aceitação da desigualdade, no desprezo à educação do povo. Mantemos até hoje a semiescravidão com 10 milhões de adultos analfabetos, uma indecente concentração de renda, um quadro social em que metade da população sobrevive na pobreza e na penúria da fome, com insalubridade e violência; e em um sistema educacional com escolas senzalas para os pobres e escolas casa grande para os filhos dos ricos.

Carlos Andreazza - Maltrata quem te adora

O Globo

“Presidente da Câmara não é um agregado. Ele é um parceiro.” Traduza-se: não é anexo; pode ser sócio.

O GLOBO de domingo trouxe entrevista com Arthur Lira. Que comunica: a forma como o governo tenta erguer coalizão não funcionará.

Para quem ainda tivesse dúvida sobre a inviabilidade do modelo de constituição de base via oferta de ministérios: “Está comprovado que não vai dar certo”.

É o presidente da Câmara quem afirma-informa, transparente como deveriam ser as distribuições do Orçamento.

“As emendas resolvem isto sem ser necessário um ministério.” Significado de “isto”: governabilidade. Elmar Nascimento, federação lirista no União Brasil, já desenhara: cargo é para cúpula, coisa de elite; o baixo clero quer dinheiro na ponta. Libere e ande uma casinha.

Andrea Jubé - Jogos, trapaças e CPIs fumegantes

Valor Econômico

Presidente da Câmara, Arthur Lira, quer discutir a relação entre Legislativo e Executivo direto com Lula

A semana começa em ebulição com a tonitruante entrevista do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), alertando que a relação do governo com o Congresso não é de “satisfação boa”. Sem rodeios, ele acrescentou que a articulação política está desorganizada, e que embora integrantes da base aliada estejam à frente de ministérios, o que interessa mesmo aos parlamentares são as emendas.

Lê-se a política nas entrelinhas, mas poucas vezes um presidente da Câmara mandou recados claros como o céu de Brasília em maio. A consequência foi imediata: o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve se reunir com Lira já nesta terça-feira para tratarem dos ruídos na relação.

Luiz Schymura* - Desafios para alcançar a disciplina fiscal

Valor Econômico

Como chegar ao equilíbrio em uma sociedade necessitada de aporte de recursos na infraestrutura social e física?

Na pauta econômica, a principal preocupação de parte expressiva dos formadores de opinião e das lideranças políticas é a solvência das contas públicas. Mas um grande desafio permanece: como alcançar o equilíbrio fiscal em uma sociedade necessitada de aporte de recursos na infraestrutura social e física? Tendo em vista esse impasse, não à toa, o novo arcabouço fiscal ocupa a centralidade nas discussões atuais sobre a política econômica brasileira.

Após seis anos de vigência da Emenda Constitucional do teto dos gastos (EC 95/16) - que, grosso modo, restringe o crescimento das despesas públicas à variação da inflação -, ficou claro que a realidade sociopolítica do país torna a regra inexequível. A verdade é que o teto vem perdendo sua funcionalidade. A prova cabal é a aprovação de ECs que inflaram os dispêndios públicos. Exemplos notórios são as Emendas Constitucionais dos precatórios (EC 117/21), do combate à alta do preço dos combustíveis (EC 123/22) e da transição (EC 126/22).

Eliane Cantanhêde – O preço da liderança

O Estado de S. Paulo

Quanto custa a busca de Lula por liderança regional e protagonismo mundial?

Ao desembarcar em Brasília nesta terça-feira, o presidente da Argentina, Alberto Fernández, vai ajudar bastante a responder a uma pergunta que não quer calar: quanto vai custar a recuperação da liderança do Brasil e de Lula na América do Sul, fundamental para a ambição de algum protagonismo global?

Fernández desistiu de concorrer à reeleição e chega num momento de desespero na Argentina, com o dólar valendo mais de 400 pesos e uma inflação de mais de 100%, a maior em 30 anos. É uma viagem de emergência, não vai sair barata para o Brasil e depois tem mais.

As reuniões de hoje terão Lula, Fernández e a equipe econômica. As orelhas do BNDES vão arder. Ele vai ser chamado a financiar empresas brasileiras que exportam para a Argentina, que já raspou o fundo do tacho de suas reservas e terá de fazer contorcionismos para dizer como, e se, vai pagar a dívida.

Paulo Hartung* - Brasil: um novo início

O Estado de S. Paulo

Sob gigantesca sombra de equívocos e arrastando correntes de obsolescências, marchamos rumo ao futuro de costas para ele

Em sua clássica reflexão sobre o tempo, Santo Agostinho concluiu que, nas sucessivas durações finitas que compõem o existir, temos apenas o presente, formulando que “talvez fosse próprio dizer que os tempos são três: presente das coisas passadas, presente das presentes, presente das futuras”.

O recurso a Santo Agostinho e seu avassalador conceito sobre a temporalidade humana aqui se faz especificamente para nos referirmos à encruzilhada em que se teima aprisionar o Brasil: com olhos no retrovisor, no mapa da polarização reinante, lamentavelmente, muitos dos rumos apontam para retrocessos. Ou seja, tanto a “visão presente das coisas presentes quanto a esperança presente das coisas futuras” estão de alguma sorte amarradas à “lembrança presente das coisas passadas”.

Hélio Schwartsman - Humano, demasiado humano

Folha de S. Paulo

Computadores, ao papagaiar nossas instanciações, acabam reproduzindo nossos vieses

Os não tão novos se lembrarão de quão ruins eram os primeiros programas de computador que se propunham a traduzir textos de um idioma para outro. Muita coisa não fazia sentido e, do que fazia, grande parte estava simplesmente errada. Línguas naturais encerram uma carga quase proibitiva de ambiguidades e polissemias. O panorama começou a mudar quando os programadores abandonaram a estratégia linguisticamente mais intuitiva de traba lhar em cima de listas de palavras (dicionário) combinadas com as regras sintáticas e partiram para a força bruta.

Alvaro Costa e Silva - O golpismo nas mídias sociais

Folha de S. Paulo

Com Bolsonaro investigado, parlamentares da extrema direita assumem o trabalho da mentira

Como doença insidiosa, o plano autocrata de Bolsonaro foi se infiltrando aos poucos nas instituições. Dentro do governo, no Congresso, nas Forças Armadas, nos órgãos do Judiciário (inclusive o STF), na PGR, nas polícias de maneira geral, nas agências de inteligência e fiscalização, nas administrações estaduais e municipais aliadas, nos meios de comunicação. Pode-se dizer que foi uma ação constante e sem alarde, tentando manter uma aparência de normalidade republicana —a famosa "moderação". Era o fascismo (ainda) envergonhado.

O segundo mandato completaria o processo. Como a sociedade e as próprias instituições sob ataque reagiram e a reeleição não veio, apesar das tentativas de manipulação do voto, encenou-se o enredo golpista às claras, culminando com a invasão e depredação dos prédios dos três Poderes, a intentona bolsonarista de 8/1, hoje negada pelos terraplanistas.

Dora Kramer - Transgressão premiada

Folha de S. Paulo

Consignou-se que deputados e senadores podem infringir à vontade as regras

O ato de mentir não é um mal em si. Vai do exercício da boa educação até a prática de crueldade ou da mera desonestidade, passando às vezes pela demonstração de generosidade. A mentira anda de braço dado com a humanidade desde sempre.

Portanto, o projeto de lei que trata da circulação de notícias falsas cujo início de discussão na Câmara está marcado para esta terça-feira (2), não aborda assunto a respeito do qual nada se saiba. Na política há intimidade, excessiva até, com o tema. A novidade é o meio, as redes digitais onde a maioria ainda engatinha.

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Aprovação do PL das Fake News será avanço civilizatório

O Globo

Em vez de usinas de desinformação, ódio e violência, redes sociais serão corresponsáveis pelo que veicularem

Se confirmada hoje a aprovação na Câmara dos Deputados do Projeto de Lei (PL) das Fake News, a sensação não será apenas de júbilo, mas também de perplexidade. Por que demorou tanto? As plataformas digitais donas das redes sociais e aplicativos de mensagens abusam há anos da paciência de todos. Cúmplices, permitiram a proliferação de ódio e desinformação afetando diferentes esferas — dos direitos humanos à saúde pública, da segurança nas escolas à democracia.

Sob o argumento falacioso de defenderem a liberdade de expressão, elas permitiram que eleições fossem manipuladas por mentiras, campanhas de vacinação boicotadas por teorias conspiratórias e assassinos adestrados por racistas, neonazistas e outros extremistas. A cada nova onda de desinformação, a cada novo massacre em escola, ficava evidente que havia algo de errado. E as plataformas pouco — se algo — faziam em prol do bem comum. Daí a necessidade de uma regulação mais dura.

A principal novidade do PL é torná-las corresponsáveis pelas consequências do que fizerem circular em suas redes. O texto do relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), acaba com a isenção garantida pelo artigo 19 do Marco Civil da Internet. Se aprovado, as plataformas deverão ter um “dever de cuidado” com o ambiente digital, do contrário terão de arcar com sanções judiciais. Na prática, isso significa que continuarão a moderar conteúdo, mas com uma diferença crucial: até agora, fazem isso de acordo com regras que elas próprias inventam e com empenho tíbio. Quando a lei entrar em vigor, após aprovação no Senado e sanção presidencial, terão de seguir a legislação à risca, sobretudo no que diz respeito a democracia, pluralismo, liberdade de expressão e religiosa, privacidade, saúde pública e direitos humanos.