O Globo
O país testemunhou a falta de cerimônia com
que matadores surpreenderam médicos que confraternizavam num quiosque
O discurso do tribuno teve a grandiosidade
que o ato histórico exigia. Com picos de oratória trovejante, durou mais de uma
hora:
— A nação nos mandou executar um serviço, nós
o fizemos com amor, aplicação e sem medo — declamou o presidente da Assembleia
Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, ao apresentar a “Constituição Cidadã”
ao país.
Outros trechos dispersos soam cruelmente
atuais:
— É elementar: não existe Estado sem país,
nem país sem geografia. ... A Federação é a governabilidade. A governabilidade
da nação passa pela governabilidade dos estados e dos municípios. (...)
Democracia é a vontade da lei, que é plural e igual para todos. (...) A
sociedade sempre acaba vencendo, mesmo ante a inércia ou antagonismo do Estado.
Na semana passada o discurso do “Doutor Ulysses” e a Constituição de 1988 completaram 35 anos — mesma idade do ortopedista Diego Ralf de Souza Bomfim. O país testemunhou a falta de cerimônia com que matadores surpreenderam Diego e três colegas que confraternizavam num quiosque da orla carioca, na madrugada de quinta-feira. O único sobrevivente, Daniel Sonnewend Proença, de 32, se recupera dos 14 tiros que levou. Os outros 19 disparos da fuzilaria atingiram Marcos de Andrade Corsato, de 62 anos, Perseu Ribeiro Almeida, de 33, e Diego, que não resistiram. Morreram na contramão da vida atrapalhando o tráfico, em cruel paráfrase da música de Chico Buarque.