terça-feira, 10 de outubro de 2023

Opinião do dia – Jürgen Habermas* (Eleições)

“Eleições e referendos devem não só reproduzir um espetro de preferências existentes, mas também juízos sobre os programas e sobre as pessoas que se encontram em eleição.

Eles não podem expressar irrefletidamente a vontade da população, pois têm também um sentido cognitivo. O governo precisa elaborar problemas urgentes com base nessas decisões sobre diretrizes. Em uma democracia, eleições políticas não satisfazem sua determinação sistêmica se meramente registram a distribuição de preferencias e de prejuízos. Os votos eleitorais alcançam o peso institucional de decisões civis de um colegislador somente porque procedem de um processo público de formação da opinião e da vontade, no que esse processo é controlado pelos prós e contras públicos de opiniões, argumentos e tomadas de posição livremente flutuantes. As opiniões dos cidadãos devem primeiramente se constituir a partir da maré dissonante das contribuições, a luz de uma troca de opiniões publicamente articulada.

De maneira ideal, a política deliberativa se enraíza em uma sociedade civil que faz um uso anarquista de suas liberdades comunicativas. Mas, em nossas esferas públicas espaçosas, produzidas primeiramente pela rede comunicativa de mídias de massa, carece-se não só de informações e impulsos da parte de uma imprensa espontânea e independente, mas, em primeira linha, da iniciativa, do esclarecimento e da capacidade de organização dos partidos políticos.”

*Jürgen Habermas (1929), filósofo e sociólogo alemão que participa da tradição da teoria crítica, membro da Escola de Frankfurt. Dedicou sua vida ao estudo da democracia, especialmente por meio de suas teorias do agir comunicativo, da política deliberativa e da esfera pública. “Na esteira da tecnocracia”, p.172-3. Editora Unesp, 2014.

 

Entrevista | Rubens Ricupero: ‘Conflito amplia temor de recessão’

Por Daniela Chiaretti / Valor Econômico

Gaza é prisão a céu aberto. Eles não têm muito o que perder. Querem uma solução definitiva”

“São crimes de guerra que devem ser condenados de maneira inequívoca. Não é uma guerra contra o Estado de Israel apenas, mas contra a população israelense”, diz o embaixador Rubens Ricupero, condenando o ataque do Hamas a Israel no sábado. “O que está acontecendo no Oriente Médio ocorre no pior momento possível. O mundo já está com muita angústia. O medo de uma nova recessão, que não estava afastada agora aumenta”, continua o jurista, que foi ministro do Meio Ambiente e também da Fazenda.

“Não se pode esquecer que a economia mundial não tinha se recuperado da covid. Em cima disso ocorreu a guerra da Ucrânia e agora, que se tenta superar a inflação sem cair na recessão, vem uma nova guerra”, continua. Ricupero lembra que os países poderosos, com assentos permanentes no Conselho de Segurança da ONU, têm posições distantes. “Mas mesmo que o Conselho de Segurança concorde com uma resolução, o poder dela é simbólico”, diz ele.

Na entrevista ao Valor, o ex-embaixador do Brasil nos EUA dá ideia da complexidade do quadro - a fragilidade de Israel nos últimos anos, o ressentimento dos palestinos, o impacto da guerra no Brasil. “O problema é que o vem depois”, diz.

A seguir trechos:

Merval Pereira - O peso das palavras

O Globo

A desculpa não oficial de que o governo brasileiro não cita o Hamas para não prestigiar grupos extremistas chega a ser ridícula

A dificuldade que a esquerda tem, no mundo inteiro, não apenas no Brasil, de chamar as coisas pelo verdadeiro nome só faz reforçar um estereótipo de que a direita se aproveita. Tanto a direita quanto a esquerda, especialmente no Brasil, têm facilidade de acusar o contrário, com palavras duras e diretas que muitas vezes beiram a irresponsabilidade. Mas, quando alguma coisa acontece no seu arraial, ambos os grupos desconhecem o que os afeta e atacam o que consideram inimigo.

No momento, é inócuo lembrar os desmandos que o governo Netanyahu comete como consequência de acatar na sua coalizão partidos de extrema direita fundamentalmente contra um Estado Palestino. O fato que se sobrepõe aos demais é que o Hamas praticou atos terroristas brutais contra cidadãos israelenses, que devem ser repudiados por todos os governos democráticos do mundo. Não é preciso proteger terroristas para ser a favor de um Estado Palestino.

Míriam Leitão - Tremores no tabuleiro global

O Globo

O conflito no Oriente Médio acontece em um momento em que a economia mundial dá sinais de incerteza

A explosão de violência no Oriente Médio ocorre numa hora em que a economia do mundo coleciona pontos de incerteza. Os juros estão altos, a inflação tem sido resistente, o petróleo subiu durante três meses. Na semana passada, havia caído mas, ontem, diante do conflito no Oriente Médio, voltou a subir. Os grandes fornecedores de petróleo são Arábia Saudita, Rússia e Irã. Se o Irã sofrer aumento de sanções pelo apoio que dá ao Hamas, a oferta do produto diminuirá.

A Rússia hoje depende do Irã para o fornecimento de drones usados na guerra contra a Ucrânia, portanto não terá motivo algum para recuar do corte na produção que adotou, após acordo com a Arábia Saudita. Se a violência da reação israelense for alta demais, a Arábia Saudita abandonará a negociação que a aproximava de Israel. Do ponto de vista político e econômico, o ataque do Hamas a Israel está mexendo muitas pedras no tabuleiro ao mesmo tempo.

'Responsabilidade pela guerra com Hamas é de Netanyahu', diz principal jornal israelense

Por O Globo — Tel Aviv

Em editorial, o Haaretz aponta decisões de um 'governo de anexação e desapropriação', conduzidas por ministros da extrema direita antiárabe que o premier incluiu no Gabinete, entre os elementos que levaram à explosão brutal da violência

Em um duro editorial, o Haaretz, principal jornal israelense, apontou nesta segunda-feira o primeiro-ministro de Israel, Benjamim Netanyahu, como o responsável pelos ataques sem precedentes orquestrados pelo Hamas, que deixaram mais de mil mortos. O Haaretz destacou a incapacidade do premier de avaliar os riscos para a escalada do conflito representados pelas políticas francamente hostis aos palestinos e pela presença no governo de representantes da ultradireita religiosa radicalmente antiárabes.

“O primeiro-ministro, que se vangloria da vasta experiência política e da sabedoria insubstituível em matéria de segurança, falhou completamente em identificar os perigos a que conscientemente direcionava Israel, ao estabelecer um governo de anexação e desapropriação, ao indicar Bezalel Smotrich [ministro das Finanças] e Itamar Ben-Gvir [ministro da Segurança Nacional, da extrema direita] para postos-chave, enquanto adotava uma política externa que abertamente ignorava a existência e os direitos dos palestinos”, diz o texto.

Luiz Carlos Azedo - Existe racionalidade na guerra da Faixa de Gaza?

Correio Braziliense

Ao mesmo tempo que prestam solidariedade a Israel, as chancelarias do Ocidente tentam decifrar as intenções do Hamas com o ataque brutal que pegou de surpresa os israelenses

Existia um padrão no relacionamento entre o grupo islâmico Hamas, que controla a Faixa de Gaza, e o Estado de Israel, até o ataque terrorista de sábado passado, quando milhares de foguetes foram lançados contra o território israelense, ao mesmo tempo em que os milicianos do Hamas invadiram por terra, mar e ar, tomando unidades militares, além de sequestrar mais de uma centena de civis e soldados. Cerca de 300 israelenses morreram e mais de 1.200 ficaram feridos no ataque surpresa da operação Tempestade Al-Aqsa, anunciada pelo comandante militar do Hamas, Muhammad Al-Deif.

O padrão consistia em o Hamas atacar Israel sempre que as negociações de paz com a Autoridade Palestina apresentavam alguma possibilidade de progresso, como que a dizer que a Organização pela Libertação da Palestina (OLP), liderada por Mahmoud Zeidan Abbas, se tornou irrelevante. A resposta de Israel era revidar os ataques e endurecer o tratamento dado aos palestinos da Faixa de Gaza, além de suspender as negociações de paz. Isso significava fortalecer a extrema direita israelense, liderada pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, e enfraquecer Abbas, o presidente da Autoridade Palestina. Era jogo jogado.

Carlos Andreazza - Supremos senadores

O Globo

Supremo senador pode ser tanto Barroso e seu “empurrar a História na direção certa” quanto Alcolumbre e seus pachecos.

Debater é bom. Tudo — quase tudo — está para debate. Há duas condições fundamentais: consistência e honestidade (intelectual). Ou se deverá desconfiar. O debate público exige boa qualidade e propósitos claros. Não pode ser — não sem que se denuncie a manobra — manipulado a serviço de oportunistas. Oportunismo é o que há na origem das gestões do Parlamento, Senado à frente, por limitar o instrumental de que dispõe o Supremo Tribunal Federal.

É preciso avaliar a inadequação do tempo. É hora de mexer? Haveria como mexer — hoje — para melhor, ainda que virtuosas fossem as pretensões? O tempo sendo também aqueles que o povoam-encarnam-saqueiam. O tempo é de reformadores da estirpe de Davi Alcolumbre, o imperador do Senado da República. É hora de mexer?

Maria Cristina Fernandes - Brasil modera posição para tentar unir Conselho

Valor Econômico

Lula recua de postura histórica pró-Palestina para tentar mover CSNU sob liderança brasileira

O ataque do Hamas contra Israel, sete dias depois de o Brasil assumir a Presidência do Conselho de Segurança das Nações Unidas, desafiou a histórica posição pró-Palestina do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A nota divulgada nesta segunda-feira (9) pelo Itamaraty mostrou que o país, que teme a escalada do conflito, optou pela moderação. Condenou o ataque contra civis, fez um apelo pelo desbloqueio do processo de paz e, no limite, reiterou seu compromisso com a coexistência dos Estados de Israel e da Palestina.

Lula conversou duas vezes por videoconferência com seu assessor internacional, o ex-chanceler Celso Amorim. Uma no sábado, depois do ataque do Hamas, quando se discutiram os cenários do conflito, e outra na manhã desta segunda, na presença do ministro da Defesa, José Múcio, e do chanceler, Mauro Vieira, mais centrada na retirada dos brasileiros da região.

Andrea Jubé - O insuportável peso das guerras

Valor Econômico

Há mais conflitos armados em andamento, agravando a crise dos refugiados e turbinando as estatísticas de mortes em combates

Durou poucos meses a Primavera de Praga, o respiro democrático de 1968, quando a população saiu às ruas para protestar contra o regime autoritário da então União Soviética - da qual a Tchecoslováquia fazia parte - e alçou conquistas como liberdade de expressão e o fim da censura à imprensa. Logo tanques russos invadiram a capital, Moscou retomou o governo e radicalizou a repressão que se estendeu por mais de 20 anos.

O conflito tcheco é pano de fundo do romance “A insustentável leveza do ser”, de Milan Kundera, morto em julho. Na obra, a eclosão do embate aprofunda a crise existencial dos personagens, impondo a reflexão sobre o impacto da guerra nos destinos humanos.

Dora Kramer - Bode expiatório

Folha de S. Paulo

Acabar com a reeleição não resolverá as mazelas que assolam nosso sistema político

O presidente do Congresso recentemente repôs na agenda o tema e disse esperar que se vote ainda neste ano o fim do instituto da reeleição para os chefes dos Executivos federal, estaduais e municipais.

O senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) falou como quem sugeria a solução ideal para os males que assolam o sistema eleitoral e partidário do país. De imediato, obteve aderência à proposta, dentro e fora do ambiente parlamentar.

Praticamente desde que foi instituída a reeleição, fala-se em acabar com ela, porque não teria "dado certo". A tese começou a ganhar corpo antes mesmo de ser devidamente testada, mas da correção dos defeitos não se cogita.

Alvaro Costa e Silva - Showmício da violência

Folha de S. Paulo

O populismo político só olha para a segurança pública nas eleições

Em outubro de 2022, no calor da corrida presidencial, Lula usou um boné com as siglas CPX em visita ao Complexo do Alemão. Logo surgiram notícias falsas ligando o candidato a facções criminosas. A abreviação, comum em músicas e usada pela Polícia Militar, significa "complexo", não "cupincha", como os adversários do petista insinuavam. Negociado em troca da doação de uma cesta básica ao conjunto de favelas da zona oeste do Rio, o boné virou hit entre famosos.

Àquela altura Lula liderava as pesquisas. Dentro da Polícia Federal urdia-se uma estratégia de campanha. Entregue à CPI do 8/1, uma anotação no celular da delegada Marília Ferreira, braço direito do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, afirma que "havia certa pressão" após o primeiro turno para que ela indicasse uma relação do PT com grupos criminosos. Sem a máquina a seu lado, restava a Lula xingar Bolsonaro de miliciano.

Hélio Schwartsman - Ataque a Israel reconfigura a política na região

Folha de S. Paulo

Pano de fundo são as conversações para a normalização de relações entre o país e a Arábia Saudita

ataque do Hamas a Israel traz um abalo sísmico na política do Oriente Médio. No curto prazo, a população israelense deverá se unir em torno do premiê Binyamin Netanyahu para dar uma resposta ao grupo terrorista ("rally’round the flag"). Mas essa é uma tarefa extremamente complexa tanto do ponto de vista militar como político.

Os israelenses não podem simplesmente despejar toneladas de bombas sobre Gaza, como fariam em condições normais. O Hamas capturou mais de uma centena de reféns e os espalhou pela área.

Joel Pinheiro da Fonseca - A violência indiscriminada contra civis palestinos é tudo que o Hamas quer

Folha de S. Paulo

Ou haverá a tão sonhada solução de dois Estados ou genocídio mútuo

Começo com uma obviedade singela: seja qual for sua causa, ela não justifica que você saia pelas ruas executando idosos, estuprando mulheres e raptando jovens. Disso, chegamos a uma conclusão que deveria servir de mínimo denominador comum moral: o Hamas é um grupo ilegítimo, terrorista, e deve deixar de existir. A resposta militar a ele é justificada. Anos no poder em Gaza em nada reduziram seu extremismo e seu desejo de varrer Israel do mapa. Pelo contrário, seu braço armado se tornou ainda mais ativo.

É um grupo que, ademais, faz uso notório de escudos humanos, colocando suas bases ao lado de escolas e hospitais. Isso levou Israel, no passado, a avisar moradores de áreas residenciais de Gaza antes de um bombardeio, dando-os alguns minutos para fugir. Fica a pergunta: teria o Hamas atitude semelhante se o Exército de Israel usasse escudos humanos? Não precisa responder.

Eliane Cantanhêde - Nome aos bois (e aos atentados)

O Estado de S. Paulo

Brasil teme que guerra em Israel afete economia e evolua para crise internacional

É um alívio que o presidente Lula, trancado no Alvorada, recuperando-se da cirurgia no quadril, não tenha dado entrevistas ou declarações de improviso sobre a guerra em Israel. O risco era Lula repetir os erros e a confusão que aprontou ao falar, por exemplo, sobre a invasão da Ucrânia e a ditadura da Venezuela. Vai que ele, para defender a Palestina, ousasse amenizar o ataque terrorista do Hamas?

Por escrito, e bem assessorado, Lula reagiu de forma cautelosa no X, dizendo-se “chocado com os ataques terroristas contra civis, com numerosas vítimas”, reafirmando “repúdio ao terrorismo em qualquer de suas formas” e prometendo esforços para “uma solução que garanta a existência de um Estado palestino economicamente viável, convivendo pacificamente com Israel dentro de fronteiras seguras para ambos os lados”.

Guilherme Casarões* - Os descaminhos do conflito

O Estado de S. Paulo

Netanyahu se associa a ultraortodoxos e religiosos que negam aos palestinos o direito de existir

As terríveis cenas que assistimos nos últimos dias e o imensurável sofrimento de civis dificultam qualquer análise sóbria sobre os ataques terroristas do Hamas no contexto mais amplo do conflito israelense-palestino. No momento em que precisamos de humanidade, a frieza da geopolítica soa demasiadamente desumana. Mas é fundamental que alguns elementos desse complexo quebra-cabeças sejam discutidos.

Primeiro: estamos falando de uma disputa entre dois projetos nacionais em larga medida excludentes. Ainda que muitos israelenses e palestinos sejam a favor da existência de dois Estados para os dois povos, a radicalização de ambas as sociedades privilegia hoje o entendimento de que a sobrevivência de um povo depende da eliminação do outro.

Após 15 anos no poder, o premiê, Binyamin Netanyahu, associa-se, cada vez mais, com nacionalistas religiosos e ultraortodoxos que negam aos palestinos o direito de existir.

Governando Gaza com mão de ferro desde 2006, o grupo extremista Hamas defende que a Palestina só será livre quando Israel desaparecer. O colonialismo de alguns anda de mãos dadas com o terrorismo de outros.

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Mercado de créditos de carbono é um avanço para o Brasil

O Globo

Projeto aprovado no Senado representa passo essencial, mas texto deveria incluir agropecuária

O Projeto de Lei que regula o mercado de carbono, aprovado por unanimidade pela Comissão do Meio Ambiente do Senado, não é o ideal, mas sem dúvida representa um avanço. Estabelece um mecanismo fundamental para reduzir as emissões de gases de efeito estufa no Brasil.

Votado de forma terminativa, sem necessidade de ir ao plenário, o projeto cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE). Estipula, para as empresas que lançarem mais de 10 mil toneladas de carbono na atmosfera (ou o equivalente em outros gases), a obrigação de apresentar um relatório de emissões e reduções, pelas quais terão direito a créditos. As que emitirem mais de 25 mil toneladas terão de comprar esses créditos de carbono das que tiverem reduzido suas emissões — ou então terão de pagar multas, perderão benefícios fiscais e estarão proibidas de firmar contratos com o setor público.