sábado, 16 de dezembro de 2023

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Tarifa zero é uma solução oportunista e inadequada

O Globo

Liberação das catracas em São Paulo é medida eleitoreira que beneficia mais as empresas que os usuários

Faltando menos de um ano para as eleições municipais de 2024, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), candidato à reeleição, anunciou que os ônibus municipais não cobrarão passagem aos domingos. A gratuidade, que começa amanhã, abrangerá 1.175 linhas da capital mais populosa do país. As catracas serão liberadas também no Natal, no Réveillon e no aniversário da cidade. O governo não descarta estender o programa às madrugadas.

O custo, obviamente, não será zero. O município deixará de arrecadar R$ 283 milhões por ano. A Câmara reservou R$ 500 milhões no orçamento do ano que vem para financiar as gratuidades (entre elas, a já existente para idosos). Mais dinheiro para as empresas de ônibus paulistanas, cujo subsídio não para de crescer. A Prefeitura já despeja R$ 5,3 bilhões anuais, ante R$ 520 milhões em 2011.

Em véspera de ano eleitoral, projetos de tarifa zero têm se multiplicado, esquentando os debates entre pré-candidatos não só em São Paulo, mas em cidades como Belo Horizonte, Florianópolis, Salvador e Fortaleza. Tudo indica que será tema central nas eleições do ano que vem. Sua adoção na maior cidade brasileira daria impulso a uma política pública de eficácia duvidosa.

Oscar Vilhena Vieira* - A hidra de três cabeças

Folha de S. Paulo

Em 35 anos fomos do confortável presidencialismo de coalizão para um regime hiperconsensual

derrubada em série de vetos presidenciais nesta semana confirma uma profunda mudança na relação entre os Poderes no Brasil. O Congresso não só impôs uma derrota ao Executivo como desafiou o Supremo ao restabelecer o marco temporal, declarado inconstitucional recentemente pelo tribunal.

Nestes 35 anos, migramos de um confortável presidencialismo de coalizão, com forte dominância do Executivo, para um regime hiperconsensual, onde nada parece andar se não houver um amplo consenso entre os três Poderes da República.

A relação entre os Poderes jamais é estática. Ela responde a uma combinação dinâmica entre a distribuição de prerrogativas pela Constituição e forma como o eleitor estabelece maiorias, a cada ciclo eleitoral.

Pablo Ortellado - STF enfrenta crise de legitimidade

O Globo

Foi questionável o fechamento de contas nas mídias sociais de diversos bolsonaristas

A ida de Flávio Dino para o Supremo Tribunal Federal não é boa — ou melhor, não é boa do ponto de vista político. Do ponto de vista formal e do mérito, Dino tem todas as qualidades necessárias. Não apenas notável saber jurídico e reputação ilibada, como dispõe de carisma e oratória. Nos diferentes cargos políticos que ocupou, demonstrou habilidades de negociação e compromisso que serão muito úteis na Corte. Dino, porém, é um político, e um político que se destacou por ser combativo num período de polarização acirrada. Num momento em que a Corte é acusada pela oposição de ser politicamente parcial, a chegada dele aprofundará a crise de legitimidade do Supremo.

Hélio Schwartsman - Fatos da democracia

Folha de S. Paulo

Jornalismo, que ajudava a estabelecer um conjunto de fatos reconhecidos por todos, vive crise, o que pode ter impacto sobre a democracia

"Pode existir uma democracia saudável sem um conjunto comum de fatos?" Esse é o título do editorial que a revista britânica The Economist publicou esta semana ao promover uma discussão sobre o papel do jornalismo que ganhou a capa do hebdomadário. Um dos editores do órgão britânico acusa a mídia mainstream americana, em particular o New York Times, de estar se aproximando demais da visão de mundo do Partido Democrata, e, com isso, alienando o público mais conservador, com impactos deletérios para a democracia.

Ricardo Rangel - O fim da História?

Revista Veja

O mundo vive hoje os maiores desafios de sua existência

“O fim da História?”, cogitou, em 1989, o cientista político Francis Fu­kuya­ma. Ele retomava a tese do filósofo Friedrich Hegel, mais tarde adotada e propalada por Karl Marx, de que a História teria um propósito evolutivo, um modelo que não pudesse ser superado. Esse ponto marcaria o “fim da História”.

Fukuyama defendia que esse modelo era a democracia liberal, não por ser perfeito, mas porque nenhum outro poderia entregar estágios superiores de liberdade, igualdade, conforto. O liberalismo havia derrotado o absolutismo e o fascismo, o comunismo era inviável. Não sobrava nada.

Fukuyama foi muito atacado, em particular pela esquerda, que acreditava na tese do fim da História, mas via o modelo definitivo como sendo o comunismo. Pouco depois, no entanto, o Muro de Berlim caiu e a URSS se desintegrou. O mundo parecia fadado a ser democrático.

Mas a História é famosa por ser trapaceira. A democratização e a globalização criaram ressentimentos em ricos e pobres. A intolerância nacionalista e/ou religiosa ressurgiu.

Câmara conclui votação histórica da Reforma Tributária; texto vai à promulgação

Por Victoria Abel e Geralda Doca / O Globo

Mudança no sistema de impostos ocorre após décadas de discussão no país. Bancada da bala consegue barrar imposto seletivo sobre armas.

Em uma votação histórica, a Câmara dos Deputados aprovou, nesta sexta-feira, a Reforma Tributária. No primeiro turno, por 371 votos a 121. No segundo turno, foi de 365 a 118. O texto vai à promulgação. A cerimônia deve ocorrer na próxima quarta-feira. A aprovação foi possível depois de intensas negoiações entre Câmara e Senado nos últimos dias.

-- Os resultados são de um trabalho coletivo. Em nome de todos, eu queria dizer que a Câmara dos Deputados e o Senado Federal marcam definitivamente com essa votação um grande feito -- disse o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-PB).

Lira ainda acrescentou que a proposta final foi a possível diante das negociações.

-- Não é o ideal não é o bom, mas é o possível. É uma lei que nasceu essencialmente no parlamento -- afirmou.

Após quase quatro décadas de discussões, o Brasil caminhará para um modelo já adotado em outros páises, com unificação de impostos e facilitação da cobrança. O impasse que dura desde a redemocratização está próximo do fim após uma série de negociações entre Câmara e Senado, além da participação do Ministério da Fazenda.

Dora Kramer - O PT e sua arte de viver

Folha de S. Paulo

Partido sacrifica tudo, de parceiros à coerência, para manter viva sua relevância

PT é um mestre na arte da sobrevivência. Partidos com muitos menos problemas que os enfrentados pelos petistas têm sido vítimas fatais da má administração de circunstâncias adversas e/ou dos próprios erros.

Não foram poucos os infortúnios enfrentados pelo sobrevivente de enormes escândalos, da dizimação da antiga cúpula, da prisão do líder maior e de fracassos eleitorais. Nada disso posto à mesa da consciência na forma de autocrítica.

Para o PT, qualquer que seja a questão é culpa sempre do outro. Sujeito oculto ou explícito, não interessa, desde que alguém que não seja do partido esteja na posição de candidato a réu. Político, jurídico ou eleitoral. Faz parte da precisão com que é executado o plano de seguir relevante apesar dos pesares.

Alvaro Costa e Silva - Educação à deriva e sob ataque

Folha de S. Paulo

Além da volta das escolas cívico-militares, Câmara vota alterações no ensino médio

Além do plano econômico "motosserra", de sufocar manifestações e de fazer da irmã Karina uma espécie de Drusila, a favorita de Calígula —uma ministra superpoderosa que ainda acumula a atividade de primeira-dama—, Milei cortou o número de ministérios. Dançaram pastas da Educação, Trabalho, Ciência, Meio Ambiente, Cultura.

Bolsonaro viajou à Argentina acompanhado da festiva roda de direita. Filho 03, puxa-sacos, deputados estaduais e federais, senadores, os governadores de São Paulo e Rio —estes largaram suas capitais em meio à onda de violência. Ao chegar ao poder, o capitão arranjou o mapa com 22 ministérios, embora tenha prometido 15 na campanha. Não cancelou geral, como Milei.

Talvez porque fosse mais divertido destruí-los aos poucos. Nesse ínterim, que servissem de boquinha para os comparsas. Na educação, houve cinco ministros, rol de nulidades, entre as quais um olavista, um lacrador de internet, um falsificador de currículo e um pastor envolvido num escândalo de corrupção com Bíblias e barras de ouro.

Carlos Alberto Sardenberg - A escola pública é que vai mal

O Globo

Desempenho dos alunos de escolas privadas em leitura os coloca na 11ª posição, acima da média dos países ricos da OCDE

Não é verdade que os alunos brasileiros foram mal nos testes do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa, na sigla em inglês), realizado no ano passado. Estamos aqui diante um caso típico de como as médias enganam.

Na média geral, os 11 mil alunos brasileiros (15 anos de idade, na série correta) fizeram 410 pontos em leitura (52ª posição em 81 países), 403 em ciências (61ª) e 379 em matemática (65ª). Medíocre. Mas os 1.437 estudantes das escolas privadas saíram-se muito bem em leitura e ciências. Foram razoáveis para mais em matemática.

Eduardo Affonso - Sem vigiar nem punir

O Globo

Nenhum deles precisou fugir da cadeia para voltar a roubar, estuprar, matar. Estavam soltos por decisão judicial

Reynaldo Rocha Nascimento, que confessou ter estuprado, tentado degolar e, por fim, enforcado a sobrinha — Kemilly, 4 anos de idade — em Nova Iguaçu, já tinha sido preso em flagrante por assaltos violentos. Foi solto três dias depois.

Vitor Hugo de Oliveira Jobim, que espancou e roubou Marcelo Benchimol — empresário, 67 anos — em Copacabana, tinha nove anotações criminais por roubo, furto e tráfico de drogas.

Carlos José de França, suspeito de matar a facadas, em Búzios, Florencia Aranguren — 31 anos, argentina, acrobata —, tinha sido condenado a 15 anos de prisão por estupro e roubo.

Marcus Pestana* - A convivência entre os poderes republicanos

O Brasil optou, em 1889, por uma organização republicana com o fim da monarquia, e, sob clara influência do processo norte-americano, a República já nasceu presidencialista.

Para um país de 523 anos de existência, nossa experiência democrática é curta. Da descoberta até 1888 tivemos uma sociedade escravista. Da proclamação da República até 1930, experimentamos uma democracia restrita ao jogo das elites regionais. Com a Revolução de 1930, tivemos pela primeira vez um Código Eleitoral na tentativa de moralizar o sistema político. Em 1934, foi introduzido o voto feminino.

Já em 1937, caímos na ditadura do Estado Novo, que perdurou até o final da Segunda Grande Guerra. A vitória das forças aliadas impôs a redemocratização no Brasil. Da eleição de Dutra até 1964, tivemos o período mais vivo de nossa democracia. Havia a presença ativa dos trabalhadores nas lutas políticas e sociais, a classe média começava a vocalizar seus interesses e o país experimentou um período dourado de crescimento combinado com amplas liberdades.

Bolívar Lamounier* - Desligamentos perigosos

O Estado de S. Paulo

O atual radicalismo dos EUA é muito mais perigoso que o de 1964. Ao contrário de Trump, Goldwater era, bem ou mal, um homem de princípios

Em menos de uma década, dois países tidos como afáveis, ou pelo menos como ordeiros, o Brasil e os Estados Unidos, escancararam seu lado rancoroso, personificado pelos srs. Jair Bolsonaro e Donald Trump.

Em ambos os casos, o dr. Jekyll transformou-se em mr. Hyde. Mas, claro, não faz sentido entrar no assunto sem antes remover a espessa camada de mito quanto à “afabilidade” e à “ordem” que permeia a interpretação da história nos dois países. No Brasil, Sérgio Buarque de Holanda tratou com seriedade a ideia de “cordialidade”, mas pouca gente entendeu direito o que ele escreveu. Fato é que empregou o termo “cordialidade” no sentido etimológico, como aquilo que provém do coração, órgão do qual pode sair tanto o amor como o ódio. Quem distorceu o argumento, emprestando-lhe a conotação de bondade ou de um suposto caráter pacífico de nosso povo, com a evidente intenção de bajular o Estado Novo de Getúlio Vargas (1937-1945), foi o poeta Cassiano Ricardo, íntimo colaborador da ditadura.

Fareed Zakaria* - Mundo sob a sombra da política americana

O Estado de S. Paulo

Em 2024, a política polarizada dos EUA pode moldar o mundo para próximas décadas

O ano de 2023 acabou testemunhando uma mudança na ordem mundial. O sistema internacional com base em regras construído pelos EUA e outros países ao longo de décadas está sob ameaça em três regiões.

Na Europa, a guerra da Rússia na Ucrânia arrebenta a antiga norma de que fronteiras não devem ser alteradas pela força. No Oriente Médio, a guerra entre Israel e Hamas ameaça uma perigosa radicalização da região, com milícias apoiadas pelo Irã combatendo aliados apoiados pelos EUA, do Líbano ao Iêmen, do Iraque à Síria. E na Ásia, a ascensão da China continua a desestabilizar o equilíbrio de poder.

Todos esses desafios possuem peculiaridades, mas têm em comum a necessidade de uma combinação sofisticada entre dissuasão e diplomacia. O governo de Joe Biden os tem enfrentado energeticamente – estabelecendo agendas, reunindo aliados e conversando com adversários. O sucesso dependerá de sua capacidade de executar as políticas que adotou. Lamentavelmente, isso poderá depender da política doméstica dos EUA, mais que de suas estratégias maiores.

Demétrio Magnoli - Teatro em São Vicente

Folha de S. Paulo

Para cortar as asas de Nicolás Maduro, basta denunciar a chantagem

A agressão compensa –eis o que Nicolás Maduro concluiu ao sentar-se diante do presidente da Guiana, Irfaan Ali, e do assessor de Lula, Celso Amorim, na ilha caribenha de São Vicente. O ditador venezuelano venceu o primeiro round, obtendo negociações diretas com mediação brasileira sobre Essequibo.

Amorim foi a Caracas em 24/11 para acalmar as tensões provocadas pela Venezuela. Fracasso: depois do plebiscito de 3/12, que o governo brasileiro qualificou de modo condescendente como "assunto interno", Maduro escalou a agressão. O venezuelano redesenhou o mapa dos dois países incorporando 70% da Guiana; nomeou um general-governador para a "Guiana Essequiba"; anunciou a concessão de cidadania aos habitantes de Essequibo; autorizou a estatal petrolífera PDVSA a conceder licenças de exploração no território "anexado"; deslocou uma divisão do Exército para a fronteira. A violação da soberania guianense só não chegou –ainda– às vias militares.

Maria Cristina Fernandes - O alvo da bravata de Nicolás Maduro

Valor Econômico

Ao ameaçar a Guiana, presidente venezuelano mira à rediscussão das linhas que demarcam o mar territorial dos dois países por acesso mais direto ao Atlântico e por um percentual da exploração no país vizinho

Ao voltar de uma viagem relâmpago a Caracas, em março deste ano, o assessor especial da Presidência, Celso Amorim, disse que, em 20 anos de contato com a Venezuela, nunca tinha visto “um clima tão grande de incentivo à democracia”.

Em maio, depois de colocar os Dragões da Independência na rampa do Palácio do Planalto para a recepção a Nicolás Maduro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou a “narrativa” antidemocrática contra a Venezuela.

Na semana passada, Maduro assinou decretos para dar início à administração de Essequibo e à exploração de petróleo na região que corresponde a dois terços do território da Guiana.

A ofensiva é a mais ousada desde 1841, quando a Venezuela apresentou suas primeiras queixas a uma suposta “invasão” de seu território por uma Guiana ainda britânica.

De lá para cá, a Venezuela assinou e rasgou sucessivos acordos de reconhecimento da legitimidade territorial da Guiana sobre Essequibo. Os governos dos dois países assinaram o Tratado de Washington em 1897 seguido de uma arbitragem de cinco juízes que, dois anos depois, deu ganho de causa para o Reino Unido.

Em 1963, sob o governo de Rómulo Betancourt, a Venezuela contestou aquela arbitragem com a alegação de que seu resultado derivou de um complô entre seus integrantes de origem americana, inglesa e russa.

José de Souza Martins* - Uma análise sobre o banimento de monumentos

Valor Econômico

As demolições simbólicas dos marcos de épocas históricas não mudam a realidade do presente porque não mudam o passado de que resulta

A Câmara Municipal do Rio aprovou lei que veda “manter ou instalar monumentos, estátuas, placas e quaisquer homenagens que façam menções positivas e/ou elogiosas a escravocratas; eugenistas; e pessoas que tenham perpetrado atos lesivos aos direitos humanos, aos valores democráticos, ao respeito à liberdade religiosa e que tenham praticado atos de natureza racista”.

A lei determina que os monumentos “já instalados em espaço público deverão ser transferidos para ambiente de perfil museológico, fechado ou a céu aberto, e deverão estar acompanhados de informações que contextualizem e informem sobre a obra e seu personagem”.

No Brasil tem crescido a hostilidade contra os marcos da memória, como esses, um fenômeno social, político e cultural que expressa grandes e significativas mudanças na mentalidade da população e o desenvolvimento de uma consciência de identidade social inconformista e até mesmo insurgente.