sábado, 9 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Operações policiais no Rio apontam rumo contra o crime

O Globo

Cooperação entre polícias levou a apreensão de arsenal. Inteligência financeira desfez esquema de bicheiro

Duas operações policiais deflagradas ontem no Rio mostraram a importância do planejamento, das investigações robustas e da integração entre as diversas forças de segurança com o Ministério Público para o sucesso no enfrentamento das organizações criminosas. Uma delas conseguiu interceptar um comboio de milicianos na Avenida Brasil, levando à prisão de 15 criminosos e à apreensão do arsenal em poder dos bandidos. A outra, que teve como alvo o bicheiro Bernardo Bello, mirou o esquema de lavagem de dinheiro do contraventor.

A operação na Avenida Brasil aconteceu na madrugada de quinta-feira, em Campo Grande, Zona Oeste do Rio. Graças ao trabalho de inteligência, equipes das polícias Civil, Militar e Rodoviária Federal (PRF) interceptaram um “bonde” formado por 16 milicianos em quatro carros roubados. A quadrilha participara de um confronto numa favela da região controlada pela milícia e disputada pelas facções Comando Vermelho (CV) e Amigos dos Amigos (ADA). Com o bando, foram apreendidos 12 fuzis, 58 carregadores, duas granadas, sete pistolas e mais de 1.500 projéteis — uma das armas tinha o brasão da polícia de Miami, nos Estados Unidos. Foram recolhidos também coletes à prova de bala e uniformes falsos das polícias. Seis suspeitos foram baleados nas ações.

Oscar Vilhena Vieira* - 'Tô nem aí'

Folha de S. Paulo

PM matou 94% a mais na Baixada Santista, mas governador não está preocupado

"Sinceramente, nós temos muita tranquilidade com o que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU, pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí (sic)". É o que brada o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, após a Conectas Direitos Humanos e a Comissão Arns denunciarem à ONU as operações letais e a escalada da violência policial na Baixada Santista.

Mas o governador está tranquilo.

O número de pessoas mortas por policiais militares em serviço na Baixada Santista aumentou em 94% no primeiro bimestre de 2024 em comparação com o mesmo período do ano anterior, segundo dados do Ministério Público Estadual de São Paulo.

Hélio Schwartsman - Biden fala grosso

Folha de S. Paulo

Para contrapor-se à imagem de velho, presidente faz discurso incomumente forte ao Congresso

Joe Biden sentiu o golpe. A tentativa de Donald Trump de associar a imagem do atual presidente à de um velho decrépito parece estar pegando. Para contrapor-se a isso, Biden fez um discurso sobre o estado da união incomumente forte, no tom e no conteúdo. Bateu em Trump, lembrou a insurreição de 6 de janeiro de 2021, explicou sua política externa e abordou explicitamente o problema da idade. Em suma, fez de tudo para mostrar-se como o exato oposto de um velhinho confuso e indefeso.

Dora Kramer - Não é só a economia

Folha de S. Paulo

Estilo sem filtro e prioridade ao mundo contam muito na queda de Lula nas pesquisas

Enquanto caem as avaliações positivas do presidente Luiz Inácio da Silva (PT) em praticamente todos os itens e segmentos, como registrado nesta semana em duas pesquisas (Quaest e Atlas), a economia exibe bons índices no macro: inflação, PIB, desemprego. No cotidiano, a carestia segue no comando.

Isso explica em parte, mas não destrincha com exatidão o mapa do campo minado para um presidente que saiu consagrado do segundo mandato e completa um ano do terceiro em queda no gosto do brasileiro. Mostra, primeiro, que a economia não é tudo. Na realidade, nunca foi, dependeu sempre da política, pois sem que um governo disponha de condições políticas favoráveis não há condução econômica que se sustente. Ao menos é assim nas democracias.

Adriana Fernandes - Banqueiros e a PEC da autonomia financeira do BC

Folha de S. Paulo

Preocupação é que autonomia orçamentária coloque ‘política’ dentro da instituição

Banqueiros manifestaram desconforto com o risco de a PEC que dá autonomia orçamentária e financeira ao Banco Central colocar a "política" dentro da instituição.

A preocupação é que a PEC acabe vinculando, na prática, o BC ao Senado, dando margem para interferências dos parlamentares no órgão, que é responsável pelas políticas monetária e cambial, além de regular e fiscalizar a atuação das instituições financeiras no Brasil.

Em outras palavras, que o Banco Central fique dependente do Congresso até mesmo para nomeações de cargos dentro do banco.

Demétrio Magnoli - No jogo da raça

Folha de S. Paulo

Políticas de cotas raciais espalham o gás tóxico do racismo no meio do povo

Cerca de dez anos atrás, um candidato ao ensino superior que teve sua autodeclaração racial negada por um tribunal racial ("comissão de heteroidentificação", segundo a novilíngua da burocracia identitária) solicitou meu auxílio para reverter a sentença. Neste ano, 204 candidatos à USP recorrem contra negativas similares, inclusive o pardo Alison Rodrigues, que perdeu a vaga em medicina e ingressou com ação judicial.

Nenhum deles fez contato comigo, mas atualizo a resposta pessoal que ofereci no passado. Talvez ela interesse a dezenas de milhares de jovens, Brasil afora:

Prezado candidato, não posso ajudá-lo. Você entrou num jogo com regras subjetivas, arbitrárias. É impossível comprovar objetivamente sua raça, pois raças humanas não existem.

Bolívar Lamounier* - A democracia à mercê de irresponsáveis

O Estado de S. Paulo

Crises tão portentosas como as que vivem EUA e Brasil não brotam naturalmente da terra, dos sofrimentos e angústias que atormentam os desprovidos da sorte

Em janeiro de 2021 e, novamente, em janeiro de 2023, duas das maiores democracias do mundo sofreram agressões muito parecidas com o que normalmente designamos como tentativa de golpe de Estado.

Em janeiro de 2021, a agressão ocorreu nos Estados Unidos, orquestrada por este mesmo senhor, Donald Trump, que a Suprema Corte norteamericana, por uma unanimidade de nove votos a zero, considerou elegível. A Corte baseou-se na 14.ª emenda à Constituição, mas o fator que mais pesou na decisão, salvo melhor juízo, foi a série de retumbantes vitórias de Trump nas primárias do Partido Republicano. À primeira vista execrável, tal decisão comporta duas outras leituras. Uma, o desejo de evitar uma crise política de extrema gravidade, na hipótese de os magistrados se posicionarem contra uma candidatura aparentemente endossada por uma ampla maioria dos cidadãos. Outra, a norma jurídica in dubio pro reo: havendo margem para dúvida – ou seja, não se tendo absoluta certeza de que a arruaça promovida por trumpistas às portas do Capitólio no dia 6 de janeiro de 2021 –, a Corte teria mesmo de votar a favor dele.

Dom Odilo P. Scherer* - Uma aposta perigosa

O Estado de S. Paulo

Não se torna boa, mediante a legalização, uma prática ilegal, ilícita e maléfica como os jogos de azar, que gera graves danos e sofrimentos humanos

No Congresso Nacional tramita há mais de 30 anos o Projeto de Lei (PL) 442/1991, sobre a legalização dos jogos de azar. Depois de várias tentativas frustradas de aprovação, o PL 442/91 foi novamente retomado com força total e já passou pela Câmara dos Deputados, esperando ser apreciado e votado no Senado.

Ao que tudo indica, além da pressão de grupos interessados na legalização dos jogos de azar no Brasil, desta vez a busca de arrecadação para o erário poderia levar vento favorável aos militantes da causa. De fato, um dos argumentos invocados é de que a aprovação do PL 442/91 poderia contribuir para o cumprimento das metas de arrecadação do governo.

Pablo Ortellado - Avanço na proteção ao trabalho

O Globo

Motoristas passarão a ter acesso aos benefícios do INSS

Depois de mais de um ano de debate, o governo Lula finalmente enviou ao Congresso o Projeto de Lei que regulamenta o trabalho por aplicativos de transporte, como Uber e 99. O texto mantém o caráter autônomo desse tipo de trabalho, estabelece um piso de remuneração equivalente ao salário mínimo e garante ao trabalhador os direitos que advêm da contribuição ao INSS.

Apesar das limitações, o projeto é um avanço na proteção ao trabalho e dá segurança jurídica para a atuação das empresas. Para ter a dimensão desse tipo de trabalho, apenas a Uber tem 1 milhão de motoristas cadastrados. Isso é mais que o total dos que trabalham para os dez maiores empregadores do país, como Itaú, Correios e BRF.

Carlos Alberto Sardenberg - Uma bandeira a reerguer: a anticorrupção

O Globo

Repararam que ninguém fala dos atos concretos de corrupção, das confissões e, sobretudo, do dinheiro devolvido?

O tiro fatal contra a Lava-Jato foi disparado pelo juiz símbolo da operação — Sergio Moro, quando aceitou ser ministro da Justiça de Bolsonaro. Sendo generoso, havia atenuantes favoráveis à escolha de Moro. O então futuro presidente entregara tudo, o controle da Polícia Federal, de todo o sistema de segurança pública e das movimentações financeiras. Mais a garantia de apoio aos ambiciosos projetos de combate à corrupção.

A República de Curitiba, tão temida por boa parte da elite política, se instalaria em Brasília.

Avaliação equivocada de Moro. Primeiro, Bolsonaro já não era de confiança, mesmo porque ele e seus filhos tinham rolos na Justiça e na polícia. Seu comportamento nunca foi de um republicano, mas de desconfiança em relação às instituições, a começar pelo Judiciário. Não demorou muito para Bolsonaro reclamar da PF de Moro e conseguir uma PF para chamar de sua.

Eduardo Affonso - O liberal, esse desconhecido

O Globo

Liberais deram ao Brasil o Plano Real, que botou freio na inflação, castigo tão mais cruel quão mais baixa a renda

Imagine alguém a favor da igualdade de gênero, de plenos direitos para casais homoafetivos (incluindo adoção), do Estado laico (com o fim dos privilégios fiscais concedidos a “igrejas”), da descriminalização das drogas e do aborto, da legalização da eutanásia, da opção por fontes limpas e renováveis de energia — e, ainda assim, considerado de direita.

Pense agora em alguém que defenda a autorregulação do mercado, a privatização das estatais, a liberdade de expressão, a redução da maioridade penal, a implantação de normas de compliance em todo o setor público, o empreendedorismo, o capitalismo como única forma de criação de riqueza — e que, ainda assim, volta e meia seja chamado de esquerdista.

Muito prazer: esse cara sou eu, um liberal — em época de eleição, também conhecido pela pouco lisonjeira alcunha de “isentão”. Um gênero fluido: à esquerda se a referência for um bolsonarista; à direita se for um petista o parâmetro.

Cláudio Couto* - Reforma para quem?

CartaCapital

As propostas de mudança no sistema eleitoral atendem mais aos políticos do que aos eleitores

Recente levantamento da CNN Brasil mostra que, desde a aprovação da reeleição para as chefias do Executivo, ao menos 57 propostas de emenda constitucional para acabar com o instituto foram apresentadas. Não obstante, ele continua aí. Também tem sido frequente que presidenciáveis de oposição se manifestem contra a proposta. Os que se elegeram, contudo, logo abandonam a ideia. Foi assim com Lula em 2002 e Bolsonaro em 2018. Idem o governador gaúcho, Eduardo Leite, que se manifestara contra a reeleição antes de se tornar chefe de governo no Rio Grande do Sul e acabou optando por disputar um segundo mandato – e conseguiu. Agora, Leite volta a defender o fim do instituto ao lado de seus colegas presidenciáveis do Consórcio Sul-Sudeste, Romeu Zema e Ratinho Júnior. Ambos, aliás, reeleitos para o governo de seus estados.

Desta feita, a proposta de extinguir o instituto ganha impulso adicional, pois tem sido defendida pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que tem poder de agenda no processo legislativo ­congres­sual. O senador colocou-a como pauta prioritária da casa que preside para este ano, aproveitando o embalo da discussão de um novo código eleitoral, relatado pelo colega Marcelo Castro. E ela se faz acompanhar de outra velha ideia muitas vezes brandida por integrantes de nossa classe política, mas nunca aprovada: a de unificar todas as eleições num único pleito.

Luiz Gonzaga Belluzzo* - Keynes, filósofo moral

CartaCapital

Ele insistia na direção inteligente, pela sociedade, dos mecanismos profundos que movem os negócios

Peço licença (ou desculpas) aos leitores de nossa ­CartaCapital: vou reapresentar uma de minhas obsessões prediletas. Diante da soberba “científica” de alguns economistas, arrisco minha reputação para celebrar os escritos de um filósofo moral que embrenhou sua sabedoria nos áridos territórios da Economia.

No artigo de 1930, “As Possibilidades Econômicas dos Nossos Netos”, Keynes projeta a vida social que pode nascer do avanço tecnológico e da rápida acumulação produtiva. O capitalismo, diz ele, criou as condições para a superação das limitações impostas milenarmente à satisfação das necessidades básicas dos indivíduos. Criou, mas não entregou.

Nesse texto perturbador para o ethos da sociedade aprisionada nas engrenagens da concorrência, Keynes escreve: “Devemos abandonar os falsos princípios morais que nos conduziram nos últimos dois séculos. Eles colocaram as características humanas mais desagradáveis na posição das mais elevadas virtudes. Não há nenhum país, nenhum povo que possa vislumbrar a era do tempo livre e da abundância sem um calafrio… Pois, fomos educados para o esforço aquisitivo e não para fruir… Se avaliarmos o comportamento e as realizações das classes abastadas de hoje, as perspectivas são deprimentes… Os que dispõem de rendimentos diferenciados, mas não têm deveres ou laços, falharam, em sua maioria, de forma desastrosa no encaminhamento dos problemas que lhes foram apresentados”.

Marcus Pestana* - Os desafios dos novos gestores municipais

Acreditando que as eleições de outubro não se perderão em um mar de ofensas, agressões e fakenews, nem na nacionalização artificial do processo eleitoral, e que o centro da discussão será o futuro das cidades e de sua gente, gostaria de pontuar alguns temas que me parecem essenciais e urgentes serem debatidos. Afinal, eleições na democracia deveriam, em tese, ser momento privilegiado de avaliar o passado e o presente da sociedade e suas interfaces com as políticas públicas, e, a partir disso, projetar o futuro desejado. E o êxito do horizonte escolhido depende essencialmente da eleição de bons prefeitos e vereadores. Não basta ter ideias claras, criativas, consistentes e exequíveis, mas é essencial também capacidade administrativa, habilidade política e um padrão de financiamento compatível com o programa de governo.