domingo, 21 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Planalto e Congresso devem prestar atenção a Haddad

O Globo

É preciso trazer um mínimo de racionalidade aos gastos, para evitar deterioração fiscal ainda maior

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seus ministros e os parlamentares deveriam ouvir com atenção o que tem a dizer o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para trazer um mínimo de racionalidade às medidas com impacto nas contas públicas. A mudança nas metas fiscais de 2025 e 2026, aparentemente uma concessão de Haddad, já deteriorou a credibilidade do governo. O pior que Planalto e Congresso poderiam fazer agora é acreditar que está aberta uma nova temporada de gastos sem limite.

Deputados e senadores são antenas da sociedade. É natural que verbalizem demandas dos grupos que representam. Também são legítimas as tentativas do Executivo de pôr em marcha seu programa de governo. O que não pode acontecer é um e outro adotarem medidas em favor de grupos de interesse sem lastro algum. A responsabilidade fiscal é obrigação não somente do Executivo, como Haddad costuma lembrar. A História ensina que “pautas- bombas” teimam em explodir no colo do povo. Aqueles que ainda insistem em causar dano às contas públicas precisam ser informados da realidade.

Míriam Leitão - A economia e o ruído político

O Globo

Boas notícias de aumento de renda e na safra surgem na economia, enquanto na política, o governo enfrenta pautas bombas e gritaria da extrema direita

O almoço do presidente Lula com alguns ministros e os líderes no Congresso já começou com as notícias do apaziguamento do presidente da Câmara, Arthur Lira. Isso é bom, mas do Senado é que veio o sinal mais pesado da semana. A aprovação na CCJ da volta do quinquênio para os magistrados é uma enorme bomba fiscal. Era a sexta-feira de uma semana em que houve instabilidade internacional, volatilidade da moeda, mudança na meta fiscal, ruídos com o Congresso, avanços do delírio da direita de que o Brasil é uma ditadura.

Enquanto há barulho em várias áreas e previsões piores nas contas públicas, a economia tem boas notícias. O IBGE informou que a massa de rendimento real aumentou 12,2% no ano passado, em relação a 2022, e que os 5% mais pobres tiveram o maior aumento da renda, 38,5%. A FGV calculou que a miséria está em seu menor nível da história.

Merval Pereira - A inevitabilidade da guerra

O Globo

Para Freud, a política era a continuação da guerra em outros termos. Mesmo considerando inevitável a guerra, Freud diz que ela é “a mais óbvia oposição à atitude psíquica que nos foi incutida no processo de civilização."

Num momento em que o mundo vive em permanente tensão, convivendo com duas guerras – a da Rússia contra a Ucrânia e a de Israel contra o Hamas e agora contra o Irã -, nada mais pertinente do que o lançamento do livro “Guerra e política em Psicanálise”, do psicanalista Joel Birman pela Civilização Brasileira.

Birman, que há pelo menos 20 anos tem como um de seus temas psicanálise e guerra, objeto central de um encontro internacional do Rio em 2003, analisa no livro o percurso histórico de Freud no estudo da guerra. A famosa troca de mensagens entre Freud e Einstein em 1932 sobre a possibilidade de evitar guerras entre as nações pode ser analisada como pano de fundo de uma discussão acadêmica sobre o tema que vigora até hoje.

Albert Einstein fez em carta a Sigmund Freud, o pai da psicanálise, uma pergunta: “Existe alguma forma de livrar a humanidade da ameaça de guerra¿” Nessa carta, escrita sob o desígnio da Liga das Nações, Einstein sugeria a instituição de um organismo internacional, mediante acordo entre as nações, que intermediasse conflitos que viessem a surgir. Seria a semente da Organização das Nações Unidas (ONU), que viria a ser criada.

Dorrit Harazim – Difícil

O Globo

Sob instrução do democrata Joe Biden, seu vice-embaixador junto à ONU desempenhou o melancólico papel de vetar a admissão da Palestina como membro pleno das Nações Unidas

Não é preciso ser um Voltaire para definir a História como o estudo de todos os crimes do mundo — a começar pelas guerras. Numa segunda categoria desses crimes, mais silenciosos, mas igualmente ruinosos, está deixar passar oportunidades capazes de mudar a História para melhor. Nesta semana, sob instrução do democrata Joe Biden, 46º presidente dos Estados Unidos, seu vice-embaixador junto à ONU desempenhou o melancólico papel de vetar a admissão da Palestina como membro pleno das Nações Unidas. Apesar de esperado, o veto solitário (Grã-Bretanha e Suíça se abstiveram, os outros 12 integrantes do Conselho de Segurança aprovaram a moção) pode ser considerado uma dessas oportunidades perdidas.

Elio Gaspari – A bagunça dos planos de saúde

O Globo

A repórter Cláudia Collucci contou o caso de Martha Treco, uma senhora de 102 anos que paga R$ 9.300 por mês à Unimed e recebeu um aviso de que seu plano de saúde foi cancelado. Grotesco, o episódio foi contornado, mas serve para mostrar a bagunça que vigora nesse mercado, prejudicando dezenas de milhares de pessoas. Vale recapitulá-lo:

A senhora é freguesa da Unimed desde 2009 e, no dia 28 de março, recebeu uma carta informando que “apesar de todos os nossos esforços para a manutenção da sua permanência”, o plano “será cancelado a partir de 1º de maio de 2024.”

Seu filho procurou a empresa e foi informado de que a Unimed estava no direito de cancelar o contrato. Como a Unimed disse numa nota, a empresa cumpre rigorosamente as leis e as normas da Agência Nacional de Saúde Suplementar. Essa é a verdade, amparada pela ANS. Se uma senhora de 102 anos paga um plano coletivo ou de adesão desde 2009, ela pode ser cancelada, ponto. Não há nada a negociar, nem se oferecem alternativas. Como se chegou às leis e normas que geram situações como essa, é outra história.

Vinicius Torres Freire - O PCC e as ruínas nacionais

Folha de S. Paulo

Deixamos o crime tomar o país até chegar à política; estamos gestando mais desastre

Nos anos 1990, autoridades do governo do estado de São Paulo diziam que o PCC não existia. Era uma fantasia da imprensa. Mas esse unicórnio havia sido fundado em 1993, até com estatuto.

Em 2001, o PCC já dominara presídios paulistas. Em 2002, passou a melhorar a governança. Bandidos mais destemperados perderam o poder ou a cabeça. Avaliou-se que a aliança com o Comando Vermelho não rendia sinergias. Profissionalizou-se a gestão, sob o comando de Marcos Camacho, aliás Marcola.

Com o levante de 2006, o PCC mostrou que era capaz de aterrorizar e paralisar São Paulo com ataques a policiais, rebeliões em presídios, boatos, atentados e crimes em geral.

Eliane Cantanhêde - Lula versus Lira, Pacheco e o PT

O Estado de S. Paulo

Ao se voltar para dentro, Lula melhora a política interna e reduz danos na externa

Finalmente acendeu a luz amarela, já tendendo para o vermelho, e o presidente Lula decidiu arregaçar as mangas para reduzir tensões e melhorar a relação entre os três poderes. Além de Rodrigo Pacheco (Senado), Arthur Lira (Câmara) e ministros do Supremo, atenção ao encontro que ele terá com a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, nesta semana. A pauta é eleições municipais, mas Lula vai cobrar. O pau comendo e cadê os líderes do governo, as bancadas do PT, os ministros petistas? Não é com eles?

O saldo da reunião de Lula com líderes na sexta-feira foi especialmente bom para Arthur Lira, que deixou de ser o principal vilão. As culpas passaram a ser distribuídas mais democraticamente. Pacheco não é mais o mocinho da história, o PT tem de ganhar protagonismo pró-governo e Gleisi não pode aparecer só para bater em Fernando Haddad, da Fazenda, e badalar a “democracia relativa” da Venezuela, como diz Lula, e a “democracia efetiva” da China, como avaliza a própria Gleisi. Ajuda ou atrapalha?

Celso Lafer - Democracia, confiança e plataformas digitais

O Estado de S. Paulo

A era digital confere inédita abrangência ao sentimento de ódio que coloca em questão a pluralidade e a diversidade da condição humana, bases da sociedade democrática

A democracia requer confiança. A confiança recíproca entre os cidadãos e destes nas instituições, como diz Bobbio. A confiança exige transparência. A cidadania precisa saber quem é quem, o que faz e quais são seus parceiros na vida pública. A institucionalização da confiança passa pelas boas leis e pressupõe o cumprimento das regras da democracia.

O fundamento ético da democracia é o reconhecimento da autonomia de todos, sem distinções. Isso significa realçar na relação governantes/governados a relevância da perspectiva ex parte populi, que se traduz pelo voto. Daí a importância de eleições periódicas nas quais os eleitores votam livremente, de acordo com a melhor informação, formada na livre concorrência da disputa entre partidos.

No jogo democrático, a decisão se desenvolve de baixo para cima, a partir dos eleitores. Eleger (eligere) é escolher, designar, o primeiro verbo da gramática da democracia, como aponta Michelangelo Bovero. Daí a importância capital da integridade do processo eleitoral, que tem na Justiça Eleitoral um guardião da lisura do seu processo. A pergunta, na hora presente, é se é possível transpor por analogia para o mundo virtual a regra do que é permitido/proibido no mundo real. O desafio é como tornar realizáveis estes valores no novo mundo virtual, aquilo que no seu instantâneo abrangente escapa aos tradicionais ritmos da vida jurídica.

Ignácio de Loyola Brandão - Ressurreição dos mortos

O Estado de S. Paulo

Muitos se remoíam, parentes que podiam render tinham falecido. Foram pedidas exumações

Tudo aconteceu depois que se viu a jovem levando o tio – talvez já morto – para conseguir empréstimo. Viralizou, provocou efeito cascata. Acendeu uma luz em cada cabeça. Levar parentes queridos aos bancos para cavar um auxílio usando a malandragem brasileira. Em um átimo estavam caçando parentes. Tem tosse? Vem comigo? Disenteria? Refluxo? Urina solta? Flatulência? Redes sociais funcionaram. Maioria dos políticos não se importou, vive de emendas parlamentares, rachadinhas.

Luiz Carlos Azedo - A luz do poeta Joaquim Cardozo na arquitetura de Brasília

Correio Braziliense

Muitos arquitetos e engenheiros vieram para Brasília com Niemeyer. Deixaram suas marcas na cidade. O próprio Lucio Costa projetou a Torre de TV e a Rodoviária

João Cabral de Melo Neto escreveu um lindo poema em homenagem ao também poeta e engenheiro Joaquim Cardozo, parceiro de Oscar Niemeyer e Lucio Costa na construção de Brasília. Inspirou-se em Diego Velázquez, um pintor barroco do século XVII e principal artista da corte do rei Filipe IV da Espanha, que abriu as portas para o realismo e o impressionismo de Édouard Manet, Pablo Picasso e Salvador Dalí. Sua obra-prima é Las Meninas (1656), que se encontra no Museu do Prado, em Madrid.

A síntese da obra de Velásquez é o foco de luz num mundo sombrio, com o qual João Cabral homenageia o grande calculista do concreto armado de Brasília. “Escrever de Joaquim Cardozo/ só pode quem conhece/ aquela luz Velásquez/de onde nasceu e de que escreve / A luz que das várzeas da Várzea/ onde nasceu, redonda /vem até o ex-Cais de Santa Rita/ que viveu: luz redoma, / luz espaço, luz que se veste, / leve como uma rede, / e clara, até quando preside/ o cemitério e a sede”.

Bernardo Mello Franco - Ziraldo e a ditadura

O Globo

Cartunista amargou três prisões e perdeu cinco empregos por pressão militar

Em maio de 1974, o presidente da Caixa Econômica enviou uma carta ao ministro da Justiça. Queria ouvi-lo sobre as “implicações político-ideológicas” de renovar um contrato de publicidade da Loteria Federal. A campanha era estrelada por um famoso personagem de quadrinhos: Jeremias, o Bom. O que preocupava era o criador do desenho: o cartunista Ziraldo, persona non grata para a ditadura militar.

A correspondência de Karlos Rischbieter deu origem a um processo sigiloso, que passou a perambular pela burocracia do regime. Consultada, a Divisão de Segurança e Informações sustentou que o artista gráfico seria ligado a “atividades subversivas”. Apoiou o movimento estudantil, foi fichado como comunista e publicou um desenho que intrigou o tenente-coronel aviador Juarez de Deus Gomes da Silva.

Antonio Fausto Nascimento* - Roberto Freire

(20/4/24)

O Brasil e Pernambuco devem a Roberto Freire resistência à ditadura militar, durante maior período repressivo, contributo ao melhor da Constituição de 1988, aperfeiçoamento da Lei de Anistia de 1979, legalidade dos partidos proibidos, em mandato de deputado estadual, seis de deputado federal, um de senador, por Pernambuco e São Paulo, líder do governo Itamar Franco na Câmara Federal, Ministro de Estado no governo do MDB.

Poucas personalidades políticas brasileiras com carreira tão extensa e diversificada. Liderança do antigo PCB, que promoveu transição da estreiteza dogmática de caserna ao socialismo com democracia e legalidade, substituindo velha sigla por PPS e atual Partido Cidadania, de grande futuro na sociedade brasileira.

Celso Rocha de Barros - Para onde, direita?

Folha de S. Paulo

Não me parece óbvio que Tarcísio, Caiado ou Zema sequer tenham interesse em moderar o bolsonarismo

Poucas coisas fazem mais falta ao Brasil do que uma direita responsável que, como o PT e o falecido PSDB, se especialize em ganhar eleições presidenciais.

Desde os anos 1990, os partidos brasileiros se especializaram em coisas diferentes. O PT e o PSDB, cada um com seus aliados mais tradicionais (PC do B, PFL, etc.) disputavam a Presidência. Outros partidos, como o PMDB ou o PP, se especializaram em vender apoio no Congresso a quem elegesse o presidente.

Entre 1994 e 2014, PT e PSDB discordaram sobre quase tudo, mas mantiveram ao menos um interesse comum: a Presidência da República, como instituição, tinha que continuar forte.

Bruno Boghossian - Necessidade e oportunidade

Folha de S. Paulo

Necessidade e oportunidade podem ilustrar variação nos anos Lula e Bolsonaro

Num evento recente, Lula reconheceu que o governo enfrentava risco de greves e acrescentou: "A gente pode até não gostar, mas elas são um direito democrático dos trabalhadores". Dias depois, seguiu roteiro parecido. Disse estar empenhado numa reforma agrária "sem muita briga" e fez um reparo: "Isso sem querer pedir para ninguém deixar de brigar".

A ação de movimentos sociais e entidades de classe pode ser descrita como um produto de dois fatores: necessidade e oportunidade. A incidência de manifestações é maior quando há demandas que pressionam esse grupos e quando há abertura para que as reivindicações sejam feitas e levadas em conta.

Muniz Sodré - Criminal country

Folha de S. Paulo

Inconcebível que 129 parlamentares sejam favoráveis à autoria da execução da vereadora Marielle Franco

Num país cuja república rezou pelo catecismo positivista, apostando no progresso como desenvolvimento da ordem, é tentador invocar o evolucionismo de Augusto Comte para abordar situações sociais. Ainda que a involução dê a tônica. É o caso da segurança pública, que vira questão nacional, decisiva para avaliação do nível de vida, tanto por autoridades como por humildes componentes da cidadania urbana. Talvez seja hoje o único ponto de consenso entre elites e povo.

O problema é do país inteiro, mas o Rio oferece maior espelhamento pela magnitude da promiscuidade entre política e crime: o fato social desaparece num Triângulo das Bermudas da civilidade. Não mais Estado paralelo, mas "infiltração do Estado formal pelo crime", como sustenta o jurista Abel Gomes (em "Crime Organizado e suas Conexões com o Poder Público"). Milicianiza-se a existência, basta curto percurso de táxi para ouvir uma história de vida abusiva.

Hélio Schwartsman - Ações e reações

Folha de S. Paulo

Livro destrincha os problemas da imigração da América Central para os EUA

"Everyone Who Is Gone Is Here" (todo mundo que se foi está aqui), de Jonathan Blitzer, é um livro muito bem construído, desde já candidato a clássico sobre imigração.

Blitzer combina análise política com histórias humanas. Começa nas primeiras décadas do século 20, quando os EUA escolheram ditaduras amigas para apoiar, e termina nos dias atuais, detalhando disfuncionalidades de governos de El SalvadorGuatemala e Honduras. A lupa do autor recai sobre personagens desses três países que em algum momento rumaram para os EUA e depois voltaram para a terra de origem, por vontade própria ou deportação.