terça-feira, 23 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Não, o Brasil não está sob uma ditadura

O Estado de S. Paulo

No Rio, Bolsonaro insiste na falácia de que estamos sob ‘ditadura do Judiciário’. Mas o País sabe o que é uma ditadura: é justamente aquela que os bolsonaristas tanto querem restabelecer

A manifestação bolsonarista ocorrida no domingo passado, na orla de Copacabana, esteve alicerçada em uma grande mentira, qual seja: o País estaria submetido a uma “ditadura”, em particular uma “ditadura do Judiciário”, materializada por uma série de decisões do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Alexandre de Moraes.

Em que pesem as legítimas críticas que possam ser feitas aos métodos de Moraes, nada poderia estar mais distante da realidade. O Brasil não está sob “ditadura do Judiciário” nem sob qualquer outra forma de ditadura. Essa falácia, que de resto banaliza o horror de um estado de violência política real, mal consegue esconder seus desígnios antidemocráticos.

Os simpatizantes que atenderam ao chamado de Jair Bolsonaro para sair de suas casas para defendê-lo naquele dia ensolarado ouviram o ex-presidente questionar em alto e bom som a higidez da democracia no País. Na visão maliciosa de Bolsonaro, só sob uma “ditadura”, afinal, ele poderia ter sido julgado e condenado à inelegibilidade pelo TSE – e não como consequência de seu envolvimento pessoal e direto, na condição de presidente da República, em uma aberta campanha de desinformação sobre a lisura das eleições brasileiras, com o intuito de deslegitimar uma vitória da oposição.

Merval Pereira - Segurança pública no foco

O Globo

Por isso é bom sinal Lewandowski ter resgatado a tese de que responsabilidade pela segurança pública não pode ser apenas dos governos estaduais

A gravidade da situação da segurança pública no país está levando a que volte a ser discutida a necessidade de uma coordenação nacional do combate ao crime organizado. Se não for possível politicamente recriar um ministério, ou secretaria extraordinária, o avanço seria a implementação do Sistema Único de Segurança Pública (Susp), que não saiu do papel desde 2018. Ele foi criado no governo Michel Temer, quando Raul Jungmann era ministro extraordinário.

O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, colocou novamente o tema em debate ontem, quando ressaltou que o modelo de segurança previsto pela Constituição se alterou diante das novas dinâmicas do crime, e não é mais possível manter a compartimentalização de atribuições entre os diferentes níveis da Federação. Pela Constituição, a segurança pública é tarefa dos governos estaduais.

Quando ministro da Justiça, Flávio Dino começou a colocar em prática a coordenação nacional, fazendo com que Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e polícias locais trabalhassem em conjunto. Agora, Lewandowski se dispõe a aprofundar essa coordenação.

Rubens Barbosa - O Brasil e a Defesa nacional

O Estado de S. Paulo

Congresso e sociedade têm de olhar para o futuro e concentrar seus esforços no fortalecimento do Ministério da Defesa, chefiado por um civil, e na modernização das Forças Armadas

A História nos ensina que alguns fatos, de natureza simples, podem se transformar em marcos divisores na vida dos países, com fortes consequências para as futuras gerações. São fatos que se tornam simbólicos por representar uma mudança de atitude, de comportamento e de trajetórias que caracterizaram a vida política até aquele momento.

O Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar definitivamente, por unanimidade (11 a 0), que o artigo 142 da Constituição federal não comporta a interpretação de que as Forças Armadas representam um Poder Moderador entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, criou um fato histórico. A decisão pode ser considerada como uma virada de página no longo e conturbado relacionamento entre civis e militares ao longo dos últimos 120 anos no Brasil.

Desde a Proclamação da República até 1985, a interferência e participação dos militares na política foi fator de instabilidade interna e de restrição à democracia no País. As Forças Armadas, como instituição de Estado, nos últimos 40 anos, em especial nos últimos cinco, ao contrário do que ocorreu no passado, não assumiram uma posição ideológica e evitaram interferência que pudesse ameaçar o Estado Democrático de Direito, como estimulado pelo governo anterior. Essa mudança de atitude – de espécie de tutela da Nação para o grande mudo – reforça a percepção de que a decisão do STF possa ser vista como histórica.

Luiz Carlos Azedo - Lula não tem empatia com o centro conservador

Correio Braziliense

Existe um problema de desempenho nos ministérios, mas só a boa comunicação e menos mancadas de Lula podem melhorar a percepção sobre os resultados positivos do governo

Uma pesquisa do Ipec, divulgada ontem, mostrou que 18% dos brasileiros se dizem de esquerda, 28% e centro e 41% de direita — ou seja, a direita tem 23 pontos a mais do que a esquerda. Ocorre que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, embora tenha uma composição bastante ampla — que abarca partidos de direita, como o União Brasil, o PSD, o PP e o Republicanos —, não é percebido pela população como um governo de coalizão democrática.

O PT se esmera para que a percepção seja a de que é um governo de esquerda, corroborado pelo confronto permanente de Lula com Bolsonaro e certas declarações que reforçariam um viés estatizante, nacionalista e antiamericano. O fato é que na disputa pelo centro político, que diminuiu de 34% para 28%, a direita tem levado a melhor. Lula obteve muitos votos de centro, e até de direita, principalmente de mulheres, no segundo turno das eleições, quando teve o apoio de Simone Tebet (MDB). Esses votos se descolaram e muitos podem migrar para a direita.

Com Bolsonaro inelegível, a possibilidade de Lula enfrentar um adversário em condições de disputar esses votos de centro com certa facilidade é muito grande. Quatro governadores de estados importantes são capazes de atrair esse eleitorado, em seus respectivos estados. Todos estão posicionados para serem candidatos em 2026 e já buscam projeção nacional: Ronaldo Caiado (União Brasil), de Goiás; Romeu Zema (Novo), em Minas; Ratinho Junior (PSD), no Paraná; e Tarcísio de Freitas (Republicanos), em São Paulo, o único que ainda pode concorrer à reeleição.

Eliane Cantanhêde – O professor e o pupilo

O Estado de S. Paulo

Entre um livro e outro, Haddad tirou 10 na articulação política. E Lula?

Ao lançar o programa Acredita, para financiar pequenas empresas, ativar o consumo e aquecer a economia, o presidente Lula cobrou de Fernando Haddad que converse mais com o Congresso, em vez de ficar lendo livros. Meio brincadeirinha, meio puxão de orelhas, a frase suscitou uma dúvida: e se o professor Haddad revidar? “Chefe, por que o sr. não lê mais livros, artigos e reflexões para se atualizar, em vez de falar tanta bobagem na economia e na política externa?”

A fala de Lula aumenta a sensação de que algo não vai bem na relação dele com Haddad, o dileto pupilo político que ocupou seu lugar na cabeça de chapa de 2018 e tem sido de uma lealdade a toda prova, apesar de tudo. Haddad anda com ar cansado, despenteado, sem o vigor de 2023, quando foi a melhor surpresa e o grande troféu do governo.

Carlos Andreazza - Tesoura voadora

O Globo

“Éramos felizes e não sabíamos” antes da existência das redes sociais. Talvez. Nada contra o saudosismo. Idealizações do passado compõem o acervo das conversas jogadas fora e não raro acomodam, diluem, nossas incompreensões (e outros impulsos do pequeno xandão havido em cada um de nós). Têm seu valor.

Era mais feliz quando o adversário não passava por mim sem que eu nem sequer visse a bola. Quem nunca contestou o passar do tempo — o drible fácil do garoto de 20 anos — com fantasias sobre a própria juventude? Tem a ver com reação. Poderia lhe aplicar uma tesoura voadora. Fazê-lo voar. Mais provável que não o acertasse; que o machucado fosse eu.

Tem a ver com controle. Com a perda de controle. Tudo bem, não sendo você juiz da Suprema Corte. Não sendo o juiz sob cujos inquéritos, onipresentes e eternos, pratica-se censura prévia. Em redes sociais.

Andrea Jubé - A hora e a vez de um mineiro no Planalto

Valor Econômico

Entre as raposas felpudas ainda em atuação na política nacional, há quem afirme que falta no entorno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva um mineiro com os predicados de Tancredo Neves para dialogar com o Congresso. Se lhe cobravam uma postura mais incisiva, Tancredo devolvia com suavidade: “Não há mineiro que não seja conciliador. Não há mineiro que seja radical”.

Nos mandatos anteriores, Lula cercou-se deles no palácio: além do vice José Alencar (morto em 2011), teve José Dirceu na Casa Civil, Luiz Dulci, na Secretaria-Geral, Walfrido dos Mares Guia, na articulação política, Ricardo Berzoini, nas pastas do Trabalho e da Previdência.

Maria Cristina Fernandes - Ao resgatar ‘orçamento secreto’, Dino incomoda Congresso

Valor Econômico

Despacho questiona a efetividade do cumprimento da decisão do Supremo sobre a transparência da execução orçamentária

O despacho do ministro Flávio Dino da sexta-feira, 19, intimando os presidentes da República e da Câmara e do Senado para que se manifestem em 15 dias sobre o descumprimento da decisão do Supremo Tribunal Federal que pôs fim ao “orçamento secreto” gerou a expectativa de que o processo possa vir a devolver a iniciativa orçamentária ao Executivo. Não apenas com a reversão efetiva do “orçamento secreto” mas também com uma possível inconstitucionalidade das chamadas “emendas pix”. O processo iniciado por Dino não é capaz de modificar a decisão do Supremo mas de lhe dar efetividade.

Pedro Cafardo - Entenda o debate sobre o retrocesso da indústria

Valor Econômico

Modelo da Cepal foi distorcido por governos que tornaram proteções temporárias em permanentes

Por que a indústria brasileira perdeu sua extraordinária pujança do período 1930 a 1980? Essa pergunta continua provocando divergências e inspirando trabalhos acadêmicos.

Em 26 de março, destacamos aqui um “paper” dos professores Antonio Marquetti (PUC-RS) e Pedro Cezar Dutra Fonseca (UFRGS) que analisa o processo histórico e sugere estratégias para a reindustrialização.

Voltamos ao tema para registrar algumas contestações ao trabalho e réplicas. Em resumo, Marquetti e Fonseca citam vários fatores que levaram à desindustrialização: abandono do projeto nacional e desestruturação do Estado; fortalecimento do poder econômico-político da burguesia financeira, fomentado pela elevação dos juros reais e dos lucros financeiros, enquanto a burguesia industrial perdia espaço; reformas com liberalização do comércio; privatizações de estatais, inclusive de bancos estaduais que financiavam a indústria; aumento da dívida interna por causa dos juros elevados; taxa de câmbio valorizada, com efeito negativo na competitividade da indústria.

Míriam Leitão - Relatos do Vale do Javari

O Globo

Novas e antigas lideranças indígenas denunciam que a região continua sendo invadida e correndo perigo

O Vale do Javari continua correndo riscos, há cada vez mais invasões e, mesmo tendo mudado o governo, os invasores continuam entrando. Esse é o recado de lideranças velhas e novas de várias etnias. Por quatro horas estive numa roda de conversa entre gerações dos povos do Vale. “Nós mesmos estamos tendo que fiscalizar nossas terras”, disse o cacique Waki Kaissuma Mayoruna. “O indígena tem que prender o caçador, a polícia disse que não é para prender, mas ela não prende”, disse com a ajuda de um tradutor. Waki Kaissuma, uma das lideranças mais fortes do Vale, mora na fronteira binacional com o Peru.

Adriana Fernandes - Pauta-bomba econômica é afronta à sociedade

Folha de S. Paulo

É preciso carimbar quem patrocina projetos que geram gastos públicos

A pauta-bomba é uma praga que prolifera em Brasília, ainda mais em tempos difíceis para a equipe econômica.

É uma arma apontada para derrubar os afogados a sangrar o orçamento público –que não é do governo Lula, mas de todos os brasileiros.

Tem uma espécie de pauta-bomba que é gestada para não ir mesmo adiante. A finalidade dos produtores desse tipo de coisa é conseguir nos bastidores o avanço de temas mais espinhosos e, na maioria das vezes, ainda mais custosos.

PEC do Quinquênio, que estabelece um adicional por tempo de serviço e turbina os salários de juízes, promotores, delegados da Polícia Federal, defensores e advogados públicos, é uma dessas pragas.

Dora Kramer - Cândidos, os otimistas

Folha de S. Paulo

São ingênuos ou simulam otimismo os que enxergam paz na crise entre Lira e Lula

O desacerto entre Executivo e Legislativo está de tal maneira intenso que o presidente Luiz Inácio da Silva se viu obrigado a fazer o que imaginou não ser preciso depois de dois mandatos bem-sucedidos na relação com o Congresso: entrar com seu peso no varejo da articulação político/partidária.

Para isso, Lula teve de dar um tempo na execução do projeto de se firmar como liderança internacional. A razão, sabemos, é a mudança da realidade anteriormente vivida pelo presidente tanto quanto aos posicionamentos dele no âmbito mundial como a alteração da correlação de forças na sociedade, no Parlamento e na configuração da equipe presidencial, hoje bem mais fraca.

Hélio Schwartsman - Tentação final

Folha de S. Paulo

Governo Lula apresenta bons resultados na economia, mas eles não se convertem em popularidade

Lula vem dando sinais de que está preocupado com as pesquisas que mostram uma piora na avaliação de sua administração. O movimento não surpreende. É natural que a popularidade se desgaste à medida que transcorre o mandato. Dada a tendência global de mau humor dos eleitores para com seus dirigentes, Lula até que não está mal. Outros líderes de democracias, como Biden, Scholz, Trudeau e Macron, vivem situação bem pior.

João Pereira Coutinho - Memórias póstumas de Rushdie

Folha de S. Paulo

Em novo livro, escritor aborda ataque que sofreu em 2022

Não é preciso morrer para escrever uma obra-prima. Mas Salman Rushdie, dessa vez, exagerou: no dia 12 de agosto de 2022, enquanto discursava no palco de um anfiteatro, foi brutalmente esfaqueado por um criminoso de 24 anos.

Sobreviveu, ninguém sabe como. E publicou agora o relato dessa quase-morte –"Faca: Reflexões sobre um Atentado"–, com uma lucidez e ironia que só não são invejáveis porque o horror que as permitiu não é coisa que se inveje.

A ironia está no lugar do crime e no motivo que levou Rushdie até lá: Chautauqua, pequena cidade no norte do estado de Nova York, para falar sobre a importância de proteger os escritores dos seus eventuais inimigos.

Mal comparando, é como imaginar Chapeuzinho Vermelho falando sobre os perigos da floresta para uma alcateia de lobos.

Foi então que um lobo se levantou da audiência, correu para Rushdie e, durante 27 segundos (o tempo que demora a recitar um soneto de Shakespeare, esclarece ele), foi desferindo golpes sobre golpes –no rosto, no peito, no olho direito–, exatamente como Rushdie sempre imaginou que aconteceria.

Joel Pinheiro da Fonseca - o Brasil é de direita?

Folha de S. Paulo

O fato é que o presidente é muito maior do que a esquerda nacional

Dezoito por cento do eleitorado se considera de esquerda, 28% de centro e 41% de direita, segundo pesquisa do Ipec. Sendo assim, como é possível que tenhamos um governo de esquerda?

O fato é que Lula é muito maior do que a esquerda nacional. A mesma pesquisa também mostra isso. Dos que votaram nele no segundo turno em 2022, 33% se consideram de esquerda, 29% de centro e 27% de direita. É por isso que o espectro da aposentadoria de Lula —que tem, no máximo, sete anos de Presidência pela frente— deve tirar o sono de muitas lideranças do PT. Como não encolher depois que Lula sair de cena? Boulos, Gleisi, Janja; todos esses são esquerdistas de verdade, coisa que, no Brasil atual, não é vantagem.